quarta-feira, 5 de junho de 2019

Georgina da bola e palete do traje

"Sul limita-se aos 3 clubes de Lisboa, V. Setúbal e Portimonense; as outras 10 equipas continentais concentram-se nos distritos de Braga e Porto.

1. Acabaram as competições nacionais, chega a estreante Liga das Nações que a selecção portuguesa tem plenas condições para vencer. Joga em casa, tem os seus melhores jogadores à disposição a, aparentemente, os adversários (a Suíça e, chegando à final, a Holanda ou a Inglaterra) são adversários acessíveis. Confesso, porém, que não me entusiasma muito esta nova taça europeia. O calendário está cada vez mais sobrecarregado, os desafios finais jogam-se com jogadores a pensar no descanso e o entusiasmo (algo forçado) é quanto baste. Digamos que é o correspondente, em termos de clubes, às taças da Liga que, verdadeiramente, só aquecem quando há um jogo entre grandes na fase final. O futebol para ser sempre desejado também tem de nos dar férias, pois que a sua ausência durante algum tempo faz aumentar o desejo do seu regresso. A fartura tem mais inconvenientes do que vantagens.

2. Enquanto tal sucede e as notícias e fake news sobre transferências e transumâncias aparecem em catadupa para todos os gostos - havendo até programas televisivos de horas fio, com os novos profetas das novidades e epifanias, sempre detentores de verdades e contraverdades -, pus-me a pensar no campeonato 2019/20. Ou melhor no seu atlas geográfico. A alteração é significativa: descerem 3 clubes (um da Madeira, outro de Trás-dos-Montes e ainda outro do distrito de Aveiro) e subiram 3 equipas do Norte de Portugal (por via administrativa, o Gil Vicente e, por resultados desportivos, o Paços de Ferreira e o Famalicão).
Em consequência, o campeonato português vai jogar-se apenas em 5 distritos do Continente e nas duas Regiões Autónomas. Desapareceu do mapa da divisão principal, o distrito de Aveiro, com o Feirense a fechar a porta que o Arouca, antes, já fizera, sem esquecer os dantes frequentadores Beira-Maar e Sporting de Espinho e, mais longinquamente, a Sanjoanense e o R. de Águeda. Trás-dos-Montes, com a descida do Desportivo de Chaves, não tem representante. A ausência mantém-se em dois distritos que, quase sempre, haviam tido clubes na primeira divisão: Coimbra e Leiria.
O Sul limita-se agora aos 3 clubes de Lisboa, Vitória de Setúbal e Portimonense. Viajando da capital para o Norte, só muito mais acima encontramos o resistente Tondela do distrito de Viseu. As outras 10 equipas continentais concentram-se agora apenas no distrito maioritário Braga (6) e no Porto (4). No distrito minhoto, seis clubes - ou seja 1/3 dos competidores - estão concentrados numa pequena área geográfica (Sp. Braga, Vit. Guimarães, Moreirense, Aves, Gil Vicente e Famalicão). E se alguns distritos do nosso país jamais tiveram um representante (Viana do Castelo, Guarda, Bragança e Beja), ou o tiveram há muitos, muitos anos, como Santarém (através do União de Tomar) Évora (com o velhinho Lusitana Ginásio Clube) e Castelo Branco (através do Sp. da Covilhã), o que agora se torna significativo é o facto de o litoral entre Lisboa e Porto não estar representado na 1.ª divisão!
Por simplificação de raciocínio há quem logo decrete, neste desequilíbrio, mais facilidade desportiva para o Porto (e até para o Sp. Braga), em relação aos rivais de Lisboa. No entanto, creio não ser demonstrável tal postulado, havendo até recentes estatísticas que o negam. Por exemplo, os portistas normalmente passeiam em jogos amigos em Setúbal, Portimão e, agora, Jamor (Belenenses SAD), mas têm sempre mais dificuldades em clubes vizinhos desde o Boavista, ao Vitória de Guimarães, ao Paços de Ferreira, Moreirense e Rio Ave. Com o campeão Benfica, verificou-se este ano que dos 8 pontos perdidos fora de casa, só 2 foram a Norte (em Chaves) e os outros foram a Sul (Portimonense e Belenenses SAD). Já o vice-campeão FCP perdeu 9 pontos com equipas do Norte (V. Guimarães, Moreirense, Rio Ave) e só 2 pontos a Sul (contra o Sporting), para além das duas derrotas com o Benfica.

