sábado, 25 de maio de 2019

Bem-vindo, craque

"Ainda com acne, João Félix joga com a serenidade de um adulto. Ainda que menos esbelto e mais apaixonado, tem um ar de Kaká dos primeiros tempos e não só no aspecto. Gosta de pulular perto da área mas mesmo quando se afasta cheira a perigo. Para as assistências tem um golpe de vista e a suavidade dos 10 clássicos; para o golo, sentido de oportunidade e determinação, que é a confiança em acção. O seu reportório com a bola nos pés é variado e atractivo porque resolve tudo com a naturalidade própria dos craques e, como topo o craque, tem descaramento e brilha mais nas grandes ocasiões. As suas bolas filtradas são delicadas, as suas desmarcações são profundas, as suas aparições na área fantasmagóricas e os seus remates são como machados. Cada machado, cada árvore; o mesmo que dizer: cada uma das suas aparições tem o valor de golo."

Jorge Valdano, in A Bola

As bases de Lage

"Falta tanta cultura de exigência aos portugueses como capacidade para dizer bem e elogiar quem o merece. A inveja e a maledicência falam sempre mais alto Há demasiados homens da política envolvidos nas querelas do futebol e a ‘botar faladura’ naqueles programas ditos desportivos, em que pessoas que até nos habituámos a ver de fato e gravata, cheias de falinhas mansas e polimento, viram bichos e perdem as estribeiras no calor da discussão sobre aquele golo que não devia ter sido validado ou anulado, sobre aquele lance que deu um cartão de uma cor e devia ter sido de outra, sobre o VAR que tinha obrigação de ter visto o que o árbitro não viu.
Não sei se eles já nem se dão conta das figuras que ali fazem ou se são mesmo pagos para fazer aquelas figuras.
A verdade é que até aquele que, há anos, era o troglodita mor desses programas de rescaldo das jornadas futebolísticas resiste ainda num dos inúmeros programas derivados daqueles e já passa como um dos mais toleráveis e tolerantes comentadores.
Porque em matéria de debates sobre o futebol, parece que quanto pior melhor.
Há programas em que os ditos comentadores - incluindo jornalistas que têm dever deontológico de isenção e distanciamento - são do piorio na cegueira clubística e na argumentação, ‘encartilhada’ ou não.
Já chega ou basta de tanto programa de ‘clubite’ aguda e cega. Mas, a avaliar pelas horas e horas que todos os dias as televisões continuam a dedicar a esses programas com tais comentadores, pelos vistos não.
Por isso, é ainda mais extraordinário que tenha sido um homem do futebol a ter vindo dizer que é preciso respeitar os nossos adversários e aprender a reconhecer-lhes o mérito quando ganham se queremos que eles reconheçam o nosso quando somos nós a ganhar.
No momento de celebrar o título de campeão acabado de conquistar e de euforia colectiva, com milhares e milhares de pessoas em delírio a cobrirem de vermelho o Marquês de Pombal e seus principais acessos, é preciso grandeza para dizer aos sócios que o futebol está longe de ser o mais importante das suas vidas e da vida em sociedade.
Sim, porque não é usual, num momento como aquele, falar-lhes de uma cultura de «exigência», e dizer-lhes que tal como adeptos que são e a têm no que se refere ao futebol e ao seu clube, aos seus jogadores, aos seus treinadores e dirigentes, também e sobretudo a devem ter enquanto cidadãos, na sua vida em sociedade, em relação à Economia, à Educação, à Saúde... por um país melhor, porque é possível fazer melhor e «reconquistar os valores de Portugal».
É inusual.
Tão inusual que até parece que o apelo político de Lage desagradou tanto aos políticos como o seu fair play obviamente não agradou aos fanáticos do futebol.
No momento da festa benfiquista, o que tem ele de falar em reconhecer mérito aos adversários quando forem eles a ganhar? Está louco? E despede-se a dar ‘Vivas a Portugal’ quando o que interessa ali, naquele momento, é a ‘nação benfiquista’?
Do que publicamente ouvi aos políticos, mesmo àqueles que não resistem a dar ‘bitaites’ sobre a bola, nenhum verdadeiramente elogiou a intervenção de Bruno Lage: o que tem ele de misturar as coisas e ir para ali falar de política. Um populista. É preciso lata. Só faltou dizer que este tipo de discurso no desporto é um perigo para a democracia.
Os políticos utilizarem o futebol para fazerem política não tem mal nenhum, mas já é um problema se um desportista ousar imiscuir-se na política, sobretudo realçando que, sendo bonito ver compromisso entre adeptos e a sua equipa, o compromisso primeiro deve ser com o que é mais importante para a sociedade e para o país.
Nos últimos dias, e mesmo sabendo que as duas últimas semanas foram de campanha eleitoral para o Parlamento Europeu, o discurso de Lage no Marquês foi talvez o que teve mais substância política. 
Aliás, para amanhã, o apelo político do treinador do Benfica foi muito mais impactante e importante do que aquela quase despercebida campanha de propaganda de apelo ao voto em que o Governo investiu mais de 500 mil euros.
Já agora, e a talhe de foice, os políticos em geral, bem como os editores e a generalidade dos jornalistas, passam a vida a falar da crise da imprensa, da necessidade de se estudarem formas alternativas de aumentar as receitas dos jornais, da obrigação de o Estado começar a pensar em criar subsídios específicos para o sector.
Subsídios para quê? Em vez de falarem e nada fazerem, melhor não seria que dessa campanha publicitária de 500 mil euros uma parte fosse investida em publicidade nos jornais? Não seria mais eficaz a todos os níveis?
Ao que parece, não.
E, porém, os jornais, para bem servirem os seus leitores, fazem notícias e propagam a informação sobre o que vai mudar nos cadernos eleitorais e nas mesas de voto e o que devem fazer os eleitores. No mero cumprimento do dever de informar. A troco de nada. Enfim...
Se ninguém valoriza o que de pedagógico teve o discurso de Lage, se poucos querem mesmo ter um futebol saudável, com menos fanatismos e economicamente muito mais rentável, se a cultura da exigência e de mérito na vida social e política como no futebol é quase uma negação, por que razão a coerência haverá de vingar?
Podemos lá nós dispensar uma boa zaragata, nem que seja por causa de um apito, ou deixar de ter motivos para as queixas do costume ou, simplesmente, para dizer mal do próximo, do mundo e da vida..."

