terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Chovia como se o céu doesse

"25 de Janeiro nascia da Mafalala. A mãe queria uma menina. O Destino resolveu trazia um Mercúrio negro que voava com asas nos pés a caminho da eternidade.

Eusébio, Eusébio e mais Eusébio.
Janeiro é mês de Eusébio: digo e repito! Não será certamente o paciente leitor destas crónicas a fartar-se de Eusébio. Quando muito, fartar-se-á do cronista. Quanto a isso, as minhas sinceras desculpas.
Eusébio faria hoje anos: 25 de Janeiro.
A morte levou-o para a planície da eterne saudade onde florescem as rosas da memória...
Se Nelson Rodrigues dizia de Garrincha que foi o melhor jogador que o Brasil jamais viu depois de Pedro Álvares Cabral, então nós podemos dizer, descansadamente, que Eusébio foi o melhor jogador que Portugal jamais viu depois de D. Afonso Henriques.
É a minha opinião: por ela sou responsável. Odeio comparar jogadores de futebol. Sobretudo quando o tempo é tão diverso, que as contradições se tornam inevitáveis.
Eusébio não é comparável. Ele foi Portugal antes deste Portugal moderno, embora injusto. Ele foi para lá das fronteiras de um país tacanho, mazombo e triste e subiu até ao lugar mais alto do planeta ao qual os homens podem ambicionar. Ele foi para lá do mundo e estará ainda hoje a traçar órbitras arbitrárias nas quais os astros fingidos perdem a majestade, como dizia Miguel Torga, o poeta da montanha.
Às vezes, perguntaram-me: 'Como é que, depois de tantos anos, de tantas páginas de jornais, de dois livros dedicados a Eusébio, ainda consegues ter algo para escrever sobre ele?'
A resposta é simples: Eusébio escreve-se a si próprio!

Multiplicando letras...
Outras vezes reescrevo-me. Passo as letras do QWERT atrás das imagens.
Como a imagem de Eusébio depois de marcar o primeiro golo ao Brasil no Mundial de 1966.
Corre, de braço no ar.
Corre, Eusébio, corre! Passada felina de pantera. Divino negro.
A cabeça está erguida, imperial, reparem bem: há no seu olhar, que abarca todo o estádio de Goodison Park, em Liverpool, a consciência de que a História está a passar por ele, pela sua agilidade elástica, veloz, o redor move-se em câmara lenta, só ele tem vida para além da vida corriqueira, insignificante, só ele ganha luz para além dessa vida-vidinha de que falava Alexandre O'Niell e que acabrunhava o país triste.
Corre, corre, corre, Eusébio, corre.
Estava apenas a comemorar um golo, mas até disso dir-se-ia depender a sua própria existência. Aquela corrida parece durar horas e horas. Aquela corrida merecia durar horas e horas.
Prestem bem atenção, agora: ele eleva-se no ar como se tivesse as asas nos pés de um Mercúrio negro. O seu braço erguido estende-se para lá do estádio, quase tocando o céu num soco vigoroso, vibrante. Não tirem os olhos dele: deixem-no ficar assim para sempre na parede lisa da vossa memória.
Dificilmente Eusébio poderá ser tão Eusébio.
Eusébio reescreve-se a si próprio.
Lá em Lourenço Marques, d.ª Elisa Anissabani, a mãe de Eusébio, já tivera três rapazes. Queria uma menina. O dia 25 de Janeiro de 1942 não lhe fez a vontade. Nasceu-lhe outro rapaz. Chamou-se Eusébio. Da Silva Ferreira. O mundo saberia, a devido tempo, decorar-lhe o nome.
O mundo não tardou a confundi-lo com Portugal.
'Chego a convencer-me de que, enquanto os outros bebés aprenderam a andar, eu aprendi a chutar', diria Eusébio, dezanove anos depois, numa entrevista concedida a Carlos Miranda. Um ano depois de chegar a Lisboa e à Metrópole, como então se dizia, Eusébio já era o Eusébio, e tinha uma história completa para contar.
'Não me lembro de brinquedos, não me lembro de jogos ou de partidas', continuava. 'Lembro-se da bola. Sempre da bola A trapeira, se coisa melhor não se conseguia arranjar, lá nos coqueiros, em desafios sem fim, sem prazos de tempo nem balizas medidas. Jogar à bola, fosse como fosse, era tudo quanto desejávamos'.
A bola morreu com ele nesse mês de Janeiro no qual chovia como se o céu doesse.
Ou melhor: ele levou-a comigo, debaixo do braço, preparado para voltar a chutá-la no pedaço mais pequeno de relva que encontrasse vago. Acredito que continuarão juntos. Donos ambos da eternidade dos únicos!
25 de Janeiro: nascia Eusébio, na Mafalala.
Para mim, nunca morreu!"

Afonso de Melo, in O Benfica

Mulheres ao volante

"Uma novidade no desporto feminino e um actor famoso, os ingredientes certos para mais um sucesso com o cunho do Benfica.

Em 1963, o Sport Lisboa e Benfica voltou a inovar: organizou o primeiro rali feminino em Portugal.
A prova, designada I Rali Feminino do Benfica, teve lugar a 15 de Setembro de 1963 e contou com o patrocínio do Cinema S. Jorge, da Rank Filmes de Portugal Lda., da Junta de Turismo da Costa do Sol, do Casino Estoril e do Rádio Clube Português. O actor britânico Stanley Baxter foi o convidado de honra do evento, aterrando em Lisboa no dia que antecedeu a competição. 'Escocês de nascimento, desembarcou tipicamente trajado com o característico saiote (kilt)' e depressa conquistou todos quantos o aguardavam, entre eles os dirigentes 'encarnados'.
No dia do Rali, domingo, 'os veículos concentram-se na parte sul do Parque Eduardo VII, ante o interesse de inúmeros curiosos e dos familiares das gentis competidores', atraídos 'pela novidade da competição e, também, pela presença do mais popular actor do cinema inglês'. Às 10 horas, o próprio Stanley Baxter - que 'envergava um fato castanho, aos quadrados, o casaco com duas rachinhas. Uma camisa branca, picotada, servia de fundo a uma gravata amarela. Óculos escuros' -, 'após uns ditos que despertam a boa disposição', empunhou a bandeira quadricula e deu o sinal da partida.
Em competição, trinta senhoras, 'todas em traje que lhes permitisse a maior liberdade de movimento', ao volante de 'carros, das mais diversas marcas', percorreram o itinerário que contemplou 'Odivelas, Caneças, Belas, Venda Seca, Tala, Recoveiro, Baratã, Algueirão, Granja do Marquês, Lourel, Sintra, Ramalhão, Linhó, Alcoitão' e terminou no Estoril. Após o 'percurso total de 46,6 Km', foi a vez de disputarem a prova complementar no Estoril, frente ao Casino.
As 'três dezenas de participantes alegraram, como só o sexo feminino sabe fazer, a interessante competição'. E Gisele Araújo, com o seu Austin 850, sagrou-se vencedora absoluta da competição.
Prova terminada, foi tempo de rumar ao 'salão de cinema do Casino Estoril' para assistir à antestreia do filme A Respeitável Carcaça (com o título original The Fast Lady), interpretado por Stanley Baxter. Após a exibição do filme, foi servido um jantar no restaurante do Casino, durante o qual foram distribuídos os prémios do Rali e houve ainda tempo para um acto de variedades e uma baile.
Na exposição permanente do Museu Benfica - Cosme Damião pode saber mais sobre as modalidades femininas praticadas no Benfica."

