sexta-feira, 5 de julho de 2019

As bases e a exigência

"Quando nos apresentaram e nos deram o Benfica quando ainda estávamos no processo de escolher este ou outro clube apresentaram-nos um clube que sempre teve a exigência máxima. Ser do Benfica é ser campeão, ser do Benfica é ganhar ou pelo menos ter a consciência que vamos tentar ganhar tudo em que nos metemos. Sempre foi esta a mentalidade e faz tão parte do adn Benfiquista como faz o Eusébio. Se nos metemos lá é para ganhar, ou pelo menos pensar assim mesmo que não o consigamos.
Apesar disto, muitas vezes temos de ser pragmáticos e considerar as circunstâncias em que estamos na altura.
Tomemos como exemplo esta passada época de futebol. A época em Janeiro já estava perdida para a maior parte de nós, eu incluído, apesar de estarmos ainda em todas as competições(não estávamos na champions mas ainda assim estávamos numa prova europeia) mas poucos acreditavam que conseguíssemos ganhar alguma delas. Aí as expectativas eram baixas, até a taça de Portugal ou da Liga já eram um prémio de consolação para uma época desastrosa. Entra Bruno Lage, começamos a jogar, a exigência sobe, e de que maneira. Secalhar no início não acreditávamos no campeonato, a distância ainda era grande, mas pelo menos a taça da liga ou mesmo a taça de Portugal já pensávamos mais ao alcance. Ficámos tristes com a eliminação das duas porque tínhamos nesse momento reais hipóteses de as ganhar, se estivéssemos a jogar como jogamos a primeira metade de época penso que aa desilusão seria menor porque seria uma coisa já meio esperada. A taça da liga foi o que foi, mas na taça de Portugal tivemos toda a culpa tal como na liga europa.
Lá veio o campeonato e tudo acabou a bem. Não sei se têm noção o feito que foi ganhar o campeonato nesta última época, porque nem eu tenho real noção disso mas foi pelo menos um feito que ninguém antes tinha feito cheio de records.
Para haver uma hipótese de ganhar ou ser candidato a algo tem de haver pelo menos uma base estável onde começar o trabalho, o trabalho tem de ser pensado antes, tem de ter um princípio, um meio e um fim, tem de haver um caminho pensado e todos os dias caminhar até lá.
Esta época não houve isso. Lage pegou numa equipa partida e desfeita com jogadores que não foi ele que os escolheu e mesmo assim conseguiu este feito. Como tal tínhamos de adaptar as nossas expectativas à situação, ganhar o campeonato já foi até mais do que imaginávamos em Dezembro. Perder as taças passou a algo secundário, derivado das circunstâncias. Esta época a história é diferente. O plantel está estável, houve muitas renovações, a maioria do plantel vai ser o mesmo, o treinador vai ser o mesmo, com a mesma forma de trabalhar que a maioria dos jogadores já se habituou, pelo que a nossa exigência este ano terá de ser maior também. Este ano há desde o início todas as condições e ferramentas para fazer uma época brilhante. Este ano a exigência tem de ser ganhar tudo nacional e fazer uma boa e digna prestação na Europa, para mim o mínimo dos mínimos aqui serão os oitavos da champions, se bem que estando num 3o pote e calhando um grupo daqueles possa vir a ser complicado. Mas ainda assim não podemos passar mais um ano a ser humilhados na europa, fazer o que conseguimos e deixar boa imagem.
Esta época tem de ser uma época à Benfica e para mim não admito nada menos que isso porque, lá está, todas as condições para tal acontecer estão finalmente reunidas, a exigência está mais alta que nunca, como sempre nos habituaram, e como o Benfica tem de ser.
Não há desculpas, isto é o Benfica. Venha o bi, venha o Jamor, venha aquela taça que parece que agora já é importante e venham grandes noites europeias.
Venha o Benfica."

Sejam como Robben

"O homem de cristal pendurou as chuteiras. Depois de mil diagonais da direita para o centro e de uns quantos golos em modo de fotocópia, é válido e justíssimo instaurar o “golo à Robben”. Ainda hoje nos perguntamos como é possível que o mesmo movimento resulte tantas e tantas vezes. Todos sabiam o que ia acontecer, mas poucos conseguiam impedir que acontecesse. O holandês deixa-nos obras de arte para recordarmos durante algum tempo – como a maldade que fez a Iker Casillas no Mundial 2014.
Robben está longe de ser o protótipo de jogador perfeito. Tinha tendência para o individualismo e queria ser protagonista, desprezando a equipa em certos momentos. Só usava o pé direito para subir para o autocarro. Andava sempre a mil à hora, deixando a racionalidade de lado. Nunca foi um grande atleta, bem pelo contrário. Certamente estão a achar estranho que, no momento em que acaba a carreira, eu esteja a fazer uma lista de defeitos e não de qualidades, mas é precisamente aí que quero chegar. O holandês era um futebolista singular, rebelde, com um estilo só dele. Não cumpria os padrões. Fazia o que queria, como queria. Pensemos: existe outro igual a Robben?
Numa altura em que os jogadores estão cada vez mais formatados para obedecer a regras, quem nos diverte são os artistas com pensamento próprio. Terá sido sempre assim, por certo, mas agora é a dimensão táctica que está no topo da pirâmide - há treinadores que querem ser mais importantes do que quem vai lá para dentro. Criam-se “profissionais” desde cedo, com todas as ferramentas possíveis para chegarem lá acima e entrarem nesse sistema. Já vão longe os tempos em que os miúdos cresciam com a bola e a utilizavam como queriam.
Para ser futebolista, Robben inspirou-se nele próprio. Não deve ter visto assim tantos jogos na televisão e não ficou contaminado pela necessidade de comparação que as redes sociais nos trouxeram. Quantos querem imitar Messi, Ronaldo ou Neymar, mesmo que seja de forma inconsciente? É mais difícil desenvolver um estilo único quando olhamos demasiado para os outros. E nós, que vemos de fora, também andamos constantemente a tentar encontrar semelhanças em vez de valorizarmos as diferenças. Todos já imaginámos estar a ver um “novo Messi” ou um “novo Ronaldo” quando um rapaz de 16 anos faz algo que nos recorde os craques. São vícios prejudiciais, claramente.
Não há jogadores iguais, mas há jogadores cada vez menos diferentes. O futebol precisa de Riquelme, Ibrahimovic e Dani Alves. De gente que pense pela própria cabeça. De quem nos aumente o campo da imaginação. Esses serão sempre lembrados pela magia e pelo estilo inconfundível. Todos temos uma atracção por quem vive segundo as próprias regras, não é verdade? Sejam como Robben – mas não iguais a ele."