3. Está a chegar o momento de os clubes anunciarem os novos equipamentos, sobretudo, os alternativos. Tão alternativos que, por regra, nada têm a ver com a tradição e a memória dos clubes. É o resultado do tecnocraticamente apelidado merchandising. A cor e as cores, evidentemente, fazem parte da festa do futebol. E há-as para todos os gostos, por cá e lá por fora. Frias e quentes. Agressivas e suaves. Fortes e pálidas. Presentes e fugidias. Começa até a haver dificuldade na inovação, embora ainda haja na papela cores como o antil, o ocre, o magenta, o rosa-velho, o brique (antes modestamente cor de tijolo), a cor de sépia do saudosismo fotográfico, ou até essa cor quase se cor que é a cor de champanhe, para já não falar da cor-de-burro-quando-foge...
Mas, no futebol, tanta variação faz-me confusão. É a cor do dinheiro a esmagar cada vez mais o valor da cor. Por vezes, dou comigo a fazer zapping e a passar por um jogo na televisão de um campeonato estrangeiro, seja na Inglaterra, Espanha ou Itália e demoro a perceber quem está a jogar tal a mudança radical do equipamento usado face ao historicamente associado a um determinado clube. Nem sempre a moda tem consistência lógica. Por vezes, chega mesmo a afrontá-la.
Falando do meu Benfica e desde que o primado do tal merchandising vingou, houve neste século variedade em profusão da segunda vestimenta (não) encarnada. Desde o rosa Palermo, ao laranja reflector, ao cinzento pardo, ao dourado inconsequente, ao amarelo amarelento, ou ao beje tipo café com leite ou a outras colorações que nem sei classificar, foi um fartote.
Felizmente nos últimos tempos, estancou-se esse delírio cromático. Sempre apreciei a estabilidade simbólica, como um dos alicerces de perenidade de uma instituição popular. O que é fundacional deve ser protegido. As cores do SLB são o vermelho, o branco e o preto. Ponto final. Com diferentes combinações das três cores, podem conceber-se muitos e pulcros segundos equipamentos. Como, por exemplo, na época agora finda, o de camisola branca e calções pretos (só foi pena as meias não terem sido vermelhas). Se necessário, poderá ainda juntar-se uma cor derivada do vermelho, que o Benfica usou na Europa: o grená.
Se tivesse de responder à pergunta de qual o equipamento alternativo que gostaria que fosse o da próxima temporada, insistira na combinação dos nossos três cores, mas trocadas: camisola preta, calções brancos e meias vermelhas. Há dias foram tornados públicos os novos trajes desportivos. Quanto ao principal, poucas novidades como é óbvio, mas preferiria que a camisola tivesse mais encarnado e menos branco, como bem aconteceu em 18/19. Diria até que deveria ser 100% vermelha. O branco está nos calções. Quanto ao alternativo, não me desagrada, mas lá voltamos às cores intermédias, que não são carne, nem peixe. A camisola é em tons cinzentos - cor que, em geral, é tristonha, fria e distante - com apontamentos que andam algures entre o vermelho e o rosa. Enfim, retorno financeiro oblige... O melhor nos novos equipamentos porém, é o símbolo de campeão nacional, que volta em força com o 37. Em qualquer caso, seja qual for o equipamento, o que verdadeiramente conta é o amor à camisola e ao vermelho ou encarnado incomparável com todos os vermelhos que se vêem pelo mundo fora.

Contraluz
- Delírio: Abro a televisão e João Félix já foi transferido dezenas de vezes. Só falta o quase. Num canal é o City, noutro o United, noutro ainda o Real Madrid ou a Juventus. Os predestinados informadores televisivos sabem tudo sobre este jovem jogador que, entretanto, estagia para a Liga das Nações entre milhões e vendilhões. Chega de tanto frenesim. Quando tiver de ser será, mas não nos massacrem com tal febril imaginação, como quem está a anunciar apocapliticamente o fim do mundo. Uf!
- Golos: Se exceptuarmos os penáltis convertidos (o que, evidentemente, também tem mérito), o pódio dos melhores marcadores ficou assim: 1.º - Seferovic 23 golos; 2.ª Rafa Silva 17 golos; 3.º João Félix 15 golos. Todos de bola corrida. Significativo.
- Desilusão: No Mundial sub-20, Portugal foi uma completa desilusão. Mesmo sem João Félix, poderia ter feito melhor e nem sequer, como terceiro classificado do grupo, alcançou a fase seguinte. Pude ver o jogo decisivo contra uns desajeitados e amadores sul-africanos. Fiquei com a ideia de que os jogadores estavam mais a pensar nas férias do que na Polónia...
- Diferença: O que por cá já se teria dito, comentado e repetido centenas de vezes na TV com lance semelhante?! Refiro-me ao penalti a favor do Liverpool aos 22 segundos, na final da Champions, onde não houve mais nada senão a contingência feliz ou infeliz de um lance crucial. Assim se faz a diferença...
- Tristeza: Apreciei a passagem de José Antonio Reyes pelo Benfica. Guardo na memória, além do bom profissional, o sorriso constante no relvado de quem gostava verdadeiramente do que fazia. Paz à sua alma."

Bagão Félix, in A Bola

Vitória e as suas opções

"Não felicitar Lage é um direito que lhe assiste, mas devia assumi-lo. Dizer que não tem o contacto dele é desculpa que não convence. Se não o felicitou foi porque não quis.