Live and Let Die 🎵

"S/S Benfica 2007/08 Away
Potenciado bastante pelas redes sociais e pela facilidade de acesso à publicação escrita (seja em caixas de comentários de notícias, seja em rubricas de fraco interesse em plataformas independentes do Benfica), tenho a percepção que vivemos uma época de intensa crítica e ódio. Tudo é mau. Tudo é um drama. Tudo é passível de ser criticado e muitas vezes só porque sim. Sendo assim, e numa semana onde surgiram várias opiniões e discussões sobre os prováveis novos equipamentos, trago-vos uma das camisolas alternativas mais odiadas do Benfica:
O cor-de-rosinha não foi fácil de engolir pelos machos do Benfica mas, sinceramente, não considero a camisola mais feia do Benfica. Tem um decote redondo tradicional, o logotipo do patrocinador foi reduzido em relação à época anterior (que tinha um rectângulo PT gigante) e tem um corte elegante. Podia ser melhor se fosse toda rosa ou toda cinzenta? Podia. Mas também a época do Benfica podia ter sido bem melhor, começando, por exemplo, por não ter perdido na minha primeira deslocação a Alvalade na meia final da taça depois de estar a ganhar por 2-0 aos 60 minutos.
É evidente que temos direito a opinião e a criticarmos o que não gostamos. Mas não nos podemos é esquecer de uma coisa: o Benfica é de todos.
É dos que gostam de camisolas rosa. Dos que só admitem o branco nos equipamentos alternativos. É dos que vão de vermelho para a Luz. E dos que vão de camisola alternativa. Ou pura e simplesmente dos que vão com a roupa que lhe apetece e ninguém tem nada a ver com isso!
O Benfica é dos que vão ao Marquês. É dos que não vão por opção. E muito também de quem está longe e queria ir ao Marquês, ao Regedor ou à tasca do Ti Chico por ser o sítio com o qual se identifica mais!
Sejemos fiéis às nossas convicções mas invistamos mais tempo a amar e a desfrutar a nossa vivência que a criticar ou a condenar as cenas dos outros.
Cada um vive o Benfica como quer e como pode. Há espaço para todos, cada um no seu.
E que esse espaço apenas seja invadido por estranhos quando nos abraçamos naquele momento em que o Benfica marca um golo. E depois volta tudo à sua vida normal.
Viva o Benfica!

A título de curiosidade:
* Esta foi a minha camisola nº 11 do Benfica;
* Também tenho este modelo em versão L/S mas das camadas jovens (com os patrocínios Coca-Cola e Sicasal). Tem o número 10 nas costas e foi alegadamente utilizada por Bernardo Silva.
* Foi a primeira camisola que comprei à minha filha mais velha (que nasceu precisamente em 2007); 

Paul McCartney - Live and Let Die
https://open.spotify.com/track/0BlnapfYbgEbTfjtg5tbCT"

A luta perene contra a mutilação da alma

"O Jamor é, no espaço de horas, a festa do futebol no seu estado mais puro e nostálgico