Mafalda Esturrenho, in O Benfica

“Fui apanhado na noite, um copo aqui, acolá, fiz muitos erros, aprendi. E sou um romântico: tenho todos os livros do Nicholas Sparks”

"Aos 37 anos Jorge Ribeiro garante sentir-se com força para jogar até aos 40, a sua meta. Depois disso, ainda não pensou bem no que vai fazer, desde que seja ligado ao futebol, embora ser treinador esteja fora de questão. Com um percurso que começou no Benfica, passou por clubes como o Santa Clara, Varzim, Desportivo das Aves, Dínamo de Moscovo, Málaga, Granada, Boavista, Atlético e agora Farense, entre outros, confessa que fugiu sempre do irmão, Maniche, isto é, de jogar em clubes onde este também estava, tendo inclusivamente recusado convites por causa disso. Casado e com três filhos, diz que começou benfiquista mas acabou por desenvolver simpatia pelo Sporting, um clube feliz, como ele diz

Nasceu em Lisboa e durante muitos anos era conhecido como o irmão de Maniche. Pode apresentar o resto da família?
O meu pai chama-se Ulisses, a minha mãe Esmeralda, quando eu era miúdo trabalhavam os dois numa fábrica de bolachas. E tenho mais dois irmãos, só da parte do pai, mais velhos, um rapaz e uma rapariga.

Então o seu pai casou com a sua mãe, depois do outro relacionamento.
Sim, o meu pai teve uma namorada antes, nunca foi casado com essa senhora, e depois juntou-se com a minha mãe e casou com ela. A minha mãe é mais velha do que o meu pai.

Cresceu em que zona de Lisboa?
No Bairro da Boavista, ali perto da Buraca, perto do campo do Casa Pia.

Quais são as primeiras memórias que tem de infância?
Vivia num bairro social e tinha contacto com miúdos de rua. Lembro-me que foi uma infância muito boa que não a desprezo, foi ali que cresci é ali que estão as minhas raízes.

Quando era pequeno o futebol já lhe dizia alguma coisa, jogava à bola na rua?
Foi o meu padrinho que nos ensinou a jogar à bola na rua. Também fui muito cedo para as camadas jovens do Benfica. Com oito anos já jogava na formação do Benfica.
Como é que lá vai parar?
O meu irmão já estava no Benfica e eu brincava na rua. Tinha um pontapé forte, ainda por cima esquerdinos havia poucos na altura, e tinha jeito para a coisa. No bairro havia um pavilhão recreativo onde jogávamos com os amigos. O meu irmão dizia-me que eu tinha jeito para o futebol e insistia para eu ir ao Benfica fazer testes. Um dia, fomos cinco ou seis miúdos do bairro, tentar a nossa sorte e acabei por ficar. Eu e mais um colega meu.

É verdade que não ficou convencido e que não voltou logo?
Na altura o treinador era o Arnaldo Teixeira, o pai, não o que está com o Rui Vitória, disse-me que eu ficava, falou com os meus pais também, mas eu não queria nada com a bola queria era brincar na rua. Era um “índio” (risos). No bairro era tudo muito familiar, todos se conheciam.

Por quem é que torcia o Jorge Ribeiro quando era pequeno?
Eu era do Benfica mas agora tenho um carinho muito especial pelo Sporting.

O seu pai e o seu irmão são do Sporting?
São. Eu queria era brincar e o meu irmão chateava-me a cabeça “Não queres ir e estão fartos de te chamar. Tens jeito até já te deram o diploma para ires”. E eu “Mas eu não quero nada com isso Nuno”; “Mas tu tens de ir, tens de ir”. O Nené, que coordenava o futebol juvenil do Benfica naquela altura, também insistiu, mandou várias cartas para casa e pronto, acabei por ir, até agora.

Quando começou a ir regularmente tinha quantos anos?
Tinha nove para os dez.
Lembra-se quando é que começou a ganhar consciência de que podia ser jogador de futebol?
Foi um bocadinho depois, quando comecei a ver que subia sempre de escalão. Nos iniciados já comecei a ter essa noção, de que podia chegar lá. Entretanto, comecei a ir às selecções.

É quando começa a treinar no Benfica que define a sua posição em campo ou se já vinha da rua.
Não vinha da rua, foi o mister Arnaldo Teixeira que nas captações me pôs a lateral esquerdo. Até me comparavam com o Schwarz que jogava no Benfica. E a lateral esquerdo fiquei até agora.

Encaixou bem na posição.
Sim, tinha muita velocidade, tinha um remate forte, batia bem as bola e, a partir dos iniciados, por volta dos 13 anos, comecei a ter mais essa consciência.

Como é que era a sua relação com a escola?
Não era um fã da escola, mas tinha que ser. Os meus pais sempre incutiram primeiro a escola e depois o futebol. Fiz o 9.º ano e deixei de ir porque tive de optar. Ou escola ou futebol. Ia para as selecções, ia para fora e perdia muita matéria escolar. 

O seus pais nunca se opuseram a que largasse a escola?
Eles perceberam. Entretanto nos juvenis, com 15 anos, comecei a ganhar algum dinheiro.
Lembra-se do valor do seu primeiro ordenado?
Lembro, primeiro era o valor do passe, dois contos e quinhentos (12,50€). Era a minha mãe que ia buscar-me aos treinos. Tenho de agradecer-lhe porque foi graças a ela, que me acompanhou sempre para os treinos, à chuva e ao vento, íamos a pé apanhar o autocarro…

Isso eram umas ajudas de custo. Mas quando assina e ganha o seu primeiro contrato?
Foi nos juniores e ganhava 2500 euros, quinhentos contos na altura. Tinha 16 para 17 anos.

Houve alguma coisa que quisesse comprar logo?
Não. Nessa altura tudo o que ganhava entregava aos meus pais. Era justo, foram eles que me ajudaram sempre, que gastaram dinheiro comigo e não era justo que eu não lhes entregasse o dinheiro. Eles também tinham feito um esforço. Depois, mais tarde, quando comecei a ganhar mais dinheiro e saí de casa, a partir daí é que decidi ser eu a ficar com o dinheiro.

