terça-feira, 19 de março de 2019

Benfica, enfim, no caminho certo

"Luís Filipe Vieira tomou uma das mais importantes decisões ao escolher um treinador verdadeiramente sintonizado com o projecto da formação

O jogo de anteontem, em Moreira de Cónegos pareceu-me, desde o começo deste ombro pelo título, o que mais perigos escondia ao Benfica. O Moreirense tem a equipa da classe média mais bem trabalhada e a que melhor futebol pratica, como já demonstrara no empate com o FC Porto, na jornada 21, e anteontem sublinhou, apesar de goleada, diante de um oponente obrigado a lutar, a sofrer, a suar e a exibir-se em grande nível.
Porquê? Porque a vantagem de dois pontos que a águia tinha em relação ao dragão esbanjou-a uma semana antes, na Luz, frente ao Belenenses, igualmente a rubricar carreira apreciável no campeonato, mas sem a amplidão futebolística do Moreirense, como imagem caracterizadora da linha de pensamento de Ivo Vieira, um dos treinadores mais interessantes desta nova geração que emerge e muito promete.
Ninguém no seu perfeito juízo arrisca o nome do próximo campeão. Estamos na fase dos palpites e dos desejos, que são livres e imensos, mas não mais do que isso, nesta frenética corrida a dois, o julgo que somente a dois, por já não haver espaço para acolher outros candidatos.
De um lado, o FC Porto mais adulto, consistente e estruturado, com a assinatura, em segundo ano, de Sérgio Conceição; do outro, o Benfica, rejuvenescido, ousado e diferenciador, provavelmente mais exposto pelo facto de o novo comando técnico do seu futebol ter apenas dois meses de vida. Curtíssimo prazo que para qualquer outro no seu lugar seria motivo para se desculpar, e ser desculpado, a cada falsa partida.

Bruno Lage não se pôde dar a esses luxos. Teve de começar a ganhar, não deixando a ganhar, não deixando de ser curioso o pormenor de sobre ele desabar um grau de exigência não direi nunca visto, mas inquestionavelmente estranho pela invulgaridade. Não lhe foi concedido período de adaptação. Foi chegar, arrumar a casa e derrubar todos os obstáculos desportivos que se lhe depararam, sob risco de o considerarem impreparado para ocupar tão apetecido lugar.
Lage aceitou o desafio com serenidade: sabe ao que vai e o que tem para dar. Por isso, concentrou-se no essencial, fazendo de conta não perceber o sentido de insinuações ou questões dúbias a que os seus ouvidos se vão habituando. Reage com um sorriso sincero e simpático que atrapalha quem se esforça para lhe ferir a confiança e não se dá conta que a sua principal arma de defesa reside na autenticidade.
Lage é mesmo assim, sincero, genuíno e simples, garante quem acompanhou o seu crescimento e o conhece bem. Tal como o vemos, além de estudioso, sabedor, preparado e com a competência que se reclama para vingar na complexa área do treino, sobretudo ao mais alto nível competitivo.

A resposta está a dá-la através da qualidade do seu trabalho, irrepreensível. Admirável como conseguiu fazer tanto desde o dia 6 de Janeiro, data do seu primeiro jogo como treinador principal, na altura ainda visto como interino pela opinião pública. Repare-se: 11 jogos na Liga, com dez vitórias e um empate, duas vitórias na Taça de Portugal, derrota na fase final da Taça da Liga e quatro jogos na Liga Europa, com duas vitórias, um empate e uma derrota.
No total, 18 jogos, com 14 vitórias, dois empates e duas derrotas, 50 golos marcados e 14 sofridos. Uma eficácia de quase 80 por cento, se as contas não me atraiçoam.
 Se os resultados são factor de relevo na avaliação de méritos de um treinador, então o registo de Bruno Lage é a prova inequívoca de que foi a escolha acertada de Luís Filipe Vieira, por ser este o caminho que o presidente encarnado quer seguir. Sempre quis, aliás, embora, por razões diversas que fazem parte da história, apenas o tivesse conseguido em situações esparsas, de fraco significado.

Vieira, sacudiu os fantasmas do passado. Com argúcia e sensatez tomou uma das mais importantes decisões no seu ministério ao escolher um treinador verdadeiramente sintonizado com o projecto da formação, nascido no Seixal, na fantástica infraestrutura ali construída, e em remodelação do que melhor existe na Europa e que, através de restritas visitas guiadas, deveria ser dada a conhecer à família benfiquista.
A magnificência do empreendimento, aliada ao assombro do seu funcionamento, merece ser vista e apreciada, como referência de um mundo novo no futebol. Onde Lage cresceu e aprendeu a ser treinador. Completou-se o ciclo. Vieira está em condições de proclamar a autossufiência do Benfica."

Fernando Guerra, in A Bola

A violência e os brandos costumes

"Diz o povo, que nem sempre é assim tão sábio, que os portugueses têm brandos costumes. Não têm, por exemplo, o sangue quente dos nossos vizinhos espanhóis e que por isso fizeram uma colonização de um evangélica mestiçagem e que, por cá, até as guerras são mais amenas, mesmo sem lembrar essa inusitada revolução que teve cravos na porta das espingardas.
Apesar de algumas imponentes e temíveis figuras históricas, que vão do D. Afonso Henriques ao Marquês de Pombal, passando, fugazmente, pela plebeia padeira de Aljubarrota, a verdade é que até muitos dos nossos reis são mais conhecidos pelos amores do que pelos desamores.
E, no entanto, não me parece assim tão evidente que sejamos um povo de brandos costumes. Olhem o que por aí vai nas redes sociais, onde essa noção mesquinha de que é possível atirar a pedra e esconder a mão acaba por ser assumida por tanta gente como uma manifestação de pura raiva e de detestável cobardia.
Atente-se, também, nesse preocupante e deplorável currículo nacional da violência doméstica, cujos intermináveis casos, bem ou mal julgados por tribunais de brandas sentenças, se tornam um flagelo social e cívico, que junta a mais abjecta de machismo à mais brutal rasteirice humana.

E, last but not least, olhemos com seriedade para os horrores nacionais da violência desportiva, onde a agressividade verbal está a ser tolerantemente tratada, como se fosse socialmente razoável física leva a uma ideia quase resignada de uma chatice pública que a todos incomoda um bocadinho, mas a ninguém sugere verdadeiras medidas de extinção."


Vítor Serpa, in A Bola

Cadomblé do Vata (Era Uma Vez... em 77 D.E.!!!)

"Estamos no ano 77 D. E.. Toda a Península Ibérica tem transmissões televisivas de jogos de futebol com câmaras e software que mostra os lances em 973º, de todos os ângulos, alturas e comprimentos, incluindo marcações de grandes penalidades vistas do ângulo do marcador... toda? Toda não. Um paraíso à beira mar plantado, ocupado por portugueses, ainda resiste hoje e sempre à evolução televisiva e tem emissões onde não só não é possível confirmar foras de jogo, como também deixam dúvidas em golos que são mas se calhar não foram.
Não há como não gostar de estádios pequenos, de localidades pequenas, representados por clubes pequenos. O ar de quintal lá de casa onde passamos horas a dar pontapés num cautchú coçado com os primos e amigos, traz romantismo ao campeonato. Mas as condições em que a SportTV levou o Moreirense - SLBenfica até às casas e cafés de todos nós, fizeram-me ter saudades do Adelino Ribeiro Novo barcelense, com o poste da cobertura bem em frente da lente da câmara e a total invisibilidade dos quartos de circulo dos cantos do lado da filmagem.
Bem sei que o futebol no pequeno ecrã português se fez com 3 câmaras na bancada central desviadas 15 metros umas das outras, imagens dos topos nos poucos recintos que as permitiam e o Gabriel Alves ou o Rui Tovar a analisarem "a olho" os lances na bancada de imprensa, ajudados por um repórter de pista que podia ter a sorte de estar no lado do campo onde surgia a dúvida. As coisas faziam-se e a malta adorava, mas estamos a falar de tempos em que os jogos eram transmitidos em sinal aberto, em que durante a semana não havia 3 dezenas de matraquilhos a discutir futebol na tv e muito mais importante... não havia VAR.
Todos os telespectadores que apreciaram a bela futebolada entre Moreirense e Glorioso, tiveram que assinar no final um termo de confidencialidade, jurando não comentar com estrangeiros os lances de fora de jogo do Arsénio e do João Félix, sob pena de colocar em causa qualquer réstia de prestígio que o campeonato cá do sítio ainda possa ter lá fora. Tal documento foi absolutamente escusado, porque dizer a alguém que em Portugal vamos com 2 anos de VAR mas ainda há estádios onde não há ângulos de filmagem que permitam o uso devido da tecnologia podia ser fácil, mas convencê-lo de que não estávamos a brincar é que era capaz de ser o cabo dos trabalhos."

Obrigada, Benfica. Assinado: uma feminista sportinguista

"Nem só de famílias brancas, compostas por um homem, uma mulher e respectiva prole vivem os lares do nosso país. E não, os fãs nas bancadas do futebol não são sinónimo de heteronormatividade. A nova campanha do Benfica fala-nos precisamente sobre tudo isto: diversidade racial, de género, de orientação sexual e de estrutura no seio da família. Três vivas ao clube da Luz!

Bom, confesso que nunca pensei que viesse a escrever um elogio público ao Benfica. Primeiro, porque sou sportinguista. Segundo, porque o meu interesse futebolístico se resume aos grandes derbies, aos jogos da selecção nacional e pouco mais. Terceiro, porque este é um espaço que prima pelas dissertações sobre os desafios da igualdade, e digamos que o futebol não tem sido propriamente um universo rico em bons exemplos no que respeita a estas matérias (ainda o texto de ontem se debruçava sobre isso). Mas eis que chego ao escritório e me enviam uma campanha em vídeo lançada pelo clube da Luz, que me faz ter esperança quanto ao crescimento da consciência colectiva para se participar publicamente na desconstrução dos tabus que alimentam cenários de desigualdade na nossa sociedade.
A campanha do Benfica surge sob o título “Seja a tua família como for” e tem como intuito promover o pacote “Sócio Família”, com quotas apelativas para inscrições feitas por membros do mesmo núcleo familiar. Mas se estamos habituados a ver a instituição família representada por um pai, uma mãe (e atenção que não uso as palavras homem e mulher propositadamente), com um ou mais filhos, neste vídeo as coisas não são bem assim. E ainda bem que assim é, porque a realidade das famílias portuguesas estaria muito mal representada se se tivessem limitado a essa imagem. Uma imagem com que somos amiúde bombardeados nas mais distintas plataformas – da publicidade, à televisão e ao cinema, etc -, que resume a família a casais heterossexuais, brancos e com crianças.



Porque é que isto é errado? Bom, porque como tão bem mostra esta campanha do Benfica, nem todas as famílias são assim. Brancas, negras, interraciais, famílias monoparentais, famílias que não têm crianças: estas famílias são menos dignas desse nome? Então porque é que raramente são representadas? E onde ficam os avós, os bisavós, os sogros, os tios, os sobrinhos, os padrastos e as madrastas, os enteados, os genros e as noras, por exemplo? E onde ficam também os casais do mesmo sexo? Neste vídeo, há espaço para todas estas pessoas e distintos contextos e dinâmicas familiares. Porque como diria a campanha em tom de conclusão, “seja a família como for, o importante é haver amor”. Nem mais.
Sei que muito se tem falado de apropriação de causas para efeitos de marketing, e é claro que se espremermos bem, o intuito desta campanha é angariar novos sócios e fazer dinheiro. Mas seria no mínimo redutor se só víssemos esse lado. Neste caso, prefiro focar-me na amplitude inacreditável do alcance desta campanha, não só em termos de geografia e do número de pessoas a que vai chegar (não esqueçamos que o Benfica é o clube com mais adeptos espalhados pelo país) mas também no que respeita à diversidade dos receptores finais desta mensagem. Uma mensagem poderosa, acima de tudo de inclusão e de diversidade, que tem o condão de pôr pessoas de todo o país – e não só - a pensar em realidades que ainda geram desconforto, em boa parte por causa do desconhecimento. Vindo de um clube que é uma referência nacional, este é um belíssimo exemplo de como a desconstrução de preconceitos e a responsabilidade social não só podem, como devem andar de mãos dadas com estratégias que têm objectivos financeiros. Esta não é uma equação impossível. O mesmo para a belíssima iniciativa da equipa do Vitória de Guimarães, que este mês trocou os nomes dos jogadores nas suas camisola por nomes da mulheres vítimas de situações de violência doméstica. Mais um bom exemplo de como se pode aproveitar a visibilidade mediática para pôr as massas a pensar.
Para além da diversidade dentro do seio familiar, há outras boas mensagens subliminares que a campanha do Benfica passa: por exemplo, que as mulheres e as meninas também são fãs de futebol e que os homens gay não só vão à bola, como também, pasmem-se, podem gostar e até ter jeito para jogar esta modalidade. Porque o universo do futebol, por mais que esteja associado a testosterona aos saltos nas bancadas, não é exclusivo dos homens heterossexuais. E porque felizmente a grande festa do futebol é para todos e para todas. Obrigada, Benfica!"