A Bola, através de uma interacção feliz entre jornal e televisão, privilegiou o imenso universo dos amantes da qualidade e do prestígio da marca com duas interessantes entrevistas nos últimos dias, que se entrecruzam e contribuem até para ajudar a desvendar alguns dos mistérios que nublaram a vida recente do emblema da águia.
Rui Vitória regressou a Portugal para gozo de férias, com mais dois Campeonatos inscritos no currículo, embora do ponto de vista sentimental arrumados em prateleiras diferentes. No clube saudita foi ele quem ergueu o troféu de campeão, enquanto no Benfica estava fora de cena quando o título chegou à Luz.
Vitória detesta o 'lado arruaceiro' do futebol e defendeu um discurso ponderado, elegante e cordato, porque, no seu entendimento, os treinadores de futebol, com permanente e forte exposição pública, devem ser 'exemplos para a sociedade'. Estou  absolutamente de acordo, não me convence, porém, quando desvaloriza a importância da palavra. Uma boa comunicação é feita de mensagens simples e objectivas. Comunicar bem não significa falar muito, apenas o necessário, com entusiasmo, convicção e elevação. O que se tem assistido em Portugal, sobretudo nos dois últimos anos, com selo de origem determinada, é mais insulto, ofensa e agressão, um despudorado 'terrorismo comunicacional'.

Lage - Na entrevista, conduzida pelo jornalista Gonçalo Guimarães, Rui Vitória acentuou a sua independência e verticalidade que lhe permitiram deixar 'belíssimas relações' com todos os clubes por onde passou e manter abertas todas as portas, como explica: «Vivi no Benfica intensamente, como vivi todos os outros clubes, mas a partir do momento em que aquela porta se fechou e acabou a relação é a minha vida que conta e ela está aberta para todos os clubes». Fim de citação.
Não liga aos folclores da vida e com esse desprendimento se justificou para não dar os parabéns a Lage. Nem sequer ficou com a contacto dele, atitude que pode manifestar alguma sobranceria, reflexo de situação mal resolvida ou tique de novo-riquismo que os ganhos desportivos e financeiros no Benfica seguidos de contrato de milhões nas arábias lhe permitem pavonear.
Acredito que foi  mais o seu pouco jeito para se expressar sem reticências. Não felicitar Lage é um direito que lhe assiste, mas devia assumi-lo. Dizer que não tem o contacto dele é desculpa quenão convence. Eu também não tenho, mas se precisar de lhe falar não demoro a encontrar gente amiga que me solucione o problema.
Se não felicitou Lage foi porque não quis. Ponto final.

Samaris - Não entendo, não entendo ninguém, o clima de violência emocional a que sujeitou Samaris a esta entrevista pouco adianta, por vontade do entrevistado. Que pecados tamanhos do grego terão estado na base da sua eliminação do reino dos aptos decretada pelo treinador? Provavelmente, nenhuns.
Afirmou Vitória que foram opções, porque do ponto de vista profissional não tem praticamente nada a dizer de Samaris. Foram opções, repetiu. O jornalista insistiu, em vão. Foram opções. Até Alfa Semedo, passou à frente de Samaris empurrado pelas opções de Vitória e não mais do que opções, seja o que isso for.
No entretanto, o Benfica foi apresado ao mercado contratar Filipe Augusto, por solicitação técnica, prova provada de que, por entre vagas de opções, Samaris, como praticante, não contava para nada.

Luisão - Samaris foi tramado pelas opções e Gabriel prejudicado pelas negociações demoradas, além de precisar de tempo para adquirir rendimento, como acabou por ter, sublinhou. E Seferovic, que estava para ser despachado e acabou por ser o vencedor de A Bola de Prata, com 23 golos?
Normal, diria normalíssimo, porque, segundo Vitória, o 'cenário montado no início da época foi montado a pensar nestas coisas todas'. Todas menos em uma: essa de dar uma nova oportunidade a Taarbat estaria riscada do programa. Porquê? 'Há coisas que não é só o treinador, é o clube. Não é só o Rui Vitória, é o Benfica'. Li, reli, e admito a minha dificuldade: não alcanço, nadinha. O defeito é meu. Não percebo, como não percebi o que aconteceu com Luisão.
Vitória transmitiu a sua ideia ao jogador e ao presidente. Mais, transmitiu a todas as partes 'aquilo que entendia'. Portanto, 'o Luisão é que poderá responder qual era a sua vontade', adiantou.
Sem nenhum truque da magia, a verdade é que A Bola, no seu jornal e na sua televisão, encontrou a resposta, ontem dada pelo próprio entrevista assinada pela jornalista Irene Palma.
Sobre os treinadores com que trabalhou ao serviço do Benfica faltou de todos. José António Camacho ('Apostou e protegeu-me'), Giovanni Trapattoni ('Corríamos por ele'), Ronald Koeman ('Tratava-me muito bem'), Quique Flores ('Podíamos ter feito mais por ele'), Fernando Santos (Disse-me que gostaria de ter 11 Luisões na equipa'), Fernando Chalana ('Um ídolo do clube') e Jorge Jesus ('O melhor com quem trabalhei').
Sobre Rui Vitória, duas linhas apenas: «Gostei da forma de trabalhar dele, fiquei marcado pelo título. Só isso».
Agora, sim, ficámos elucidados. Eu, pelo menos, fiquei."

