terça-feira, 25 de junho de 2019

João Félix e Brigitte Bardot

"Olho para o menino e sinto-lhe a alegria da pureza da semente, de que falava Miguel Torga. No drible, no arranque, no remate, no golo: o mais importante é a bola. Como se fosse Peter Pan, o rapazinho que não queria crescer.

Torga, o Poeta da Montanha, que eu gosto de citar, escreveu uma vez, em 1957, salvo erro:
'Pois eu gosto de crianças
Já fui criança, também...
'Não me lembro de o ter sido;
Mas só ver reproduzido
O que fui, sabe-me bem.
É como se de repente
A minha imagem mudasse
No cristal duma nascente,
E tudo o que sou voltasse
À pureza da semente'.
Outro dia estava a ver o João Félix jogar e lembrei-me deste poema. Faz sentido. O João é uma criança. Assim, de forma meio assustada, calculei que terá idade para ser praticamente meu neto. Talvez por isso, ao olhar para ele, dentro do campo, sobre a relva, com o aparelho nos dentes, a franja desarrumada e os sinais do acne juvenil, não consiga ver para lá da criança que é.
Não lhe adivinho o futuro. Reconheço-lhe o atrevimento.
Talvez ele venha a atingir o topo do mundo. Se o conseguir não ficarei admirado.
Mas é apenas uma criança.
Que joga a bola como todas as crianças.
Só que em deus qualquer, daqueles que gostam de futebol, resolveu presenteá-lo com o dom único de a bola ter por ele a preferência que não tem por outros. Escolheu-o. Obedece-lhe. Enrola-se nos seus pés como uma cachorrinha abandonada que precisa de mimos e sabe que os pés de João nunca serão capazes de a tratar mal.
Mesmo que criança ainda.
Um garoto. Que joga como se ainda brincasse na sua liberdade suprema de infância irremediável. A primeira vez que Nelson Rodrigues, o grande mestre brasileiro da crónica, viu jogar Pelé, publicou no seu jornal:
'Examino a ficha de Pelé e tomo um susto:
- dezassete anos!
Há certas idades que são aberrantes, inverosímeis. Uma delas é a de Pelé. Eu, com mais de quarenta, custo a crer que alguém possa ter dezassete anos jamais. Pois bem - verdadeiro!'
Quase me apetece escrever de volta: eu, com mais de cinquenta e cinco, custa-me a crer que alguém possa ter dezanove anos. O João tem! Verdadeiro!

A sombra de Peter Pan
Digo-vos com a sinceridade do costume de já uma década nestas vossas páginas a escrevinhar sobre tudo e mais alguma coisa: essa crónica de Nelson Rodrigues é absolutamente admirável. Tão obra de arte como uma peça de piano de Prokofiev, o mestre da clássica elegância. Querem ver? Querem ver? 'Olhem Pelé, examinem suas fotografias e caiam das nuvens. É, de facto, um menino, um garoto. Se quisesse entrar num filme de Brigitte Bardot, seria barrado, seria enxotado. Mas reparem:
- é um génio indubitável.
Digo e repito:
- génio.
Pelé podia virar-se para Miguel Ângelo, Homero ou Dante e cumprimentá-los, com íntima efusão:
- 'Como vai, colega?'
De facto assim como Miguel Ângelo é o Pelé da pintura, da escultura, Pelé é o Miguel Ângelo da bola. Um e outro podem achar graça de nós, medíocres, que não somos génios de cosia nenhuma, nem de cuspe a distância. E que coisa nenhuma, nem de cuspe a distância. E que coisa confortável para nós, brasileiros, saber que temos um patrício assim genial e assim garoto! Vejam:
- dezassete anos!
Na idade em que o pobre ser humano anda quebrando vidraça, ou jogando bola de gude, ou raspando perna de passarinho a canivete, Pelé torna-se campeão do mundo. Estava lá um rei, Gustavo, da Suécia. E viu-se, então, essa coisa que estaria a exigir um verso de Camões: - o rei desceu do seu trono e foi cumprimentar, foi apertar a mão do menino Pelé'.
Irra! Eu gostava de ter escrito isto, sem tirar nem pôr. Mas o Nelson antecipou-se e deixou-me sem palavras.
Só que, tal como ele, o que eu queria dizer é que o João ainda tem idade para andar por aí a jogar a bola na rua, partindo as vidraças dos vizinhos.
Não anda. Veste a camisola do Benfica e joga aquela enormidade que nós temos a felicidade de assistir, com o atrevimento, ou melhor, o descaramento próprio de um menino. E que descaramento, senhores! É de fazer comichões no sangue!
Todos os dias escrevem páginas e páginas sobre o João e sobre os milhões que vale o João, mas ele vale bem mais do que isso, porque o facto não passa por ter idade, ou não, para ver filmes da Brigitte Bardot, passa pela realidade de podermos ver o futebol na sua mais inocente virtude da finta, do remate, da alegria incontrariável do golo.
Eu gostava de continuar a vê-lo jogar assim para sempre, como um Peter Pan, o rapazinho que não queria crescer.
Mas o João vai crescer e cair dentro do mundo do futebol sem contemplações.
Vejo-o com a bola nos pés e vejo em garoto feliz.
Na estrada para ser homem.
Que nunca, nunca perca a pureza da semente."