A lista interminável

"O programa ‘Chama Imensa’, da BTV, mostrou ontem uma série de erros de arbitragem que já aconteceram neste campeonato. Os exemplos são tantos que foram precisos 12 minutos de imagens para se apresentar a lista completa.
Sejamos claros: alguns desses erros são demasiado graves. Valeram pontos a uma equipa e, obviamente, custaram pontos a outras.
Erros – graves e menos graves – sempre aconteceram e sempre hão de acontecer. Por norma, no fim das competições, entre eventuais benefícios e prejuízos as contas são equilibradas para todas as equipas. O que nunca aconteceu e talvez não volte a acontecer é esses erros serem Sempre em benefício da mesma equipa. Isto é, objectivamente, o que está a acontecer no nosso campeonato e a pôr em causa a verdade desportiva.
O Benfica estará sempre interessado e apoiará, em quaisquer circunstâncias, todos os movimentos que sirvam para proteger a integridade das competições e salvaguardar a transparência no desporto, em geral, e no futebol, em particular.
O VAR é, nesse sentido, uma ferramenta importante, capaz de reduzir de forma drástica o número de decisões erradas que são tomadas em campo. Ora, é estranho que não seja isso que está a acontecer.
O investimento feito no VAR não está a atingir os resultados que se esperariam. Este campeonato (o segundo desde a introdução do vídeo-árbitro) é daqueles em que, nos últimos anos, se estão a verificar mais erros graves de arbitragem. E é difícil de aceitar que, havendo mais árbitros, mais condições e mais investimento, também existam… mais erros.
Muitos desses erros foram até admitidos pelo próprio Conselho de Arbitragem – quando, na altura, fez o balanço ao desempenho do VAR no primeiro terço do campeonato. O CA assumiu “9 erros graves” à 11.ª jornada, sem no entanto os identificar.
Alguns exemplos: Todos nos lembramos da forma como o Belenenses foi derrotado à 2.ª jornada, no Jamor, pelo FC Porto. Todos nos lembramos da 1.ª parte do FC Porto-V. Guimarães e de tudo o que aconteceu naquela meia hora em que o VAR não funcionou. Todos nos lembramos de um jogador do V. Setúbal (Hildeberto) seguir isolado para a baliza do FC Porto e ser derrubado por trás sem que nada acontecesse. Todos nos lembramos da forma como Lema foi expulso no clássico da Luz. Todos nos lembramos como uma decisão certa (tomada em campo) foi alterada para uma decisão errada (tomada na Cidade do Futebol) durante o FC Porto-Feirense. Todos nos lembramos como Rochinha foi derrubado na área do FC Porto, de forma impune, no jogo do Bessa.
Isto foi o que aconteceu apenas no primeiro terço do campeonato. Depois disso, já houve mais, infelizmente. Todos nos lembramos da forma como o FC Porto chegou ao golo nos Açores. Todos nos lembramos dos penáltis reclamados pelo Rio Ave no Dragão. Todos nos lembramos do penálti cometido por Militão, e não assinalado, no Moreirense-FC Porto. E todos nos lembramos do penálti sobre Pizzi que ficou por marcar no último clássico.
Para concluir, a estatística dos cartões vermelhos: das 26 jornadas já realizadas, em 8 delas os adversários do FC Porto tiveram jogadores expulsos. Ou seja, o FC Porto terminou 31% dos jogos deste campeonato a jogar contra 10. Se fizemos o mesmo exercício relativamente aos jogos apenas no Dragão, chegamos a esta conclusão: nos 13 jogos que já disputou na sua casa, o FC Porto viu 6 adversários terminarem com jogadores expulsos. Isto é: em praticamente metade (!) dessas jornadas, o FC Porto terminou com mais um jogador. Um mistério."

Camisolas brancas manchadas a vermelho vivo


"A surpreendente goleada do Ajax ao Real Madrid, para a Liga dos Campeões, faz-nos recordar que foi o Benfica a primeira equipa europeia a aplicar aos merengues um resultado muito doloroso.

Desde 1913 que Benfica e Real Madrid ganharam o hábito de se defrontar regularmente, mais em jogos particulares, como está bem de ver, já que oficialmente foi raro cruzaram-se nas taças da Europa. Desde 1913 que os resultados não deixavam de ser surpreendentes:
1913, Lisboa, Benfica 7 - 0 Real Madrid (particular)
1913, Madrid, Real Madrid 2 - 1 Benfica (particular)
1915, Madrid, Real Madrid 0 - 5 Benfica (particular)
1919, Madrid, Real Madrid 4 - 1 Benfica (particular)
1919, Madrid, Real Madrid 1 - 5 Benfica (particular)
1922, Madrid, Real Madrid 4 - 1 Benfica (particular)
1948, Lisboa, Benfica 1 - 1 Real Madrid (particular)
1948, Madrid, Real Madrid 5 - 0 Benfica (particular)
1954, Lisboa, Benfica 0 - 2 Real Madrid (particular)
1957, Madrid, Real Madrid 1 - 0 Benfica (final da Taça Latina)
1962, Amesterdão, Benfica 5 - 3 Real Madrid (final da Taça dos Campeões)
1964, Cádiz, Real Madrid 1 - 2 Benfica (Troféu Ramón Carranza)
Não se pode dizer que os espectadores tivessem razão de queixa.
Quando se ficou a saber que, nesse ano de 1965, Benfica e Real Madrid se iriam encontrar nos quartos-de-final da Taça dos Campeões Europeus, apostou-se na vingança dos espanhóis Mas se o Benfica era praticamente o mesmo da final de Amesterdão, o Real Madrid já era outro: mais jovem, sem Di Stéfano, com Puskas aos bocadinhos, passando mais tempo no banco dos suplentes do que no relvado.
Muñoz, treinador madrileno, confiou no veterano húngaro para a 1.ª mão, no Estádio da Luz.
Dia 24 de Fevereiro de 1965: Eusébio estava à beira de completar 23 anos e um mês.
Dia 24 de Fevereiro de 1965: Eusébio diz muitas vezes que nessa data fez a maior exibição da sua carreira.
Dia 24 de Fevereiro de 1965: o Benfica tratou o Real Madrid com a mesma soberba que dedicara aos luxemburgueses do Aris Bonnevoie e aos Suíços do La Chaux de Fonds, nas duas eliminatórias anteriores - a todos aplicou 'chapa 5'.
Em Lisboa, no dia 24 de Fevereiro de 1965, o grande Real Madrid, o fabuloso Real Madrid, monstro dos monstros do futebol da velha Europa, foi reduzido a farrapos, a uma massa inerte de jogadores incrédulos: nunca tal sucedera em nove anos de existência da Taça dos Campeões. Por nove vezes estivera o Real Madrid na prova: por sete vezes chegara à final; por cinco vezes a vencera. Em Belgrado, em 1956, tinha sido derrotado por 0-3. Recuperaria em Madrid: 4-0. Em Amesterdão tinha sofrido cinco golos do Benfica: mas Puskas marcara três. Desta vez contra os golos de Eusébio (2), José Augusto, Simões e Coluna, só Amâncio conseguira responder por uma vez.
'Eusébio es um fenómeno!', grita Martín Navas, da Rádio Nacional de España aos microfones. O grito ouve-se por toda a Península Ibérica, se calhar por todo o continente.



Bastaram 9 minutos
Aos 9 minutos já o Benfica tinha feito um golo, por José Augusto, de cabeça.
Três minutos depois, Eusébio vai ao seu próprio meio campo receber um passe de Raul. Parecia que esse seu recuo, atrás da linha que dividia o relvado, tinha como intenção tomar balanço, ganhar metros por onde pudesse lançar-se, imparável, na sua passada negra de pantera.
Eusébio solta-se. Leva consigo a bola, colada aos pés, amarrada aos pés com o fio de ouro fino do seu talento. Eusébio está solto como as chitas nas infinitas savanas do Tsavo. Pará-lo, segurá-lo, travá-lo é como interromper as margens de um rio quando as cheias avançam, inquietas e inexoráveis.
Eusébio corre. Que digo eu?! Não corre:voa por entre adversários e companheiros de equipa. Os seus pés têm as asas do deus Mercúrio, o seu peito alarga-se, e ele respira em rabanadas de vento de dobrar árvores, de arrancar telhados, de devastar cidades inteiras.
Eusébio sopra a mais de trezentos quilómetros por hora.
Há um centésimo de segundo de silêncio.
70000 pessoas em silêncio profundo.
No momento em que pressentimos que a obra de arte está para nascer, respeitamos o silêncio absoluto da criação.
Aposto que houve um centésimo de segundo de silêncio ante de Deus criar o mundo!
A seguir houve o grito uníssomo: golo!
Eusébio estava ainda longe da baliza de Betancort, mas pouco se importou: rematou na mesma.
A bola saiu do seu pé direito a uma velocidade de para aí trezentos mil quilómetros por segundo.
Entrou junto a um poste: parecia que sabia exactamente em que lugar deveria entrar.
Treze minutos depois voltou a ser fenómeno.
Péridis deu para José Augusto; José Augusto correu pela direita, como era seu hábito, e centrou, como também era seu hábito; Torres tocou a bola de cabeça para trás, para a entrada da área.
Até aqui tudo normal.
O fenómeno dá-se agora: a bola vem caindo, de mansinho, na frente de Eusébio, e Eusébio não a quer. Com o peito do pé, com uma violência inaudita, nega-lhe o carinho da sua chuteira.
Trezentos mil quilómetros por segundo: a velocidade da luz.
Nenhum guarda-redes é capz de contrariar a velocidade da luz.
Giorgio Avversari, enviado-especial do Corrier dello Sport: 'Estou siderado com aquilo a que acabei de assistir. A actuação do Benfica superou em muito o que eu esperava, e Eusébio é um dos melhores jogadores que vi em toda a minha vida. Oxalá o Inter de Milão não tenha a desdita de jogar com o Benfica nas meias-finais'.
Não jogou. Jogou na final, em S. Siro. Mais conveniente era impossível."