Fernando Guerra, in A Bola

Sardinhas

"1. Com Jesus no Flamengo, a grande questão é se o Rio de Janeiro tem espaço para dois Cristos Redentores. Já agora, Rui Vitória no Fluminense?
2. Uma funcionária pública da Nigéria, acusada de desviar 90 mil euros, diz que uma cobra engoliu o dinheiro. Essa nem um ciclista dopado.
3. Não sei o que gosto mais em Klopp, se a táctica do sorriso ou o sorriso da táctica. Bebi uma cerveja por ele.
4. Há há sardinhas para os santos populares, resta saber se na Liga das Nações haverá Santos popular. O povo quer J. Félix e B. Fernandes na grelha.
5. Acho bem que limitem os jogos às segundas-feiras. Não são propriamente as manic mondays das Bangles. Só falta acabar com os horários quase de discoteca aos fins de semana.
6. Aplaudo as linhas de fora de jogo no VAR. Benfica e FC Porto já procuram especialistas em geometria.
7. Quem tem de meter os seus jogadores na linha é o Sporting. A GNR tem mais que fazer.
8. Foram registados 255 tornados em 12 dias nos EUA. Um fenómeno só comparável ao futebol português.
9. A morte de Reyes deixa qualquer um consternado, mas, caramba: 237 Km/h?! Para quê desafiar assim a vida?
10. Dos 44 titulares nas finais inglesas da Liga Europa e Champions só oito eram ingleses, 18%, o mesmo que na final da nossa Taça (4 lusos em 22).
11. Disse Cruyff: «Escolhe o melhor jogador para cada posição e não terás a melhor para cada posição e não terás a melhor equipa, apenas 11 bons jogadores». Ou os sub-20 de Portugal.
12. «Bruno Lage disse-me: 'nunca pares de correr'», contou Seferovic. O Forrest Gump dos golos, portanto.
13. Com os milhões que a indústria E-Sports começa a gerar, não tarda que os pais-abutres gritem para os filhos: «Vai jogar PlayStation!»
14. A apostar do FC Porto na formação promete. Além de Ricardo Costa (38 anos) e de João Afonso (29, para a equipa B), o clube também pondera Baresi (59 anos) e Beckenbauer (73)."

Gonçalo Guimarães, in A Bola

O bom gigante e a estrada secundária para o sucesso

"Se fosse possível utilizar um GPS para determinar as rotas disponíveis para o sucesso na alta competição, teríamos seguramente uma mão-cheia de possibilidades em carteira. Umas mais directas e sem solavancos, outras pedregosas e a convidarem a uns quilómetros adicionais. Umas de consumo quase imediato, outras de “degustação”, mais apaixonantes. O desporto, enquanto reflexo da vida, tem essa capacidade de desafiar o inverosímil e de celebrar no final o que à partida parecia condenado. E Virgil van Dijk chegou a parecer perdido para o futebol.
A recente sugestão de Ronald Koeman, seleccionador da Holanda, pode soar a disparate entre algumas franjas de adeptos e agentes da modalidade: um central sem supremos atributos técnicos eventual vencedor da Bola de Ouro? Basta olhar para o palmarés do troféu para concluir que não é, de todo, vulgar um defesa bater a concorrência nesta corrida — aconteceu somente com Fabio Cannavaro, em 2006, e com Franz Benckenbauer, em 1976 (se bem que reduzir a expressão do futebol do “Kaiser” às atribuições de um central é quase uma ofensa ao legado que deixou). Ainda assim, isso não invalida que o nome do gigante holandês seja, pelo menos, lançado para a fogueira do debate.
Há uma cativante aura de superação no percurso de Van Dijk que reforça o interesse na sua ascensão. Rodeado, durante a formação, de alguns promissores talentos da escola holandesa, mais talhados para prolongarem o ADN do futebol de Johan Cruyff, o central foi empurrado para segundo plano por diferentes treinadores no início da carreira. Não baixou os braços e chegou ao futebol profissional aos 20 anos, para representar o Groningen. E foi justamente quando começava a afirmar-se que se viu internado e em perigo de vida, na sequência de uma peritonite.
Um teste de resistência, mas também de carácter e de vontade que superou com distinção após meses de paragem forçada. Ele, que não se tinha poupado a lavar pratos ao final do dia, quando ainda jogava no Willem II, estava disposto a recuperar o tempo perdido. Consciente de que precisava de mais trabalho de aperfeiçoamento do que alguns dos virtuosos com os quais convivera na juventude, redobrou o esforço, ganhou espaço na Eredivisie e chamou a atenção do Celtic.
Uma mudança para a Liga escocesa pode não ser o sonho de um futebolista ambicioso, mas foi um passo seguro para Van Dijk. Jogou com regularidade, desenvolveu aptidões que quase desconhecia (como a marcação de livres directos) e aprimorou um dos grandes trunfos que hoje apresenta: a impassibilidade. Mesmo no discurso, troca sempre a palavra nervosismo por entusiasmo, seja qual for contexto.
Esse condimento facilitou uma imediata adaptação à Premier League dos “remediados”, em 2015, quando assinou pelo Southampton, e mais tarde dos ricos, quando se juntou ao Liverpool a troco de 84,5 milhões de euros. Passava, então, a ser o defesa mais caro da história do futebol, mas o que poderia ser um fardo para alguns, para o holandês não passava de um número.
Marcou no primeiro jogo oficial pelos “reds” e, desde então, tem vindo a provar à direcção do agora campeão europeu que não se equivocou quando aceitou o pedido de Jürgen Klopp para a sua contratação. Com um posicionamento rigoroso, uma estatura (1,91m) e impulsão que lhe dão vantagem nos duelos aéreos, uma agilidade que lhe permite recuperar metros na defesa da profundidade e um “faro” especial para o desarme, Virgil (nome que ostenta na camisola) é, aos 27 anos, um dos melhores do mundo na sua posição. E um autêntico gigante também quando é forçado a enfrentar adversários no um contra um, já que é uma raridade alguém, mesmo no viveiro ímpar de qualidade que é a Liga inglesa, conseguir superá-lo num drible.Goste-se mais ou menos do estilo, venha ou não a ganhar um troféu individual de dimensão planetária (até porque já foi eleito o melhor jogador da Premier League 2018-19), Van Dijk já fez da sua história um exemplo. E a mais valiosa lição que tem para dar é o prazer genuíno que retira de cada jogo, uma arma que lhe permite transformar tensão em racionalidade, a melhor amiga de uma boa tomada de decisão."