As ondas, se calhar, regressam

"Jack Cock, apesar da desagradável cacofonia, tinha uma habilidade formidável para ser goleador e tenor, nos palcos e nos campos

As ondas nunca regressam. Não sei se quando os Genesis cantavam esta frase «Ripples never come back» – pensavam no mar da Cornualha, esse bico da Grande Ilha para lá da Mancha, onde as águas são azuis como as raparigas azuis de olhos azuis de Tony Banks e Mike Rutherford. Uma vez estive no Pentire Point e nos The Rumps. Foi lá que Lawrence Binyon escreveu For the Fallen, o poema dedicado aos que caíram na I Grande Guerra:
«At the going down of the sun and in the morning
We will remember them».
Haverá sempre jovens que nunca envelhecerão, tal como John Gilbert Cock, o primeiro jogador da Cornualha a vestir a camisola da seleção de Inglaterra, em 1919.
Cinco anos antes, John estava em França. Até certo ponto, também vestia a camisola de Inglaterra: a farda de sargento-mor do exército britânico. Um dia, a mãe recebeu a notícia do seu desaparecimento em combate. Foi para mães como as de Cock que Binyon publicou o seu poema no The Times no dia 21 de Setembro de 1914:
«With proud thanksgiving, a mother for her children
England mourns for her dead across the sea
Flesh of her flesh they were, spirit of her spirit
Fallen in the cause of the free».
Só que no caso de John, a onda voltou para trás e ele reapareceu, vivo, num campo de batalha, carregando às costas um companheiro que morrera pelo caminho. Não era homem para deixar para trás os companheiros. Nem mesmo os companheiros mortos. E, por isso, espetaram-lhe no peito, um pouco ao lado do coração, a medalha de Bravery in the Field a par de outra que premiava a sua galanteria em combate.
Antes de se bater nos campos da Flandres, Jack Cock, como lhe chamavam, sem grande respeito, acrescente-se, já que a cacofonia é deveras desagradável, batia-se galantemente nos campos de futebol, primeiro de forma absolutamente amadora, depois como profissional no Huddersfield, no Brentford, e principalmente no_Chelsea, no Everton, no Plymouth e no Millwall, com a notoriedade de se ir tornando um avançado-centro cada vez mais assassino à medida de que os anos lhe iam carregando as pernas.
Em 1930, Jack estava no Milwall. Outro Jack, Jack Raymond, realizador de cinema, resolveu que o futebol era um bom tema para um filme e deitou mãos à obra em The Great Game, para muitos o primeiro totalmente dedicado ao nobre jogo bretão. Terá sido ou não, não vou aqui discuti-lo, seria como discutir se as ondas regressam ou não, portanto, «sail away away», e algo que não merece dúvidas é que criou uma série de clichés para todos os filmes com futebol pelo meio meio que viriam a seguir. A personagem principal é Dicky Brown, um jovem ponta-de-lança que se bate, mais denodadamente do que galantemente, por um lugar no ataque do Manningford FC, um clubezinho medíocre que, graças a ele, vence a Taça de Inglaterra. O galanteio guardava-o o manhoso Dicky – o trocadilho é nixonianamente intraduzível – para a filha do presidente do Manningford FC. Desagradado com o galifão, o patrão insta o treinador a deixá-lo de fora da equipa para que jogue o veterano e menos sedutor Jim Blake, interpretado por Jack Cock, esse mesmo, que fora medalhado por garbo em 1914 mas decaíra nas preferências femininas nos dezasseis anos que se seguiram. Lá está:
«Ripples never come back
Gone to the other side...».
The Great Game não é tão longo como um jogo de futebol, limita-se a 79 minutos, mas marcou os espectadores pelo realismo das imagens. Eram tão reais que eram verdadeiramente reais. Como aconteceu com O Leão da Estrela, de Arthur Duarte, em Portugal, em 1947, com cenas de um FC Porto-Sporting que metia os Cinco Violinos e tudo, mais charuto e mais tens aí vinte paus que me emprestes ò Baratinha, mas tiradas de um jogo para ilustrar outro que nunca existiu.
A maior parte de The Great Game é rolada em Stanford Bridge, que já tinha sido casa de Jack Cock entre 1919 e 1923, e claro que o povo adorou até porque outros jogadores famosos da época, como George Mills, Andy Wilson, Sam Millington e Billy Blyth, fizeram parte da trama. E Raymond fez o favor de dar uns instantes a um rapazinho com ambições a actor, um tal de Rex Harrison, que se estreou na tela e, por seu lado, também foi tão herói de guerra como Cock, mas na II Grande Guerra, naturalmente, como piloto da Royal Air Force.
Eu sabia que os Genesis não tinham surgido por aqui à toa. É que Jack Cock, além de actor-jogador (em 1920 já tinha surgido no filme mudo The Winning Goal), tinha uma voz formidável e usava-a no balneário, antes dos jogos, para desfiar canções de alento aos seus companheiros. Pretensão nunca lhe faltou. Usou a sua arte de tenor para subir aos palcos de Brick Lane. Faltou-lhe cantar:
«For an hour a man may change
For an hour her face looks strange».
Quem diz hora, diz hora e meia."