Afonso de Melo, in O Benfica

Uma noite de patins e paródia

"Três desafios de hóquei em patins e um inesperado jogo de futebol de salão animaram o serão dos benfiquistas

No dia 18 de Janeiro de 1974, o Pavilhão da Luz foi palco de um festival organizado pelo Núcleo dos Amigos do Hóquei em Patins do Sport Lisboa e Benfica. Com o pretexto da 'apresentação das equipas que defenderão as cores do clube, na temporada que ora se inicia', planearam um programa completo que animou o serão dos benfiquistas.
A abrir o festival, disputou-se um desafio de hóquei em patins com duas equipas formadas por 'uma miscelênea de praticantes, englobando os escalões de infantis, iniciados, juvenis e juniores'.
Seguiram-se mais dois encontros da modalidade. Primeiro a reserva 'encarnada' jogou frente a 'uma selecção de jogadores que militam em vários clubes e que pertenceram, em temporadas transactas, ao «plantel» benfiquista'. Por último, 'o «prato forte» da noite': 'o encontro que opunha a uma selecção de Lisboa, a turma principal do Sport Lisboa e Benfica'. Antes do apito incial, 'com as duas equipas perfiladas no centro do «ringue»', procedeu-se 'à cerimónia da entrega dos troféus à Direcção' dos 'prémios que o Benfica conquistou durante a temporada finda'.
Mas o evento não foi só hóquei. Pelo meio houve uma pausa no desporto patinado para surpreender os espectadores com um curioso desafio de futebol de salão. Frente a frente, os Paradiantes de Lisboa e a RTP. As equipas incluíram 'nomes bem conhecidos do «association» da TV e da Rádio', 'fizeram as «delícias» da audiência'. E 'a «partida do século»' - como foi classificado pelos intervenientes - proporcionou 'minutos de inegável boa disposição'. pois do início ao fim 'as situações plenas de comicidade predominavam'. Para espanto dos presentes, 'houve até períodos em que o seu labor técnico se situou num plano aceitável'. Segundo a imprensa, foi 'de notar a «impecável organização» da formação' dos Parodiantes de Lisboa, 'levando-a ao requinte de, no intervalo desse jogo, um seu «atleta» entrar em campo empunhando um dístico onde informava a assistência que... o «programa segue dentro de momentos»'.
Entre os 'imponentes e fascinantes troféus (que) foram depositados pelos jogadores «encarnados» nas mãos do sr. Osvaldo Branco, vice-presidente da Direcção', estava a Taça do Campeonato Metropolitano, conquistada em Setembro de 1973 e que actualmente se encontra em exposição na área 3 - Orgulho Eclético do Museu Benfica - Cosme Damião."

Mafalda Esturrenho, in O Benfica

Caminhadas

"Após duas semanas de interregno motivado pelo facto de o nosso prezado jornal ter dedicado toda a sua energia aos 4267 associados que receberam os galardões de dedicação, no pretérito dia 9 de Março, perdurando uma tradição que segue as matrizes de um passado glorioso para um presente digno e motivo de grande orgulho para todos os benfiquistas, volto novamente aos seus costumeiros antigos, que os leitores têm a paciência de ler, paciência que muito agradeço.
Muitos temas se me assomam ao espírito que poderiam ser tratados neste artigo.
Quando todas as semanas temos de tomar uma decisão de qual o tema que os leitores e o mundo benfiquista em especial gostariam de ver tratados, confesso que matuto muito sobre o assunto, e na maioria das vezes, quando os escolho, continuo a ter dúvidas se serão aqueles que os leitores gostariam de ter no seu jornal.
O objectivo desta humilde página que graciosamente me é atribuída respeita a matérias de índole económica e financeira, de preferência ligadas ao mundo do desporto.
Assim, tive de escolher dois temas que não me largaram durante a minha noite de sono:
1 - O que é afinal a Belenenses SAD?
2 - Num país financeiramente normal, a Sporting SAD seria viável?

Os Belenenses SAD
No dia 12 de Dezembro de 2012, a sociedade Codecity Sports Management, Lda. foi oferente de uma oferta pública geral e obrigatória de aquisição sobre as acções representativas do capital social da sociedade 'Os Belenenses' - Sociedade Desportiva de Futebol, SAD, tendo por objecto a totalidade das acções representativas do capital social da sociedade visada que sejam susceptíveis de ser alienadas e detidas por outra entidade, ficando excepcionadas 149940 acções da Categoria A representativas de 15% do capital social da sociedade visada e que, por lei, tem de continuar na titularidade no Clube Futebol Os Belenenses, em virtude de a lei obrigar que a participação directa do clube na sociedade visada, enquanto clube fundador da mesma, não poderá ser inferior a 15%.
Nesse mesmo momento, foi assinado entre a SAD e o clube um 'Acordo Accionista', ou seja, um entendimento entre o clube Os Belenenses e a SAD.
Mas isso foi em 2012!
Hoje temos a primeira realidade disfuncional numa competição desportiva, profissional e não profissional.
Os Belenenses - Sociedade Desportiva de Futebol SAD nasceram da transformação da equipa de futebol do Belenenses Clube quando a mesma SAD foi criada. Por outras palavras, teve a sua origem na equipa do clube.
Hoje, o clube diz que a equipa da SAD não é a equipa do clube e por isso criou a sua própria equipa, ou seja, uma segunda equipa de futebol do grupo Belenenses!
A guerra chegou ao ponto de a SAD não poder utilizar o emblema, e vai daí a SAD fez um novo emblema para a sua equipa!
Mas o que interessa perguntar é como sobrevive uma sociedade comercial que, como todas as outras, visa o lucro mas que tem um conjunto interminável de prejuízos acumulados?
Uma primeira conclusão - em Portugal, as regras societárias não se aplicam à SAD do Belenenses!

Sporting Clube de Portugal - Futebol SAD
No prospecto de admissão à negociação no mercado regulamentado Euronext Lisbon de 28000000 acções escriturais e nominativas, representativas de 41,79% do capital social, nos riscos de emitente, lê-se:
'Os capitais próprios da Sporting SAD têm vindo a ser negativos ou positivos com um valor próximo de zero.
O capital próprio da Sporting SAD, de acordo com as demonstrações financeiras da Sporting SAD (objecto de revisão limitada, não auditado) referentes ao 1.º trimestre do exercício de 2018/2019, findo em 30 de Setembro de 2018, é de 548361€, face a um capital social de 67000000€, pelo que são aplicáveis as disposições dos artigos 35.º e 171.º do CSC, traduzindo esta situação a perda de mais de metade do seu capital social, pelo que o conselho de administração deverá efectuar os procedimentos previstos nos referidos artigos'.
Lê-se também no mesmo prospecto:
'Em 30 de Setembro de 2018,  passivo corrente é superior ao activo corrente em cerca de 137 milhões € que será monitorizado pela Sporting SAD. Registou-se uma redução da dívida financeira desde Junho de 2017 (135 milhões €) para Setembro de 2018 (118 milhões €), (...).
O fundo de maneio do eminente e os saldos de caixa e equivalentes de caixa são insuficientes para cobrir as suas necessidades de fundo de maneio nos próximos 12 meses.
À data do prospecto, o fundo de maneio do emitente e os saldos de caixa e equivalentes de caixa não são suficientes para cobrir as suas necessidades de fundo, recebimentos e pagamentos de activos e passivos correntes, necessidades estas que se estimam em cerca de 65 milhões €, dos quais 41 milhões € até 30 de Junho de 2019. Estimamos que a insuficiência de recursos se manifeste no final de Abril de 2019.
Para fazer face a estas necessidades, a Sporting SAD pretende concluir, em Março de 2019, uma operação de titularização de créditos detidos pela Sporting SAD relativos ao contrato de cedência de direitos de transmissão televisiva dos jogos disputados pela equipa principal de futebol estabelecido entre a Sporting SAD e a NOS Lusumondo Audiovisuais, SA.
Caso a operação de titularização não seja concluída no calendário previsto ou, no limite, não seja bem-sucedida a par de outras acções, a sociedade poderá enfrentar dificuldades de tesouraria para cumprir com as suas responsabilidades'.
A Enron Corporation Americana caiu por menos.
Uma segunda conclusão - em Portugal, as regras societárias não se aplicam à SAD do Sporting!"

Pragal Colaço, in O Benfica

CR7 e/ou Messi. Dir-nos-á o ornitólogo a quem pedimos para comparar o pavão ao milhafre que é passarada diferente e não é ajuizado comparar?