E em cada regresso a casa...

"Aqui, no velho lugar das Antas, não ganhámos à Grécia. Depois, não ganhámos outra vez. Nunca ganharemos à Grécia aquela final negra da Luz. Por mais que a selecção nacional ganhe no futuro, esse jogo está irremediavelmente perdido. Sem remissão.

muitos anos, aqui mesmo, no Porto... Há 15 anos, como explicá-lo? Aquela velha pergunta que fica sempre sem resposta: porque passam as horas tão devagar e os anos tão depressa? Algo de especial entre todos nós. Como um compromisso. De irmãos que ficámos desde aí. Até hoje. Não houve um final feliz, mas eu garanto-vos que fomos felizes. Tal como agora, havia uma taça para ganhar, uma taça que depois outros ganharam, em França, nesse dia que ficará para sempre na aldeia branca da nossa memória. A Taça Henri Delaunay, a prata esterlina com um plinto de mármore. Toquei-lhe ao de leve quando entrámos em campo e ela ali estava. Não seria nossa ainda.
Aqui, no velho lugar das Antas, não ganhámos à Grécia. Depois, não ganhámos outra vez. Nunca ganharemos à Grécia aquela final negra da Luz. Por mais que a selecção nacional ganhe no futuro, esse jogo está irremediavelmente perdido. Sem remissão.
Ai, se Lisboa soubesse...
Ai, se o país inteiro soubesse como iria acabar a sua farra...
Aqui, nas Antas, depois do jogo, havia tristeza, mas também uma crença. Saímos do estádio e o povo tinha uma alegria comovente espalhada por dentro e trouxe- -a para as ruas do Porto à medida que o autocarro marchava, pesado, em direcção ao aeroporto. Nas varandas das casas de bandeiras penduradas às janelas, um aplauso sentido de quem acreditava. Acreditou sempre. E aí, no meio da noite, uma certeza como uma estrela. Primeiro baça, depois brilhante.
Mais tarde, em Alcochete, fiquei muito tempo em silêncio, relembrando cada minuto dos 90 minutos da derrota. A madrugada trouxe consigo a luz, mas já tínhamos tido uma luz por dentro. A luz bela e sombria que oculta o mistério do Porto nascera dentro de nós. O sentimento moía, cantaria o meu amigo Rui Veloso. Palmas e gritos mataram a derrota. E esse jogo perdido, nós ganhámos! Como se tivéssemos regressado a casa..."

Aos tropeções na memória

"Ainda não cheguei ao ponto de amarrar os atacadores do pé esquerdo nos do pé direito, mas talvez não falte muito.