O Estádio Nacional é o último baluarte do futebol romântico em Portugal. Uma obra com 75 anos de existência e milhares de histórias vivenciadas no Vale do Jamor. Da glória à tragédia, da euforia à depressão, da magia ao horror, de tudo se passou naquele coliseu de pedra rugosa desde a sua inauguração em 1944. Uma espécie de memória viva daquilo que fomos e somos enquanto nação, que fomos e somos enquanto povo que (supostamente, já nem sei...) ama o futebol. Curiosamente, uma obra de afirmação do regime, de legitimação do Estado Novo e de um homem que nada percebia nem queria perceber sobre futebol. Zero. O desporto que hoje domina o mundo ultrapassava os limites da sua compreensão, embora essa sua inaptidão não o impedisse de reconhecer a força e a importância do jogo enquanto ferramenta de propaganda política, de controlo colonial e de manipulação de massas. Inspirado no antigo Estádio Olímpico de Berlim, o nosso Estádio Nacional ajuda a perpetuar a lenda de que Salazar era um admirador da estética e da ordem germânica, embora a principal razão para ter sido este o projecto aprovado tenha muito mais a ver com estratégias de poupança do ditador do que com qualquer outra coisa. Os projectos entre os quais Duarte Pacheco se preparava para escolher eram construções de raiz, edificadas em terreno plano, mas quando surgiu a ideia de escavar o estádio na rocha, inseri-lo na paisagem, ao ver os custos muito mais reduzidos Salazar nem hesitou: escave-se então! E não se fala mais nisso!
Para a história a preto e branco - e directamente para o imaginário de quem não sonha que mundo era o mundo antes do nosso 25 de Abril - ficará sempre a crise estudantil de 1969 e a forma como os estudantes clamaram por liberdade. Por direitos. Por democracia. Por cultura. Sinais de um tempo em que as vozes eram mesmo vozes. E eram gritadas! E ouvidas! Não se limitavam a patéticos e inenarráveis posts nas redes sociais. Já a cores, 27 anos mais tarde, o mais inimaginável e macabro episódio - um homicídio presenciado ao vivo por milhares e transmitido na televisão para milhões, tingindo de vermelho-sangue as alvas bancadas do gigante branco. E cobrindo para sempre de vergonha quem permitiu que o derby de 1996 se realizasse naquelas trágicas circunstâncias. Antes e depois, sete décadas e meia de golos, de lágrimas e de emoções fortes. De subidas à Tribuna Presidencial que tanto foram marcadas por aplausos como por cobardes insultos, cobardes ofensas, cobardes agressões e cobardes cobardes, daqueles tão cobardes que fazem do escarro a sua única arma de arremesso. A nata da nata que, amiúde, as derrotas têm o dom de trazer ao de cima nos nossos estádios. Nos acessos pela Praça de Maratona, de tudo um pouco, desde cargas policiais sobre os adeptos a cargas de adeptos sobre os jornalistas. Hoje a caça, amanhã o caçador. É o país que temos. O futebol que temos. E o Jamor que vamos tendo.
Mas o Jamor é também o palco de todos os sonhos de todos os clubes de todos os escalões. É o objectivo por todos sonhado e ambicionado, o tapete onde todos se veem um dia a jogar. É o destino de romarias imensas de adeptos provenientes de toda a parte, é o cenário de repastos bem regados e salutares convívios entre tantas raças, credos, idades e orientações, todos debaixo desse imenso manto que é a tribo do futebol. O Jamor é, no espaço de horas, a festa do futebol no seu estado mais puro e nostálgico. Do plano quase bucólico nas primeiras horas da manhã, ao patamar de saudável loucura que por ali se encontra ao final da tarde e após todas as chuvas coloridas de pirotecnia e confetti. É o exagero do exagero, a hipérbole das emoções e o declínio da modernidade. É acreditar que o jogo ainda se sobrepõe ao negócio e que o povo ainda é mais forte do que o poder corporativo. É a prova-rainha do desporto-rei, o estalo plantado no rosto da sobranceria do futebol nocturno em estádios de luxo, o pó acumulado nas cadeiras que são limpas apenas e só para aquele momento.
O sonho. Sempre o sonho. Por favor não nos matem o sonho... Há 11 anos que a final da Taça não é um clássico entre grandes do futebol português e há 23 anos que não é um derby de Lisboa, ou seja, desde aquela fatídica tarde em que um adepto do Sporting foi assassinado. Tem tido sorte a FPF. Tem tido sorte o país. Porque muito mudou neste quase quarto de século e muito mudou nesta última década. Os espíritos estão perturbados entre os vermelhos e os azuis, entre os verdes e os vermelhos, entre os azuis e os verdes. Os tempos estão perigosos. Os ânimos estão exaltados. Receita explosiva para quem tem de montar uma megaoperação de segurança num estádio com 75 anos e cujos argumentos já não convencem a FIFA nem a UEFA a permitir que ali se realizem jogos internacionais. É esse o maior risco da final deste ano - que nos matem o sonho e inviabilizem para sempre que a final da Taça se mantenha naquela floresta de problemas chamada Jamor, mas que os portugueses amam com todas as forças com que (supostamente, já nem sei...) amam também o futebol. «Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso». Se Fernando Pessoa - que nada percebia de futebol mas tudo sabia da matéria de que são feitos os sonhos - já há 100 anos dominava a temática com mestria, que saibam os adeptos de hoje beber das suas palavras e interiorizar os seus ensinamentos. Por favor não nos matem o sonho... «Eu fundi numa cor una de felicidade a beleza do sonho e a realidade da vida. Por mais que possuamos um sonho nunca se possui um sonho tanto como se possui o lenço que se tem na algibeira, ou, se quisermos, como se possui a nossa própria carne». O sonho é vosso. É nosso. Mas só até ao limite da possibilidade de se possuir um sonho. Não é vosso para matar. É vosso, apenas e só, pelo direito de o sonhar. Por favor não nos matem o sonho..."