"Nos dias que correm, comparar Cristiano Ronaldo a Lionel Messi tornou-se aborrecido. Sempre que um se transcende e a legião de admiradores lhe exalta as qualidades, logo o outro se encarrega de se transcender também, calando a turba. Manda a sensatez, por isso, que não se lhes comparem os atributos. Entre aqueles que têm opiniões acerca de futebol, há um grupo para quem isto é lei. É aquele que, quando confrontado com a questão, se apressa a esclarecer os mais ingénuos afirmando com sisudez: ‘São jogadores diferentes!’ A afirmação é, de facto, verdadeira. E profundamente inútil, também. Que são diferentes qualquer pessoa sabe. Dir-nos-á por acaso o ornitólogo a quem pedimos para comparar o pavão ao milhafre que é passarada diferente e não é ajuizado andar a compará-la? O truísmo é na verdade uma evasiva: serve para não comprometer quem a ele se agarra com uma opinião mais firme acerca de qual dos dois prefere. Como se sabe, em Portugal é particularmente difícil defender que Messi é melhor que Ronaldo, e quem o tenta ou é porque não sabe que o produto nacional é sempre melhor que o estrangeiro ou é porque tem inveja do sucesso do madeirense. Em Portugal, é muito difícil explicar às pessoas que se pode admirar muito Cristiano Ronaldo e, mesmo assim, ter por Lionel Messi maior admiração ainda.
Devo confessar que Ronaldo me foi surpreendendo ao longo da sua carreira. Quando começou a ter protagonismo a nível internacional, já em Manchester, não acreditava que pudesse atingir o nível que de facto atingiu. Não creio que tenha sido o único a pensar assim na altura, mas já se sabe que o país está cheio de visionários à posteriori. Embora considere que não me equivoquei a respeito do tipo e grau de talento que possui, equivoquei-me a respeito do seu potencial futebolístico. O equívoco, pelo menos em parte, resultou de lhe ter subestimado a capacidade de trabalho. Como não valorizei devidamente o empenho e a dedicação que sempre o caracterizou, não só não considerei a hipótese de se poder reinventar, que foi aquilo que a meu ver o catapultou para o patamar de excelência em que se encontra, como não considerei que fosse capaz de se manter tantos anos ao melhor nível. Confesso isto precisamente para começar a distingui-lo de Messi. É que, apesar de ser um atleta extraordinário, capaz de proezas atléticas que não estão ao alcance da maioria dos seres humanos, como aquele assombroso pontapé de bicicleta em Turim o ano passado, Ronaldo não é dos jogadores mais talentosos que já existiram. Os números são de facto impressionantes, os troféus são mais que muitos, e a sua competência em determinadas funções não tem paralelo. Mas com uma bola nos pés, e não obstante as suas soberbas capacidades técnicas, não está ao nível dos melhores. Ronaldo não é um jogador imaginativo, nem é extraordinário em espaços curtos. Se aceitarmos que o talento para o futebol tem acima de tudo a ver com a competência de um jogador para fazer coisas diferentes e inesperadas, para inventar espaços onde eles não existem e para ludibriar o mais compenetrado dos adversários, então Ronaldo não é particularmente talentoso. Basta aliás pensar no que consegue oferecer à equipa, hoje em dia, quando está longe das zonas de finalização. À excepção da velocidade que continua a emprestar aos momentos de transição ofensiva, fora da grande área Ronaldo é um jogador vulgar.
Desse ponto de vista, não poderia ser mais diferente de Messi. O argentino não é um portento físico como Ronaldo, nem tem a acutilância dele no momento de atacar a bola para finalizar. Também não parece ter a confiança inabalável em si mesmo que Ronaldo tem. Há uma série de características em que, de facto, Ronaldo leva a melhor. São em rigor aquelas que permitem dizer que, não obstante os números igualmente astronómicos de Messi, o madeirense é melhor finalizador. Dentro da área, e na função específica de atacar a baliza adversária, Ronaldo é incomparável. É aliás, muito possivelmente, o melhor de sempre nesse capítulo. E, no entanto, isso não chega para ser melhor do que Messi. O argentino pode não ser o atleta perfeito, mas é o futebolista mais genial que já existiu. Aquilo que consegue fazer com a bola, o virtuosismo técnico, a capacidade de drible, a intuição prodigiosa, a inteligência, a imaginação e a criatividade não se comparam a nada que se conheça. Se Ronaldo de algum modo representa a excelência do corpo, Messi representa a excelência da mente. Dificilmente o veremos a fazer acrobacias, ou a marcar golos na sequência de uma impulsão sobre-humana, mas faz coisas que nem sequer sabíamos que era possível fazer. Ao longo dos últimos anos, Ronaldo tem-nos oferecido momentos de excelência atlética, não há dúvida. Tem tornado realidade aquilo que achávamos que só era possível em imaginação. Messi, porém, tem feito o inimaginável. E tem-no feito jogo após jogo, há mais de uma década. Dentro da área é um dos melhores de sempre, mas fora dela é o jogador mais completo e constante que já houve. E tudo porque o seu talento, aquilo que se passa dentro da sua cabeça quando está a jogar futebol, é ímpar. A quantidade de problemas que é capaz de resolver e a qualidade com que os resolve, a originalidade das soluções que consegue apresentar para fazer face a esses mesmos problemas e a forma como torna simples o que para a maioria dos jogadores é dificílimo distinguem-no de qualquer outro.
Não é por Ronaldo e Messi serem diferentes que não podemos falar daquilo que os singulariza ou de que modo essa singularidade se concilia com os interesses colectivos de uma equipa. E, de facto, cada uma dessas singularidades implica modos diferentes de encarar o jogo. Ronaldo especializou-se de tal modo enquanto finalizador que a equipa que quiser tirar real proveito das suas qualidades tem de se moldar de algum modo a ele. Para que Ronaldo possa ser Ronaldo, o colectivo em que estiver inserido deve então focar-se na preparação daquelas situações de finalização em que Ronaldo pode especificamente fazer a diferença. Como é fortíssimo a atacar cruzamentos, seja pelo ar ou pelo chão, compete à equipa criar situações privilegiadas de cruzamento. Para tirar o melhor partido do avançado português, os colegas devem então ser capazes de criar situações de superioridade numérica junto à faixa, de modo a ganharem a linha de fundo e obrigarem a linha defensiva adversária a defender os cruzamentos enquanto recua, assim como devem ser capazes de criar desequilíbrios especificamente naquela zona entre o lateral e o central de modo a compelir todo sector defensivo adversário a reorganizar-se e, inevitavelmente, a abrir espaços que Ronaldo possa depois invadir. Em certa medida, foi isto que a Juventus conseguiu fazer a semana passada contra o Atlético de Madrid, e foi por tê-lo conseguido que Ronaldo brilhou. A forma como se apresentou em campo, com uma linha de três defesas (composta por Emre Can, Chiellini e Bonucci) a dar liberdade a João Cancelo e Spinazzola para avançarem pelas faixas, forçou a equipa espanhola a preocupar-se constantemente com a largura. Tal preocupação permitiu aos italianos gozarem de maior liberdade em espaços interiores, e foram precisamente as movimentações interiores dos médios e dos avançados (sobretudo Bernardeschi, Ronaldo e Mandzukic), todos eles com enorme amplitude de movimentos, que provocaram a maior parte dos desequilíbrios no adversário. Dois dos golos dos italianos nascem aliás de acções individuais de Bernardeschi, de longe o melhor em campo, apesar do hat trick de Ronaldo. 
Para usufruir do melhor que o avançado português tem para oferecer, de pouco adianta à equipa em que estiver inserido forçar o jogo por dentro, procurar tabelas, apoios frontais e outras maneiras parecidas de desposicionar o sector defensivo adversário. Não há ganho nenhum em fazê-lo, até porque para colaborar em acções desse tipo Ronaldo é um jogador banal. Mesmo como avançado, não é excepcional em diagonais curtas, a suscitar um passe entre o central e o lateral. Ora, é justamente essa competência de Messi para jogar por dentro, para se associar com os colegas, para colaborar num jogo de passe e devolução constante, que privilegia a invasão do corredor central e o toque curto, que melhor distingue o argentino do português. Essa competência não é, no entanto, fruto de uma especialização. Ronaldo é fenomenal num momento muito específico do jogo; especializou-se de modo aproveitar da melhor maneira possível certas situações do jogo. Messi não é particularmente eficaz a responder a cruzamentos, mas é de classe mundial numa série de outras coisas, de que se serve em inúmeras situações de jogo. É aliás fácil perceber esta diferença: não só o raio de acção e influência de Ronaldo é bem menor do que o de Messi como a participação do português nos lances de ataque da sua equipa se reduz, muitas vezes, à conclusão das jogadas. É por isso que, ao contrário do que acontece com Ronaldo, não creio que haja uma maneira única de tirar o melhor proveito das características de Messi. Claro que, inserido numa equipa que privilegia a posse, que joga apoiado, pelo meio, e procura o espaço entre as linhas adversárias, Messi tenderá a exercer mais vezes a sua criatividade e a sua imaginação. Mas o argentino é tão forte em espaços curtos como em espaços mais largos, e não deixa de ser competente em acções de transição, por exemplo. É certo que não ofereceria o mesmo que Ronaldo se tivesse de desempenhar as mesmas funções que o português, mas poderia sempre jogar numa equipa formatada para tirar partido de um jogador como Ronaldo exercendo outras funções. Como Messi não se especializou em nada, não há propriamente uma especialidade à qual a maneira de jogar da equipa se possa adaptar. E é ele quem inevitavelmente se adapta à maneira de jogar da equipa. O talento de Messi é de tipo universal: o argentino não é fenomenal numa tarefa específica; é fenomenal a fazer aquilo que é transversal à grande maioria ou mesmo a todas as tarefas, a ler o jogo, a decidir em conformidade, a encontrar soluções para os mais diversos problemas, quaisquer que sejam as circunstâncias, etc.. Como dizem aqueles entendidos que se abstêm de fazer comparações, devemos de facto sentir-nos privilegiados por podermos apreciar em simultâneo dois jogadores tão invulgares como Ronaldo e Messi. Mas isso não impede que nos sintamos mais privilegiados quando vemos um deles a jogar. É evidente que podemos gostar muito de Ronaldo, e ainda assim preferir Messi."

Anti-VAR

"Sou contra o VAR.
Mas calma.
Não me batam ainda.
Sou contra esta nova tecnologia que não me deixa festejar golos.
Que me faz esperar quase cinco minutos por decisões tão claras à primeira vista.
E por foras de jogo que são marcados aleatoriamente.
Ora milimetricamente bem decididos.
Ora milimetricamente mal decididos.
Onde não sei se já repararam alguns elementos do banco têm alguém que está a ouvir ou mesmo a ver a transmissão televisiva.
E faz de VAR ainda antes do próprio VAR.
Avisando jogadores das irregularidades vistas no ecrã. 
Os próprios árbitros defendem-se com isto.
Não tomam decisões.
Esperam por quem tem melhor “visibilidade”.
E “escondem-se”.
Mas afinal o que mudou com o VAR?
Discutimos menos?
Existem mais decisões certas?
Ou revertidas?
Parece-me que se perdeu muito mais do que se ganhou.
E atenção.
Dou o braço a torcer pois já houve lances em que o recurso ao vídeo foi muito bem utilizado.
Mas não deveria ser isso sempre?
Quando aderimos ao vídeo-árbitro não era isso que supostamente seria o normal e corriqueiro.
Não.
E este Não é de fácil explicação.
Porque o VAR depende da interpretação de humanos.
Que falham.
A diferença é que antes falhavam porque não viam.
E agora falham porque não têm competência para ver.
Ou analisar.
E mais.
O mesmo lance analisado por dois árbitros com recursos às imagens.
Com repetições em câmara lenta vezes e vezes sem conta.
E com todos os ângulos possíveis.
Mesmo esse lance pode ter interpretações diferentes.
Já não vos aconteceu o mesmo com um amigo que também entende da matéria?
Olharem para o mesmo lance e interpretarem de forma diferente do que foi ajuizado.
A verdade desportiva ficou mais ameaçada com VAR do que sem.
Hoje tudo se mete em causa.
Eu sempre fui contra.
Nem tudo o que veio para evoluir o futebol me fascinou ou convenceu.
Basta lembrar aqueles dois árbitros de baliza na Liga Europa.
Importantes, não é?
Fundamentais para o jogo, não é?
Nunca se perguntaram que influencia ou decisões tiveram aqueles senhores desde que existem?
Eu sei.
Nenhuma.
São apenas espectadores com lugares privilegiados.
Falem-me do olho de falcão.
Isso sim importante.
Com decisões que podem e mudam o jogo.
Bola está dentro ou fora?
Não tem discussão possível.
Tudo o resto perdoem-me, mas não vai resultar.
Haverá decisões revertidas e corretas.
Mas na mesma medida vão existir decisões que nos vão chocar de tão erradas.
O melhor VAR para mim vai continuar a ser um árbitro sério e competente.
Perto dos lances.
Sem condicionantes e condições à sua volta para apitar.
E mesmo esse amigos vai falhar.
Portanto.
Por muito que nos custe.
E mesmo que não queiramos ver.
O VAR está a matar o futebol.
E nós estamos a ser cúmplices."


PS: Percebo a argumentação, mas discordo da conclusão: quem está a 'matar' o futebol são os corruptos...

As linhas virtuais do fora-de-jogo

"Do jogo Moreirense-Benfica, destacam-se algumas decisões difíceis e no limite, quer por parte do árbitro, de acordo com as indicações dos seus assistentes, quer posteriormente por parte do videoárbitro (VAR), no que aos “foras-de-jogo” diz respeito, entre golos validados e anulados. Por isso escolhi, para tema de hoje, exactamente a lei 11 (Fora-de-Jogo) bem como algumas considerações gerais em torno das transmissões televisivas.
Comecemos pelo filme do jogo no que diz respeito às incidências ocorridas. Minuto 22, fora-de-jogo assinalado a Arsénio, do Moreirense, numa bola que hoje se discute se foi ao lado ou se entrou na baliza; minuto 30, golo anulado a Jonas por fora-de-jogo de Pizzi; minuto 37, golo validado a João Félix no limite em relação a Ivanildo; minuto 48, golo validado a Rafa no limite em relação a Adalberto.
Começo por dizer que concordo com todas as decisões que foram tomadas em relação aos mesmos, por parte do binómio árbitro/VAR. Um dos lances mais discutidos em termos de comunicação social é o do minuto 22: Biel passa a bola para Arsénio, que mesmo não lhe tocando, e por estar ligeiramente adiantado em relação ao penúltimo adversário, a tenta jogar. E a questão é se isso interfere ou não no jogo, na jogada ou no adversário, que neste caso seria Vlachodimos, o guarda-redes do Benfica.
A lei, que sofreu ao nível do texto alterações significativas no que aos lances desta natureza diz respeito (quando um jogador, não tocando fisicamente na bola, deve ou não ser penalizado), é muito taxativa e esclarecedora. Assim sendo, lê-se na página 97, das Leis de Jogo, que um jogador na posição de fora-de-jogo no momento em que a bola é jogada por um colega de equipa só deve ser penalizado se tomar parte activa no jogo. Se, entre outras situações, interferir com o adversário, nomeadamente disputando a bola com ele, tentando claramente jogar a bola que se encontra perto quando esta acção tiver impacto no rival.
Na minha opinião, foi isso que aconteceu. Arsénio correu para a bola, tentou jogá-la e isso teve impacto em Vlachodimos. Nesse sentido, o fora-de-jogo é bem assinalado, e, sendo assim, torna-se pouco relevante perceber se posteriormente a bola foi ao lado ou se entrou na baliza, porque em ambas as situações tem de se penalizar a acção anterior de fora-de-jogo.
Em relação a este e aos outros lances, aquilo que mais se destaca, é a grande dificuldade em ter a certeza se há ou não fora-de-jogo, porque nenhuma das câmaras colocadas no estádio nos dá essa garantia, e isto tem a ver com questões de natureza técnica, porque em alguns dos recintos não é possível dispor as câmaras com altura suficiente para nos darem a perspectiva ideal. Mais: temos lances sobre os quais, ao nível do fora-de-jogo, dispomos de imagens na diagonal, mas isso não tem a ver com quem opera e transmite o jogo, mas sim com as condições do estádio, que impossibilitam a colocação das linhas de fora-de-jogo.
Outra limitação técnica é que, mesmo nos jogos em que é possível colocar a tecnologia da linha de fora-de-jogo, só é possível passar essa linha ao nível dos pés dos jogadores. Ou seja, os técnicos dessa empresa sabem que o fora-de-jogo não se avalia ao nível dos pés, mas sim da parte do corpo (pés, corpo, cabeça) que está mais perto da linha de baliza adversária, mas tecnicamente isso não é possível, pois não conseguem traçar uma linha “suspensa”. Daí ser ao nível dos pés que o fazem - e depois cada um deve verificar a tal parte do corpo que está mais para a frente.
A este respeito, não há nenhuma tecnologia perfeita e sem margem de erro, razão pela qual a FIFA ainda não avançou para a certificação universal do VAR de forma definitiva. Mas é de uma desigualdade completa que o público receba em casa, por via das transmissões televisivas, os foras-de-jogo com as linhas virtuais e o VAR não tenha acesso a tal; e que, no caso português, estando situado na Cidade do Futebol, ainda tenha de analisar, como foi o caso desta partida, os lances no limite e sem uma câmara no seu enfiamento, ou seja, com imagens na diagonal.
Depois, como é público, nestas situações-limite acaba por não intervir, fruto do protocolo, que estipula que só o pode fazer em caso de erro claro e óbvio. Seria importante que a FPF pudesse, uma vez mais, dar um passo em frente e resolver esta situação, dando desta forma uma ajuda ao VAR para efeitos futuros no que ao fora-de-jogo diz respeito. Se há alguém que o pode fazer, é a federação, que tem sido pioneira no que às tecnologias diz respeito e no contributo positivo que tem dado à arbitragem."