João Félix, o desafio é tremendo

"O último mês trouxe ao miúdo provavelmente tudo aquilo que ele não precisava Em pouco mais de seis meses a vida de João Félix deu uma cambalhota completa. O que geralmente não é bom.
Mas já lá vamos.
Foram seis meses vertiginosos.
O miúdo passou, aos 19 anos, de suplente raramente utilizado a quarta maior transferência da história do futebol. Pelo meio ganhou a titularidade no Benfica, tornou-se peça fundamental no título, foi primeira escolha para a Selecção Nacional e transferiu-se para o At. Madrid.
Aconteceu tudo a correr. Para mim, foi até demasiado fugaz. Seria necessário mais tempo, mais jogos, mais momentos maus, mais desafios físicos e psicológicos para perceber o que vale exactamente João Félix. O futebol – este futebol actual –, porém, não concorda comigo.
Por isso o Atlético Madrid decidiu pagar 126 milhões de euros para ter o miúdo.
Ora isto, tudo isto que aconteceu ao longo do último mês, é provavelmente tudo aquilo que o jovem internacional português não precisava.
Antes de mais porque é um peso absurdo em cima dele. Cada vez que entrar em campo, que tocar na bola, que fizer um remate, que tentar um cruzamento, que fizer uma recepção, aquele número vai estar lá. 126 milhões. Por este valor, espera-se que Félix faça tudo bem.
A pressão vai ser brutal.
O português vai estar obrigado a desequilibrar todos os jogos, a fazer a diferença e a roçar sempre a perfeição. Afinal de contas é isso que se espera de um jogador de 126 milhões de euros.
Sem espaço para ser aquilo que é: um miúdo que precisa de tentar, errar, voltar a tentar e acertar.
Por isso, repete-se, o peso em cima dele vai ser absurdo.
Mas isto que aconteceu ao longo do último mês era tudo o que João Félix não precisava também porque o Atlético Madrid está longe de assentar nas características do miúdo.
Basta ver o que aconteceu com outros jogadores que saíram de Portugal para o (na altura) Vicente Calderón, para perceber como é difícil para um tecnicista afirmar-se naquela equipa. Estou a pensar, por exemplo, em Jackson Martínez, Nico Gaitán ou Gelson Martins.
O At. Madrid é uma equipa intensa, física, dura, daquelas que ainda faz a pré-época na montanha, a subir e descer colinas, a correr, correr, correr. É uma equipa com uma filosofia muito própria e que não admite desviar-se um centímetro dos princípios mais básicos: colectivismo e solidariedade.
Ora nesta fase da carreira dele, João Félix precisava de ter, por exemplo, aquilo que Cristiano Ronaldo teve: uma transferência razoável, por um valor razoável, para um clube razoável e com expectativas razoáveis.
Infelizmente para ele, este futebol é pouco razoável.
No final do dia é isto que interessa: fazer grandes negócios. E a verdade é que é este foi um grande negócio. Muita gente vai ganhar muito dinheiro, sem dúvida. Mas convém não passar por cima do essencial: o enorme talento de João Félix não autoriza a que nos esqueçamos que ele só tem 19 anos (e seis meses de futebol de primeiro plano).
Para um miúdo de 19 anos (e seis meses de futebol de primeiro plano) esta transferência é contraproducente.
Até pode correr bem, mas não haja dúvida: é um desafio tremendo."

Futebol feminino está imparável...

"Está a decorrer, em França, o Campeonato do Mundo de futebol feminino, com final marcada para Lyon, no próximo domingo, entre Estados Unidos e Holanda. Tem sido um torneio de bom nível, quase sempre com as bancadas cheias e um retorno mediático relevante. O triunfo dos Estados Unidos sobre a Inglaterra, por exemplo, teve o condão de levar o futebol às primeiras páginas dos maiores jornais norte-americanos, normalmente pouco interessados na matéria; mas, mais relevante ainda, foi o facto de o jogo ter sido visto, no Reino Unido, por 11,7 milhões de telespectadores, superando a final da Liga dos Campeões masculina (Liverpool-Chelsea foi televisto por 11,4 milhões) e tornando-se no programa mais visto de 2019 naquele mercado tão relevante.
Para quem ainda estivesse céptico quanto à importância do futebol no feminino, estes números devem ser suficientes para dissipar quaisquer dúvidas. Não é por acaso que os principais clubes da Europa estão a formar secções femininos, e o Benfica e o Real Madrid são apenas os casos mais recentes. Há um mercado, à escala planetária, a valer muitos milhares de milhões de euros, à espera de ver explorado todo o seu potencial.
A aposta séria da FPF no futebol feminino - e a gestão de Fernando Gomes, embora não o faça, bem podia puxar dos galões desta matéria - acompanhada pelos primeiros clubes, que acabarão por afastar os pioneiros românticos a quem devemos ser sempre gratos, redundará num assinalável aumento do número de praticantes e, sobretudo, na amplificação da família do futebol em Portugal.

PS - Estupendo João Sousa!"

