quarta-feira, 13 de março de 2019

O árbitro e o poder do erro

"Por muito que se faça constar o contrário, a realidade é iniludível: os árbitros erram porque se enganam e 'erram' como estratégia para controlar o jogo.

O penálti inventado por João Pinheiro no último Boavista - Sporting foi apenas um dos mais recentes exemplos em que os árbitros, ajuizando mal, adulteram o resultado de um jogo. Além de ter sido mais um preciso testemunho para provar à saciedade que o problema central não reside no VAR, como ferramenta útil no combate ao erro grave, mas sim nas pessoas que dele se servem.
Pode recorrer-se ao VAR 1, apoiado por VAR 2 e VAR 3, que a questão essencial não se altera por ter mais a ver com a falta de vontade em mudar do que com a sofisticação do apoio tecnológico. Por muito que se faça constar o contrário, a realidade é iniludível: os árbitros erram porque se enganam e erram como estratégia para controlar o jogo.
A arbitragem, que se habituou a viver numa espécie de sociedade secreta, com regras próprias, que só ela sabe descodificar, sempre geriu com mestria uma relação de despudorada hipocrisia mantida ao longo dos anos com os restantes parceiros do edifício futebolístico.
Ora assumindo-se como a parte afrontada e desprezada, com sistemáticos lamentos sobre o ambiente hostil que lhe foi criado devido à relutância em aceitar-se que o erro é humano e o árbitro está obrigado a decidir sob pressão e em segundos, devendo, por isso, ser merecedor de perdão; ora sentindo-se detentora de um poder absoluto e incontrolável que lhe é atribuído pelo direito ao erro, mesmo que ele influencie resultados e classificações e interfira na despromoção de equipas ou nas carreiras de treinadores.
No entanto, quando o disparate é demasiado evidente e susceptível de perturbar a santa paz conventual da ordem do apito, se antes havia uma jarra, agora é utilizada técnica mais discreta e apurada, como sucedeu recentemente com o internacional sem carreira Fábio Veríssimo, entretanto de volta ao activo e com o currículo purificado.

O erro grosseiro pode ser uma arma destruidora, inevitavelmente associada ao desempenho dos árbitros, apesar de suavizada pela exemplificação de uma panóplia interpretativa de situações de jogo cuja compreensão escapa ao adepto comum, mas que especialistas na matéria, ao suscitarem desencontradas opiniões sobre casos idênticos, quase são capazes de demonstrar que o erro, afinal, é uma ilusão. O que existe são interpretações não coincidentes sobre o mesmo lance, ou sobre lances muito semelhantes.
Ficamos esclarecidos, dá para tudo: dá para anular um bonito golo a Luquinhas e com essa decisão retirar ao Desportivo das Aves a possibilidade de vencer em Portimão. Terá defendido o árbitro que um outro jogador avense (Derley, em posição irregular) prejudicou o campo de visão do guarda-redes algarvio. Uma interpretação provavelmente correcta...
Dá também, em enquadramento que pode considerar-se fotocopiado, para não anular o golo de Adrián López, no jogo com o Benfica. Terá argumentado o árbitro que um outro jogador portista não prejudicou o campo de visão do guarda-redes encarnado. Igualmente uma interpretação provavelmente correcta...
O treinador do Aves, queixou-se, quanto a mim com razão, mas ficou a falar sozinho. No clássico, com todos os holofotes apontados, a irregularidades do golo portista foi abordada com mil cuidados pelos peritos, de maneira a não ferirem susceptibilidades, porque fica a dúvida se Pepe (que estava em posição irregular) interferiu ou não na visão de Vlachodimos.