Há lodo no cais

"As pessoas que protagonizaram as agressões registadas devem ser severamente punidas.

Em Outubro de 2018 o governo português anunciou a criação de uma Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto presidida, desde o passado mês de Novembro, pelo oficial da Polícia de Segurança Pública de seu nome Rodrigo Cavaleiro, deixando portanto estes assuntos de estar sob a égide do Instituto Português da Juventude e do Desporto.
Quatro meses depois não voltou a ouvir-se falar dessa entidade, tampouco do seu principal responsável, o que nos leva a depreender que a sua actividade se confinou ao simples ato da nomeação.
Infelizmente, passou agora haver motivos para a enérgica intervenção do organismo recentemente criado, tendo até em conta o que foi dito pelo Secretário de Estado do Desporto na altura da escolha de Rodrigo Cavaleiro: “trata-se de alguém que possui um vasto currículo e especialização em matéria de segurança, prevenção e combate à violência no desporto”.
Os condenáveis duplos acontecimentos registados no estádio do Bessa e no pavilhão do Dragão não podem ficar no silêncio, e nem sequer basta a oportuna intervenção do Presidente do Sporting tendente não apenas a reclamar justiça mas, sobretudo, a não deixar morrer o assunto. Igualmente, as frágeis intervenções de desculpabilização das agressões ocorridas, sendo importantes, não chegam para colocar uma pedra sobre o assunto.
As pessoas que protagonizaram as agressões registadas devem ser severamente punidas. E nem sequer vale a pena relembrar como funciona a justiça noutros países, particularmente na Inglaterra onde qualquer marginal vê a sua “carreira de adepto desportivo” interrompida.
É verdade que estamos em ano de eleições e talvez por isso não valha a pena mexer nestes delicados problemas.
Daí que não iremos ver, a curto prazo, correntes fortes capazes de agitar o lodo que inunda o nosso desporto."

“No primeiro dia no Porto, chego ao balneário e o Paulinho Santos: 'Quero ver se agora também dás porrada aqui'. Borrei-me logo todo”

"Passou pelo Marítimo, de onde saiu alegando que tinha medo de aterrar no aeroporto da ilha, foi campeão e ganhou uma Taça UEFA no FCP de Mourinho, jogou no Benfica, Boavista e no U. Leiria, clube que o recebeu três vezes. Aventurou-se pelo futebol espanhol, mas foi no clube onde tudo começou, o Trofense, que pendurou as botas de profissional, há três anos - tinha 40 de idade. Ainda à procura de certezas sobre o novo rumo profissional, ligado ao agenciamento de jogadores, mantém-se como vogal do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol

Nasceu na Trofa. Fale-nos um pouco da sua família e infância.
O meu pai, soube mais tarde, tinha herdado uma empresa de malas do meu falecido avô, mas as coisas não correram da melhor forma, fechou, e depois foi trabalhar para uma empresa de estores de madeira. A minha mãe na altura trabalhava numa empresa que se chama Preh, uma boa empresa na Trofa, de montagem de peças para automóveis. Trabalhou à volta de 30 anos para essa empresa.

Tem irmãos?
Tenho uma irmã mais nova, tem 38 anos.

Cresceu no Castelo.
Sim, numa casa alugada, mais tarde os meus pais compraram a casa na qual cresci.

Escola, gostava?
Sinceramente, nem por isso. (risos)

Era um miúdo sossegado ou traquinas?
Era sossegado. Nunca pensei fazer a carreira que fiz, mas quando era miúdo só via futebol, era obcecado pela bola. Ainda na escola primária, estava ansioso para que chegasse o intervalo para fazermos o nosso jogo, de 5 contra 5, 8 contra 8. Jogava muito na rua também. Juntávamo-nos em frente da casa dos meus pais, as balizas eram duas pedras grandes. Tínhamos um problema, quando a bola caía nos vizinhos… (risos). Era uma chatice. E quando pelo barulhos nos apercebíamos que vinha um carro, tínhamos que tirar as pedras.

Torcia por que clube?
No início era do FC Porto, mas a idade foi passando e os meus tios, a maioria é benfiquista, começaram a levar-me a ver os jogos do Benfica e fizeram-me virar de camisola na minha adolescência (risos).

Quando é que começa a jogar futebol num clube, neste caso no Trofense?
Comecei a jogar nos torneios entre as freguesias da Trofa e o meu pai que dizia que eu tinha um certo jeito para a bola, levou-me para o Trofenses, com 11 anos. Fiz lá toda a minha formação.

Nessa altura jogava em que posição?
Eu jogava a 8, mais interior, era mais um médio defensivo. Com os anos acabei por mudar para trinco onde fiz toda a minha carreira.

A adolescência foi passada então entre a escola e o Trofense.
Mais ou menos. Não tenho qualquer problema em contar, orgulho-me disso e valorizo isso. Quando estava a jogar nas camadas jovens, deixei os estudos, com 15, no 7º ano. Infelizmente não tinha muito jeito para os estudos e estava muito focado no futebol. Como estava já nos juvenis do Trofense, deixei os estudos e comecei a trabalhar. Estive um ano num hipermercado. Estava motivado, comecei a ganhar 450 euros. Com 16 anos fui para outra empresa lá perto, pertencia à Colgate. Era uma empresa de fazer sabonetes de glicerina. Mas fiz o 12º ano mais tarde, através das Novas Oportunidades.

O seu rendimento era só do emprego, ou já recebia do futebol?
Não, ainda não. Estive nessa empresa com 16, 17 anos e é nessa altura, estava eu no segundo ano de júnior, que passo para os seniores do Trofense, que estavam na 2ª B, que naquele tempo era muito competitiva, era praticamente uma II liga. Com 17 anos já estava a jogar pelos seniores, fizeram-me o convite e como estava focado no futebol e era esse caminho que queria seguir... Propuseram-me 450 euros, mais ou menos 80 contos na altura e eu aceitei.

Nessa altura teve a certeza de que iria ser jogador de futebol?
Em todos aqueles anos da minha formação sempre tive uma ideia muito clara, sempre fui obcecado pelo futebol, mas nunca com aquele desejo de “é isto que eu quero ser”. As coisas foram acontecendo naturalmente apesar de naquela idade, na juventude, não ser fácil, com as saídas à noite, os jantares, os fins de semana... Nunca fui muito de sair e com os jogos aos domingos de manhã, como acontecia no tempo da formação e depois com o futebol profissional, com 17 anos no Trofense, muito pior. 
Lembra-se da sua estreia como sénior?
Lembro-me dos primeiros dias, de entrar no balneário e ver os meus ídolos. Por sistema ia ver os jogos dos seniores aos domingos. Cheguei a ser apanha bolas no Trofense e a colocar no placard os números dos golos. Antigamente era assim. Estávamos ali ao pé dos nossos ídolos, para nós só havia o Trofense. Por isso quando surge a possibilidade de passar a sénior e me cruzo com alguns deles no balneário, foi uma satisfação enorme, até pedi autógrafos.

Não o praxaram, não lhe fizeram nenhuma brincadeira?
No Trofense não, havia muito respeito, sobretudo pelos mais velhos, pelo passado. No balneário havia daqueles tanques de banho de imersão, que nós fazíamos uma, duas vezes por semana e antes de ir para lá, olhava para ver se podia ir, se não estava lá ninguém (risos). Era o respeito pelos mais velhos.

Além dos ídolos no Trofense, não tinha nenhum outro jogador nacional ou estrangeiro que admirasse?
Tinha, o Maradona. Encantava-me. Quando havia o Mundial, adorava ver os jogos da Argentina só por causa do Maradona. Ainda hoje vejo vídeos dele.

Estreia-se como sénior no Trofense na época de 92/93 e depois vai para o Famalicão. Como é que isso surge?
Eu estava a despontar, ainda fui a uma convocatória da seleção dos Sub-18, mas foi para captação, para treinos, fomos cerca de 28 jogadores. Estava a ser tudo muito rápido e para mim não era normal. Fui para o Famalicão, ainda com 17 anos. Na altura não tinha empresário, o meu empresário era o meu pai, ele é que dava a cara por mim para tudo. Estava a jogar como titular no Trofense, ainda fiz 2 golos e num jogo que jogamos contra o Maia, no qual fiz o golo da vitória, ganhámos por 2-1, estava lá o treinador do Famalicão, o José Biruta. Tinha o Famalicão e o V. Guimarães interessados em mim, só que o V. Guimarães queria emprestar-me e o Famalicão dava-me garantias de que ia pertencer ao plantel principal. Foi o secretário técnico, que uns anos mais tarde vem a ser meu treinador aqui no Trofense, o Porfírio Amorim, quem disse ao presidente para me deixar estar no plantel, porque tinha qualidade e ia vencer. Foi uma aposta do Famalicão, que estava na I Divisão. Assinei com eles.

Foi ganhar muito mais?
No Trofense ganhava mais ou menos 450 euros e fui ganhar 900 ou 1000 euros para o Famalicão.

O dobro. Não se deslumbrou?
Não, nunca. Ainda estava em casa dos seus pais.

O que é que fazia com esse dinheiro? Era para comprar coisas que gostava, para juntar?
Naquela fase inicial, quando comecei a trabalhar na minha juventude, ajudava os meus pais. Mas quando comecei a ser profissional, os meus pais graças a Deus também não estavam à espera das minhas “migalhas”, comecei a ganhar para mim, sempre com cabeça. A carta fui eu que paguei com o meu dinheiro. Comprei um carro...

Qual foi o seu primeiro carro?
Foi um Ford Fiesta vermelho, usado.
Foi difícil a adaptação da II divisão B para a I Liga?
Foi mais uma etapa que não estava à espera que acontecesse assim tão rápido. Eu divertia-me na altura. Faço a minha estreia no estádio das Antas, com 18 anos. Empatámos a 0. São momentos que marcam. E para um miúdo conviver com craques da I Liga... são mudanças radicais.

Duas épocas no Famalicão e depois vai para a Madeira. Como é que surge o Marítimo?
Através do Raul Águas. No meu segundo ano no Famalicão estávamos na II Liga e fazíamos muitos treinos em conjunto com o Paços de Ferreira, cujo treinador era o Raul Águas, que nesse ano foi para o Marítimo. Portanto ele já me conhecia e gostava dos meus treinos.