José Manuel Delgado, in A Bola

Certificação

"O processo de certificação da FPF na época 2018/2019 chega ao fim. Um trabalho árduo, em que se envolveram muitos recursos, da Federação, das Associações Distritais e consultores externos. Mais de cem pessoas no total. Se a este número juntarmos os recursos humanos que os clubes e sociedades desportivas alocaram ao processo, chegamos a várias centenas de intervenientes directos nas diversas acções. Um processo que se iniciou com 1140 entidades e terminou com um número superior a 750. Fantástico. A certificação tem como intuito inicial dar resposta à obrigatoriedade de os clubes serem reconhecidos como entidades formadoras se pretenderem estabelecer contratos de formação desportiva com praticantes. Estes contratos podem ser concretizados a partir dos 14 anos. Mas não só, a intenção é mais ampla. Há a necessidade de ser elevar os padrões de qualidade de formação dos praticantes, mas também ajudar os intervenientes a melhorarem o próprio processo. Por outra lado, torna-se claro e público a avaliação efectuada. Portugal, neste caso no futebol, precisa de apostar em pessoas com mais competências. Isso implica melhor o sistema de aprendizagem desde a base. Inicialmente, no futebol, este processo iniciou-se com os concorrentes às competições profissionais. Hoje, está aberto a todas as entidades que disponibilizam actividade de futebol e/ou futsal, para jovens até aos 19 anos, independentemente do seu enquadramento competitivo. No futuro será aplicado ao futebol feminino, e um grande suporte do licenciamento para as competições nacionais. Todos sabemos que falta percorrer um longo caminho, que há a necessidade de melhorar a qualidade geral, seja de instalações, seja no processo de treino/ensino, mas não podemos deixar de enaltecer quem tanto conseguiu neste espaço de tempo. Este processo tornou-se irreversível, e permite ser uma ferramenta fundamental para que o nível de exigência seja superior. Esse é o caminho para o sucesso."

José Couceiro, in A Bola

Portugal campeão do Mercado

"A ex-deputada europeia Ana Gomes não podia ter escolhido um momento mais oportuno para chamar a atenção sobre os negócios do futebol profissional, talvez a única indústria portuguesa com uma balança de pagamentos a ocupar, neste preciso momento, o primeiro lugar num ranking mundial, o das transferências de jogadores.
O “cluster” do futebol, como lhe chamou Michael Porter há 20 anos, é a nossa actividade mais prestigiada, com selecções, clubes, jogadores, treinadores e dirigentes profissionais, sem esquecer os poderosos agentes, a surfarem a maior onda de sucesso de que há memória.
Os movimentos dos mercados futebolísticos internacionais são hoje facilmente monitorizados e analisados, deixando pouca margem de manobra para os hackers amigos da ex-deputada do partido do Governo. Qualquer leigo pode, a todo o momento, verificar os fluxos de dinheiro, as vendas, as compras, as percentagens, as influências. Não deve haver outra actividade económica tão escrutinável, nem sequer a dos mercados financeiros tantas vezes influenciados por negócios fictícios e informações especulativas.
No mercado do futebol, a especulação pode servir aos media, mas tem pouco peso nos negócios. Só o que se compra e o que se vende assume real valor, tudo o resto esgota-se nas mesas de café e nos “chats” da pirataria informática.
Ao fim do primeiro mês do mercado de verão, o futebol português regista um saldo positivo de 209 milhões de euros, de longe o maior entre todos os países. Segue-se a França com 155, já com a venda de Ndonbélé incluída, a Holanda com 101, a 2.ª Liga alemã com 89, a Áustria com 62 e o Brasil com 58. No top 10 das Ligas mais lucrativas no mercado de jogadores, encontram-se quatro campeonatos secundários - além da alemã, também as 2.ªs divisões inglesa, espanhola e italiana.
Mas no plano oposto, com saldos negativos entre vendas e compras de jogadores, são precisamente as Ligas principais de Inglaterra (-298 milhões), Espanha (-297), Alemanha (-210) e Itália (-108) as que apresentam maiores défices. A liga da Rússia é a quinta com mais despesas do que receitas (-52 milhões).
Até ontem, a Liga portuguesa registava quase 300 transferências, com despesas de 75 milhões e receitas de 284 milhões. Com mais uma ou duas vendas de peso, Portugal poderia tornar-se no “campeão” deste Mercado, em 2 de Setembro, embora a transferência de Neymar deva desequilibrar a favor da França, se não houver um investimento semelhante em sentido contrário.
É evidente que os clubes portugueses estão a vender muito bem e a saber comprar: neste momento, o Sporting é o único dos 18 clubes da 1.ª Liga com um evidente saldo negativo entre dispensas e aquisições, mas podendo reverter facilmente a situação quando vender Bruno Fernandes. O Sporting apresenta um saldo de -18 milhões, contra os 144 milhões positivos do Benfica ou os 51 milhões do FC Porto.
Marítimo, Guimarães e Rio Ave também estão no vermelho, mas por margem residual inferior a um milhão de euros, enquanto a soma do lucro dos restantes 12 clubes da Liga NOS, com o Braga à cabeça, ascende a 31 milhões de euros.
No final do século passado, o guru da Economia mundial Michael Porter aconselhava Portugal a apostar no que sabia fazer melhor, como estratégia de crescimento, e incluiu o futebol entre os “clusters” que nos podiam trazer fortes dividendos no novo milénio. Era esperto o professor Porter.
É incrível como, vinte anos depois, ainda temos decisores políticos que não o perceberam."

Quantos palmos tem o talento, e porque estamos a escolher os mais velhos e não os melhores?