Acho que, com o passar do tempo, o verbo tropeçar se conjuga cada vez mais na primeira pessoa do singular. Dou por mim a tropeçar em tudo e mais alguma coisa. Tropeções dolorosos que me fazem descer apoiado nos rins pelas escadas mais íngremes; tropeções ainda mais dolorosos que me fizeram, há pouco, escrever sobre a final da Taça de Portugal de 1969 a 22 de maio como se não tivesse sido a 22 de Junho; tropeções estúpidos que me tiram as palavras que ia a escrever no qwerty e me deixam, especado, à espera que elas surjam de repente num recanto desmemoriado das lembranças nas quais, por sinal, também tropeço. Ainda não cheguei ao ponto de amarrar os atacadores do pé esquerdo nos do pé direito, mas talvez não falte muito.
Outro dia almocei com o meu muito querido Fernando Chalana, esse menino que dava pontapés certeiros na empanturrada imagem deste mundo, como diria o Torga, e vi como ele tropeça naquilo em que se tornou, fechado nos corredores do seu talento infinito. Então tropecei também na tristeza. E logo a seguir, tropecei na morte porque cada vez tropeço mais na morte ou a morte começou a surgir-me na vida quase todos os dias, menos inesperadamente do que nunca, mais inoportunamente do que nunca, maldita mulher esgadelhada da gadanha que vive obcecada pela cegueira das suas colheitas.
O Vítor Campos, que era a meias com o Gervásio, um dos maiores apepinadores que já conheci, certa vez, em São João da Madeira, farto de levar pancada de um jogador da Sanjoanense que, pobre dele, não tinha mais nada para dar, dirigiu-se-lhe com um ar muito grave: «Olha, sentes-te bem? Vejo-te muito pálido. Com um aspecto horrível. Não deves andar bem de saúde. Acredita em mim que sou médico». Acreditou. Não voltou para a segunda parte e deixou de morder as canelas ao Vítor. E o Vítor não voltou a tropeçar nele.
Carlos Aldabe, El Cacho, foi um jogador argentino dos anos-30 e 40. Em 1949, já no final da carreira, na Colômbia, foi nomeado jogador/treinador do Millionarios, de Bogotá. Havia uma razão bastante prática para que o presidente do clube, Alfonso Senior, tomasse essa decisão. El Cacho era amigo próximo de Adolfo Pedernera e Pedernera era tão Pedernera como Chalana foi Chalana. Só que era canhoto e Chalana fingia apenas ser canhoto. Era uma daquelas partidas que a arte do Fernando nos pregava. Uma ilusão de ótica, se quiserem. Jogava com o pé esquerdo como se jogasse com o direito. E com o direito como se fosse o esquerdo.
Pedernera teve, na América do Sul, tanta fama como Di Stéfano, mas enganava os adversários de uma forma muito própria: fingia que fintava com o pé esquerdo e, em seguida, fintava mesmo com o pé esquerdo. Toda a gente estava a ver o truque. Toda a gente percebia a prestipeditação, se a palavra existe. Mas não era por isso que Pedernera deixava de os enganar a todos. 
 El Cacho foi a Buenos Aires com cinco mil dólares no bolso para trazer Pedernera. O tempo foi passando e não apareciam nem Cacho nem Pedernera e, como tal, nem os dólares. Alfonso Senior rogou-lhe pragas. Convenceu-se de que tinha sido engazopado como a velha tia do Costa de África. Finalmente, recebeu um telegrama: Pedernera aceitara os cinco mil dólares mas queria mais 200 por mês. Alfonso suspirou de alívio e respondeu com uma só frase: «Traz o homem!».
Pedernera valia o seu peso em ouro. De cada vez que jogava, os estádios enchiam-se de gente excitada perante as maravilhas prometidas pelo seu pé esquerdo. Mas o Millionarios só perdia. Então Perdernera voltou a Buenos Aires e trouxe consigo Néstor Rossi e Alfredo Di Stéfano. Eles fizeram do Millionarios a melhor equipa do mundo do seu tempo. Alfonso Senior declarava que era assim e ponto final.
Quatro anos antes de Pedernera ter chegado, Efraín Sánchez saiu do Millionarios e foi para a Argentina, jogar no San Lorenzo. Chamavam-lhe El Caimán e era um tipo que tropeçava diariamente com a tristeza e com a solidão. Os argentinos estavam zangados. Acusavam os colombianos de lhes roubarem os melhores jogadores. No jornal La Epoca, um editorial trazia esta frase: «São autênticos canibais! E nós temos de decidir se nos comportamos como pombos cobardes ou vamos combater esta guerra com eles». Combateram. Fizeram os impossíveis para impedir que as transferências para o campeonato colombiano fossem proibidas e recorreram mesmo aos ofícios da FIFA. A federação da Colômbia esteve-se nas tintas: saiu da FIFA.
El Caimán regressou a casa e, desta vez, tropeçou na felicidade jogando pelo Deportivo Calí, um clube que decidira enviar ao Peru um avião e trazê-lo de volta com 14 jogadores peruanos. Um dia, Efraín não evitou a pilhéria: «Ando pelas ruas e tropeço em peruanos». Ora bem: eis algo em que ainda não tropecei. Pelo menos na última semana."

Reconhecimento a Lennart Johansson

"O mundo do futebol está hoje de luto. O Sport Lisboa e Benfica endereça as mais sentidas condolências pelo falecimento de Lennart Johansson, antigo presidente da UEFA que muito contribuiu para o desenvolvimento e projecção do futebol europeu, ao nível organizativo e das suas competições."