Desporto: identidade e multiculturarismo

"Tanto quanto nos foi dado a observar, durante sete anos, para os portugueses que vivem em França o futebol tende a assumir-se como um meio de manter os laços sociais com o país de origem, valorizando-se no seio da sociedade francesa. É um dos raros domínios onde se podem sentir melhores do que os franceses, permitindo, de algum modo, compensar a imagem “pouco atraente” dos portugueses residentes em França.
Nos anos 60/70, muitos portugueses deixaram um país empobrecido dominado por uma ditadura e a braços com uma guerra colonial que mobilizava todos os jovens, entrando em França de forma clandestina (o designado “salto”; ver o filme realizado por Christian Chalonge, “O Salto”, 1967). A maioria partiu das zonas rurais mais pobres do país, tendo-se sujeitado a viver em bairros de lata (“bidonvilles”), como o de Champigny-sur-Marne, e a realizar os trabalhos mais indiferenciados, pouco prestigiantes e mal remunerados.
No contexto histórico da emigração portuguesa, rumo a França, mas não só, os campeonatos internacionais de futebol entre selecções nacionais constituíram, desde cedo, a ligação das comunidades emigradas a Portugal. Com o processo de globalização do futebol e a mediatização em larga escala dos grandes eventos a partir do final dos anos noventa, a juntar ao facto da Selecção portuguesa se ter tornado uma equipa de primeiro plano com presença assídua nos campeonatos, as manifestações de afirmação das comunidades portuguesas emigradas têm vindo a evidenciar-se, como constituiu exemplo as manifestações de apoio durante o Euro 2016. Os bons resultados da Selecção portuguesa em campo, tendem a ser motivo de orgulho nacional, alimentando os sentidos identitários dos portugueses residentes fora do país e seus descendentes, independentemente das nacionalidades adquiridas.
Poder-se-á pensar que esta ligação a Portugal pode ser uma resposta a uma forma de estigmatização sofrida em França. De fato, não se pode negligenciar que, em França, nas sociabilidades dos adolescentes no colégio e no liceu, ou no trabalho, muitos indivíduos são identificados em função do país de origem dos seus pais. Esta identificação assume formas de brincadeiras e de piadas, mais ou menos de mau gosto, sobre a construção civil, as limpezas ou a pilosidade nas mulheres (o filme de Ruben Alves, La Cage Dorée, 2012, retratou muito bem esta realidade dos portugueses em França, sobretudo os da chamada “primeira geração”).
Deste modo, apoiar a Selecção portuguesa, uma equipa que se tornou uma das melhores a nível mundial, permite uma autovalorizarão que se contrapõe ao estigma não raras vezes sentido. A origem portuguesa deixa assim de ser uma desvantagem para se tornar fonte de orgulho, facto que poderá ser accionado a qualquer momento, ainda que não se possa daí retirar nenhuma outra conclusão do que isso mesmo, pois a realidade social mantém-se nos quotidianos, a depender do grau de inserção na sociedade francesa. Porém, durante os campeonatos podem avivar-se os estigmas, embora com maior capacidade de resposta por parte das comunidades minoritárias quando se sentem ofendidas, pois o torneio é entre Estados-nação.
Exemplo desta realidade, foi o caso da adjectivação de “dégueulasse” [ignóbil, revoltante] a Portugal por um jornalista, após o jogo de apuramento para os quartos de final do torneio da Selecção portuguesa, em 2016. Depois do jogo contra a Croácia, realizado no dia 25 de Junho, um jornalista francês do jornal “20 minutes” publicou um artigo no dia seguinte, referindo “Ce Portugal est dégueulasse mais il est en quarts” [este Portugal é ignóbil, mas ele está nos quartos de final]. Levado a título na notícia, esse adjectivo foi considerado ofensivo e provocou fortes reacções da comunidade portuguesa residente em França nas redes sociais, chegando mesmo a registar-se ameaças de morte ao jornalista, o que obrigou o director da redacção a referir que “o nosso jornalista qualificou de forma inapropriada de 'dégueulasse' a prestação da Selecção portuguesa. Mas quando a paixão toca o irracional, o perigo espreita”. O jornalista, autor do artigo, acabaria por pedir desculpa aos portugueses pela escolha do seu título e encerrou a sua conta Twitter. Num outro periódico, o jogo viria mais tarde a ser considerado como “soporífero”, “realista” e “defensivo” (Le Monde, 12/07/2016).
De facto, a multiculturalidade da sociedade francesa tem-se tornado bem evidente quando do acolhimento de grandes eventos de futebol, como foi o caso do Mundial de 1998, em que a França se consagrou campeã mundial com uma Selecção constituída maioritariamente por jogadores franco-descendentes, com especial destaque para o seu capitão Zinedine Zidane, mais conhecido por “Zizou”, o famoso jogador franco-argelino, mas também durante o Europeu de 2016 e o Mundial de 2018.
Importará a este respeito referir que a integração de três jogadores portugueses nascidos em França na Selecção francesa, em 2016, Raphaël Guerreiro, Anthony Lopes e Adrien Silva, não suscitou nenhuma polémica, surgindo aos olhos da comunidade portuguesa como bons exemplos de luso-descendentes de sucesso, bem evidenciado pelo papel de representação da França na sua Selecção nacional."