"No recente excelente torneio interassociações Lopes da Silva, foi possível confirmar algo que já tinha por cá abordado antes.
Entre as três Associações mais fortes, porque albergam os jogadores de Sporting, Benfica, Porto, Braga e Vitória de Guimarães, foram convocados 54 jogadores. Apenas 3 nasceram no último trimestre do ano. Dois em Setembro, e um nascido a 1 de Outubro.
Significa isto que há um qualquer gene ou efeito climatérico que torna os miúdos nascidos entre Janeiro e Março / Abril, mais aptos para jogar futebol que os que nascem no último trimestre? Naturalmente que não. Nas idades mais jovens quando é determinado no recrutamento que miúdos terão acesso à prática as escolhas estão a recair sobre os mais velhos e não sobre os melhores. Em idades tão jovens, em termos de rendimento faz muita diferença ter-se nascido em Janeiro ou Setembro. Estamos portanto a escolher os mais velhos, os de maior maturação e não necessariamente os que têm maior talento e consequentemente maior potencial.
Se no topo já hoje é aceite que o que distingue qualitativamente os jogadores é a qualidade técnica e a tomada de decisão, porque é que na base estamos a optar pela maturação física?
É natural que depois de um, dois e três anos de prática, os mais velhos se tornem melhores e com maior potencial. Tiveram acesso às melhores condições de treino, aos melhores treinadores e ao máximo de tempo de jogo em competição. Obviamente que quando se chega a uma selecção nacional de sub 15, ou às escolhas para as selecções regionais de sub 14, é natural que os miúdos escolhidos já sejam efectivamente os melhores e os de maior potencial. A grande questão é que na base, nas primeiras decisões, quando se determina quem terá oportunidade para esse acesso ao treino e à competição regular, ignora-se demasiadas vezes os de maior potencial. Que porque não são escolhidos para treinar e / ou para jogar, acabam por “ser mortos” com o tempo.
Para os sobreviventes, isto é para aqueles que mesmo sendo do último trimestre do ano conseguem ser escolhidos para integrar os planteis e ter tempo de treino, e ainda mais de jogo, acaba por ser óptimo. Passam a infância a jogar contra miúdos mais maturados, mais velhos (mesmo que apenas meses, mas que contudo contam bastante nas idades mais precoces), e por isso vêem-se obrigados a desenvolver outras competências para serem bem sucedidos. O pensar e o executar melhor e mais rápido. Desenvolvem do ponto de vista cognitivo e técnico outras e melhores valências para que continuem a ter sucesso. E são esses, que quando atingem também a maturidade física (sim, porque aí todos chegarão), estão melhor preparados para triunfar num desporto altamente competitivo. 
Percorremos uma era em que o egoísmo está cada vez mais presente no treinador. O treinador de jovem preocupa-se bastante mais consigo do que com o desenvolver dos seus miúdos. Importa mais vencer e colocar vídeos a rolar na internet para se valorizar do que efectivamente potenciar a individualidade. Essa que deveria ser a prioridade de todos quanto os que têm a responsabilidade de orientar cada sessão de treino.
Nenhum treinador de formação está a trocar o resultado, o imediato pelo médio / longo prazo. Até porque sabe que esse médio / longo prazo não será consigo.
Não é, porém, o treinador de jovens o único “assassino” ao longo deste processo. Acaba por assim se tornar, porque tem a perfeita noção de que maioritariamente, de cima apenas virá valorização decorrente do resultado. A avaliação será sempre quantitativa e nunca qualitativa.
O futebol é um Desporto verdadeiramente apaixonante, e por isso ainda hoje todo o tipo de pessoas sem qualquer formação seja no jogo, no treino ou até na vertente pedagógica procura lá chegar. A maioria dos dirigentes em Portugal não tem noção do certo e do errado, do caminho que deve ser trilhado e dos espinhos que este sempre encontrará, e logo ai começa o caminho para os disparates que os nossos treinadores cometem.
Não sei se algum dia haverá condições para mudar. Mas sei que é complicado mudar o envolvimento para melhor quando o topo não tem a mínima ideia do que deveria ser valorizado na base.

P.S. – Na foto um dos sobreviventes. Nascido em Novembro, o que ajuda a explicar a chegada tardia e dificuldades no seu percurso."

Comprar e vender jogadores

"A transferência de João Félix para o Atlético de Madrid, que fez o Benfica arrecadar 120 milhões de Euros – um "mealheiro" irrecusável em qualquer parte do mundo –, fez vir ao de cima, na nossa mente, a linguagem habitualmente utilizada para designar essas operações financeiras.
Em nosso modesto entender – e cada vez estamos menos sozinhos – no plano desportivo aquela transferência tem tudo para correr mal, pelas razões sobejamente aduzidas por opinadores bem mais qualificados que nós.
Não o desejamos, antes pelo contrário: achamos que o sucesso do jovem jogador será o melhor que pode acontecer-lhe, não apenas a ele, mas também ao futebol português (prestígio) e à selecção nacional, que necessita de todos os sobredotados que estão a despontar e que serão a garantia de manutenção do alto nível após a inevitável despedida de Cristiano Ronaldo, que esperamos aconteça daqui a muito tempo.
Por isso achamos estranhas as posições assumidas por FC Porto e Sporting, que terão tentado inviabilizar a transferência junto do Atlético de Madrid. Pelo contrário, entendemos que a saída de João Félix, o fim da carreira de Jonas e a partida de outros valores seguros do plantel benfiquista deverão ser encarados pelos rivais como boas notícias já que, no plano desportivo, enfraquecem sobremaneira o actual campeão nacional.
Mas voltando à linguagem usada na imprensa escrita e por muitos comentadores ao falarem de transferências de jogadores.
Achamos de muito mau gosto a utilização de expressões como "o clube A vendeu o jogador K", ou "o clube B comprou o jogador Z" por N milhões de euros. De facto, desde os tempos da escravatura que não se transaccionam seres humanos como se fossem mercadoria, pelo menos nos países ditos civilizados.
Por isso, será de bom tom deixarem de ser utilizados os verbos comprar e vender – e vejo, com natural satisfação que eles são muito pouco utilizados em Record, pelo menos com esse sentido. 
Poderá dizer-se ou escrever-se cedeu, recebeu, foi transferido por, foram vendidos os direitos desportivos ou quaisquer outras formas mais criativas de transmitir a mesma ideia, evitando o mercantilismo do Euro, completamente injustificável quando se refere a pessoas humanas, nomeadamente a jogadores de futebol."