Falou consigo directamente?
Foi através do Vieira, um central que agora é secretário técnico do Aves. O Vieira já conhecia o José Veiga e ele é que falou em mim. O Vieira foi para o Nacional da Madeira e eu fui para o Marítimo. E aí fiquei ligado ao José Veiga.

Foi complicado deixar o “ninho”?
Muito difícil. Sempre fui muito ligado à família, aos amigos, à minha freguesia. Jamais esquecerei esse momento, parecia que eu ia para o fim do mundo. Só para ter uma ideia, de casa dos meus pais à dos meus falecidos avós são uns 500 metros, fui a pé para me despedir deles, tudo a chorar, os meus tios também viviam lá ao lado, tudo agarrado a mim a chorar, eu venho pela rua fora, as pessoas já sabiam que eu ia para a Madeira e estavam todas à entrada da porta a despedir-se de mim (risos). Parecia que eu ia para o fim de mundo, nem sabia quando voltava.

Onde é que ficou a viver e com quem?
Nos primeiros dias ficámos num hotel, até arranjarmos apartamento. Do Famalicão era só eu mas foram mais quatro jogadores do Continente. O meu pai levou-me ao aeroporto, e estava lá o Cabral, o Bizarro, o Nuno Valente, tínhamos um grupo bom. O meu pai foi ter com o Cabral, no aeroporto, e disse-lhe: “Olha lá pelo miúdo”. O primeiro mês não foi fácil, estava sempre agarrado ao telemóvel a ligar para os meus pais, ainda por cima na altura tinha namorada.

Quando começou a namorar?
Com 15, 16 anos, chama-se Elsa, era lá da Trofa. Depois a adaptação acabou por ser simples porque comecei a conhecer as pessoas, a ter mais à vontade com elas, tínhamos um grupo bom de 6, 7 jogadores que eram do continente e que estavam lá sozinhos. Gostava da ilha e das pessoas, era um jogador muito acarinhado.

Além do Raul Águas teve o Manuel José como treinador também. Muito diferentes um do outro? 
Sim, o Manuel José é um treinador mais exigente e frontal. Só tenho a dizer bem. Foi um treinador que me marcou muito, trabalhei com ele em três clubes. Reconhecia que ele gostava de mim, porque não é um treinador qualquer que vai buscar um jogador em que aposta. Foi para o U. Leiria e disse “quero o Tiago”, foi para o Benfica “quero o Tiago”, quando é assim, é bom.
Esteve época e meia no Marítimo e rescinde. Explique lá essa rescisão.
Rescindi por justa causa na altura. Ordenados em atraso e depois aquela história do avião...

Recorde essa história.
Em Dezembro, Janeiro, a meio da segunda época, havia ordenados em atraso e eu tinha receio de aterrar na Madeira, porque na altura a pista era curta. Então rescindi com o clube por justa causa, alegando ordenados em atraso e também que tinha receio de aterrar na Madeira (risos). Foi o empresário, o Veiga que me aconselhou e comprou as passagens. Na véspera do meu regresso, dois amigos do continente que jogavam comigo na Madeira, ajudaram-me e também não foi fácil para eles. Eles vieram a minha casa ajudar-me a meter as roupas na mala, tudo à pressa porque eu tinha passagem para o dia seguinte e não podia comunicar a ninguém que ia sair, que ia rescindir por justa causa. No clube iriam saber depois, por fax. Esses meus amigos foram levar-me às seis da manhã ao aeroporto e vim embora. No dia a seguir, eles tiveram treino, eu não apareci. “O Tiago? O Tiago?”, todos a ligar-me, tive que desligar o telemóvel. Ligaram inclusive alguns sócios que tinham descoberto o meu número, ligou o presidente, foi uma confusão. Depois eram as televisões, era a imprensa toda, tive que esconder-me num apartamento porque andava tudo atrás de mim, e falava-se que eu ia para o Benfica, que ia para o FC Porto, para o Atlético de Madrid. E eu, miúdo, tremia por todo o lado.

Escondeu-se no apartamento de quem e onde?
Estive na Póvoa em casa de uma pessoa amiga. Estive lá duas semanas.

Estava o José Veiga a tratar da sua vida.
Exactamente. No início algumas pessoas ligadas ao Marítimo desconfiaram até dos meus amigos do continente que jogavam lá e com os quais eu convivia mais. Chegaram a ir ao apartamento deles, à garagem, para ver se estava lá o meu carro, eu tinha na altura um Renault Clio. Andaram à volta deles, do Cabral, do Neves e do Bizarro, a massacrá-los, coitados, estavam a levar por tabela por serem meus amigos e conviverem comigo.

Quando vem embora o Veiga já tinha falado na hipótese Benfica?
Não. Só depois. Eu estava muito bem e tinha ido à selecção mais uma vez, aos sub-21. Já se falava em alguns clubes. Estive um mês praticamente parado. Rescindi contrato, estive essas duas semanas escondido, depois surgiu a possibilidade do Benfica, como outras. Andei a treinar para não estar muito tempo parado. Estive a treinar no Trofense, pedi autorização, e a partir daí as coisas começaram a resolver-se.

Se tinha outros clubes interessados, como o Atlético de Madrid, porque opta pelo Benfica?
A decisão foi fácil de tomar, a outra proposta não se chegou a concretizar, ele disse que havia interesse mas não falou em concreto em números, e era um sonho jogar no Benfica, um clube grande em Portugal.

Foi fácil adaptar-se à vida da capital?
Fui sozinho, tinha uns primos em Lisboa da parte da minha mãe. Na altura tinha 22 anos. Ia quase todos os dias jantar a casa deles. Vivia num apartamento enorme, um T4, cheguei a levar vários casais e família para lá, quando iam de fim de semana a Lisboa. Era no último andar do prédio que fica mesmo em frente à Churrascaria do Campo Grande, ainda via meio campo do estádio antigo de Alvalade. Mas nunca tive problemas.

Como foi chegar ao balneário do Benfica?
Era uma ansiedade. Estar no meio daqueles craques... Eu não conhecia ninguém, não tinha confiança com ninguém.

Com quem é que houve logo empatia e se tornou amigo mais rapidamente?
Com o João V. Pinto e com o Paulo Madeira. Não posso esquecer também o Nuno Gomes, o Calado e o José Soares. O João V. Pinto quando soube que eu era do norte convidou-me logo para ir almoçar e jantar a casa dele. Ia com ele, para mim era uma alegria, estou a chegar, ele não tem confiança comigo, não me conhece de lado nenhum e já me está a convidar para ir almoçar e jantar a casa dele... Eu estava nas nuvens. Ele tinha uma casa em Cascais e ainda por cima na altura tinha um Porsche, eu ia ao lado dele, ia cheio de moral ao lado dele (risos).

Quando vai para o Benfica de certeza que há um salto grande no seu ordenado. Não se deslumbrou nessa altura?
Eu tive sempre a cabecinha no lugar, nesse aspecto nunca me deslumbrei com nada. A minha vida ia melhorando, como é lógico, graças a Deus estive em clubes bons e orgulho-me disso, mas nunca me deslumbrei. Na Madeira comprei o Renault Clio que até veio depois de barco para o continente e dei ao meu pai. Meio ano depois de ir para o Benfica fui buscar um BMW 325 TD à Alemanha, um carro importado. O Paulo Madeira brincava com o TD, dizia muitas vezes que faltava o S (risos). 

Lembra-se da sua estreia no Benfica?
Entrei no Benfica na semana antes do dérbi com o Sporting para o campeonato. Nessa semana tivemos um jogo para a Taça de Portugal contra os Dragões Sandinenses, joguei a titular e correu-me bem. No fim de semana era o dérbi com o Sporting e eu, miúdo, a chegar, joguei a titular, ganhámos 1-0, eu tive uma exibição soberba. Ajudou-me, deu-me confiança e conquistei os adeptos. Os sócios do Benfica diziam que eu era um jogador à Benfica, que parecia que jogava no clube há muitos anos, ainda tenho lá os recortes dos jornais.

Quando chegou apanhou o Manuel José e depois veio o Graeme Souness.
Sim. As coisas começaram por correr bem com o Souness, eu era titular e jamais esquecerei um jogo na segunda volta em que vamos a Alvalade, um mês antes de acabar o campeonato, e ganhamos 4-1, uma grande exibição. Na semana a seguir a esse jogo, um jornalista questiona o Souness sobre mim e ele diz que o Tiago é um jogador útil a qualquer equipa. Li aquilo, orgulhoso. Depois veio o meu espanto. Na pré-época a seguir vamos estagiar para Áustria e há um dia em que ele veio ao meu quarto dizer-me que eu ia ser emprestado. Estava com o José Capristano, o vice presidente da altura, que traduzia: "Ele diz que tu és jovem que precisas de rodar". Foi aí que comecei a perceber que no futebol havia muitos interesses, negócios. Infelizmente era a realidade daqueles tempos do Graeme Souness e Vale e Azevedo. Ele trouxe 6 ou 7 jogadores ingleses/escoceses. Foi buscar o Thomas com 36 anos. Com o devido respeito, não tenho nada contra ele, nem chegou a ser meu colega, mas um jovem como eu, com 23 anos, acarinhado por todos os sócios, a jogar a titular e diz que preciso de rodar?!

Como foi a sua reacção?
Estávamos no hotel, em estágio, era onze e meia, meia-noite, e nem dormi, comecei a chorar. A notícia começou a espalhar-se pelos quartos e estivemos até às duas ou três da manhã no meu quarto a conversar. A maioria dos jogadores vieram parar ao meu quarto, João V. Pinto, Nuno Gomes, Calado, aquele malta com quem eu convivia mais, ficou ali comigo, surpreendida, mas a tentar dar-me moral.
Queriam emprestá-lo a quem?
Na altura não me falaram em clubes. Nessa época fui eu, o Sánchez e o Marco Freitas emprestados. 

Falou com o Veiga?
Sim. No dia a seguir já vinha na imprensa toda os jogadores que o Benfica ia ceder. O Veiga liga-me porque havia a possibilidade de ser emprestado à Académica. Mas depois, através de outro empresário, um espanhol, surgiu a possibilidade de ir para Espanha, para a II Liga, era o Rayo Vallecano.

Antes de irmos a Espanha, não tem nenhuma história do Benfica para contar?
Lembro-me de uma vez, no balneário, nós tínhamos uma mesa grande onde estavam sempre bolas, camisolas, etc., para nós jogadores assinarmos. E um dia, o Paulo Nunes, se não me engano foi ele, foi ao cacifo do Amaral, o coveiro, pegou nas bermudas de sair dele e começou a pedir autógrafos. A malta começou toda a assinar nos calções de sair do Amaral, inclusive o próprio Amaral que estava a preparar-se para tomar banho e nem reparou onde estava a assinar (risos). O Paulo Nunes colocou as bermudas no cacifo outra outra vez enquanto o Amaral tomava banho. Quando o Amaral regressou e começou a vestir-se, ao pegar nas bermudas vê aquilo, o pessoal desata todo a rir e ele: "É sacanagem” (risos).

Foi para Espanha porque queria sair de Portugal?
Sim, foi por tudo, em termos financeiros ia ganhar o dobro. Está bem que era a II liga espanhola, mas era uma experiência nova. Aventurei-me.

Foi sozinho também?
Nessa altura já estava casado com a mãe da minha filha. Conhecia-a quando estava no Benfica, ela é da Trofa. Namorámos um ano e casámos, antes de eu ir para Espanha. Actualmente estamos separados. Ela foi comigo para Espanha mas não se adaptou, estava longe de tudo e de todos, da família.

Como foi a adaptação ao futebol espanhol e ao clube?
Na fase inicial não vou negar que tive algumas dificuldades de adaptação ao futebol. Era um futebol mais competitivo, mais físico. Estive dois anos em Espanha, um no Rayo e outro no Tenerife. No Rayo tinha lá um português, o Paulo Torres, lateral esquerdo, ajudou-me na adaptação. Vivia perto dele e foi fácil depois. Subimos de divisão, à I Liga espanhola e tudo.