"Há Vida nas Estrelas" - Um livro de Vítor Serpa

"Neste rápido traçado, acerca do último livro de Vítor Serpa, não deverá estranhar-se que, com os seus juvenilíssimos 67 anos de idade, eu veja nele um dos mais notáveis jornalistas da sua geração e um escritor com lugar de relevo, no contexto da cultura portuguesa. Tenho para mim que o Desporto é o fenómeno cultural de maior magia, no mundo contemporâneo, o que alguns, numa incompreendida teimosia mental, ainda desconhecem, incluindo uma juventude burguesa avelhentada e “blasé”. E portanto os problemas que a prática desportiva suscita, a diferentes níveis, ficariam, largo tempo, por estudar e esclarecer, sem os registos hermenêuticos de intelectuais militantes, como o Vítor Serpa. Intelectuais militantes? Sim, intelectuais in-conformados, in-submissos, in-quietos, diante dos muitos mortos-em-pé que lideram o nosso desporto, designadamente o nosso futebol. Mortos-em-pé? Sim, sem força, nem saber, para vincar, gravemente, decisivamente, na sua obra, um constante aspirar à verdade desportiva, à transcendência que é movimento intencional em direcção, não ao “ter mais”, mas ao “ser mais”. Vítor Serpa, ao invés, é, hoje, um dos mais puros exemplos de independência crítica que as nossas Letras (onde o jornalismo se integra) podem orgulhar-se. Como José Régio, ele pode clamar, com altivez:
“(…) Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam os meus próprios passos…
Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Porque me repetis: “vem por aqui?” (…).
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada”.
Eis o que o Vítor Serpa quer fazer, eis o que o compromete, eis a promessa que tantos escolhos acabará por criar-lhe. Eis, afinal, o segredo do fascínio, da luz cintilante que emanam do seu último livro Há Vida Nas Estrelas (Livros FPF, 2019). E também a causa mais profunda da sua extraordinária capacidade de comunicação. De facto, só quem é livre pode ser libertador…
Este livro começa, com o ousado propósito do seu autor de aceitar como benfazeja a própria adversidade que a sua independência crítica inevitavelmente lhe traz: “Este é um livro de homenagem ao futebol. Portanto, é uma obra que obriga a uma certa coragem do autor e a uma certa firmeza de carácter do leitor. Bem sei que seria mais fácil e expectável ir na enxurrada que leva, de uma vez, o futebol e todo o seu povo. Trata-se, porém, de uma escolha consciente. Se alguém cavar uma trincheira, saibam, pois, que eu decido ficar do lado do futebol. Poderemos não ser muitos, mas trata-se de uma questão de gratidão e de comprometimento com muitas das emoções que também deram sentido à minha vida de quase cinquenta anos de jornalista. Perdoem-me a imodéstia, mas já não tenho idade, nem paciência, para a humildade dos súbditos. Pretendo que este seja um livro realmente necessário, para contar a história do futebol português, nestes últimos cinquenta anos” (p. 5). E encerra assim a sua apresentação: “Não será, garanto, um livro de ajustes de contas, um livro feito de vingança das feridas de guerra que durante todos estes anos também me foram infligidas. É um livro factual, mas intimista. Um livro de retratos de gente famosa. Não está toda a gente. Está quem eu consegui estar mais perto de poder fotografar”. E, porque o actual presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, na sua infatigável expressão de palavras contidamente fraternas, é também um adepto do futebol, Vítor Serpa ainda escreve: “A última história é uma homenagem ao adepto. Peguei na figura tutelar do presidente da República, também ele um adepto de futebol e, em especial, da Selecção Nacional. São, como as outras, histórias de vida, histórias reais e inéditas. Achei que era uma boa maneira de terminar este livro, com afecto”. E terminar bem, pois que todo o livro se distingue, pelo brilho das ideias e pela elegância da forma.
No livro Há Vida Nas Estrelas, o seu autor timbra em honrar os laços da solidariedade mais pura, com algumas das figuras maiores do futebol português, mostrando que é nas horas difíceis que melhor se avalia o penhor da amizade e que a sua profissão de jornalista, exercida com ciência e consciência e finura de trato, permite-lhe hoje evocar factos saudosos donde pode visionar-se uma exemplar devoção pelos mais belos valores desportivos e, sobre o mais, humanos. A sua culta inteligência, o seu senso prático, a sua exemplar devoção ao trabalho, a sua lealdade no convívio, o apoio constante da família – fizeram dele um profissional que prima por não preencher a ausência de Deus com a mentira, a balbúrdia e o artifício, como salienta George Steiner, referindo-se a certo jornalismo hodierno. Há nele uma cautela em não aguçar arestas, em encontrar zonas amortecedoras entre antagonismos em liça. E assim Fernando Gomes, Pinto da Costa, Luís Filipe Vieira, Bruno de Carvalho, Jorge Jesus, José Mourinho, Jorge Mendes, Eusébio, Futre, Maradona, Messi, Cristiano Ronaldo, entre outros mais, são figuras humanas, profundamente humanas, com qualidades e defeitos portanto, mas todos eles estrelas, ou seja, todos eles emitem luz própria, em todos eles é possível encontrar as raízes da especificidade, do progresso do nosso futebol. Mas uma questão de fundo poderá levantar-se ainda, através da leitura deste livro: possuirá o futebol português traços de originalidade, de genialidade tais que nos permitam realmente falar da existência do “futebol português”? Ou descobre-se, no nosso futebol, o fenómeno para que já Eça de Queirós nos alertou, n’Os Maias, que a cultura nos chega de Paris, pelo comboio, embalada em caixotes? Resumo o problema, em poucas palavras: há “futebol português”, ou “futebol em Portugal”? Se me permitem uma resposta, faço minhas as palavras de José Régio: “toda a universalidade depende, em primeira instância da autenticidade das obras e do génio do seu criador, acrescendo ainda que é o português quem não sabe valorizar as suas produções, nem tem oportunidade de o fazer, apesar da existência de grandes génios, na nossa Cultura” (in Maria Manuel Baptista, Estudos – Eduardo Lourenço, Vol. I, Ver o Verso, 2006, p. 37).
Vi jogar, na minha frequência assídua dos campos de futebol lisboeta, na companhia do meu saudoso Pai, alguns verdadeiros talentos do futebol português, tais como: Rogério, Coluna, Germano, António Simões (Benfica); José Travassos, Manuel Vasques, Fernando Peyroteo, Yazalde (Sporting); António Oliveira, Paulo Futre, Pinga, Hernâni (F.C. Porto); Jaime Graça, Emídio Graça, Jacinto João (Vitória de Setúbal). E dois génios que faziam jogadas como um repentino acordar do espírito: Matateu (Belenenses) e Eusébio. Há, aqui jogadores, no seu tempo, recheados de vitalidade, onde esfuziavam os clarões de uma “classe” autêntica, mas não beneficiaram nunca do profissionalismo, no futebol, a medicina desportiva era incipiente e, acima de tudo, vivendo num país desafecto à inovação - que o mesmo é dizer: quase todos eles nunca foram o que poderiam ter sido! Os nomes escolhidos por Vítor Serpa, bem ao contrário, são (ou foram), quase todos, jogadores com remunerações e prémios principescos, tendo a seu favor uma ciência médica de prevenção/reabilitação e das várias “performances desportivas”, que os estudou, investigou e tratou, e renomados juristas que lhes apontaram deveres e defenderam direitos, como é do interesse de qualquer cidadão, numa sociedade democrática. Os demais (presidentes, treinadores e o empresário Jorge Mendes) também são (foram) eles e a sua circunstância – mas, em todos eles, Vítor Serpa descobriu qualidades e defeitos, como em qualquer outro ser humano e… talento! Alguns deles foram mesmo verdadeiramente inovadores. No Jornal de Letras, Artes e Ideias, de 22 de Maio a 4 de Junho, o meu colega e amigo, Gonçalo M. Tavares, escreve com agrado (e eu sei bem como ele se delicia, com a leitura dos filósofos): “Recebo o calhamaço As Passagens de Paris de Walter Benjamin, traduzido por João Barrento. Mais um dos grandes livros inacabados. Praticamente toda a obra de Benjamin está agora traduzida, um grande acontecimento. Em Benjamin, sempre essa luminosidade acima da média: “O que é verdadeiro não tem janelas. O verdadeiro nunca olha lá para fora, para o universo” (diz Benjamin)”.
No mesmo jornal, colabora o escritor Afonso Cruz: “Não me lembro de viagens que não sejam pessoas ou animais, não me lembro de viagens que não sejam histórias. A viagem, como a vida, é uma cardiognose. Se não bater no peito, vale muito pouco”. Tanto o Gonçalo, como o Afonso, têm como Jano um rosto bifronte: de um lado, um juízo límpido, uma filosofia arrumada do concreto; do outro, o estilo próprio de dois dos melhores narradores atuais de língua portuguesa. O Gonçalo é um racionalista, mas de uma razão que o torna único e diferente, como acontece com a “teoria crítica” em Walter Benjamin. Tão único e tão diferente que o Gonçalo M. Tavares, que tanta gente conhece, eu não sei quem é. Acrescentarei que é um escritor junto de quem nos sentimos inteligentes, por contágio ou patetas, por contraste. O Afonso Cruz é um humanista, com todas as letras. Talvez um renascentista, talvez um discípulo do sofista Protágoras, para quem “o homem é a medida de todas as coisas”. Mas um humanista que sofre de “cardiognose”, quer ele dizer, no meu entender: é principalmente pelas “razões do coração” e não pelas “razões da razão”, que ele manifesta possuir “sabedoria”. Vítor Serpa, entre os jornalistas portugueses que se ocupam (e já se ocuparam) do Desporto, é certamente dos mais significativos. Pelo seu racionalismo, em primeiro lugar. A verdade do que a tradição ensina e a autoridade impõe só deverá tomar-se por verdadeira mesmo, se chegar à consciência, com clareza e distinção. E também pelas suas “razões do coração”. Vítor Serpa é, de facto, um racionalista, mas ao serviço do progresso, da ciência e de um mundo mais fraterno e mais justo. Não há só epistemologia, no seu racionalismo, porque, para ele, como para Levinas, “a ética é a filosofia primeira”. Aliás, a razão respeita, com naturalidade, a filosofia e a própria teologia, quando verifica que é mais do que razão. Há Vida Nas Estrelas, de Vítor Serpa, é um livro que, mais do que lido, deverá ser estudado, designadamente nos cursos superiores de Desporto. Dele desponta documentação fundamental para uma compreensão da história do nosso futebol. É o esquecimento do Passado e não o culto do Passado que nos tornará prisioneiros do Passado. Parabéns ao Vítor Serpa, o seu autor, à Federação Portuguesa de Futebol que o editou e a todos os que o escolherem para uma investigação histórica do futebol português."