Afonso de Melo, in O Benfica

Uma campeã versátil

"Manuela Simões foi uma atleta excepcional que coleccionou inúmeros títulos e recordes.

Foi a professora de educação física que a aconselhou a experimentar o atletismo, porque corria e saltava bem. Maria Manuela Simões não fazia ideia 'o que era isso do atletismo mas, pelo sim, pelo não, disse que gostava de experimentar'. Aos 16 anos, começou a treina no Centro Desportivo Universitário de Lisboa (CDUL), com o professor Eduardo Cunha, e pouco tempo depois do seu primeiro treino foi incluída numa selecção feminina que foi a Vigo disputar provas, realizando, assim, a sua primeira prova internacional.
O atletismo feminino no Benfica regressou definitivamente em 1964 e, em 1965, quando o professor Eduardo Cunha se mudou para o Benfica, Manuela Simões foi com ele e por esta altura já as suas qualidades eram inegáveis. Começou por ser barreirista, na distância de 80 metros, passando depois à prova de 100 metros barreiras, na qual se sagrou recordista nacional. Rapidamente as qualidades de Manuela Simões se revelaram, levando-a a dedicar-se a diferentes especialidades - foi campeã nacional em oito especialidades diferentes -, incluindo o pentatlo. Foi ainda campeã nacional de corta-mato, ao conquistar os primeiros quatro títulos da modalidades, entre 1967 e 1970, sagrando-se tetracampeã.
A inocência relativamente à modalidade acabou por tornar-se uma paixão. Manuela Simões treinava quase todos os dias e quando abandonou a modalidade, em 1974, afirmou. 'Mas já cá ando há 12 anos e quero dar lugar aos novos, que têm agora mais obrigações do que eu. O que não quer dizer que de vez em quando não resista e vá até à pista dar umas voltinhas,venha ver as provas ou, até, que participe numa prova ou outra, mas já sem a assiduidade que mantive todos estes anos'.
'Com um raro poder de comunicabilidade, uma simpatia sem fronteiras e um inegável valor atlético', Manuela Simões foi um dos símbolos do atletismo feminino, caracterizada pela sua entrega ao desporto e à modalidade.
Considerada uma das atletas históricas do atletismo português, Manuela Simões foi recordista nacional dos 100m barreiras, 200m barreiras, pentatlo, 4x100m e 4x400m. Durante os 8 anos de 'águia ao peito', conquisto 4 Campeonatos Nacionais colectivos e 15 títulos nacionais individuais, enaltecendo o atletismo feminino do Clube. Saiba mais sobre esta atleta na área 2 - Jóias do Ecletismo, no Museu Benfica - Cosme Damião."