Augusto Inácio substituiu José Mota à 18.ª jornada e desde então, em oito jogos, apenas regista duas derrotas, precisamente frente a opositores de outro campeonato: SC Braga (0-2) e Benfica (0-3).
Nos restantes encontros, assinala quatro vitórias (V. Setúbal, 2-1; Tondela, 2-0; Marítimo, 1-0; e Boavista, 2-0) e dois empates, com o Santa Clara (0-0), anteontem, e diante do Portimonense (1-1), na 23.ª jornada, o tal jogo em que Luquinhas marcou um golo que, a ser considerado, daria a vitória aos avenses e, consequentemente, lhes acrescentaria dois pontos na classificação (teriam, neste momento, 28).
O árbitro, Jorge Sousa, porém, decidiu em sentido contrário.
Por acaso, o mesmo árbitro que, no Dragão, uma semana mais tarde, em lance gémeo e comparável, teve julgamento diametralmente oposto. Em que ficamos? Na mesma, a fazer de conta, como convém..."

Fernando Guerra, in A Bola

Cadomblé do Vata (previsível...!!!)

"1. O Sporting CP anunciou a contratação de Neto a custo zero... neste caso, é mesmo a custo zero porque empresário e jogador nunca vão ver a cor do dinheiro do prémio de assinatura.
2. O SL Benfica foi multado em 22 mil euros por críticas a arbitragem... da próxima vez que se sentirem revoltados com o trabalho de um árbitro, apertem o pescoço ao Brahimi que sai mais barato. 3. Depois de 15 dias a mandarem bocas ao Ronaldo, ontem o Atl. Madrid enfardou 3 golos do português... esperto é o Nelson Semedo que diz sempre que não responde quando lhe perguntam qual dos 2 extraterrestres é melhor. Não se provoca gente desta porque nunca se sabe quando nos calha como adversário.
4. O Man. City enfardou 7 secos num adversário do FC Porto na fase de grupos da Champions e todo o Mundo aplaudiu... perdi-me agora nos limites do resultado sem desrespeitar o adversário, não era nos 5-0?
5. Na 2ª jornada da Champions League Asiática, o Al Nassr de Rui Vitória voltou a perder, permanecendo assim com 0 pontos... o trauma vitoriano às competições continentais dos campeões já é tal, que quando abandonar os sauditas só aceita treinar equipas que lhe garantam lutar apenas pela manutenção."

O antes e o depois do erro

"O erro é uma inevitabilidade à espreita de uma oportunidade. Não se trata de perceber se vai acontecer, mas antes quando e com que frequência.