Robben passou uma carreira a enganar toda a gente: a anatomia de um golpe previsível e terrivelmente eficaz

"Será seguro afirmar que Arjen Robben marcou a grande maioria dos seus 144 golos após receber a bola, fintar para dentro e ir fintando até arranjar espaço para rematar a bola em arco, para o poste esquerdo da baliza. Aos 35 anos e ao fim de 309 jogos, o holandês mais previsível mas imparável retirou-se do futebol

Havia um careca sereno e paciente, sempre no lado direito do campo, de preferência não mais longe do que 40 metros da baliza, à espera que a bola lhe chegasse. Assim que a controlava, o tempo como que parava e, de repente, contemplávamos uma das verdades absolutas desta vida: aquele canhoto ia arranjar forma de arrancar com a bola, fintar quem fosse para o centro e encontrar maneira de rematar à baliza, em arco, com o pé esquerdo.
Durante anos, jogos, temporadas, vários campeonatos, muitas edições de Ligas dos Campeões, o calvo mais previsível na intenção, mas imparável na execução, levou a melhor. Livrou-se de um adversário atrás do outro que sabia, há muito, o que ele queria fazer, mas incapaz era de o evitar. 
Arjen Robben era assim, minuciosamente especializado num tipo de drible, num gesto. Um canhoto encostado à direito para receber a bola com o campo aberto. Um extremo feito não para cruzar, sim para embalar e ludibriar, até ter na mira poste esquerdo da baliza.
Se fosse computorizado ou adaptado a comando de consola, o holandês teria apenas um botão, mas o botão mais eficaz. Ainda era assim aos 35 anos e com 19 de carreira. O corpo, os músculos e a velocidade estavam gastos pelo tempo; o velho truque, porém, mantinha-se surpreendente para quem o tinha de defender.



Anatomia de um Golpe Previsível e Eficaz
Robben parecia jogar nos milésimos de segundo, abrandar o tempo e acelerar o pensamento nos momentos em que o adversários hesitava, cravava o pé de apoio, levantava o outro e se enganava, outra vez, na tentativa de agir sobre o expectável. “Deve haver alguma coisa que ele faz. Talvez espere pelo último momento, não sei. Na maioria das vezes, tento esperar pelo movimento, para ter mais hipóteses de roubar a bola. Se não for paciente, ele finta-me”, disse Wendell, do Bayer Leverkusen, ao “New York Times”, defesa que defrontou Robben mais de dez vezes na Bundesliga. 
O holandês passou 10 anos no Bayern de Munique a replicar o drible, depois de temporadas erráticas no Real Madrid e no Chelsea pelas muitas lesões que lhe encurtaram o tempo em campo, e instáveis pelos treinadores que nem sempre o colocavam a jogar à direita, onde partia como um extremo de baliza, não de cruzamento.
Arjen Robben foi cedo cristalizado pelas dezenas lesões musculares que acumulou durante a carreira. Com a alcunha de “Homem de Cristal” sempre veio a eterna questão do que teria sido com mais constância, maior imunidade, mesmo que aquilo que tenha sido, não tenha sido coisa pouca: acumulou 26 títulos entre quatro países, incluindo uma Liga dos Campeões. Com a Holanda, jogou a final do Mundial de 2010.
Com 35 anos tomou "a decisão mais difícil da carreira" - terminá-la.
Admite ter "pensado durante as últimas semanas" sobre o fim agora confirmado. Acaba a história que a bola mais conhecia antes de chegar aos pés. Terminou com Robben a fintar para fora do campo. 
Nunca terá havido jogador tão genial, eficiente, rápido e espectacular a executar uma só coisa, em específico, de bola corrida. Arjen Robben passou uma carreira a enganar toda a gente."

De Minsk a Tóquio: 384 dias e 8.130 quilómetros de distância. E que mais?