Quatro memórias de um campeonato

"Este não foi um campeonato qualquer: há uma satisfação redobrada quando se vence o que demos por perdido. Para memória futura, quatro momentos marcantes da reconquista.
A iluminação: depois de um Agosto positivo, os fantasmas da temporada anterior regressaram. Bastaram umas semanas para termos de voltar a uma ideia de jogo em acelerado processo de empobrecimento, à qual se juntou uma política de contratações com muitos erros. Depois, não foi preciso muito para chegar o momento em que o futebol jogado expôs as suas debilidades colectivas. Em Outubro, também por força da ressaca física das pré - eliminatórias da Champions, a equipa parecia ter entregue a época. Entretanto, os equívocos persistiam, com Luís Filipe Vieira, primeiro, a proletar o óbvio (a saída do treinador) e, logo de seguida, a ameaçar com o espectro do regresso inusitado de Jesus, para tudo culminar numa iluminação que transformou o treinador de principal a interino,. Com atraso, em Janeiro, o Benfica entregou a Bruno Lage uma tarefa hérculea: ganhar um campeonato improvável.
A bola do Rafa: a receita do 37 assentou em alterações no sistema de jogo, na colocação dos jogadores certos nas posições certas e numa combinação surpreendente de jovens da formação com jogadores proscritos. O futebol dominante quando a equipa tinha bola (103 golos!) ajuda a explicar a sequência impressionante de vitórias. mesmo a perder, o Benfica passou a ser capaz de ir buscar os resultados. Poucas reviravoltas foram tão importantes como a do Dragão. Na altura, foi muito glosado o modo exuberante como João Félix celebrou o golo do empate, enfrentando de braços cruzados, os adeptos adversários. Mas recuperem a imagem e notem na forma como Rafa, de bola debaixo do braço, vem resgatar Félix, reconduzindo a equipa para o seu meio-campo. No Benfica do passado, alcançado empate, a equipa recuaria linhas, procuraria controlar o jogo e começaria a expor as suas fragilidades sem bola para, num ápice, estar a sofrer. Não foi o que aconteceu. Foi naquela bola do Rafa que se começou a desenhar a reconquista.
A serenidade de Lage: impressiona a cadência pausada como fala e o modo como centra o essencial das suas intervenções no jogo. Este título é mesmo da sua autoria. Na hora da vitória, pediu exigência aos portugueses para além do futebol e disse que é necessário reconhecer o mérito de quem vence. Terá de estar à altura quando um dia perder.
Fomos campeões: já lá vão três dias de felicidade imensa. É altura, portanto, de deixarmos de afirmar, somos campeões. Na verdade, fomos campeões. Agora é preparar o 38."