Marisa Manana, in O Benfica

Olheiro (...) – Nuno Tavares

"Terminada mais uma época desportiva, é hora de falar sobre o mercado, bastante agitado, de transferências. No mundo benfiquista, é impossível passar um dia sem surgirem novos pretendentes para vários jogadores, com maior destaque para os meninos do Seixal.
Mas não só de vendas se fala na imprensa desportiva. De possíveis contratações a outras já oficializadas, é também notícia que o futuro das laterais do Benfica está na formação, o que pode levar à promoção de alguns jogadores à equipa principal.
Foi dito publicamente por Luís Filipe Vieira, em dezembro passado, que nomes como Florentino, Jota e Ferro iriam a curto prazo pertencer à equipa principal do Benfica.
Pois bem, com a chegada de Bruno Lage, os adeptos não precisaram de esperar muito tempo para se deliciarem com a qualidade demonstrada pelos jovens jogadores benfiquistas, aguçando o apetite e perspectivando um futuro risonho para a turma encarnada.
É sabido que todos os anos existe uma janela nova de oportunidades para vários jogadores e, por isso, hoje vou falar em particular de um jogador que me desperta bastante interesse.
Falo de Nuno Tavares, um jogador que atua no lado esquerdo da defesa do Benfica e da selecção de sub-19. Um jovem de apenas 19 anos, vice-campeão nacional do seu escalão e com vários jogos realizados na equipa B (12 jogos) e nos sub-23 (3 jogos).
Natural de Lisboa, começa desde cedo a dar os primeiros passos no Casa Pia, chamando rapidamente a atenção do Sporting e fazendo com que seja resgatado para as equipas mais jovens da formação leonina.
Chega ao Benfica na época 2015/2016 e, após cinco anos do seu ingresso nas cores encarnadas, é notícia a possibilidade de fazer a pré-época com a equipa principal do Benfica.
Os adeptos podem esperar um jogador com bastante propensão ofensiva, gosto pelo risco, forte fisicamente, um esquerdino que não tem problemas em usar o pé contrário e com uma disponibilidade física para os 90 minutos que impressiona.
Senhor do corredor, não se inibe de grandes sprints mesmo na parte final dos jogos. Um jogador que dá bastante profundidade ao flanco, capaz de desequilibrar a mais sólida das defesas. Faz do cruzamento uma das suas armas, criando situações de perigo constantes para as defesas adversárias. 
Defensivamente, ainda com algumas lacunas próprias da idade, mas algo que seguramente irá ser ultrapassado com minutos nas pernas e uma voz de comando ao seu lado.
Acredito que esteja aqui mais um jogador “Made in Seixal” que venha a fazer as delícias dos adeptos encarnados. Não será fácil para qualquer jogador fazer esquecer Álex Grimaldo, mas acredito que o jovem lateral poderá ser uma hipótese a ter em conta. Depois de vários laterais esquerdos produtos da formação encarnada, casos de Pedro Amaral, Pedro Rebocho ou Yuri Ribeiro, temos em Nuno Tavares um jovem talento que finalmente poderá agarrar em definitivo um lugar na equipa principal que lhe permita ser uma opção válida no plantel.
Irá Nuno Tavares ser uma opção viável, numa provável saída de Grimaldo? Irá garantir um lugar na equipa de Bruno Lage? Iremos aguardar para ver."