Quando faz a sua estreia na equipa principal do Benfica?
Estreio-me com 17 anos, com o Jupp Heynckes.

O que sentiu?
Era júnior, o Jupp Heynckes assume o comando técnico da equipa principal, escolhe três jogadores dos juniores para fazer parte do plantel e eu fui um dos eleitos. Fiquei todo contente. Estava nas nuvens, saí em todas as capas dos jornais desportivos; era um miúdo, não tinha a noção das coisas. Fui para a equipa principal e quando não era convocado, jogava nos juniores.
Lembra-se do primeiro jogo na equipa principal?
Foi para a Taça de Portugal contra o Amora. Ganhamos 7-1 ou 7-2.

Foi titular?
Fui. Até foi engraçado porque o meu irmão estava nesse plantel também, fomos de estágio, ficámos no Radisson em frente ao estádio do Sporting, no mesmo quarto, e dissemos um ao outro: ou tu fazes um golo e eu faço o passe para ti, ou eu faço o passe para ti e tu fazes o golo. E aconteceu. Eu faço o cruzamento e ele faz o golo.

Nessa altura o seu irmão já tinha saído de casa?
Já. O meu irmão saiu de casa no tempo dos juniores.

Estreia-se e na época seguinte vai logo para o Santa Clara. Porquê?
Vou para o Santa Clara porque vi que não ia ser opção no Benfica; era jovem e entretanto surgiu essa opção de ser emprestado ao Santa Clara, que na altura estava na II Liga. Fui de bom grado porque não estava a jogar no plantel da equipa principal.
Quem eram os seus concorrentes?
Era o Bruno Bastos e um jogador estrangeiro. Fui para o Santa Clara para ver se jogava mais, mas também não joguei muito. Tinha empresário? Tinha, era o Paulo Barbosa. Desde os juniores.

Quando foi para o Santa Clara, é a primeira vez que sai do ninho. Custou-lhe muito?
Claro que custou. Lembro-me que o meu pai tinha folga e foi levar-me ao aeroporto. Eu nem sabia bem ao que ia. Era um miúdo que estava habituado a ter a comida na mesa. Passámos algumas dificuldades mas nunca faltou nada de comida.

Já tinha namorada?
Tinha. Era a Débora, com quem casei. Ela era lá do bairro e é a mãe dos meus dois filhos mais velhos. Separámo-nos há quatro anos.

Ficou a viver onde nos Açores?
Fui viver para um T0, tinha que fazer comida, tinha de me desenrascar, só sabia fazer arroz, massa e ovos (risos). Mas tinha um restaurante que o clube tinha disponibilizado e quase sempre ia lá comer. Quando estava fechado, ou quando vínhamos dos jogos fora, é que fazia a minha comida e desenrascava-me bem. Telefonava à minha mãe, ela dizia-me como devia fazer. Agora já sou um bom cozinheiro (risos).

Quem era o treinador do Santa Clara?
O Manuel Fernandes. Mas só lá fiquei seis meses.

Porquê?
Porque eu estava emprestado pelo Benfica e o Shéu ligou-me a dizer que eu ia fazer outra vez parte do plantel do Benfica. E voltei ao Benfica.
Voltou para a equipa principal ou para a equipa B?
Para a equipa B. Depois, vou outra vez para a equipa principal já era o Toni o treinador. Depois o Toni saiu e veio o Jesualdo, tudo na mesma época. O Jesualdo era adjunto do Toni.

Como correu essa época na equipa principal?
Fiz alguns jogos com o Toni, com o Jesualdo também, mas depois apareceu uma proposta boa do Varzim. O meu empresário ainda era o Paulo Barbosa, estava a acabar o meu contrato com o Benfica e o Varzim estava na I Liga.

O Benfica não queria renovar?
Não era o Benfica não querer renovar, eu é que queria ter mais jogos na I Liga. E apanhei um treinador no Varzim que apostou em mim, o Alberto Costa, que foi adjunto do Queiroz. Depois tive o Luís Campos e o Rogério Gonçalves. Fui para o Varzim, assinei por quatro anos e desvinculei-me do Benfica de vez.

Não lhe custou desvincular-se do Benfica?
Custou. Custou mas nessa altura era muito difícil os jogadores das camadas jovens conseguirem vingar, não é como agora em que eles apostam muito nas camadas jovens. Na minha época não eram muitos os que subiam. Na altura fui eu, o Pepa, e o Rui Baião. E fomos esses três que depois vamos para o Varzim. Era o mesmo empresário.

Ainda antes do Varzim, quando volta à equipa principal do Benfica, depois de ter estado nos Açores, o facto de não estar lá o seu irmão, para si era uma coisa que o aliviava ou sentia falta dele?
Vou ser sincero. Tenho um lema de vida. Se o meu irmão estiver como treinador numa equipa eu não vou para lá. E se estiver como jogador, também não vou. Tive que ir naquela altura porque era mais novo, mas não gosto. Estive com o meu irmão noutro clube em Moscovo, mas quando ele chegou, eu nem sabia que ia, e também não gostava.
Por causa da comparação?
Da comparação e não só. Por exemplo, se há uma guerra no campo, há sempre guerras mesmo nos treinos, depois uma pessoa vê o irmão ali no meio e vai ter que se meter, é sempre um problema. 

Criava-lhe ansiedade?
Claro. E depois é assim, eu gosto de ser eu próprio, não gosto de ser associado: “Ah, ele é jogador por causa do Maniche”. Isso nunca aconteceu, eu fui pelo meu valor e ele foi pelo dele. Já estive para ir para vários clubes onde ele esteve, como adjunto, já estive para ir para o Paços, já estive para ir para a Académica, e não fui por causa disso.

Escolha sua?
Escolha minha. A Académica estava interessada quando o meu irmão lá estava e eu não fui. Não fui para uma I Liga, fui para a II Liga. Sou mesmo assim. Para depois não dizerem: “Ele está ali por causa do irmão”. As pessoas são assim.

Gosta que reconheçam o seu valor independentemente do seu irmão.
Claro, como aliás reconheceram. Mas é engraçado porque muitas vezes diziam: “Ah, eu conheço-te, tu és o irmão do Maniche”. Eu era sempre associado a ser o irmão do Maniche.

Isso chateava-o muito?
Não me chateava, para mim até era um orgulho. Mas criava ali um bocado... eu tenho que ser eu. Depois as pessoas começaram a inverter isso. Mas hoje em dia já não ligo muito a isso.

Quando vai para o Varzim também vai sozinho ou ai já está casado?
Só casei em 2005, para o Varzim ainda vou sozinho, mas como já tinha estado sozinho no Santa Clara, não me custou. A minha ex-mulher ia visitar-me mas como estava a tirar o curso, não ficava sempre comigo.
Aos 16, 17 anos começam as saídas à noite. Como é que o Jorge se safava? Sabia fazê-las ou foi alguma vez apanhado?
Fui várias vezes apanhado (risos). Um miúdo com 16, 17 anos que começa a ganhar dinheiro e aparece nos jornais, nas televisões, há a tentação de puxar sempre os tais pseudo-amigos, como eu chamo agora que estou calejado. Vamos beber um copo ali, e agora vamos ali.... Vou dizer-lhe: fiz muitos erros.