O projecto europeu do Benfica

"Época futebolística terminada para o Benfica, deparamo-nos agora com o período de férias onde nada acontece, não fossem (lá está) os 300 jogadores que o Benfica irá contratar… por semana.
Numa entrevista ao Record, Rui Costa afirma que «João Félix faz parte do projecto europeu». O tão famigerado “projecto europeu” que tanto ouvimos falar sempre que o Benfica ganha um campeonato e que tão boas memórias nos traz. Eu compreendo, é uma forma de assegurar os adeptos e sócios que se está a tentar almejar algo mais que apenas as competições nacionais. Mas haverá outro propósito por detrás destas palavras? Ou melhor, nas palavras do Diácono Remédios (acabei de perder 90% dos leitores neste momento)... haverá necessidade? Não me estou a referir à exteriorização de uma ambição (incriticável), mas sim à manifestação pública que há um plano em marcha para conquistar títulos europeus. Plano esse que, atendendo a declarações feitas no passado, já existe há algum tempo.
O constante fracasso nesse aspecto competitivo poderia indicar que tal demonstração serve um de dois propósitos: ou enganar, ou esconder. E sobre isso não me quero debruçar, porque este texto não será sobre especulações. Dizem-me ali do canto que teria mais piada se assim fosse. Vou optar por ignorar. Voltando ao assunto em epígrafe, e acreditando que há então em marcha um plano para fazer do Benfica novamente uma potência europeia, como é que lá chegamos?
Essa tal glória europeia pode surgir com um de dois desfechos: vencer a Liga dos Campeões, ou (pelo menos) vencer a Liga Europa. Tornar-se uma potência europeia significa (digo eu)  chegar consistentamente às últimas fases (semi-finais/finais) destas competições.
Quanto à Liga dos Campeões, o exemplo dado por outros grandes europeus que se dedicaram ao tal “projecto europeu” tem sido por demais evidente, e convenientemente com o mesmo desfecho: a Juventus bateu o seu próprio recorde em transferências e contratou Cristiano Ronaldo, porque queria mais do que vencer apenas o Scudetto; o Manchester City gastou fortunas a ir buscar o segundo melhor treinador do Mundo (és grande, Rui Vitória!) e vários jogadores chave para atacar o mesmo; e em França, o Paris Saint Germain gasta mais que qualquer outro clube no Mundo para, ano após ano, atacarem a Champions.
Dominam as ligas nacionais, mas não chega para ganhar na Europa. E assim sendo, poder-se-ia dizer que o dinheiro não compra títulos. Mas sabemos que não é bem assim. A Liga doméstica mais milionária do Mundo conseguiu colocar quatro equipas nos quatro finalistas das competições europeias. E em boa verdade, o Liverpool foi das equipas que mais investiu e, em dois anos, atingiu duas finais. Sejamos justos, esse investimento acaba por surgir na sequência da sua maior venda de sempre, e talvez o segredo tenha estado neste equilíbrio financeiro e em manter o treinador, apesar de este não ter ganho nada até Maio de 2019. Passará a solução também por aqui? É que equipas com orçamentos bem inferiores (Roma e Ajax) ou sem quaisquer contratações durante uma época (Tottenham) continuam a mostrar-se competitivas perante portentos do futebol europeu. E vendo estes últimos exemplos, poderíamos inferir que investir com lógica e não mexer muito no plantel, apostar em “miúdos” da formação, ou manter o treinador ano após ano poderá trazer bons resultados. Mas haverá mesmo uma fórmula que garantidamente traga sucesso? Tirando (lá está) o eventual favor da UEFA em não “help to catch the red octopus”?
Quanto à Liga Europa, haverá com toda a certeza muitos benfiquistas que acreditam estar ao alcance do clube vencer esta competição. Entenda-se, benfiquistas que bebem com regularidade. Isto porque, convenhamos, os clubes que a têm vencido nos últimos anos têm todos orçamentos superiores ao do Benfica, e por norma não ganham os respectivos títulos domésticos. Pode o tão almejado “projecto europeu” prejudicar as chances do Benfica no campeonato nacional? Será algo que os benfiquistas estariam dispostos a abdicar? Ou serão competições compatíveis, contrariando as últimas estatísticas? É que nos últimos dez anos, só houve um clube a conseguir vencer a Liga Europa e respectivo campeonato nacional na mesma época. Não deixa de ser curioso que a esperança benfiquista para que tal se repita com o nosso clube, recaia no historial do seu maior rival.
Anunciar que há um “projecto europeu” não traz resultados práticos. Nunca trouxe. E ainda se está por confirmar se ter um “projecto europeu” é sinónimo de conquistas europeias. Até ver, não. Nem na Europa, nem em Portugal, com as suas muitas limitações. A nossa liga continuará a ser um entreposto de jogadores (e treinadores) para outros campeonatos mais apetecíveis, e jogadores de qualidade elevada não se mantêm por muitos anos. Tirando obviamente André Almeida. A própria massa associativa tem pouca paciência (e muitas vezes memória) para experiências ou projectos a longo prazo que não colham frutos no imediato. Tivesse eu 1 euro por cada vez que ouvi ou li que o Bruno Lage deveria poupar jogadores na Liga Europa (porque o objectivo era o campeonato), e neste momento estava a entregar o depósito para um Ferrari. Em 2ª mão. Num stand na Musgueira.
Não será mais aconselhável evitar esta obsessão? Admitir que, caso a época esteja a correr bem, talvez se consiga alcançar (como objectivo secundário) um título europeu? Não é assim que por norma as coisas boas tendem a acontecer? Talvez não. Talvez a comunicação do Benfica saiba mais do que eu. E assim sendo, quero ser o primeiro a dar-te as boas vindas ao Benfica, Messi!"

Não basta promover o empoderamento feminino em campanhas, é preciso pô-lo em prática

"A Nike lançou uma campanha sobre o Mundial de Futebol Feminino, que pretende mostrar quão inspirador é para meninas de todo o mundo verem mulheres a participar num evento como este. Estará a marca a tentar limpar a face por ter discriminado várias atletas olímpicas ao cortar-lhes patrocínios durante a gravidez e licença de maternidade? É que não basta fazermos campanhas mediáticas sobre empoderamento feminino, é preciso também ser coerente na vida real quando falamos de contratos e oportunidades