"Como balanço dos Jogos Europeus de Minsk que terminaram no passado dia 30, Portugal obteve um total de 15 medalhas, 3 de ouro, 6 de prata e 6 de bronze, em 9 disciplinas de 8 modalidades. Foram ainda conseguidos mais 18 resultados entre o 4º e o 8º lugar, correspondendo 10 deles a diplomas, que nestes Jogos vão apenas até ao 6º lugar. Estes resultados são motivo de orgulho e um marco no Desporto Português, reflectindo a melhoria qualitativa em várias modalidades e o excelente espírito vivido na Missão, representando, alguns deles, verdadeiros momentos de superação.
8.130 quilómetros é a longa distância que separa Minsk de Tóquio. Mas não será só em termos geográficos que as diferenças entre os Jogos Europeus e os Jogos Olímpicos serão marcantes. Em Tóquio haverá mais atletas, mais modalidades e o nível desportivo será forçosamente superior, não só porque se trata de uma competição de carácter universal, mas também porque praticamente todos elegem esse momento como o mais importante do quadriénio.
Prevê-se que os Jogos Olímpicos de Tóquio venham a decorrer num contexto de grande complexidade. Desde logo pelas previsões climatéricas para a região em Julho/Agosto de 2020, onde um dos cenários mais prováveis incluirá níveis de temperatura e humidade que poderão criar condições extremas, sem paralelo na História dos Jogos Olímpicos da Era Moderna. Esta, aliás, é uma das principais preocupações das autoridades japonesas, que já puseram em marcha um programa com vista à minimização do impacto do calor em atletas, espectadores e todos aqueles que estarão na capital nipónica no Verão de 2020.
Depois, porque 8 horas de diferença horária e uma longa viagem de avião obrigarão a um processo adaptativo de vários dias que deverá ser devidamente programado e avaliado. Os estágios pré-olímpicos no Japão ou noutros países próximos serão a solução para que os atletas possam estar devidamente preparados para a competição, mas será decisiva a forma como serão preparados todos os pormenores de cada um desses estágios, nomeadamente em termos das condições de treino, acompanhamento, recuperação e alimentação dos atletas.
Todos estes factores associados às habituais contingências decorrentes da realização de uns Jogos Olímpicos, onde se destaca a inabitual cobertura mediática para a maioria dos atletas, o alojamento e alimentação na Aldeia Olímpica num contexto de convivência com atletas e oficiais de outras modalidades, alguns deles verdadeiras referências e lendas vivas do Desporto mundial, exponenciam a complexidade deste contexto.
Esta complexidade pode ser percepcionada como uma grande fonte de problemas ou antes, como uma grande oportunidade. Em ambientes complexos, tende a ocorrer uma maior variabilidade nos resultados, existindo uma maior probabilidade de acontecerem “surpresas”. Por tudo isto, prevê-se que os mais bem sucedidos sob ponto de vista desportivo em Tóquio venham a ser aqueles que, para além da sua excelência no plano técnico, se encontrem mais adaptados às complexas condições que venham a ocorrer nos Jogos.
O grande desafio daqueles que se propõem conseguir um resultado de excepção em Tóquio passará por preparar todos os pormenores da competição, tendo em conta os cenários mais prováveis, mas tendo igualmente soluções para outros que se venham a verificar. Para além dos factores habituais de rendimento nas diferentes modalidades, o enfoque na preparação específica para Tóquio fará toda a diferença nas performances dos atletas. E aqui, uma abordagem científica do treino é decisiva para que os atletas possam desenvolver a capacidade adaptativa necessária para chegar a elevadas performances em Tóquio, como alguns deles o conseguiram fazer em Minsk.
No dia da Cerimónia de Encerramento em Minsk, faltavam 384 dias, pouco mais de um ano, para o início dos Jogos Olímpicos de 2020. Neste período, o controlo e avaliação do treino como base de prescrição adequada do exercício, o treino de competências psicológicas específicas, a modelação das condições de treino e competição, aproximando-as daquilo que será previsível em Tóquio, serão decisivos para a optimização da performance nessa altura. Será, por isso, fundamental o apoio das diferentes áreas científicas ligadas ao treino, na fisiologia, medicina, psicologia, nutrição, biomecânica, entre outras.
Em Minsk houve um sentimento de superação, visível nos resultados obtidos pela Missão. Mas para Tóquio será necessário ousar. E ousar não significa apenas ter um discurso mobilizador e colocar a fasquia mais alta que anteriormente. Significa fazer diferente e melhor do que já foi feito no passado, potenciando as competências e adaptações sob ponto de vista técnico e táctico, físico e fisiológico, psicológico e emocional, organizando o processo de treino em função daquilo que se prevê ser decisivo na participação olímpica.
Parafraseando a grande campeã Telma Monteiro, “precisamos de ser a criança que sonha sem limites e que procura ser feliz sem medos e o adulto que conhece o processo para realizar os sonhos”. Ou não fosse esta uma grande oportunidade para demonstrar, finalmente em contexto de Jogos Olímpicos, a melhoria qualitativa do Deporto Português."