As novas regras FIFA

"O futebol atravessa uma fase de transformação há alguns anos e a mais recente contribuição chegou no campo da tecnologia. Depois da introdução do VAR por períodos experimentais e a tempo inteiro em alguns campeonatos e competições, medida para manter e avançar nos restantes, agora foi a vez da FIFA entrar em campo e regular novas situações com pequenas, mas impactantes regras.
Entre as principais destaca-se, desde logo, o pontapé de baliza. Com a nova regra, a bola já não tem de sair da grande área, pode ser tocada pelo jogador de campo ainda dentro do limite. Isto permite uma reposição um pouco mais rápida e beneficia uma construção apoiada a partir de trás. Outra de grande impacto será a relação entre a bola e a mão.
A partir de Junho, a mão na bola passou a ser uma situação analisada mais a fundo e punida com maior detalhe. As situações que escapam ao castigo são aquelas em que a bola bate num braço encostado ao corpo, num braço que apoia uma queda ou no caso de um remate efectuado a uma curta distância. Tudo o resto são situações advertidas pelo árbitro, levando mesmo à anulação de golos que ocorram depois de tocar/desviar na mão de um atleta, incluindo aumento da volumetria do corpo e quando o braço estiver acima do nível dos ombros.
Nos pontapés livres, os jogadores da equipa beneficiada pela falta não poderão estar a menos de um metro da barreira. Já no caso dos pontapés de grande penalidade, o jogador pode ser assistido e proceder à cobrança, sem ter de sair do terreno. Por sua vez, o guarda redes não se pode mexer antes da cobrança e estão incluídos os habituais “números de distracção”, como as conversas junto ao cobrador, os toques nos postes ou na barra. Além disso, terá de estar em contacto com a linha da baliza com pelo menos um pé na altura em que a bola é rematada.
Além das anteriores, as pequenas mudanças vão também desde o pontapé de saída até ao comportamento dos treinadores. No momento da moeda ao ar antes da partida, o capitão que vencer esse sorteio passa a escolher o campo e a dar o pontapé inicial. Tendo em vista a segurança de todos os intervenientes da partida, será possível, se necessário, recorrer a paragens para arrefecer ou hidratar, à semelhança do que se tem verificado nas competições em pleno verão ao longo dos últimos anos. A primeira, mais longa, pode ir até três minutos, a outra não poderá ultrapassar os 60 segundos.
O tempo de jogo tem sido uma das lutas das entidades reguladores e é nesse sentido que surgiram as indicações para que os árbitros não “tenham medo de abusar” no período de compensação, deixando de traçar o limite nos três ou quatro minutos que se verificava. Agora, reforçando essa posição, o atleta substituído está obrigado a abandonar o terreno de jogo na linha lateral mais próxima, evitando assim que se afaste momentos antes da troca e se inutilizem alguns minutos de jogo.
Os atletas admoestados por celebrações indevidas (tirar a camisola, exibir publicidade, etc.) não verão o cartão ser retirado mesmo que o lance seja anulado. Outra das mudanças diz que sempre que o árbitro interferir no caminho da bola deve parar o jogo e lançá-la ao solo. No entanto, a maior novidade vem punir os agentes desportivos em campo com cartões amarelos e vermelhos sempre que se justificar. O objectivo é acabar com as pressões constantes nas linhas laterais e em direcção ao quarto árbitro. Na eventualidade de não conseguir identificar o infractor, o árbitro deve punir o treinador.
As novas indicações entraram em vigor no primeiro dia de Junho e já podem ser vistas em acção na Copa América, a realizar no Brasil, assim como na próxima edição da Primeira Liga. As opiniões dividem-se e uma grande franja de adeptos defende que a modernização do futebol lhe tira a essência pela qual sempre o conheceram. Por enquanto, resta avaliar as novas regras e proceder a ajustes, se se justificar."

Uma nova dimensão

"Se a transferência astronómica de João Félix ainda pudesse deixar dúvidas, aí está o negócio de Harry Maguire para nos mostrar que o mercado futebolístico entrou numa nova dimensão. O central inglês está a um passo de trocar o Leicester pelo Manchester City por 90 milhões de euros.
O dinheiro jorra para cima dos principais clubes europeus, em particular dos ingleses. São 'produtos' que valem fortunas em direitos televisivos e marketing; quando isso não chega, há um poço de petróleo, ou algo parecido, a sustentá-los. Haverá sempre o Ajax de 2018/19 como argumento dos que dizem que o dinheiro não ganha jogos, mas o clube de Amesterdão está a ser vítima do seu sucesso: Frenkie de Jong foi para o Barcelona; De Ligt está quase na Juventus e há muitas dúvidas sobre o futuro de Onana, Tagliafico, Mazraoui, Van de Beek, Neres e Zyiech.
Se os ricos continuarem a ditar as leis, dificilmente o Ajax poderá ambicionar a um brilharete semelhante nos próximos anos. Aliás, nesta altura, fruto da muitíssimo injusta distribuição de lugares na prova, o campeão holandês, semifinalista eliminado na última Champions com um golo nos descontos, ainda nem sequer tem presença assegurada na fase de grupos, pois terá duas pré-eliminatórias para disputar. Em futebol, o jackpot sai sempre aos mesmos."