Poucos futebolistas se terão sentido momentaneamente tão pequenos como Mark Flekker naquela tarde soalheira de Fevereiro de 2018. O erro faz parte da alta competição, é certo, mas aquele erro concreto foi tão bizarro que correu mundo à velocidade das redes sociais. Sim, refiro-me àquela decisão extemporânea do guarda-redes de ir beber água no exacto momento em que o adversário se encaminhava para a sua baliza, num jogo (o Duisburgo-Ingolstadt) da segunda Liga alemã. Uma falha que pôs o resultado em risco, mas não a confiança do e no jogador.
O erro é uma inevitabilidade à espreita de uma oportunidade. Não se trata de perceber se vai acontecer, mas antes quando e com que frequência. E preparar terreno para que aconteça o máximo de vezes em “ambiente controlado”. À luz da opinião pública, a sua gravidade é habitualmente medida em função das consequências, por mais que essa não passe de uma avaliação superficial e de vistas curtas. Para o treinador, o entendimento tem forçosamente de ser outro.
Antes do mais importa perceber as circunstâncias. Como surgiu, se foi provocado por um mau comportamento (posicionamento, por exemplo) ou por uma imperfeição no gesto técnico, se foi fruto de uma ideia de jogo ainda a gatinhar ou já na idade adulta, se foi induzido pelo adversário, se decorreu de uma diminuição repentina dos níveis de concentração - ou se foram, até, vários destes factores combinados.
Depois, é preciso compreender como é que o atleta reage ao erro, porque cada um tem mecanismos (inatos ou trabalhados) particulares para encarar a frustração pessoal e ritmos de recuperação diferentes. Nesse sentido, caberá sempre ao treinador-que-amiúde-veste-a-pele-de-psicólogo avaliar se deve reforçar a confiança no jogador voltando a entregar-lhe a titularidade no encontro seguinte ou se deve, ao invés, resguardá-lo de uma pressão acrescida e poupá-lo no imediato até que restabeleça os índices anímicos.
Seja qual for a estratégia adoptada, a verdade é que não há fórmulas únicas e infalíveis. O modo como John Terry ultrapassou o falhanço da grande penalidade na final da Liga dos Campeões de 2008 nada tem que ver com a forma como Lorius Karius reagiu, numa partida de idêntica importância, às duas fífias cometidas com a camisola do Liverpool diante do Real Madrid na edição 2017-18. Assim como não terá relação com o processo mental que Miroslav Djukic utilizou para superar o penálti mal-sucedido que privou o Deportivo da Corunha do título espanhol, em Maio de 1994.
Se é, porém, possível identificar um comportamento recomendável (que terá de partir dos colegas e, acima de tudo, do treinador), ele passa pela assunção colectiva do erro, pela diluição da responsabilidade no todo que é a equipa. Algo que Jürgen Klopp interpretou correctamente instantes depois de ter perdido o título europeu e uma lógica que, numa outra escala, Bruno Lage também corporizou no final do Benfica-Belenenses SAD. “Foram erros colectivos, nossos, e primeiramente do treinador”, esclareceu, referindo-se às falhas protagonizadas por Vlachodimos e Rúben Dias, que travaram um triunfo provável dos “encarnados”.
Para sustentar esta visão, o treinador do Benfica debruçou-se sobre a operacionalização da sua ideia de jogo e, em concreto, sobre a saída de bola. “Precisamos de muito treino, para que este tipo de erros aconteça no treino e para nós consolidarmos a nossa forma de jogar”, acrescentou. Não será precipitado inferir destas palavras que, salvo alguma surpresa, os jogadores em causa continuarão a ser primeiras escolhas.
É justamente esta margem de erro concedida aos atletas que inflaciona as possibilidades de sucesso a prazo, pelo simples facto de não inibir comportamentos futuros que vão ao encontro da ideia de jogo preconizada. Porque a alternativa é levar o jogador a proteger-se em demasia e a baixar os limites do risco (e, por arrasto, de agressividade com bola) da equipa para níveis de conforto pessoal.
A partir daqui, cada um lidará com o insucesso momentâneo à sua maneira, como já aconteceu com o antigo guarda-redes Shaka Hislop, que durante anos representou o Newcastle e o West Ham na Premier League. “O problema de cometer este tipo de erros em grandes palcos é que nada pode compensá-los até estarmos de volta e fazermos uma grande exibição.”"