Não fica no Rayo Vallecano porquê?
Acabei em grande a época, fomos ao play-off que existia antigamente, e calhou-nos o Extremadura, que na altura estava na I liga. Ganhamos 2-0 lá e em nossa casa também. Fiz o primeiro golo em casa, num estádio com 75 mil pessoas, são momentos inesquecíveis. O Rayo queria ficar comigo, mas eu ainda tinha mais um de contrato com o Benfica, e não sabia o que queriam fazer. Naquele impasse, cheguei a estar no Estádio da Luz a treinar na pré-época, mas não fiquei. Só que como eu não dava uma resposta o Rayo foi buscar outro português para a minha posição, o Hélder, um trinco que jogou no Boavista há uns anos. Depois surgiu a possibilidade do Tenerife e fui.

Que tal?
A experiência foi boa, senti-me em casa. Entre portugueses e brasileiros éramos uns 8 ou 9. Tinha lá o guarda-redes Costinha, o Bruno Caires, o Emerson que jogou no FCP e no Belenenses e outros brasileiros. Tínhamos ali um grupo muito bom, estávamos muitas vezes juntos, com famílias, sozinhos, em almoços e jantares.

Esteve sempre sozinho sem a sua mulher?
Tivemos a nossa filha, Maria João, nessa altura, quando fui para Tenerife. Como estava no fim da gravidez não foi para Tenerife logo. A Maria João nasceu em Setembro e o pai foi o último a ver a filha. Ela nasceu em Setembro, eu já estava em Tenerife, pedi autorização para vir a Portugal, era um momento único, mas eles não me autorizaram porque tínhamos um jogo importante em casa. Tive que esperar semana e meia para conhecê-la ao vivo. Custou-me tanto. Porque ser pai e não poder ver a filha... Fui praticamente o último a vê-la. Hoje temos uma relação pai/filha muito forte.

Como corre essa época no Tenerife?
Correu bem. A direcção tinha a ambição de subir de divisão porque tinha descido nesse ano, mas não aconteceu. A II liga na altura era muito forte. Só para ter uma ideia tínhamos o Atlético de Madrid, o Bétis, o Sevilha, o Extremadura...

A sua mulher e filha ficaram lá a viver consigo?
Sim. Foi mais fácil para a minha mulher nessa altura, porque tínhamos a nossa filha que era pequena e além das amizades dos jogadores portugueses, tínhamos um português, o Zé, que é da Guarda, que vive em Tenerife há 40 anos. Ele tem um barzinho no complexo desportivo do Tenerife. No primeiro dia em que chego lá, não conhecia nada nem ninguém, ele veio ter comigo (o Domingos, que já lá tinha estado, falou com ele, disse que eu ia para lá). Estar lá um português para ele é uma alegria, não falta nadinha. A partir daí nunca mais me largou, andou à procura de apartamento para mim, queria mobilar-me a casa, queria meter tudo do bom e do melhor para quando a família fosse para lá. Criámos uma amizade muito forte. Eu chamava-lhe o "pai" porque ele é como um pai. Ainda hoje todos os anos ele vem passar o natal a minha casa. O que ele fez por mim é inesquecível.

Como surge depois o U. Leiria?
Mais uma vez através do Manuel José. Levou-me a mim e ao Costinha. Ele soube que íamos ficar livres.

Foi bom regressar a Portugal?
Sim. Quando surgiu essa possibilidade não olhei para trás, ainda por cima com o Manuel José. Fiquei a viver em Leiria mas ia muitas vezes a casa, à Trofa, porque a miúda já estava na escola. Cheguei a ter um negócio, uma loja de desporto, na Trofa, durante 8 anos. Era a minha ex-mulher e a minha irmã que estavam lá. A loja não dava prejuízo mas também não dava grande lucro, decidimos fechar e alugámos o espaço.

Em Leiria começa com o Manuel José, mas apanha o Mário Reis e o Mourinho. Como foi a adaptação a esses treinadores?
Sim. O Manuel José era um treinador que provas dadas, a primeira época correu muito bem. Depois veio o Mourinho. Na altura o método de treino do Mourinho era novidade. A forma como dirigia os treinos, como lidava com o grupo. Ele respirava confiança e ambição e conseguia passar para o grupo. Ele dava mais moral, para conquistar o grupo todo, à malta que não jogava do que propriamente aos que jogavam. Os que jogam já estão motivados. Ele agarrava essa malta. E se tivesse de ir beber um copo, e aconteceu em Leiria, ele ia. Íamos a um barzinho até às 2 da manhã e ele estava ali connosco como nosso colega. Mas chegava o dia seguinte, tínhamos que dar o litro, dar o máximo. Era muito exigente. Exigia muito e tirava o máximo proveito de cada um. Eram treinos curtos mas intensos e sempre com bola. Quando ele saiu para o FCP, nós estávamos em 2º lugar, imaginem se não saísse. É quando vem o Mário Reis. Com o devido respeito, o grupo sentiu uma grande diferença.
Quando o Mourinho vai para o FCP, o Tiago não vai logo com ele, só na época a seguir, certo? 
Recordo-me de um episódio antes de surgir essa possibilidade de ir para o FCP. O Mourinho estava ali na situação entre o FCP e Benfica. Antes do treino eu e mais uns colegas costumávamos tomar o pequeno-almoço num café. E nesse dia vem uma notícia, na capa de "A Bola", sobre o Mourinho como possível treinador do Benfica. Ele sentou-se na nossa mesa, começou a ler e às tantas vira-se para mim com o jornal aberto e diz: "Bom, bom, bom". Foi mesmo assim. Comecei a pensar, hum, isto é sinal que se fores vais levar-me. Foi o que pensei. Entretanto, antes de ir para o Porto, ao despedir-se do grupo, agradeceu, porque sem os jogadores não tinha conseguido ir para o FCP, que o ajudámos muito atendendo ao trabalho que estava a desenvolver, etc., e a recompensa dele seria levar 2 ou 3 jogadores para o FCP, infelizmente não podia levar toda a gente. A malta começou logo a olhar uns para os outros. No imediato foram o Nuno Valente e o Derlei.

Ficou desiludido?
Não. Ele não me tinha falado de nada. Mas a verdade é que só estive mais meia época no U. Leiria. Na nova época surgiu. Ainda tinha mais um ano de contrato com o U. Leiria e o Bartolomeu não me queria deixar sair. O meu empresário ainda era o Veiga, só que como o Veiga estava de corte de relações com o FCP e na altura já tinha relações com o Baidek, acabou por ser este a tratar das coisas com o FCP e o U. Leiria. Lá chegaram a um acordo e fui para o FCP. Só apanhei o Cajuda uma semana ou duas na pré-época. Cheguei ao Porto todo roto (risos), porque fazíamos treinos no parque, no pinhal e na praia, na areia.

Como foi chegar ao FCP, cheio de craques?
Para ser muito claro, a primeira coisa em que pensei foi: "Vou ter de levar com o Paulinho Santos" (risos). Eu e ele tínhamos grandes guerras atendendo a nossa forma de jogar, ao nosso carácter em campo. Era de cortar à faca. Tenho um episódio, em que ele ficou todo contente, espumou-se todo, como costumo dizer, num jogo em que eu ainda estava no U. Leiria e fomos jogar ao Porto. Num lance o Cândido Costa deu-me com o cotovelo. O Paulinho Santos não jogou, mas assim que acabou o jogo, vem a correr do banco para o meio-campo onde eu estava e diz: "levaste um bolinho de bacalhau, levaste um bolinho de bacalhau", todo contente (risos), porque o Cândido tinha-me dado com o cotovelo. Portanto, quando soube que ia para o FCP, lembrei-me logo dele.

E que tal?
No primeiro dia em que chego ao balneário o Paulinho Santos já lá estava. Dou os bons dias e a recepção dele foi: "Eu quero ver agora se também dás porrada aqui como davas nos outros lados e se insultas os gajos". Grande recepção, borrei-me logo todo (risos).

Foi praxado?
Fui. O pior é que já tinha sido avisado e caí na mesma (risos). Só que uma pessoa está ali tão concentrada, tão focada que... O que ele fizeram? Deixaram o Nuno Valente no balneário para o fim, eu estava falar com ele, já não estava quase ninguém no balneário, achei estranho, mas continuei a falar, equipei-me e ele diz-me para ir com ele porque tínhamos uma reunião. Eu já sabia como aquilo se fazia, mas naquela altura estava tão concentrado que nem me passou pela cabeça. Chegamos ao átrio e estavam todos em roda, o Nuno Valente diz-me que o homem, o Mourinho, ia falar, que era uma palestra, só havia dois lugares livres e diz-me ele, anda para aqui, claro que já estava feito com eles. Como eles sabiam que eu não conhecia ninguém, à priori eu ia ficar junto do Nuno. Entretanto, quando eles começam a cantar a música do Paulinho Santos "Pau-li-nho Santos, lálálálá, Paulinho Santos, lálálá", aí começo a associar, só que já era tarde, lá veio o balde de cima (risos). Nem sei o que tinha, era água, papeis, lixívia, era tudo. Claro que tive de tomar banho antes do treino.

Esse ano não podia ser melhor. Campeão nacional, Supertaça, Taça UEFA...
E fui muitas vezes utilizado.

Qual foi a sensação de ganhar aqueles títulos todos de repente?
São momentos únicos. Era um grupo fantástico. Até posso dizer que só passei a gostar de vinho, no FCP, pelos convívios, porque aquilo era almoços e jantaradas todas as semanas, já para não falar dos estágios, em que um ou outro levava sempre alguma coisa. Os mais velhos no FCP incentivaram isso, daí aquela mística. Isso parece que não mas ajuda muito e fortalece o grupo. Nessas tainadas foi quando começaram a dizer: "Tu tens de beber vinho". A partir daí passei a gostar de um bom copo de vinho. Mesmo no autocarro havia grandes lanches. Íamos também muito a um restaurante perto do Olival, o Mourinho sabia e chegou a lá ir algumas vezes.

Ficou a imagem de ser um jogador agressivo. Isso incomoda-o?
Agressivo no bom sentido. Ou seja, eu admito que no campo era um ranhoso, era chato, chamava nomes, tinha agressividade na disputa de bola, em cada lance. Em termos verbais abusava um bocadinho, mas a verdade é que não fui muitas vezes expulso. Em quase 700 jogos que fiz na minha carreira se fui expulso 3, 4 vezes foi muito e a maioria por acumulação ou bocas, nunca agredi ninguém.

Quais são as memórias mais fortes do FCP?
Os convívios durante a semana, essas tainadas, mesmo os lanches no balneário, onde havia presunto e bebida. E as conquistas, claro.

Qual a que mais o marcou?
A Taça UEFA. Foi especial. Tudo o que envolve o jogo, antes do jogo, no hotel em Sevilha, a recepção após o jogo, a festa.

Não fica no FCP porquê?
No segundo ano não estava a ser muito utilizado e o Derlei teve uma lesão grave, foi operado aos ligamentos cruzados de um joelho. Ia parar meio ano. O Mourinho queria o Maciel, que estava em Leiria. O Bartolomeu não o queria deixar sair. Disse que se fosse o Maciel em contrapartida queria-me. Chamaram-me, o Mourinho, o Reinaldo Teles e o Antero Henriques. Falaram comigo e disseram-me que tinha surgido aquela possibilidade, o Mourinho diz que quer muito o Maciel porque ia colmatar a ausência do Derlei, mas que o Bartolomeu não deixava sair se não me emprestasse. Perguntaram-me se eu estava disponível. E da forma como me abordaram e foram claros comigo, como na altura também não estava a jogar muito, não era eu que ia inviabilizar o negócio. Aceitei as condições. Fui para o U. Leiria, o FCP é que assumiu tudo, ordenado, prémios por objectivos, etc. 