Triplo salto mortal no solo – O menino João Felix

"Na Era da comunicação nas redes sociais em que, tanto e ainda bem, se discute a sua pertinência e oportunidade, vou abrir uma excepção, pensando em voz alta por esta via. Nunca falo publicamente sem ser convidado, nem expresso posições profissionais sem ser para isso convocado. Neste caso, pela distância física em que me encontro e pelo relativo afastamento dos canais mais tradicionais, senti necessidade de reflectir sobre um assunto muito badalado nos últimos dias e para o qual gostaria de dar um pequeno contributo técnico e pedagógico. Não corro o risco de incomodar muita gente porque, comunicando por esta via, só “3 pessoas” terão acesso aos despropósitos que aqui colocar.
O tema é a transferência do jogador João Félix para o Atlético de Madrid. Tenho ouvido muita gente a pronunciar-se sobre este tema. Com todo o respeito pelas expressões de toda a gente, gostaria de ter ouvido diversas formas de apreciação, concordantes aos diversos tipos de origens dessas intervenções. Porém, não foi isso que aconteceu. Invariavelmente assisti à expressão de opiniões, todas respeitáveis mas, praticamente de todos os intervenientes do tipo: “na minha opinião …” . 
Claro que para comentadores, analistas ou adeptos, e outros interessados, essas formas de expressão são absolutamente claras, compreensíveis e respeitáveis. Já para técnicos de futebol esse tipo de comentário parece menos assertivo e com menos contributo pedagógico. Não estaremos a apreciar estéticas, paixões ou representação mediática de um jogador de elevada qualidade, estamos a dar contributos para que outros observadores, não tão especializados no treino e rendimento desportivo, possam ter uma visão mais transparente da situação. Dito isto, e correndo o risco de ser mal interpretado por sobranceria ou presunção negativa, gostaria de expressar posição sobre esta transferência de modo um pouco diferente.
O João Félix é, hoje e para qualquer equipa de futebol a nível mundial, um jogador de elevada qualidade, que tem todas as condições para jogar a elevado nível em qualquer equipa de topo. Esta é a posição que assumo, sem receio de, no futuro, ter de andar a correr atrás de um prognóstico que efectuo sem qualquer receio ou constrangimento. E porquê? Por que razão não expresso uma opinião mas sim um prognóstico? Porque tenho obrigação de o fazer – ou então se tenho receio ou desconheço o desfecho, fico calado – e porque sigo critérios e avaliações para esse desiderato.
Eu já vi o João Félix fazer “triplo salto mortal no solo”! São poucos no Mundo que o fazem. Por isso, mesmo que algumas vezes lhe possa sair menos bem, ele sabe dar este salto, que outros não sabem, nem nunca conseguirão fazer. Tenho utilizado critérios para distinguir os níveis de prática e os níveis de praticantes de futebol. Vou tentar, de forma rápida e resumida, colar esses critérios no que este jogador apresenta na actualidade. Para localizar, no meu entendimento, o nível em que ele se apresenta nesses critérios, utilizarei uma escala subjectiva de 1 a 10, como a medicina utiliza nas escalas de dor (pela dificuldade de medir a dor por escalas mais objectivas, é frequente os especialistas recorrerem a estas).
Assim, vou considerar os seguintes critérios da actividade futebolística, que podem caracterizar o desempenho de um jogador e ligar à respectiva avaliação actual:
Rigor/ Precisão – 9
Eficácia/ Competência – 9
Frequência/ Regularidade – 8
Responsabilidade – 9
Empenhamento – 9
Auto-Domínio – 8
Esta avaliação carece, por um lado da chamada de atenção para o facto de se tratar de um jogador de 19 anos, com necessidade de tempo para aprofundamento de algumas qualidades e, por outro, de algum detalhe, nalguns conteúdos chave da sua actuação futebolística, para que a avaliação proposta seja mais clara.
Quais são, então, esses conteúdos chave? No meu entendimento – não esquecendo que todas as competências são importantes para o desempenho de um jogador – elejo, no entanto, algumas, no caso e nas funções que o João Félix desempenha, para clarificar as razões porque entendo que o prognóstico para ele é seguro e sustentado para o topo do futebol.
Elenco os conteúdos a que me referi e coloco igualmente uma avaliação de 1 a 10. Assim, temos: 
Finalização após passe com pé direito – 9
Finalização após passe com pé esquerdo – 8
Finalização de cabeça – 9
Combinações drible/remate – 10
Finalização após recepção e controlo – 10
Assistências (último passe para remate) – 9
Combinações em zona adiantada – 9 
Potência e aceleração para as acções ofensivas específicas – 9
Potência e aceleração para as acções defensivas específicas – 8
Resistência específica para a função – 7
Sem entrar em mais detalhes, dispensáveis para este comentário e também por não ter dados para uma avaliação mais circunstanciada, realço que se trata de um jogador de 19 anos, que fará, naturalmente, evoluções nos domínios da resistência específica e das exigências mentais (emocionais e cognitivas), que tenderão a aperfeiçoar, umas, e a solidificar, outras, das elevadas competências que já revela actualmente.
O João Félix é, por todas as razões técnicas, um valor seguro, um jogador de topo mundial que, com toda a naturalidade, nos dará a satisfação de ser mais um português – à semelhança do Cristiano e de outros mais – a prestigiar o nosso futebol e não só. Para finalizar, faço uma declaração de interesse, dizendo que nada me liga ao João Félix, não o conheço pessoalmente, nem tenho qualquer ligação à sua vida profissional ou social. Aproveito a desejar-lhe as maiores felicidades."