Uma cátedra com o meu nome

"Quando, em finais do ano passado, os professores da Universidade Católica Portuguesa (UCP), Doutores José Tolentino Mendonça (hoje, a trabalhar no Vaticano, junto do Papa Francisco) e Alfredo Teixeira tiveram a bondade de convidar-me, para um almoço, num dos restaurantes da UCP, nasceu em mim a íntima convicção de que ambos se preparavam para entregar-me a regência de uma disciplina. Teria de rejeitar o honroso convite, pela minha saúde precária e a de minha mulher que, para locomover-se, precisa de apoio constante e solícito. Afinal, mais do que a regência de uma “cadeira”, o Doutor Tolentino Mendonça adiantou-se e afirmou, com uma alegria bem igual à cândida alegria das almas sãs: “O professor Alfredo Teixeira e eu lemos três livros da sua autoria, Para uma epistemologia da motricidade humana e Algumas teses sobre o desporto e O futebol e eu, acompanhamos o que escreve na imprensa e, depois de termos consultado outros universitários de vários ramos do saber, decidimos propor à Doutora Isabel Capeloa Gil, magnífica reitora, que se criasse na UCP a Cátedra Manuel Sérgio. E queremos saber agora se o meu amigo levanta críticas ao que pretendemos fazer”. Vacilei, tremeram-me os lábios, uma lágrima de gratidão aflorou, estremeceu e murmurei: “Só posso agradecer a vossa lembrança. Filho de gente pobre, com 27 anos ingressei na Faculdade de Letras de Lisboa e trabalhando simultaneamente nos armazéns do Arsenal do Alfeite”. E ainda acrescentei, indistintamente: “Nunca me ocorreu sequer que me coubesse, algum dia, tamanha honra. Mas que hei-de eu fazer, senão agradecer e agradecer desvanecido?”. Passados poucos dias, novo telefonema. Desta feita, era o Dr. José Lima, funcionário do IPDJ (Instituto Português do Desporto e Juventude) e particular amigo dos professores Tolentino Mendonça e Alfredo Teixeira a informar-me: “A Reitora da UCP concordou com a proposta da Cátedra, ou seja, acrescentou à proposta um nihil obstat”. E, após uma ligeira pausa, rematou: “Podemos começar a pensar na criação da Cátedra Manuel Sérgio”.
Porque o Doutor José Tolentino Mendonça estava em vésperas de seguir para Roma, imediatamente nos reunimos, o Tolentino Mendonça, o Alfredo Teixeira, o José Lima e eu, para escrevermos as linhas de investigação da Cátedra… que são estas:
1. Da Epistemologia à Ontologia e a Ciência da Motricidade Humana (CMH), como uma ciência hermenêutico-humana e como pretexto para um novo conhecimento do ser humano. Um corte epistemológico: do físico à complexidade e motricidade humanas, passando por um conceito de movimento demasiado vago e abstracto.
2. O cartesianismo, o cientismo, o positivismo, no treino, no desporto e na dança. Pensando o treino com Edgar Morin. O desporto atual reproduz e multiplica, demasiadas vezes, as taras do economicismo ambiente. E, por isso, onde ninguém ganha porque vale, mas vale porque ganha.
3. A vida e o desporto, como movimento intencional e solidário da transcendência, rumo ao Absoluto. O Padre Teilhard de Chardin e o Padre Manuel Antunes.
4. O desporto, uma práxis física e sapiencial e portanto mais do que científica. Não há educação integral sem desporto. A CMH, numa nova Lei de Bases do Sistema Educativo.
5. A Ética, núcleo essencial da prática desportiva. O desporto não deverá percepcionar-se como um “fim-em-si-mesmo”, mas como instrumento ao serviço daqueles valores, sem os quais impossível se torna viver humanamente. A transcendência, no desporto e na dança.
6. A Motricidade Humana (como movimento intencional e solidário da transcendência) e a Dança. Técnicas Somáticas e Práticas Performativas.