Melhor que este só o de Trapattoni

"Nunca tinha acontecido uma derrota com tanto estrondo e uma vitória com tanto merecimento. E Bruno Lage merece os maiores elogios

Este foi de todos os títulos do século XXI (com excepção do conseguido com Trapattoni, porque havia uma década sem ganhar) aquele que soube melhor. Melhor porque foi dos mais justos, melhor porque foi conseguido com arbitragens a inclinarem o campeonato desde o início e melhor porque foi contra estratégias torpes a tentarem condicionar fora de campo.
Alguns dos títulos conseguidos por Jorge Jesus tiveram um futebol mais exuberante, mas ganhar um título depois de ter sete pontos de atraso e uma segunda volta impossível pela frente, deixa os adeptos em delírio e os adversários em desespero. Nunca tinha acontecido uma derrota com tanto estrondo e uma vitória com tanto merecimento.
Bruno Lage é destinatário obrigatório da maioria dos elogios quando se falar no 37. A qualidade do seu treino, a simplicidade da sua comunicação, a elegância da sua postura e a grandeza da sua conquista são património apenas seus, para desespero dos reis do azedume e dos imperadores do ódio. Este título tem tanto mais valor quando é alcançado contra o segundo melhor FC Porto dos últimos seis anos, contra um rival muito bem treinado e contra um campeão em título. A nossa alegria é controlada, porque só ganhamos cinco dos últimos seis anos e sabemos que é possível fazer melhor.
O nosso comparativo só é internacional: o Bayern, na Alemanha ou a Juventus em Itália, não ganham sempre, mas ganham quase sempre. O Benfica vai a caminho, com a consciência do muito que ainda falta fazer e a certeza que nada nos será fácil.
Quando Félix saiu para dar lugar a um Jonas a chorar, quando Lage festejou com a camisola de Jaime Graça 37 levantada, quando Rui Costa um a um abraçou e beijou os heróis do campeonato no fim do jogo, todos percebemos que «o futuro tem uma história» porque «só nós sentimos assim».
O nosso amor ao Benfica é tão grande que fica pouco espaço para o ódio, a nossa paixão pelo nosso emblema é tão genuína e autentica que fica pouco espaço para o azedume. Por isto mesmo enquanto milhões festejavam no Marquês e em centenas de outros pontos espalhados pelos cinco continentes, um punhado de caricaturas faziam papel deles mesmos. Para nosso gáudio, o ridículo deles e a diferença de todos."

Sílvio Cervan, in A Bola

Vantagem...

Benfica 89 - 82 Corruptos
21-20, 19-23, 30-23, 19-16

Vitória importante, num momento onde ainda não temos todos os jogadores a 100%...
Fundamental, o jogo do Domingo, para ir com vantagem 'grande' para o jogo 3...

Derrota 'perigosa'!!!

Benfica 3 - 5 Fundão

2.ª derrota da época no tempo regulamentar, 1.ª na Luz, não é fatal, mas fica o aviso... Espero que os penalty's falhados e as bolas nos potes, tenham sido 'gastos' hoje, no Domingo não existe margem de erro...

Campeões!

"O admirável escritor Mário de Carvalho, em tempos, referiu-se ao ego, cuja palavra, «lida na natural direitura, apenas lhe falece um 'c' para não ser 'cego'», explicando, inadvertidamente, a temporada futebolística prestes a findar. Os dirigentes portistas, ofuscados pelo sucesso da época passada, glorificados pelos seus acólitos e nunca perturbados pela comunicação social, julgaram ter encontrado a fórmula perfeita para, senão perpetuar, pelo menos esticar o tal sucesso. E a vida correu-lhe bem: se a competência em campo vacilava, a força fora dele compensava. Mesmo árbitros imunes à magia da supracitada fórmula teriam os seus limites, nem que, para que soçobrassem, fosse necessária uma conversa em centros de treinos.
O ego cresceu, e a cegueira aumentou, iludindo quem, julgando que práticas recicladas reproduzem efeitos iguais, passearia o campeonato e apostaria na Europa. Mas a máquina em campo engasgou-se com experiências tácticas, e os árbitros atingiram o ponto de saturação em Braga. Após essa partida, o FC Porto, até então levado ao colo, viu-se obrigado a andar e, claro, coxeou. Qualquer analista independente o preveria com facilidade caso adivinhasse o fim da permeabilidade dos árbitros à coacção de vária ordem. E houve Benfica, estrutura, Lage, miúdos do Seixal integrados num núcleo de jogadores experientes e, sobretudo, estofo de campeão. Houve demasiado Benfica para tão pouco FC Porto, abandonado a si próprio.
A história do ego ficou por aqui, pois já não é o que lhes dificulta a aceitação do desaire e subsequentes protestos delirantes. Esses provêm da propaganda interna e da habitual tentativa de condicionamento da época seguinte. Continuemos atentos e rumo ao 38!"