E foi castigado por causa disso?
Fui. No Benfica castigaram-me uma vez ou duas. Estava na equipa A e mandavam-me para a B.

Qual foi a dura que lhe custou mais ouvir?
Foi quando estava a jogar, e estava a jogar bem, e um dia vou beber um copo. Depois disso quando chego ao treinos, o Jesualdo Ferreira com um ar ríspido diz-me: “Vais começar a treinar na equipa B, porque aconteceu isto e isto...”. Eles sabem tudo não é. Eu ainda “Então, mas...”; “Não, não há mais conversas. Ainda és novo, ainda tens muito que aprender. Vais para a B e quando eu achar que deves vir outra vez, vens” (risos).

Quem eram os amigos com quem costumava sair?
Do Benfica era o Pêpa, o Hélder Ramos, o Bruno Aguiar, o Cândido Costa, vários. 

As saídas foram-se mantendo ou começou a cortar?
Depois comecei a cortar. Ainda saí mais umas vezes, mas não para me expôr.

Voltemos ao Varzim. Como é que correm as duas épocas?
Adaptei-me bem, comecei a fazer mais jogos na I Liga. Lembro-me que tinha um pré acordo com o FCP quando fui para o Varzim. Na altura do Mourinho mas depois isso não se concretizou.

Porquê?
Não sei porquê. Não accionaram a opção. Era eu e o Rui Baião.

Acha que isso não aconteceu por causa do seu irmão estar lá?
Não sei. Ainda não consegui compreender como é que foi.
Gostava de ter ido para o FCP?
Sim. É sempre bom passar de um clube pequeno para um grande. Mas continuei no Varzim e correu bem, ia à selecção.

Quando é que chamado a primeira vez à selecção? Tinha quantos anos?
Tinha 15 anos quando fui chamado à selecção de sub-15. Fui sempre às selecções todas depois.

Era muito diferente o ambiente de selecção do ambiente dos clubes?
Sim, ali estão os melhores praticamente. Criei amizades com todos. Havia os grupinhos, o do FCP, do Sporting e do Benfica, mas nunca tive chatices com ninguém, fui sempre bem recebido.

Foi praxado ou praxou alguma vez?
Fui praxado na equipa A. Em 2002 na minha primeira internacionalização pela selecção principal, o treinador era o Agostinho Oliveira. Foi em Braga, contra a Escócia e ganhamos 2-0. Estava a chover muito nesse jogo. Fomos uns oito ou nove que se estrearam. Já tínhamos o Fernando Couto, o Vítor Baía, Jorge Costa, Sérgio Conceição, Costinha, o Rui Jorge, o João Pinto, o Figo, o Pauleta, uma data deles, o Simão, o Nuno Gomes…

Sentiu-se pequenino ao pé deles?
Na altura estava no Varzim. Vir de um clube pequenino e chegar à internacional A, olhar para aqueles jogadores todos... Alguns nem me conheciam... Encontrei o Fernando Couto e o Rui Costa na bomba de gasolina, eles lá com os seus carrões, eu fui com um amigo que me deu boleia. Parei na bomba, eles olharam para mim, mas nem sequer sabiam que eu ia à selecção. Era um respeitinho tremendo com aqueles jogadores. Não era fácil, eles diziam: “Ó miúdo tens que esperar até todos se sentarem para te sentares no lugar que sobrar.” Em todo o lado, na camioneta, no restaurante, em todo o lado era assim e aquilo era um respeitinho, não é como agora.

Como é que foi a praxe?
Quando cheguei fizeram um corredor para eu passar e levar calduços. Depois tive que falar e dizer o que é que sentia por estar ali. Lá falei, um bocado a tremer, mas desenrasquei-me (risos).
Houve algum que o tenha surpreendido mais ou que tenha sido mais simpático?
O Figo foi simpático porque o meu treinador, o Alberto Costa, era treinador-adjunto do Carlos Queiroz, no Sporting e o Figo falou-me dele. Perguntou se estava a gostar de ser treinado por ele. Havia uns mais frios, tipo o Fernando Couto, os do norte eram um bocado mais frios.

Consegue resumir o seu percurso na selecção?
Faço sub-15, sub-16, sub-17, sub-18, sub-20, sub-21, equipa B, faço os Jogos Olímpicos, equipa A e o Torneio de Toulon, que ganhámos.

Entretanto sai do Varzim e vai para o Gil Vicente.
Eu tinha quatro anos de contrato com o Varzim, faço um ano na I Liga, depois o Varzim desce e eu tenho que me apresentar. Ainda fiz 24 jogos, mas decido, eu e o meu empresário, ir para o Gil Vicente para estar outra vez na I Liga. Rescindo com o Varzim e vou para Barcelos. Estou lá meia época época, vou para o Dínamo de Moscovo, transferido.

Entretanto casa.
Sim, em 2005 quando vou para o Dínamo.

Era algo que ambicionava, jogar fora do país?
Era.

Havia algum campeonato que gostasse mais?
Quando vou para o Dínamo já tenho outro empresário, o Jorge Mendes. Desligo-me do Paulo Barbosa e é já o Jorge Mendes que me leva para o Dínamo. Mas ainda no Gil Vicente eu deixo de ir aos treinos.

Porquê?
Porque o presidente diz-me para não ir aos treinos. Estava num jantar de equipa, na Trofa, e liga-me o presidente: “Não vás aos treinos porque temos uma transferência para ti, para ires embora. É bom para nós e é bom para ti”. Tanto que eu andava desaparecido e já diziam que eu tinha um processo disciplinar, mas foi tudo feito de maneira a que eu pudesse ir para o Dínamo de Moscovo. As pessoas ligavam, mas eu não atendia telefones; depois liga-me o Jorge Mendes e rescindo com o Gil às quatro da manhã, num cartório em Barcelos.

Às quatro da manhã? Porquê?
Porque é assim, os negócios na altura eram assim. Lembro-me que o presidente do Gil Vicente andava de um lado para o outro preocupado com os dinheiros. Mas eu queria era resolver a minha vida.
Quando lhe disseram que ia para a Rússia qual foi a primeira reacção?
Foi de medo. Pensei, vou para lá e aquilo é só bombas e é frio. Era o que via na televisão.