A Motricidade Humana, como eu a teorizo e estudo, procura fazer um “corte” com a filosofia e a ciência clássicas, realçando no corpo as suas imensas virtualidades, designadamente no movimento intencional e solidário da transcendência. A filosofia da Idade Moderna, que desponta, a partir do século XVII e chegou aos nossos dias, encarnada numa crença férvida e persistente, podemos denominá-la “filosofia da consciência”. O dualismo cartesiano tornou-se, assim, o saber orientador, também para o conhecimento científico. Daí, o biologismo reinante, até finais do século XX, na Medicina e na Educação Física e no Desporto. E ainda no exercício físico e na actividade física: a actividade física definida como “todo o movimento corporal, produzido pela musculatura esquelética e que resulta em gasto energético, acima dos níveis de repouso” e o exercício físico entendido como “uma das formas de actividade física planejada, estruturada e repetitiva, tendo por objectivo a melhoria da aptidão física ou a reabilitação orgânico-funcional” e apresentando ainda níveis moderados ou intensos e natureza estática ou dinâmica. O exercício e o treino são categorias conceptualmente distintas, mas não de natureza diferente, dado que, entre elas, não se vislumbra descontinuidade. Com efeito, exercício e treino são verdadeiramente irmãos. Mas onde o antropossociológico e o espiritual estão presentes em ambos e não só o físico e o biológico. Temos muito a aprender com o universo: assim o ensinou o Padre Teilhard de Chardin. Em toda a sua obra passa a convicção de que a Terra é um superorganismo vivo que, em nós, seres humanos, se transforma em consciência e em transcendência, em comunicação e em linguagem, em oração e celebração. “Jamais devemos esquecer, como o refere o Prof. Leonardo Boff no seu livro A Voz do Arco-Íris, que entramos em cena, quando já 99,98% da história do Universo e da Terra se haviam completado” (pp. 130/131).
Mais nos ensina o Universo. É que ele funciona como um sistema aberto e acolhe tudo o que desponta novo e diferente. Outra lição do Universo que importa reter: a solidariedade, pois que todas as criaturas dependem uma das outras. A lei orientadora que regula a evolução dos animais, das mulheres e dos homens não realça a sobrevivência dos mais fortes, mas um equilíbrio dinâmico onde todos caibam fortes e fracos, sãos e doentes, aptos e menos aptos. “Na era das viagens espaciais, o homem também se questionará, quando pondera sobre os espantosos resultados da astrofísica e quando, como sempre o fez, contempla o céu nocturno estrelado: o que é tudo isto? De onde vem o todo? Do nada? Mas o nada explica alguma coisa? A razão satisfaz-se com o nada, como razão última? A única razão alternativa séria que a razão pura não consegue demonstrar, porque ela supera o seu horizonte de experiência, mas que tem bons fundamentos para tal, é uma resposta completamente racional: oi todo não provém apenas de uma explosão inicial, mas de uma fonte original” (Hans Kung, O Princípio de todas as coisas, Edições 70, 2011, pp. 137/138). Quer dizer este autor, aliás um esclarecido teólogo que a ideia de um Deus criador é o mais lógico pressuposto de todos os modelos, que se conhecem, do universo. Para mim, onde o próprio caos resulta num “cosmos” organizado, há com toda a certeza uma Inteligência prévia ao universo, reguladora do universo. E, porque o universo tudo acolhe e transforma, dele podemos colher algumas lições: é preciso respeitar todas as mulheres e todos os homens, elementos imprescindíveis da Criação; e respeitar também a natureza exterior (aqui incluo os animais) à humanidade, pois que sem ela não podemos viver, não podemos estar, não podemos ser. Não, não fomos arrancados absurdamente do nada. A vida tem sentido. E, para mim, o sentido é a transcendência. Aqui, começa a “Cátedra Manuel Sérgio”."