Organização do desporto em Portugal (1): análise geral

"Os modelos organizativos do desporto são uma área de interesse que perpassa pelas preocupações de todos os que se interessam pela eficácia das políticas públicas, nomeadamente o papel do estado e das organizações desportivas (OD"s): centrais (federações); territoriais (associações) e locais (clubes), e o seu papel no rendimento desportivo e à prática num modelo devidamente estruturado.
A falta da regulação sistémica origina dificuldades ao funcionamento do próprio sistema desportivo, além dos problemas de financiamento, quer pelo desajuste do próprio modelo quer, ainda, pela desregulação que gera no próprio sector: isto é, podem duas ou mais OD"s estar a receber financiamento para idênticas funções delegadas sem critério que as descrimine?
Há que aumentar a capacidade de dar resposta às necessidades nacionais e competir à escala internacional, valorizando a função institucional, de coesão territorial, e o esforço de integração de instituições num programa plurianual de estratégia organizativa. Estes devem ser os termos em que se deve pensar o desenvolvimento desportivo: deixar de haver um centro único e tudo passar a funcionar em rede e de forma sistemática.
Estudos comparativos entre potências desportivas internacionais, com a intenção de encontrar pontos comuns na estrutura organizacional que explicassem o sucesso desportivo internacional, deram origem a um modelo teórico para o sucesso internacional denominado por SPLISS - Sports Policies Leading to International Sport Success, com descritores em nove pilares: 
Pilar 1: Suporte Financeiro;
Pilar 2: Organização e estrutura de políticas para o desporto; 
Pilar 3: Participação e desporto de base;
Pilar 4: Identificação de talentos e sistema de desenvolvimento; 
Pilar 5: Suporte para atletas e pós-carreira;
Pilar 6: Instalações desportivas;
Pilar 7: Desenvolvimento e suporte para técnicos; 
Pilar 8: Competições Nacionais e Internacionais;
Pilar 9: Investigação Científica.
O pilar 1 é a entrada do modelo e os outros oito pilares fazem parte do processo. O sucesso desportivo internacional, saída do modelo, é traduzido por resultados nos Jogos Olímpicos de Verão, Jogos Olímpicos de Inverno e Campeonatos Mundiais.
A análise é p(o)assível de ser feita com base nos factores críticos do pilar 2, "organização e políticas para o desporto", com base em quatro indicadores: coordenação entre todas as organizações desportivas, sem sobreposição das diferentes competências e tarefas (1); simplicidade na administração (2); distribuição de recursos com base em indicadores de desempenho institucionais (3); comunicação eficaz entre os diferentes níveis das OD"s (4).