Foi o único português a ir nessa altura ou já lá estavam outros?
Pensava que era o único, tanto que estou a jantar na minha casa e liga-me o Jorge Mendes a dizer que eu tinha que estar às sete da manhã no aeroporto de Lisboa para ir para a Turquia que eles estavam em estágio, em Antalya. Fui com um amigo de carro e chorei a viagem toda. Para onde é que eu vou, Rússia, sem a família, seja o que Deus quiser. Dormi em casa dos meus pais para estar no aeroporto de manhã. No aeroporto encaro com o Danny e com o Cícero. Pelo menos já tenho com quem falar. Eles também eram do Jorge Mendes e fomos os três para a Antalya onde na altura estavam uns 40 graus. Saio dali, venho a Portugal buscar roupa e quando chego à Rússia, quando saio do avião, estão 24 graus negativos. Disse logo que ia voltar para Portugal outra vez, que ali não me apanhavam com aquele frio (risos). Mas depois lá me habituei.

Nessa altura como é que comunicava, em inglês?
Não falava muito inglês, mas tinha um tradutor e desenrascava-me bem.

Ficou a viver onde?
Num hotel em frente à Praça Vermelha. Trataram-me sempre bem, quando cheguei ao quarto tinha roupa de neve, foi espectacular. E fiquei no hotel durante um mês. Depois fui para uma moradia. 

Sozinho?
Não, o meu pai e um amigo meu foram ter comigo e ficaram por lá bastante tempo para eu não estar sozinho.

Adaptou-se bem ao futebol russo?
Adaptei-me.

Jogar na neve não lhe fez confusão?
Aquilo tinha um sistema diferente na relva. A neve saía, tínhamos todo o equipamento necessário, collants, luvas, cremes. Tinha é que ir uma hora antes para me equipar mas correu bem. Fiz alguns golos e o primeiro ano correu bem.

A sua mulher não ficou na Rússia consigo porquê?
Ela só lá esteve um mês. Não aguentou e veio embora. Eu tive de aguentar mas depois rescindo, e vou para a Liga Espanhola.

Ainda jogou com o seu irmão?
Sim, ele esteve lá seis meses e depois foi embora para o Chelsea. Quando ele foi embora eu ainda fiquei.

Esteve dois anos no Dínamo, mas tinha quatro de contrato.
Sim. Pagaram-me um e deixei lá outro, para ir para o Málaga.
Queria sair de lá, já estava farto?
Não era farto. Até estava a correr bem, mas depois aquilo mudou, o dono do clube saiu, era ele que metia o dinheiro no clube…

Foi para o Málaga porque era uma forma de estar mais perto de casa?
Optei por ir porque o Málaga porque também estava na I Liga. Estavam lá três portugueses: o Edgar, o Duda e o Litos, que era do Boavista. O Litos ajudou-me imenso, ele e a mulher, já lá estavam há três ou quatro anos.

Não esteve muito tempo no Málaga.
No Málaga não tinha jogado muito e o Desportivo das Aves estava na I Liga.

Com o professor Neca, certo?
Sim, o professor Neca ajudou-me. Aquilo que levo do futebol, são as pessoas que me ajudaram. Apesar de dizerem que ele é muito táctico, muito para trás, adaptei-me bem a ele, fiz muitos jogos com ele. Mas já chego ao Aves numa fase em que aquilo não estava nada bom, só tinham um ponto. Entretanto, o Jorge Mendes apresenta-me uma boa proposta.

Para o Boavista.
Sim, do João e Valentim Loureiro. Era um clube com tradição, um clube com boas condições e fui. 

Com o Jaime Pacheco como treinador.
Sim. Também aprendi muito com o Jaime Pacheco. O Boavista foi o clube que me permitiu a ascensão para ir outra vez para o Benfica. Fiz uma época muito boa com o Jaime Pacheco. Havia muita gente que dizia que ele só queria corrida mas eu na altura já tinha 26, 27 anos e disse para mim mesmo, é aqui que ou vai ou não vai. Correu bem, adorei trabalhar com o Jaime Pacheco e muitos treinadores deviam ser como ele, muitos.
O que quer dizer com isso?
Porque é um treinador que incute nos jogadores o que é a mística de qualquer clube. É do norte, as pessoas do norte são mais aguerridas. Ele não gosta de perder, para ele é trabalho, trabalho, trabalho. E só assim se chega a um patamar elevado no futebol. Foi campeão num clube que ninguém estava à espera, como o Boavista, por causa disso mesmo.

Era um sonho voltar ao Benfica?
Era e vou explicar porquê. Fiz lá a minha formação, fui bem acarinhado e até tive um bocado de receio porque na altura também tinha o Sporting interessado e o Sampdoria, mas optei pelo Benfica. 

Tinha um contrato melhor também.
Também mas optei porque vim de lá, da formação. Ainda estive com dúvidas, porque as pessoas podiam pensar: então este saiu, rescindiu com o Benfica, foi-se embora para o Varzim e agora quer voltar outra vez para o Benfica? Nem todas as mentes são iguais. Mas foi o que aconteceu, volto ao Benfica com um bocado de receio, falei com o presidente mas o Luís Filipe Vieira disse-me: “Isso não tem nada a ver Jorge, o teu trabalho fala por si. Tem oito golos, várias assistências e tens sido um dos melhores da Liga".

O treinador era o Quique Flores.
Era. Era para ter ido em dezembro com o Camacho, mas como tinha um pré-acordo com o Benfica, optei por ficar no Boavista porque no Boavista jogava e o Benfica tinha o Leo que, era bom jogador e se fosse logo para lá, se calhar não jogava e como tinha o Europeu esse ano, queria tentar ir ao Europeu. Por isso continuei no Boavista a fazer bons jogos e fui chamado para o Europeu.

O seu irmão não foi. O que é que sentiu nessa altura? Um orgulho diferente por finalmente ter “descolado” do seu irmão?
Não porque sempre tive ambição de três coisas: jogar com o meu irmão na equipa principal do Benfica, jogar na selecção e ir a um evento como o Mundial ou o Europeu com o meu irmão. Pensava que era nesse ano que ia ao evento e fechava as três, mas não aconteceu. Não sei porque é que ele não foi, mas são opções do seleccionador. Lembro-me perfeitamente quando fui chamado para o Europeu, os telefones não paravam. Diziam sempre a mesma coisa. “Então você vai ao Europeu e o seu irmão não vai, o que é que sente?” Estavam sempre a falar disso.
O que ele lhe disse?
Ele ficou muito feliz por mim, foi a primeira pessoa com quem falou quando soube da convocatória: “Tu mereces, é fruto do teu trabalho. Gostava de ir contigo mas são opções”. Claro que se fica sempre chateado de não ir a um evento como o Europeu. 

Ainda apanha o Jorge Jesus no Benfica?
Apanho.

Ele não o queria.
Como é que hei-de dizer, foi o Benfica que me deu tudo. Deu-me os valores todos como homem e como futebolista. Fiquei triste porque acho que foi injusto da parte do mister Jorge Jesus, e eu falei com ele sobre isso. Porque com o Quique Flores faço quase 30 jogos, contando com as competições europeias, era titular. Não foi uma época exuberante mas foi uma época regular da minha parte.