Benfica parece um adolescente a jogar Fortnite

"O Benfica gosta de estar entre a espada e a parede.
Provavelmente cansado do tédio que o discurso de Rui Vitória significava, a formação encarnada encheu-se de adrenalina para viver a vida no fio da navalha: ali entre a felicidade e o fatalismo.
Bruno Lage trouxe para o clube a electricidade que faltava para encher o plantel de energia e ardor: para querer viver cada segundo como se fosse o último da vida... ou da temporada, vá.
Que outra explicação pode existir para o Benfica ter falhado pela primeira vez no campeonato logo agora, que não precisava urgentemente de ganhar?
Ou seja, naquele primeiro jogo que não era uma final na Liga, a formação encarnada deixou-se empatar, perdeu dois pontos e voltou ao ponto onde estava há uma semana: a precisar urgentemente de vencer todos os encontros.
Os miúdos de Bruno Lage, provavelmente ainda consumidos por aquela urgência da adolescência, não souberam segurar uma vantagem de dois pontos, que trazia arrastada uma mão cheia de quietude e paz. Uma mão cheia de sossego, que para um miúdo de dezanove anos não é só uma mão cheia de sossego: é um aborrecimento de morte.
Jogar com dois pontos de avanço, para este Benfica, é mais ou menos como estar na praia a ler a autobiografia de Cavaco Silva quando se podia estar no quarto a jogar Fortnite.
Não tem emoção, portanto.
O que, por um certo prisma, até faz sentido: ninguém merece ler a autobiografia de Cavaco Silva na praia. Sobretudo quando se tem dezanove anos e uma consola de gaming em casa (com uma daquelas cadeiras que se vendem na Fnac a imitar um banco de Fórmula 1 e tudo).
Por isso, lá está, este Benfica gosta de estar entre a espada e a parede.
A emoção para os miúdos do Benfica está mais ou menos como um célebre champô para Cristiano Ronaldo: fortalece o cabelo contra a caspa, a comichão e a oleosidade. O que, bem vistas as coisas, é o melhor que se leva desta vida: um cabelo forte e limpo de impurezas.
A boa notícia para o Benfica, e para os jovens jogadores encarnados, é que emoção não lhe vai faltar a partir de agora. A equipa está novamente proibida de perder pontos, numa caminhada que começa em igualdade pontual com o FC Porto.
A partir de agora, quem perder pontos arrisca-se a perder o título. O que enche o campeonato de alvoroço e promete fazer tremer tanto cada jogo que se vai sentir um pequeno abalo.
O Benfica não tem razões, portanto, para não estar feliz."