Indicador 1: Coordenação entre todas as organizações desportivas, sem sobreposição das diferentes competências e tarefas.
Em Portugal, como no velho continente, o sistema desportivo organiza-se na dependência do estado central (ministério e/ou secretaria de estado) em ligação com as OD"s com utilidade pública desportiva (UPD), comités olímpicos/paralímpicos; confederações/fundação do desporto, federações desportivas, com uma cobertura territorial continental e insular via associações territoriais (regionais ou distritais) e os clubes, células básicas e fundamental do desenvolvimento desportivo.
A proliferação de organizações fe(a)z com que se assista na actualidade a uma dispersão de organismos reguladores da actividade desportiva e a quase total falta de coordenação entre os poderes centrais, autárquicos e delegados (OD"s), com efeitos devastadores na capacidade de se convergir num processo de pensamento e acção estratégicos de desenvolvimento integrado e complementar. 
Este problema é potenciado porque, para além desta dispersão, não existe um real conhecimento das funções e atribuições das OD"s, especialmente as delegadas e financiadas pelo estado, o que obstaculiza o aproveitamento de uma política real de partilha de recursos a implementar, numa estratégia integrada de intervenção.
Registadas no IPDJ, só para efeitos de financiamento, para além da estrutura governamental de suporte à regulação nacional do desporto (secretaria de estado da juventude e desporto, SEJD, e instituto Português do desporto e juventude, IPDJ, existem 73 organizações desportivas com competências delegadas (2 comités; 3 confederações, 65 Federações desportivas com UPD e 3 fundações).
Numa simples comparação, verificamos que no comité olímpico nacional Italiano, CONI, entidade máxima do desporto em Itália, são só reconhecidas 45 federações desportivas nacionais e 16 disciplinas desportivas, com um orçamento de 440.000.000 euros por ano, financiado pelo governo italiano (9 vezes mais o orçamento do desporto nacional).

Indicador 2: simplicidade de administração
Num país com elevado peso do sector público, em que existe um elevado desperdício de recursos, o crescimento económico será mais baixo que noutro onde apesar do elevado peso os recursos no sector público são usados eficientemente. A questão da eficiência e eficácia do sector público, tanto na vertente da despesa como da receita é da maior importância, em termos da análise da afectação de recursos e do crescimento económico.
Portugal tem uma produtividade do trabalho que é cerca de 70% da média da OCDE, na 26.ª posição, com uma diferença de 33% em relação à média da UE-28, que corresponde à 17.ª posição.
Se comparamos Portugal com a Bélgica, Holanda e Irlanda, Portugal tem uma diferença de 45% em relação aos três melhores da UE. É este o valor que se pode considerar em relação à fronteira de produtividade mundial.
Ora o sistema desportivo não foge à regra, sendo um dos sistemas afectados pela complexidade burocrática dos processos de programação, actividade e controlo na sua relação com a administração pública desportiva, que se traduz na inexistência:
1. De mecanismos de financiamento e controlo de resultados plurianuais devidamente avaliados, monitorados e valorizados;
2. De processos simplificados de candidatura ao financiamento, especialmente nas OD"s dotadas de UPD;
3. De um modelo de financiamento mais justo, equitativo e centrado na procura, em vez do actual baseado, unicamente, na oferta e no histórico institucional. Esta simples alteração obrigaria a definir áreas estratégicas por OD, sector de actividade e região, no País.

Indicador 3: Distribuição de recursos com base em indicadores de desempenho institucionais
As políticas públicas devem atender à necessidade de reestruturação das redes e a adopção de critérios de avaliação que possam ter efeitos positivos na melhoria dos indicadores que servem de referências de análise e financiamento, devendo incluir os que comprovadamente possam ter impacto no sistema (número de filiados, implantação territorial; taxa de participação feminina; inclusão; indicadores de internacionalização, indicadores de resultado, etc.).
O que se torna difícil de compaginar quando pela análise dos indicadores de financiamento dos contratos programa publicamente divulgados pela tutela verificamos que o estado, via IPDJ, financia além das federações desportivas, confederações/fundações e comités (olímpico e paralímpico) num total de cerca de 73 organizações, cerca de outras 560 instituições! Entre clubes e associações (455) instituições de ensino superior e sistema científico e tecnológico nacional (12); Municípios (3), num valor aproximado de 3.3 Milhões de euros (dados de 2018).
Torna-se por isso difícil, senão impossível, articular uma política coerente de distribuição de recursos para um projecto estruturante devidamente ancorado em OD"s reguladoras do quadro de competências delegadas pelo estado.