Ele explicou-lhe a razão?
Não, disse simplesmente que não contava comigo, na altura o director desportivo era o Rui Costa, disse que não contava comigo mas eu disse-lhe “Mister mas eu tenho mais três anos de contrato com o Benfica”. Fiquei um ano sem jogar com ele.

Custou-lhe.
Custou-me muito porque um jogador tem de jogar. E quando um jogador faz quase 30 jogos supostamente é para ficar no plantel, na minha opinião. Mas cada um tem as suas, ele teve as dele e fiquei um ano sem jogar. Claro que custou muito. Treinei à parte, não é a mesma coisa.
Conseguiu perceber porque é que ele não o queria na equipa?
Não cheguei a perceber porque ele quando me dispensa, diz-me que tinha o Shaffer e o Sepsi para o meu lugar. OK, são opções, só tenho que respeitar, mas tenho mais três anos de contrato. Tenho que ficar aqui, é a minha vida também. E ele: “Eu sei que sim, mas ficas a treinar ai à parte”. Está bem. O que é certo que que começou a época e ele dispensou o Shaffer e o Sepsi, foi buscar o César Peixoto e recuou o Fábio Coentrão para lateral esquerdo. Foi no ano em que ganhou o campeonato. E esteve muito bem, com um plantel muito bom, sem dúvida ele é bom treinador, já lhe disse, que é um bom treinador. Um treinador exigente também, um treinador que tem a sua maneira de estar e de ver as coisas, mas nunca compreendi o porquê até hoje.

É nesse ano que nasce a sua filha?
É , em 2010, a Maria Inês.

Assistiu ao parto?
Assisti. Dos três, assisti a todos. É uma sensação única. Ser pai é a melhor coisa do mundo. 

Entretanto vai para Guimarães.
Sim, vou para o Vitória de Guimarães emprestado pelo Benfica. Foi também uma experiência boa, apesar de ao início não jogar. O treinador era o Manuel Machado. Tenho uma história com ele muito boa.

Conte.
Ele é um treinador muito calado. Quando lá cheguei ia emprestado pelo Benfica, e não tinha que ser mais do que os outros só por vir do Benfica. Para eu jogar, tinha que treinar bem e fazer por merecer a confiança do treinador. Passei a primeira volta sem ser convocado, sem jogar e eu sempre a trabalhar, sempre a treinar. Começa a segunda volta, e lesiona-se o rapaz da minha posição, que nem era bem a minha posição porque eu era lateral e ali joguei a interior esquerdo, e o Manuel Machado mete-me a jogar com o Olhanense. A partir daí nunca mais saí da equipa. Depois vou para o Granada e um dia estou lá e recebo uma chamada. Um número português? O que é isto? Era o Manuel Machado a dizer que queria que eu fosse com ele, para a primeira aventura dele na Grécia, no Aris. “Tu foste um bom profissional. Treinaste sempre a sério, nunca viraste a cara à luta”. Só que era impossível porque os do Granada não me deixaram sair.
E Granada que tal?
Muito bom, gostei da cidade. Mas eles defendem muito o que é deles.

Está a falar em relação aos jogadores?
Também.

Então não foi bem recebido?
Fui bem recebido mas nós, os portugueses, acolhemos melhor os estrangeiros.

Correu-lhe bem essa época?
Não joguei muito.

É por isso que vem embora para o Desportivo das Aves?
Sim.

Entretanto nasce o seu segundo filho.
Sim, o Francisco.

É o Jorge Mendes que lhe arranja o contrato com o Desportivo das Aves?
No Granada já não era o Jorge Mendes, fui eu que fiz o contrato e a partir daí fui sempre eu.

Porquê?
Ele nunca mais me ligou e foi opção minha, não dependo de ninguém, nem que seja o homem mais rico do mundo, e segui a minha vida. Já tinha estado no Aves antes, eles gostaram de mim e ligam-me para saber se eu queria voltar. Disse logo que ia porque foi um clube que me acolheu bem, nunca me faltou com nada, sempre me deu tudo aquilo que eu queria.

Para um jogador que jogou em equipas como o Benfica, que jogou lá fora, quando volta para uma II liga o choque é muito grande?
Não. Eu tinha clubes interessados da I Liga e fui para uma II.

Porquê?
Não me prendo a que sejam clubes da I ou da II Liga, porque já estive na I Liga. E também nunca fui muito pelo dinheiro. Claro que isto é a nossa vida e é bom ganhar dinheiro, mas chega uma fase da carreira em que já tive tanta experiência de vida antes que, porque é que vou para a I Liga? Vou ver o que é a II Liga. E se tenho pessoas que acreditam e confiam em mim e que dizem: “Jorge vens para aqui, nós gostamos de ti, nós acarinhamos-te”. Eu prefiro assim.

É também uma altura em que começa a perceber que já não tem 20 anos...
...Exactamente

Começa a ter noção de que se calhar brilha mais n II Liga do que na I?
Em relação ao brilhar, quem tem qualidade, tanto brilha na I como na II. Costumo dizer que a II Liga é mais competitiva do que a I porque tem mais jogos, tem 40, 45 jogos, as equipas são mais bola no ar, mais possantes, os campos são diferentes, são mais pesados. Enquanto na I Liga é tudo mais bonitinho, há mais espaço para jogar, melhores condições. Na altura fui para o Aves e gostei. Estivemos a um passo de subir à I Liga. Estive dois anos no Aves, entretanto já estava farto de estar no norte e decidi ir para Lisboa, para o Atlético. Entretanto separo-me da minha ex-mulher.

Como é que surge o Farense?
Através do presidente João Rodrigues. Ele diz que não liga às idades, desde que o jogador corresponda dentro do campo. O que é certo é que os anos em que faço mais jogos são os anos em que tenho mais idade. Ele disse-me: “Conto contigo, quero que venhas para aqui. Isto é um clube histórico, vou levantar este clube”. O que é certo é que está a correr bem. Foi isso que me cativou, um presidente dizer: “Vens para aqui, eu estou contigo e confio em ti”. E, pronto, aconteceu. Vim para aqui, para a II B e estamos na II Liga, subimos.
Está com 37 anos. Faz alguma coisa de diferente para se manter em forma? Mudou alguma coisa nos seus hábitos?
Cuido-me bem. Faço uma boa alimentação, descanso. Um jogador com 37 anos tem de descansar, hidrato-me bem, tomo as minhas vitaminas e as minhas proteínas, tudo certinho às horas, para poder estar bem no jogo. E graças a Deus também nunca tive uma lesão muito grave. Porque as lesões com esta idade demoram mais a cicatrizar e a recuperação custa muito.