O Mundial de Futebol Feminino arranca esta sexta-feira em França e a festa promete. Tal como já escrevi por aqui há umas semanas, o evento conta com números recorde não só quanto ao interesse do público e transmissões televisivas, mas também no que toca a receitas publicitárias, patrocinadores envolvidos, número de selecções que participam (24) e duração total do evento. Já foram vendidos cerca de um milhão de bilhetes, e partidas como o jogo de abertura ou a grande final esgotaram num ápice (este último ficou 'sold out' menos de 25 minutos depois de os bilhetes serem postos à venda). Claro que ainda há muitos preconceitos, e que as mulheres continuam a ser vistas como atletas de segunda categoria (lembram-se dos comentários sexistas à caderneta de cromos com as fotos das atletas, por exemplo?), mas é indesmentível que, passo a passo, o futebol feminino tem vindo a ganhar terreno e a conquistar respeito mundial, inclusive entre os pares masculinos da modalidade.
O caminho tem sido lento (este Mundial já existe desde 1991), mas cada vez mais percebemos que é possível. E enquanto fonte de inspiração para gerações vindouras de aspirantes a jogadoras de futebol, esta oitava edição do Mundial de Futebol Feminino tem muito para dar. Foi precisamente isso que a Nike quis mostrar com uma campanha que acaba de ser lançada e que tem como enfoque o exemplo maior que todas estas jogadoras estão a dar às meninas, adolescentes e mulheres que vão assistir aos jogos, seja nos estádios em França, seja através da televisão nas mais diversas partes do mundo. Um mundo que, infelizmente, continua tantas vezes a privar o sexo feminino de determinados sonhos e aspirações profissionais, apenas porque são mulheres e porque aquilo supostamente não é apropriado para elas.



Seja no futebol, na política e demais sectores onde a participação feminina ainda é bastante menosprezada – e consequentemente desequilibrada - é essencial encontrarmos os chamados role models. E percebermos que um exemplo a seguir não é apenas um exemplo a seguir, pode ser também um verdadeiro catalisador de mudança social a médio prazo. O que esta campanha nos mostra é que no que toca ao futebol isto não se resume a vermos mulheres em campo a jogarem profissionalmente uma modalidade que durante tanto tempo foi exclusiva dos homens. É também darmos a oportunidade de miúdas em idade de formação verem e inspirarem-se também com o reconhecimento público, económico e mediático que essas jogadoras já conseguem alcançar, com as oportunidades que tantas têm de jogar além-fronteiras e de serem disputadas por diferentes clubes dentro e fora dos seus países, com a capacidade que elas têm de gerar furor nas bancadas, com a mudança de comportamentos de marcas em relação a patrocínios e valorização do futebol feminino, com os mercados que já não repudiam nem merchandising, nem os produtos vendidos às massas – como o videojogos – que têm como heroínas as jogadoras de futebol. É perceberem que um dia poderão ser elas também a estar naquele papel, seja de jogadora, seja de treinadora, seja de árbitro. “Não mudes o teu sonho, muda antes o mundo”, diz a Nike em jeito de conclusão no slogan final. E é precisamente isso que aqui está em causa.
Enquanto pioneiras, todas as participantes neste Mundial de Futebol Feminino são exemplos a seguir e fontes de inspiração para milhões de meninas e adolescentes mundo fora a quem tantas vezes ainda lhes é dito que futebol é coisa para rapazes. Nesse sentido, é óbvio que esta campanha deve ser partilhada até à exaustão porque a mensagem é francamente positiva. Contudo, há coisas que, pelo menos nós adultos, temos de levar em consideração quando vemos este tipo de coisas. Como por exemplo a constante incoerência das mais variadas marcas por trás de tais iniciativas. No caso da Nike – que tem feitos várias campanhas com o mote do empoderamento feminino, uma delas lançada no Dia da Mãe) vale a pena relembrar que ainda há pouco tempo esteve na berlinda quando várias atletas olímpicas denunciaram as reduções e cortes que tiveram nos patrocínios atribuídos pela marca a partir do momento que ficavam grávidas ou quando estavam em licença de maternidade, entre elas Alysia Montaño, Phoebe Wright e Kara Goucher.
A marca, entretanto, já veio dizer que alterações aos contratos foram feitas em 2018, mas em causa continua uma cláusula que permite a redução ou corte de patrocínio a qualquer atleta se o resultado do seu desempenho desportivo diminuir. A gravidez, com todas as suas especificidades – que não vão propriamente ao encontro de um pior desempenho profissional por desleixo, falta de empenho, de treino ou de método, convém deixar claro – deveria ter regras claras em vez de ser colocada no bolo geral. Até para evitar que se repita o que já aconteceu no passado, com atletas que relatam como ora se sentiram obrigadas a adiar o seu desejo de serem mães porque sabiam que iam ficar sem patrocínio, ora se viram obrigadas a correr contra indicação médica até metade de gravidez, ora tinham os filhos doentes e tinham de decidir entre ficar com eles no hospital ou ir treinar para não perderem os patrocínios (a leitura deste artigo no "New York Times" é um bom ponto de partida). 
Como diria uma das atletas, “nestas campanhas, a Nike diz-me para sonhar grande, mas isso é só até eu decidir ter um bebé”. Independentemente da marca em causa – porque este não é de todo caso único - é muito importante reflectirmos também sobre isto e percebermos que não basta fazer campanhas bonitas: é preciso que no dia-a-dia, na vida real fora dos ecrãs, as marcas também estejam realmente dispostas e comprometidas em não discriminar e afastar as mulheres das suas carreiras, tratando a maternidade como fosse uma sentença."