Indicador 4: Comunicação eficaz entre os diferentes níveis das OD"s
Um dos indicadores mais valorizados pela Managing Olympic Sport Organizations (MOSO), produzida pela Solidariedade Olímpica em cooperação com o MEMOS (Master Executif en Management des Organisations Sportives), é o nível de suporte que as OD"s prestam umas às outras em diferentes áreas de expertise e conhecimento (gestão e organização, nutrição, critérios de selecção, "doping", treino, planos de competição, planos de viagens e pesquisas científicas, etc.).
Não obstante do esforço feito pela tutela, com a implementação do programa "Promentor" cofinanciado pelo IPDJ e apoiado pela Delloite e U. Católica, com um "olhar" externo sobre as OD"s e a tentativa de estabelecer pontos de partilha e contacto entre as federações com UPD, a não participação alargada de todas e os diferentes ritmos de crescimento, desenvolvimento e de organização institucionais, condicionou de sobremaneira esta iniciativa.
Existe ainda um desconhecimento institucional aprofundado entre as diferentes OD"s em Portugal que possibilite uma eficaz e necessária interacção face ao diagnóstico de posicionamento institucional, com possibilidade de existirem projectos partilhados, potenciando o relacionamento devido para a construção de uma massa crítica eficaz.
Em suma e numa análise global, o modelo organizativo do desporto nacional, não tendo uma estrutura complexa, possui uma complexificação desnecessária que decorre quer da natureza quer das competências, ou falta delas, destas organizações, das pessoas que as lideram ou, ainda, dos recursos humanos que possuem.
No entanto, toda e qualquer (re)definição do modelo de organização desportiva e respectivos papeis das OD"s, nomeadamente a questão dos monopólios das entidades reguladoras e poderes delegados, com respectivo financiamento, deve passar por uma clarificação prévia da sua necessidade (1) face ao seu quadro de competências (2), devidamente repensada após uma comparação por análise de similitude internacional (benchmarking) de outros modelos, não na perspectiva de simples elaborações teóricas e abstractas sobre o sistema desportivo e/ou a mera transposição hipotética de modelos estrangeiros, mas sim de análises que possam conduzir a sugestões de implementação de melhorias.
A análise de todo o sistema deve ser por isso uma prioridade com vista a implementação de quaisquer medidas correctivas, com vista a aumentar a qualidade do modelo organizativo do desporto em Portugal.
Neste, algumas questões óbvias deviam ser respondidas:
1. Qual a missão e competências delegadas da administração pública desportiva (secretaria de estado da juventude e desporto e instituto português do Desporto e juventude) e qual a estrutura e modelo de financiamento existente para o desporto nacional?
2. Quais são as missões e competências de cada uma das OD"s com UPD e com financiamento, existentes em Portugal, assim como a fundamentação da missão em face da sua utilidade pública (que pode ou não garantir a sua continuidade), com especial relevo das OD"s cúpula: Comité Olímpico e Paralímpico de Portugal; Confederação do Desporto e Fundação do Desporto de Portugal; Federações Desportivas com UPD; outras organizações desportivas.
3. Que recursos dispõem estas OD"s para o desenvolvimento da sua actividade (humanos; materiais; organizativos) e qual o financiamento público que dispõem para desempenhar a sua missão institucional?
4. Que resultados têm, actuais e históricos, em face da sua missão institucional e financiamento disponível?
Seria um importante primeiro passo para estudar uma hipotética reorganização que poderia beneficiar todo o sistema desportivo, afirmando definitivamente e envolvendo a administração pública para o desporto na produção de instrumentos que agilizem o cumprimento dos desígnios de intervenção social das OD"s financiadas pelo próprio estado, junto da população."