Está a gostar de viver no Algarve?
Estou. Entretanto casei-me outra vez. Com a Geni, que nasceu na Venezuela, é filha de pai português e mãe venezuelana. E já temos um filho, o Afonso que tem sete meses.

O que faz a Geni?
É consultora de beleza.

Já lhe passou pela cabeça a ideia de que qualquer dia tem de pendurar as botas?
Eu sei que não vou ser eterno mas ainda não me passou pela cabeça.

Sabe o que quer fazer depois?
Sim. Algo ligado ao futebol.

Treinador?
Não, director desportivo. Treinador não. Lidar com muitas cabeças não é para mim. Sou capitão do Farense este ano e as cabeças funcionam de maneiras diferentes. Dou muito valor aos treinadores porque não é fácil gerir um plantel com 30 jogadores. Um pensa de uma maneira, o outro de outra. E depois há sempre aquelas chatices e aqueles amuos. Para se ser treinador tem que se ser líder e ser um bom líder porque não é fácil.

Já fez ou tenciona fazer alguma formação na área da gestão desportiva?
Sim, vou começar a fazer porque vão surgir uns cursos. O sindicato também ajuda e vou-me informar e vou andar para a frente com isso.

Como surge a sua simpatia pelo Sporting? Afinal, começou por ser benfiquista.
Porque fui ver um jogo com o meu pai. O meu pai era muito fanático pelo Sporting e fui ver um jogo com ele, era miúdo. Não sei, foi um sentimento quando entrei naquele estádio antigo do Sporting. O meu pai levou aquelas almofadinhas, sento-me e vejo o jogo todo. Nunca tinha estado num estádio assim. E depois é um clube simpático, que não tem muita pressão, é um clube que não está habituado a ganhar muitas vezes, é um clube feliz (risos).

Onde é que ganhou mais dinheiro?
Na Rússia.

Onde é que foi investindo o seu dinheiro ao longo dos anos?
Em casas.

Nunca se meteu em nenhum negócio?
Não. Eu para me meter num negócio tenho de estar presente. Quando acabar o futebol, já estou a planear com a minha mulher, um negócio. Mas não vou dizer o quê.

Gostava de jogar até quando, tem alguma meta?
Gostava de jogar até aos 40 anos, de acabar com essa idade. Sinto-me bem, tenho feito os minutos todos, tenho estado muito bem e sou o primeiro a dizer, quando não der, quando eu sentir no meu corpo que já não consigo, sou o primeiro a dizer, já não quero mais e penduro as botas. Porque um dia vai ter que acabar.

Não tem receio de sentir saudades do cheiro do balneário, da relva...
Isso vou sentir sempre. Por isso é que passo aos jovens a mensagem de que o futebol são 10 anos para ganhar dinheiro. Há uns que se mantêm lá porque têm outro perfil, outros não. Mas enquanto andam nisto é aproveitar ao máximo. Somos remunerados, treinamos uma hora e meia, duas horas por dia e fazemos aquilo de que gostamos. Há trabalhadores que andam nas obras, têm que se levantar às cinco da manhã e dar no duro para dar de comer à família. Nós somos uns sortudos. Por isso é que há muita inveja.

Qual foi a maior extravagância que fez?
Não foi em carros. Nunca fui de carros, agora tenho um Kia. Mas comprei um relógio que me custou 5000 euros.

Tem algum hóbi? Joga Playstation?
Gosto de ver filmes, gosto de ler. A televisão é uma perda de tempo para mim.

O que é que lê?
Várias coisas. Sou muito romântico, tenho os livros todos do Nicholas Sparks. Gosto de conversar, aprendi isso com os meus pais. Estamos à mesa e eu estou a olhar para uma televisão, com a família? Não. Desligo a televisão e falo. Porque são esses momentos que temos para conversar.

Há algum outro desporto que pratique ou que siga com atenção?
Gosto muito de ténis. Jogo com a minha mulher que também joga bem.

Tem algum tenista favorito?
O Federer.

Não sente falta da confusão de Lisboa?
Não, a melhor coisa que me aconteceu foi vir para Faro.

Qual é a sua maior frustração no futebol?
Nenhuma, não tenho.

Conquistou algum título?
Conquistei o campeonato com o Jorge Jesus, ele pôs-me a jogar a 10 minutos do final.

Mas não sabe à mesma coisa pois não?
Claro que não. Fui campeão da II Liga pelo Santa Clara, subimos à I. Ganhei com o Quique Flores a Taça da Liga, duas vezes.

Qual foi o título que lhe deu mais gozo?
O Torneio de Toulon, de sub-20. Já não éramos campeões há 10 ou 12 anos. Senti uma sensação muito boa.

Quando fez a primeira tatuagem e quantas tem?
A primeira foi quando nasceu a Maria Inês, é uma coroa. Depois fiz o diamante que é o Francisco, depois tenho um relógio com a hora a que eles nasceram os dois. Tenho o meu nome. Tenho as alianças deste último casamento e a data. E tenho o meu outro filho que é o arcanjo Miguel, o anjo poderoso, e a data de nascimento Afonso. Tenho o nome da minha atual mulher, com umas orquídeas que ela gosta muito. Estão todas no meu braço direito. E tenho um escorpião, que é o meu signo, num gémeo da perna."

O futuro assegurado

"A convocatória feita por Bruno Lage para o jogo de hoje com o Boavista inclui 6 jogadores formados no Seixal. A cada semana que passa, a cada jornada que se disputa, a cada temporada que se cumpre, aí está a confirmação de que o Benfica e os benfiquistas têm cada vez mais motivos para se orgulharem da capacidade que o clube passou a ter para produzir talento dentro da sua própria casa.
Os 6 jogadores da formação que foram ontem chamados (Rúben Dias, Alfa Semedo, João Félix, Gedson, Zlobin e Florentino) representam 30% do total da convocatória. Alguns deles já são internacionais A. Outros acabarão por ser. O futuro do Benfica está assegurado por uma geração que se começa a impor, mas também pela qualidade indiscutível das que virão a seguir.
O talento que emerge no Seixal vem acrescentar valor a um grupo cujo mérito já não se discutia – e que tem ainda a particularidade de ser um dos plantéis mais jovens do futebol português. A média etária dos 20 convocados para hoje está nos 24,35!
Treze (!) destes jogadores têm 25 ou menos anos e há apenas um caso acima dos 30 (o capitão Jardel). Não é apenas em Portugal que o exemplo do Benfica se distingue. Até nos principais campeonatos europeus é difícil encontrar hoje uma equipa com raízes tão internas e que, ao mesmo tempo, permita projectar um futuro tão risonho."