Esteve meia época no U. Leiria com o Vítor Pontes e depois vai para o Boavista.
Sim, é uma situação engraçada. O Jaime Pacheco era o treinador do Boavista e num jogo U. Leira-Boavista, duas jornadas antes de acabar o campeonato, o Boavista precisava de ganhar em Leiria, porque estava a lutar pelos lugares da Liga Europa. Mas nós ganhamos 2-0, eu fiz um golo. E há um lance perto do banco do Boavista, em que entro mais duro e o Jaime Pacheco vira-se para mim: "Tiago, não jogos nada, pá. Só dás porrada, não jogas nada". Com aquele jeito dele. Acabou a época e tenho o convite do Boavista, do Jaime Pacheco (risos). Ofereceram-me um contrato de 3 anos. Levei valentes tareias dele a nível físico, muitas vezes vínhamos fazer corrida aqui para o Parque da Cidade, no Porto. Era para campeões, porque aquilo era por tempos e com um circuito.

Além do Jaime Pacheco ainda apanhou como treinadores o Carlos Brito e o Petrovic.
Sim. Foram 3 anos fantásticos. Como jogador encaixava perfeitamente no estilo de jogo daquela casa, pela maneira de jogar, a minha postura em campo. Gostei muito de trabalhar com o Carlos Brito. Tinha uma relação aberta com os jogadores, também gostava de uns convívios, de uns almoços de equipa, de uns jantares, era inteligente e sabia agarrar o grupo dessa forma. O Petrovic era escola holandesa, ideias diferentes daquilo a que estávamos habituados. O método de treino era diferente, mais com bola. Nos primeiros dias, quando chegou, meteu-me a capitão de equipa e eu cheio de vergonha.

Não continuou no Boavista porquê? Vai parar novamente ao U. Leiria.
Acabou o contrato, o Boavista estava com problemas financeiros, nessa altura já tinha um bom vencimento e para renovar não estava fácil. O Boavista estava a atravessar uma crise financeira, surgiu mais uma vez a possibilidade do U. Leiria, cujo treinador era o Vítor Oliveira. Fui mais uma vez. Mas descemos nesse ano. Começamos a época com o Paulo Duarte que na altura era o genro do Bartolomeu e tinha sido meu colega como jogador no U. Leiria. As coisas não lhe correram bem e foram buscar o Vítor Oliveira.

Que tal?
Somos amigos. Mantemos a amizade desde os tempos de Leiria. Infelizmente a época desportiva não correu da melhor forma porque descemos, mas foi um treinador de que gostei. Partilhamos alguns momentos. Chegámos a encontrar-nos no mesmo restaurante, em Leiria, porque ele estava lá sozinho e eu também. Mas ele para pagar um almocinho ou um jantar não é fácil (risos). Para meter a mão no bolso, tem lá um crocodilo (risos). Ele diz que sou eu (risos). É um ser humano do melhor.
Na época seguinte vêm o Paulo Alves e o Manuel Fernandes como treinadores.
Sim, iniciou o Paulo Alves na II divisão. Ainda tive ali uma situação, porque eu não tinha interesse em estar numa II divisão, o U. Leiria também não queria um jogador com ordenado de I Liga como eu, mas não surgiu nada de interessante e tive de ficar porque tenho família e primeiro está a minha vida. Era um bom contrato na altura e não ia perdê-lo. Continuei. O Paulo Alves foi meu colega no U. Leiria, como jogador, é um ser humano fantástico.

É estranho apanhar um treinador que já foi nosso colega de equipa enquanto jogador?
É. Tínhamos uma grande confiança e logicamente que alteramos a nossa maneira de ser, por causa do respeito, porque é o treinador. Às vezes saía-me Paulo em vez de mister, mas ele insistia para chamá-lo de Paulo, só que eu não me sentia à vontade.

Depois veio o Manuel Fernandes.
Estávamos praticamente "mortos", estávamos cá em baixo e fizemos uma recuperação incrível, subimos de divisão. No último jogo em Aveiro contra o Beira Mar precisávamos de ganhar e o Santa Clara tinha de pelo menos empatar, no Feirense. Empatou e nós ganhamos. São momentos inesquecíveis. O U. Leiria não tem uma massa adepta muito grande mas nesse dia a cidade estava com o clube. A minha filha nesse dia até foi comigo no autocarro. Era pequenita e andou sempre comigo.

O que o levou de volta ao Trofense?
Eu sempre que dava entrevistas dizia que a minha ideia era um dia acabar a carreira no clube da minha terra. Quando chegamos à I Liga com o U. Leiria, por coincidência o Trofense desceu à II. O U. Leiria queria que eu ficasse e o Trofense como tinha descido para a II Liga ia apostar de novo no treinador Vítor Oliveira. Eu já tinha 33 anos houve hipótese de ir para o Trofense e não olhei para trás.

Teve propostas de clubes da I Liga?
Do Rio Ave que tinha o Carlos Brito a treinador, davam-me 2 anos de contrato. I Liga, as condições financeiras eram melhores como é óbvio, mas na altura o meu objectivo era acabar a minha carreira no clube onde tinha iniciado.

Para quem queria terminar, acabou por ficar no Trofense 7 épocas.
Sim. O meu objectivo era jogar 1 ou 2 épocas, derivado à minha idade. Mas o prazer e a ambição que tinha em continuar. Eu ia para o jogo com uma alegria tremenda, festejava um golo como se estivesse a iniciar a minha carreira. A minha vontade, o meu querer, tudo igual, a mesma paixão. Ainda por cima no clube da nossa terra, onde nos orgulhamos quando olhamos para a bancada e vemos a família e as pessoas amigas. Foi-se prolongando.

Esta última época já custou um bocadinho.
Sim, houve um desgaste a todos os níveis, porque logicamente que no Campeonato de Portugal há uma diferença. E, com o devido o respeito, para quem tinha o meu passado… Apanhamos campos sintéticos, vemos 200 pessoas nas bancadas… Não é a mesma coisa.

Desmotivou-se?
Não era fácil mas apesar de tudo conseguia motivar-me. Nesse aspecto era forte, era o clube da minha terra. Costumo dizer que as duas últimas épocas no Campeonato de Portugal, se fosse noutro clube não me tinha sujeitado a isso. No último ano passei de tudo no clube, que estava a atravessar uma crise muito grande e no último ano, fui ter com o director desportivo, o Nuno Lima, e disse-lhe para não se preocupar comigo, não queria dinheiro, queria era jogar. Do ano anterior já não recebíamos há seis meses, portanto estive praticamente duas épocas sem receber nada e na última época custou-me porque chegámos a dezembro, a maioria dos jogadores eram miúdos que não tinham um suporte financeiro e estavam sem receber há 4, 5 meses. Miúdos praticamente profissionais porque nós treinávamos durante o dia, a ganhar 200, 300 euros. Não é fácil. Uns vinham do Porto, outros da Maia. Chegou a dezembro, e como não recebíamos, 7 ou 8 jogadores foram-se embora. Ainda tentei segurar o barco, mas...

Acaba a carreira a ganhar aquilo que ganhava quando começou?
Exactamente. E nem recebia. E, se o clube descesse, acabava, tendo em conta as condições em que se encontrava. Ainda cheguei a pagar 1 ou 2 ordenados, que não considero 200 euros ordenado, a dois amigos meus. Estavam tão atrapalhados. São miúdos que nunca tiveram um passado rico, não tinham um suporte financeiro.

Quando é que se apercebeu que era a última época?
Apercebi-me porque mais ou menos a meio da temporada, os directores que lá estavam, já estavam a pensar numa festa de homenagem. Aí é que eu vi, opá, vai ser este ano.

Por si continuava?
Sinceramente, sim.

Mesmo naquelas condições?
Sim, porque no final da época, após a festa de homenagem, ainda me perguntaram o que é que eu queria fazer. Se queria jogar, como é que ia ser. Mas depois de uma festa de homenagem, ficava mal voltar.

Custou-lhe “pendurar as botas” então.
Custou muito. Acabei a minha carreira com 40 anos, a fazer 41.

Até à festa de homenagem, já alguma vez tinha pensado no que é que iria fazer no seu futuro?
Não, sinceramente não. Esse é um grande problema, infelizmente, da grande maioria dos jogadores. Não se precaver para o dia de amanhã porque a maioria pensa no presente e não no futuro.

Nunca lhe passou pela cabeça ser treinador?
Não. Acho que não tenho perfil e já não me estava a ver com a “casa às costas” de novo.

O que tem feito, desde então?
Já passaram 3 anos. Tenho matado o bichinho do futebol participando num torneio de futsal, sempre gostei de jogar futsal mesmo em miúdo. E à quarta-feira jogo futebol de 7 com uns amigos lá da Trofa e arredores, num sintético. Mas ai é mais soft, é com amigos, não estamos a competir.

Em termos profissionais o que se vê a fazer?
Quero e estou ligado ao futebol. Sou vogal do Sindicato dos Jogadores há 8 ou 9 anos.

Ambiciona mais dentro do Sindicato?
O dia de amanhã eu não sei. Tenho conversado com o doutor Evangelista, tenho as portas abertas. Sempre que é preciso, ele sabe, tenho participado em eventos tanto em Lisboa como aqui no norte. Sei que ele tem uma certa admiração por mim, confia em mim, porque sabe o que representei para o Sindicato e o que fiz mesmo como capitão, em vários clubes, pelo sindicato. Temos vindo a falar, tenho sempre a porta aberta, o que agradeço. E colaboro com dois amigos que foram colegas de futebol, o Hélder Gaúcho, central que jogou comigo no Boavista e em Leiria e o Toñito, o espanhol que também jogou comigo no U. Leiria, e que jogou no Sporting e no Boavista. Ambos têm uma empresa de agenciamento de jogadores, ou seja, acompanho jogadores que eles mandam para cá.

Está a dar-lhe prazer esse trabalho?
Sim, é a minha área. Em breve estarei num outro projecto com dois colegas meus que ainda estão no activo.

Onde é que ganhou mais dinheiro?
No FCP.

Onde investiu o dinheiro?
Como referi, sempre fui uma pessoa moderada, com cabeça. Investi sempre bem em património. Em solteiro já tinha um terreno e um apartamento.

A sua filha está com 19 anos, o que é que ela faz?
Está a estudar no 1º ano na universidade, em ciências da comunicação. É uma apaixonada pelo futebol, temos uma cumplicidade tremenda. Ela nasceu no futebol e por isso o bichinho acompanha-a, não há um fim de semana que não vá comigo ver um jogo.

Torce por que clube?
Pelo FCP, é doente, doente. E namora com um jogador de futebol (risos), mas não foi fácil apresentar ao pai.

É supersticioso?
Não.

Tem tatuagens?
Não.

Tem algum hóbi para além do futebol?
Só futebol. Vejo muito, em casa, nos estádios.

Esteve três vezes no U. Leiria, em momentos diferentes. Não tem nenhuma história para contar? 
Lembro-me de uma partida que fiz ao Éder Gaúcho, central brasileiro. Normalmente os brasileiros usam meia branca. Como eu tinha muita confiança com ele e já estava farto de ver aquela meia branca cansada nos pés dele e não se usava meia branca, deixei-o ir tomar banho, fui buscar uma tesoura e cortei as pontas das meias. Quando ele vestir-se, pega nas meias e elas entram rápido (risos), não tinham a parte dos dedos. Desatou-se a rir e percebeu logo que fui eu.

E do Trofense?
Uma vez, na II Liga, falei com o meu cunhado, pedi-lhe para se fazer passar por jornalista e ligar para uns 4 ou 6 jogadores do Trofense. Pus-me ao lado dele a gravar as entrevistas, onde ele perguntava o que achavam das opções do treinador, que era o prof. Neca. Fizemos a jogadores que jogavam e também a outros que não estavam a jogar. No dia seguinte, depois do treino, junto o grupo, peço à equipa técnica para estar presente também e ligo o telemóvel às colunas que tinha levado de casa. Quando começo a passar as entrevistas e eles se apercebem o que era, desatam todos a rir. Estivemos uma hora a ouvir aquelas 5 ou 6 entrevistas, até o prof. Neca ria à gargalhada. Vá lá que nenhum criticou o treinador (risos)."