João Tomaz, in O Benfica

Sem palavras

"Não tenho muito para vos dizer esta semana. Fiquei sem palavras no sábado passado. Fui engolido pelas emoções da conquista feminina no Jamor e da façanha masculina na Catedral.
Não foi uma época fácil, como todos vocês sabem. Nem para eles (treinadores, jogadores e dirigentes), nem para nós (adeptos e sócios). Tivemos de ouvir muitas mentiras, desaforos e acusações desesperadas. Tivemos de assistir a favores constantes ao adversário, no campo e nos jornais, nos corredores da arbitragem e nas televisões.
Estivemos fora de jogo. Ou, melhor, fomos colocados fora de jogo pelos entendidos do futebol. E recuperámos como nunca se viu. Fomos melhores, mais eficazes e mais concretizadores com uma equipa muito mais portuguesa do que as dos nossos rivais.
E muito mais jovem. Eles podem escavar à procura de argumentos, mas mais facilmente se encontra a factura da viagem de Carlos Calheiros para o Brasil ou o talão da autoestrada para Vigo do que uma mancha na carreira do Benfica de Bruno Lage.
Por estes dias, deve ser muito complicado não ser adepto do Glorioso. Já devem estar fartos de nos ouvir, e de nos ver, mas agora vem a má notícia - para eles. É que cheira-me que não vamos ficar por aqui. Sinto que estamos a caminho da melhor década de sempre da história do SL Benfica a nível nacional. E com a dose certa de fortuna (financeira e do acaso) podemos ir ainda mais longe. Nada mudou, caros benfiquistas. Jogo a jogo, rumo ao 38."

Ricardo Santos, in O Benfica

R3conquis7a

"O campeão voltou. Leu bem, amigo leitor! O campeão voltou! A reconquista está consumada. Eu ainda estou a recuperar da festa. Quem deve andar descontente são os pais dos nossos miúdos: os exames nacionais aí à porta, e a rapaziada distraída em passeatas no topo de um autocarro descapotável noite dentro. Chegaram a casa às 5h da manhã e foram treinar exercícios do teorema de Pitágoras? Rever os resumos do Memorial do Convento? Não acredito. Ao contrário de boa parte dos benfiquistas, nunca deitei a toalha ao chão. Mas reconheço que não sou exemplo a seguir. Para ajudar o leitor a perceber o meu nível de alucinação basta relembrar o ano de 2008, quando estávamos com 16 pontos de atraso para o FCP a seis jornadas do fim, e eu ainda acreditava genuinamente que o Benfica ia ser campeão. Na jornada seguinte, o Estrela da Amadora perdeu 6-0 no Dragão, e o sonho foi assim desfeito. Como há adeptos mais ajuizados do que eu, admito que este título já tenha sido mesmo uma miragem.
O Benfica igualou o seu recorde de golos na Liga e teve a melhor segunda volta da história - em casa dos sete primeiros classificados somou 18 pontos em 18 possíveis. Nos mesmos duelos, o FCP e o SCP conquistaram apenas 7 pontos cada um. Numa volta com Bruno Lage, o Benfica marcou tantos golos (72) como o SCP durante a época inteira e apenas menos dois do que o FCP. 

Isto, à boleia de um grupo de um grupo de adolescentes que não tem idade para tirar carta de pesados, mas teve capacidade para ajudar a conduzir um gigante do tamanho do Benfica. Espero que todos eles fiquem. Nem é pelo futebol, é para quando festejamos o 38 na próxima época poder ser um deles a conduzir o autocarro até ao Marquês."


Pedro Soares, in O Benfica

Sabor especial

"Na hora de festejar o 37, Bruno Lage fez um discurso repleto de desportivismo, apelando ao respeito pelos adversários. Luís Filipe Vieira, título após título, não se cansa de repetir que ganhamos por nós e não contra os outros. Que me perdoe o mister, que me perdoe o presidente. As palavras são bonitas e pedagógicas, mas este título, este em particular, não pode deixar de me fazer recordar o quanto nos fizeram sofrer nos últimos dois anos, com os ataques mais violentos de que há memória no desporto, ou mesmo na sociedade portuguesa. Este título, este em particular, não pode deixar de ser contra todos os que idealizaram, executaram, promoveram e alimentaram esses ataques - que visavam desunir e destruir o nosso clube. E a esses, caro presidente, caro mister, os benfiquistas jamais irão perdoar. Este título é pois um grito contra eles. Percebe-se, pelas declarações de alguns jogadores, que tal sentimento também alimentou o balneário ao longo da época. Também os nossos profissionais sentiram o seu trabalho muitas vezes injustiçado e posto em causa. O que não nos mata torna-nos mais fortes, e o Benfica é demasiado grande para ser desrespeitado. Reagiu como melhor sabe: dentro do campo.
O campeonato agora concluído serve ainda para sedimentar a clara hegemonia benfiquista no futebol português da última década. Não fossem dois pontapés fortuitos em tempo de descontos (2013 e 2018) e estaríamos agora a falar de um Hepta-Campeonato – como a Juventus em Itália, ou o Bayern na Alemanha. Assim são “apenas” cinco títulos em seis anos, ou seis em dez, conforme se preferir. Venha então o 38."

Luís Fialho, in O Benfica