Aplicar o protocolo para evitar o “ruído"

"Tendo por base o penálti assinalado ao minuto 90, no jogo Boavista-Sporting, pela eventual infracção cometida por Edu Machado sobre Raphinha, venho hoje analisar o lance sob duas perspectivas: o ser ou não penálti e a actuação do videoárbitro (VAR).
Em relação à decisão final, o ter sido assinalado penálti, eu não concordo, ou seja, para mim não houve motivo para que essa “penalidade máxima” tivesse sido assinalada. Factualmente temos que, no movimento de rotação do seu corpo, Edu Machado, com o braço esquerdo aberto, acaba por entrar em contacto, acertando, na face de Raphinha, e também de forma factual é certo que o jogador leonino, ao sentir esse toque, cai no chão, não continuando o lance.
Com base nesse contacto que existiu, é legítimo que o árbitro, bem posicionado no momento e numa fracção de segundo, tenha interpretado como suficiente o contacto para que o jogador do Sporting, ao ser tocado, tenha ficado impossibilitado de prosseguir o lance, ou seja, a tal questão da intensidade, que acaba por ser a razão na qual normalmente todos nós baseamos a análise para sancionar ou não uma infracção.
Em termos de lei, nas 12 infracções passíveis de livre directo, que quando cometidas no interior da área, por parte da equipa defensora, são penalizadas com pontapé de penálti (lei 12, Faltas e Incorrecções), o possível enquadramento para este lance estaria no “impedir o movimento de um adversário com contacto”. Mas, tal como foi reforçado pelo Conselho de Arbitragem (CA) no início da época, é preciso que, para além de se verificar que um jogador empurra, ou agarra, ou carrega um adversário, é necessário que essa acção (causa) tenha uma consequência, ou seja, para além desse gesto, movimento ou acto, é necessário que a consequência, seja , por exemplo, que um jogador perca a bola, ou não a consiga jogar, ou se desequilibre e caia.
No fundo, impõe-se que haja um acto e que desse acto resulte uma consequência real, para quem sofre esse toque ou contacto. Essa acção tem de ser suficiente para que algo aconteça e não pode ser apenas o jogador que a sofre a aproveitar-se desse contacto para daí tentar tirar partido da situação. Em linguagem mais banal e comum, neste caso concreto que estamos a analisar, é preciso que o braço aberto e o contacto tenham tido a intensidade suficiente para que Raphinha tenha caído e ficado impossibilitado de jogar a bola.
Ora, na minha opinião, tal não aconteceu. Mais ainda, é sugerido aos árbitros que, ao analisarem as intensidades e as consequências, o façam olhando para o lance corrido e em tempo real, pois só assim dá para perceber se há falta ou aproveitamento - e em movimento normal fica a clara sensação de que o contacto que existiu não foi suficiente para que daí tenha sido assinalado o penálti.
No que diz respeito ao VAR, começo por dizer que a sua intervenção seria sempre a de validar a decisão inicial do árbitro fosse ela qual fosse, ou seja, assinalando ou não assinalando. E digo isto porque, de acordo com o protocolo, página 135 das leis de jogo, “a decisão inicial do árbitro não pode ser alterada a menos que a revisão vídeo mostre que a mesma foi um claro e óbvio erro”. Ou seja, sendo um lance em que a interpretação é sempre baseada na intensidade, na causa/consequência, e tendo sido factual o contacto do braço aberto no rosto, não estamos perante um erro grosseiro e escandaloso, razão pela qual nestes casos “fronteira” e de interpretação, o VAR (de acordo com o protocolo) raramente vai intervir, no sentido de “contrariar” a decisão inicial.
Mas é aqui que começa o problema perante o “mundo do futebol”. Ninguém entende que, com a possibilidade que esta tecnologia nos dá, não haja por parte da equipa de arbitragem uma outra forma de agir. Mesmo que a decisão final se mantenha, na prática queremos todos que, nestes lances de dúvida, mas com grande potencial, não fique a actuação limitada à “checkagem” feita pelo VAR, mas que seja o próprio árbitro a ir ao monitor ver as repetições e tomar ele mesmo a decisão final. Assim, mesmo que discordemos da mesma, ficamos todos com a sensação de que o VAR cumpriu a sua função.
Como mudar isto, que sistematicamente acontece nos nossos estádios? Uma das possibilidades era mudar a frase do protocolo e o próprio conceito, transformando a intervenção do VAR nas situações de Erro Claro e Óbvio em qualquer coisa como “sempre que o árbitro tivesse uma decisão correcta, clara e óbvia, o VAR não intervinha”. E assim teríamos como leitura subsequente que nos “golos” e nas situações de “penálti”, sempre que o lance levantasse dúvidas ou tivesse alguma acção de potencial irregularidade, o VAR teria que chamar o árbitro ao monitor para ver as imagens e ele próprio decidir.
Outra forma de dar a volta a esta situação, nomeadamente neste lance que estamos a analisar, que foi decisivo no jogo e que ocorreu mesmo ao terminar a partida, é os árbitros, eles próprios, perante estas circunstâncias, pedirem ao VAR as imagens e irem verificar as mesmas. E depois decidirem se mantêm ou alteram a sua decisão. Tal é possível e deveria ser feito, bastando para isso que se ponha em prática o que está escrito no protocolo, na página 140 das leis de jogo e que neste caso teria sido a chave para se sair desta situação sem tanto “ruído”. Passo a citar: “Para decisões factuais (…), a revisão apenas pelo VAR é normalmente apropriada mas uma (on field review) poderá ser efectuada para uma decisão factual se isso ajudar a gestão dos jogadores/jogo ou a vender a decisão”. Neste caso e neste jogo, isto teria sido muito importante se tivesse sido aplicado."

Bom filho

"E se na FP1, ao abrir das hostilidades, mais que aproximar-se do francês da fábrica mãe tratou de o bater na tabela dos segundos preciosos, na FP3 ofereceu-nos um 10º lugar de babar e olhar à santa agradecido, na FP4 foi o menino mais lindo das KTM deixando para trás o ídolo de toda uma vida, o senhor Valentino