As técnicas do corpo e do desporto

"As “técnicas de corpo” é uma conferência dada por Marcel Mauss (antropólogo francês), em 17 de maio de 1934, perante a “Société de Psychologie”, cujo texto é publicado, pela primeira vez, no “Journal de Psychologie”, em abril de 1936, e depois, com outros textos, na “Sociologie et Anthropologie”, nas edições Presses Universitaires de France, em 1950. Mauss estuda a noção de “técnicas do corpo” e as suas variantes entre as culturas. Quais são as técnicas de corpo descritas? Que conclusões Mauss tira das suas observações?
Na introdução da sua conferência, Mauss evoca o contexto no qual ele é levado a forjar este conceito de técnicas do corpo. Este conceito impõe-se pouco a pouco nele, de forma “concreta”, em resposta a diferentes observações realizadas ao longo da sua vida. Estas reteriam a sua atenção pelo conjunto de fatos sociais, aparentemente, “heterógenos” e inclassificáveis, que a etnologia da época não sabia como descrever e categorizar, levando, assim, a colocar um item de “diversos”. O conceito de “técnicas do corpo” permitiram-lhe reunir justamente numa mesma categoria um conjunto de fatos saídos de observações diversas e de ser um objeto digno de análise científica.
Mauss conhece bem as “técnicas do corpo”: a natação, a corrida, o boxe, a esgrima, o pedestrianismo e o alpinismo, pois foi um praticante assíduo. No caso da evolução das técnicas de natação e dos métodos de aprendizagem, Mauss constata a sua evolução, no espaço de uma geração: passagem da braçada ao crawl, diferentes formas de mergulhar, etc. Existe, na sua perspetiva, uma variação das técnicas no seu tempo e revela a dificuldade de se “libertar” da técnica que lhe foi ensinada. Para ilustrar este pensamento, apresenta o caso da pá de trincheira. As tropas inglesas não conseguiam se adaptar às pás francesas, o que mostra as diferenças no uso dos utensílios. Das suas observações no meio militar, coloca em evidência a “discordância” entre a marcha francesa e a inglesa. Os soldados ingleses não conseguiam desfilar ao ritmo francês. Assim, a sua conclusão é a de que as “técnicas elementares” diferenciavam segundo o país. Uma outra observação completa a análise destas diferenças: a maneira de marchar não é fixa e definitiva numa mesma sociedade. Ela pode mudar e evoluir em função do modo de vida, meios de transportes, modos de vestir, etc. e os modelos culturais. Mauss constata a similitude entre a marcha das enfermeiras americanas e as jovens francesas. Nos anos 1930, estas pouco a pouco adoptaram a marcha específica das estrelas americanas. Este exemplo traduz a difusão de uma técnica do corpo de uma sociedade para outra. Neste caso particular, através da influência crescente do cinema americano (caso que prefigura um movimento mais amplo da globalização cultural que tenderia para uma uniformização dos modos de vida através a difusão dos modelos ocidentais). Um outro exemplo apresentado foi a posição das mãos e as maneiras (in)convenientes de estar à mesa. As técnicas do corpo não são neutras, mas regidas por normas, regras de bem-fazer, que eram relembradas na infância. Estas regras e normas podiam variar igualmente segundo o país: o que é conveniente numa cultura não é forçosamente noutra (exemplo disso são as diferentes relações que se tem com o pudor, a nudez…). Mauss evoca também uma técnica de corpo especificamente desportiva. É o caso da corrida, onde ele constata que os atletas na época adoptavam uma técnica mais eficaz do que aquela que lhe tinha sido ensinada trinta anos antes (posição de braços e de punhos), o que remete para a questão da “eficácia” das técnicas ou do seu nível de “rendimento”. Estas observações mostram que os gestos, que podem parecer mais “naturais”, em aparência (caminhar, nadar, correr), são as “técnicas do corpo” adquiridas por cada indivíduo quando da sua socialização no seio de uma sociedade e num período de tempo.
Esta ideia pode parecer relativamente banal nos dias de hoje. No entanto, ela foi inovadora para a época de Mauss. O estudo do corpo era, antes de mais, um fato das ciências naturais (biologia, medicina), que o tratavam como um objeto natural (exemplo: usos da dissecação para estudar o seu funcionamento). No âmbito da antropologia, no início do século XIX, procura-se comparar as sociedades focalizando a análise nas diferenças corporais, comparando os tamanhos dos crânios. A antropometria procurava explicar os comportamentos culturais e sociais pelos fundamentos biológicos.
A sua análise rompe com a visão biológica do corpo, colocando em evidência a dimensão social e cultural, através da definição que ele dá às técnicas do corpo: “as formas que os homens, sociedade em sociedade, de uma forma tradicional, sabem se servir do seu corpo” (Mauss, 1936, p. 365). Assim, não existe uma forma natural ou inata de se servir do corpo, mas de usos diferentes, moldados e transmissíveis por cada sociedade. Mauss emprega a noção de “habitus”, que será desenvolvida posteriormente por outros autores, nomeadamente pelo sociólogo Pierre Bourdieu, para sublinhar a dimensão colectiva das técnicas. Mesmo se existem variações de um indivíduo para outro, é antes de mais a “razão prática colectiva” que orienta os comportamentos e molda os gestos."

Processo judicial contra Ana Gomes

"O Sport Lisboa e Benfica, instituição de utilidade pública fundada em 1904, e os membros dos seus órgãos sociais livremente eleitos pelos sócios, têm a firme convicção que todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio.

O Sport Lisboa e Benfica e os membros dos seus órgãos sociais respeitam, por isso, todas as opiniões críticas que lhes sejam dirigidas no democrático exercício da liberdade de expressão constitucionalmente consagrada, por mais torpes, hipócritas ou oportunistas que as mesmas sejam. 
Pela sua dimensão, é até inevitável que o Sport Lisboa e Benfica e, por inerência, os membros dos seus órgãos sociais sejam alvo de opiniões e críticas de toda a espécie e sejam mesmo visados negativamente por pessoas que apenas buscam o protagonismo fácil. Sempre foi assim e sempre assim será, sobretudo na era das redes sociais, que tão propícias são para o efeito. É, pois, uma realidade com a qual o Sport Lisboa Benfica tem de saber lidar e conviver.
O Sport Lisboa e Benfica e os membros dos seus órgãos sociais têm também, no entanto, desde logo perante os seus sócios, adeptos e simpatizantes, o dever de não permitir que o nome do Benfica seja objecto de difamação à margem de qualquer exercício de liberdade de expressão.
No passado dia 27 de Junho de 2019, através de um comentário publicado na rede social Twitter, a Dr.ª Ana Gomes, ex-eurodeputada, objectivamente conotou a venda do atleta do Sport Lisboa e Benfica, João Félix, com uma operação de lavagem de dinheiro/branqueamento de capitais. A sua declaração foi objecto de significativa repercussão na imprensa nacional e estrangeira, gerando enorme indignação no Sport Lisboa e Benfica, nos membros dos seus órgãos sociais, sócios e adeptos.
O Sport Lisboa e Benfica considera que a declaração em causa não configura um caso de mero exercício da liberdade de expressão e que, pelo contrário, tem o exclusivo propósito de denegrir o nome do Benfica e dos membros dos seus órgãos sociais. Tem por isso o dever, perante os seus sócios e adeptos, de solicitar, desta vez, a apreciação desta questão pelos órgãos constitucionalmente competentes para o efeito, os Tribunais, o que fará pela instauração de um processo através dos seus advogados."