A casa torna. Diz o ditado e diz-nos tantas vezes a vida.
Este foi o domingo, o tal domingo esperado ansiosamente desde que a notícia da chegada do Falcão ao MotoGP nos entrou casa, alma e coração adentro.
Não foi apenas outro dia 10 calhando a um mês de Março ao acaso.
Foi o tal e pronto, todos sabemos porquê.
Calendário fora fomos esperando à janela, talvez no sofá, um pouco também nos nossos escritórios, no trânsito e em tanto dia-a-dia, fomos riscando os dias, as manhãs e tardes cheias de minutos até àquelas dezassete horas que no Qatar, mais precisamente em Losail, nos trouxeram o mais esperado cavaleiro do asfalto que alguma vez Dom Afonso Henriques poderia ter concebido ter por descendente quando em 1139 rei se fez e decidiu que isto não era tudo para os espanhóis.
E ali pela fresca de sexta-feira dia oito, já se foi levantando a pessoa com um bicho carpinteiro pequerrucho mas com tendência a engordar, sabendo que pouco mais de meia hora após tocar o sino da igreja, a sirene dos bombeiros e outras tradições sonoras por volta do meio do dia, chegaria a hora de se benzer, de vestir a tshirt da sorte, atar os sapatos com preceito e rigor de premonições positivas. Chegaria o momento de ser fã do MotoGP, com piloto ao vivo e a cores, para nós quase um familiar, amigo chegado, vizinho ou mais que se conceba.
E se na FP1, ao abrir das hostilidades, mais que aproximar-se do francês da fábrica mãe tratou de o bater na tabela dos segundos preciosos, na FP3 ofereceu-nos um 10º lugar de babar e olhar à santa agradecido, na FP4 foi o menino mais lindo das KTM deixando para trás o ídolo de toda uma vida, o senhor Valentino. E para terminar numa Q1 onde se classificou ali mesmo a meio da lista, uma vez mais demonstrando perceber cada vez melhor os segredos desta nova conjugação cavalar que lhe puseram nas mãos. E de novo sem se esquecer de ‘ frapper le français’.
Domingo, passadas estas questões de FP’s e Q1, domingo era o dia de a casa tornar o bom filho.
E sabendo que o dito popular ninguém contesta, perguntar-se-ão como pode alguém tornar se afinal era a primeira vez por aquelas bandas..
Era sim. E não era não.
Já houvera aquele momento na cabeça de um menino, num dia que hoje nos parece lá bem longe. Houvera e tal afiançara como desejo seu.
Recordemos, sendo justos, o que viria depois:
Foi Mahindra, Leopard, foi laranja da KTM
Foram mil as curvas, perseguindo este dia
Quem tanto querendo assim tão pouco teme
Assim desenhando um oitenta e oito de magia
E às 17h00 por estas bandas lusas, mais não seriam, apagaram-se as luzes encarnadas e o nosso Falcão por ali foi, por ali arrancou voando e se manteve por entre algumas trutas, de perto seguiu durante algumas voltas aquele Valentino que um dia idolatrou, seguiu com Iannone também, batalharam trajectórias, passou, foi ultrapassado, passou de novo, e mais vieram, foi Pol e foi Zarco, andou na frente de Lorenzo, defendeu décimas de vantagem como pôde, e apenas com a praia à vista lhe faltou remo no barco que o poderia ter mantido em mar de pescar e amealhar pontos, que é como quem diz que deu à sua KTM Tech 3 digna e bem tratada dança em baile de debutante.
Em casa de todos e cada um de nós, do que aqui vos escreve e daquele que me lê, nas bancadas, em esplanadas, cafés, quiosques e quejandos onde caiba um aparelho de TV, torceu-se e vibrou-se a trezentos e muitos à hora, ninguém ficou triste se desta vez a luta foi lá mais para trás, que nos desculpem Marc e Andrea se em fim de tarde menos se terá vibrado em sua tão renhida peleja, e se ela foi de truz e por centésimas, que saibam eles perdoar-nos mas hoje os nossos olhos tinham destino, apenas viam aquela menina de cor azulada e anéis laranja que trazia o nosso cavaleiro andante, melhor, o nosso cavaleiro voante, a quem um dia e em breve iremos agradecer a maravilhosa sensação de vermos o seu nome bem mais acima, certamente amealhando os primeiros pontos de uma carreira que tem tudo para ser enorme.
E nesse dia, nesse domingo, recordaremos este que ora passou.
Quando o bom filho, a casa tornou. 
Bem-vindo sejas Miguel."