Será possível termos um futebol mais positivo? Tudo, tudo, tudo o que (...) gostaria de ver no futebol português está aqui

"Olhar para o futebol português é, nos dias de hoje, um exercício de pura bipolaridade. Pelo menos para mim, confesso.
Tanto me puxa o orgulho tremendo do muito que tem de único e brilhante, como a agonia lenta do tanto que tem de feio e dispensável.
Nos dias de hoje, não é fácil pedir ao adepto que olhe apenas para o lado mais belo e radioso do jogo, quando ele é inundado por notícias que o transportam para o seu lado mais feio e cinzento.
Entre o deve e o haver, já ninguém sabe bem se há de rir ou chorar. Se há de acreditar ou perder a fé. 
As coisas são como são, mas... será que poderiam ser diferentes?
Será possível termos um futebol mais positivo, com mais coisas boas do que más ou isso é mera utopia? Será que conseguiremos criar um espectáculo que nos dê mais alegrias do que tristezas ou isso é mito urbano? Será que as boas notícias e os bons exemplos serão mais frequentes do que títulos polémicos ou isso é algo inatingível?
Como se chega a esse ponto? O que falta fazer? O que falta mudar? Depende de quê? E de quem? Por onde começamos?
Penso nisto com frequência. E quanto mais penso, mais embruteço.
Gostava que o futebol, em Portugal, mantivesse (e crescesse) em tudo aquilo que tem de melhor. Em tudo o que de excelente já conquistou. Em tudo o que ainda ambicionar concretizar.
E gostava também que fosse substancialmente diferente naquilo que tem de menos apelativo e bonito. Naquilo que tem de mais criticável e censurável.
Queria, por exemplo, que os jogos tivessem mais qualidade e que fossem disputados a ritmo elevado, com intensidade e emoção até ao apito final.
Queria partidas mais equilibradas, com mais talento "Made in Portugal" e com mais tempo útil de jogo. Queria que isso atraísse mais gente aos estádios e mais patrocinadores para as competições. 
Queria que todas as equipas tivessem lideranças fortes, movidas pela busca permanente do sucesso. Do seu sucesso. Queria que orientassem a sua prioridade para o que depende de si e não para fora, para o que depende dos outros.
Queria que imperasse a ética, o respeito e o desportivismo. Que houvesse tranquilidade, educação e personalidade. Que houvesse verdade. E que isso abrangesse jogadores e árbitros, treinadores e dirigentes, jornalistas e comentadores.
Queria que os discursos bélicos, irónicos e acusatórios dessem lugar a outros, de maior elevação e dignidade. Que dessem lugar a diálogos frontais, discussões honestas, conversas civilizadas.
Queria que as boas práticas fossem contagiantes e que as menos abonatórias deixassem de proliferar. 
Queria que parassem os ataques ferozes, os ataques covardes e os ataques sem sentido. Queria que, em torno do jogo, tudo fosse absolutamente transparente e cristalino. Que tudo fosse claro e insuspeito.
Queria que árbitros, jogadores, treinadores e dirigentes soubessem assumir os seus erros relevantes e reconhecer as suas falhas evitáveis. Queria que o fizessem com responsabilidade, nos momentos adequados, de forma adequada. E queria que fossem aí coerentes e corajosos, determinados e humildes.
Queria que toda a imprensa fosse livre. Verdadeiramente livre. Que equilibrasse, com critério, o dever de informar com a obrigação de sobreviver. Que servisse o interesse público e não o interesse de determinado público. E que se consciencializasse da importância do seu papel na formação de opinião.
Queria que o carácter das pessoas, de todas as pessoas, não dependesse apenas de vitórias ou derrotas, mas da sua estrutura moral. Da sua verticalidade. Da sua integridade.
Queria que o "produto futebol" fosse cada vez mais vendido pela positiva. Que os aspectos bons fossem mais focados do que os maus e que as suas virtudes fossem mais valorizadas do que os seus defeitos.
Queria que não houvesse violência dentro e fora dos estádios.
Queria que os adeptos soubessem usufruir e participar no jogo, sem esquecer que têm o dever de o tornar num espectáculo onde impere a cidadania, a segurança e o respeito à diferença. Sem atitudes racistas, sem xenofobia, sem intolerância.
Queria que houvesse mais controlo emocional em momentos de maior tensão. Que quem é mais relevante percebesse que o seu discurso tem o poder de serenar ou incendiar os ânimos.
Queria que houvesse mais prevenção e maior punição.
Queria que houvesse respeito institucional.
Queria que todos mandassem por igual.
Que não existissem lobbies, influências ou manobras menos éticas. Que não existissem cargos a troco de votos ou favores. Que o poder não fosse do mais forte porque todos deveriam ter a mesma força. 
Queria que o vencedor de cada partida fosse aquele que mais a mereceu vencer. Que mais procurou a sua sorte. Que mais trabalhou para chegar à vitória.
Queria que o futebol privilegiasse a meritocracia. Que só os melhores, os mais capazes e qualificados estivessem no topo da pirâmide. A arbitrar e jogar, a treinar e dirigir. A informar e a comentar.
Queria que todos percebessemos que somos co-responsáveis pelo sucesso ou fracasso deste espectáculo. Que ele será sempre aquilo que nós quisermos que seja. E que quanto mais o valorizarmos e defendermos, mais ele crescerá. Mais ele será melhor e evoluído. Mais força terá.
Isso será sempre bom para a indústria, óptimo para a sociedade e excelente para o país. Perfeito para todos nós.
Algo assim, ambicioso mas concretizável, tem que ser um objectivo a atingir, não uma utopia fora de alcance.
Onde os conformados e desistentes vêem lirismo, os resilientes têm que ver um desafio a superar. Ainda que difícil, ainda que "impossível".
Não se rendam. As mudanças acontecem quando todos quisermos que aconteçam.
A História está cheia de bons exemplos."

Árbitros vs. Vídeo-Árbitro: duas faces... de moedas diferentes

"Na passada semana o grande protagonista da Allianz CUP foi o VAR. Nesta competição verificaram-se os 4 erros possíveis de intervenção: i) chamar o VAR quando não era necessário (Seferovic); ii) não chamar o VAR quando era necessário (Oliver v Gabriel), iii) após consulta do VAR, marcar indevidamente falta (Acuña v Diego Sousa); iv) após consulta do VAR, não marcar falta quando se deveria marcar (Coates).
Mas olhemos para o VAR com mais atenção. Após as primeiras 11 jornadas da Liga foram 27% do total de intervenções do VAR terminaram em avaliações erradas. Falta saber se estas situações resultaram de alteração da avaliação face à intervenção do VAR ou qual o resultado destas avaliações erradas no resultado final do jogo, pois no final será isso que interessa… Para além dos resultados até ao momento, interessa olhar o futuro.
Como poderá ser melhorada a actuação do VAR de modo a diminuir as avaliações erradas? 
Investigação científica demonstra que o modo como o árbitro percepciona e avalia a mesma situação em campo ou em vídeo é completamente diferente. Enquanto em campo a expertise do árbitro passa por movimentar-se de forma a recolher a melhor informação para decidir, a expertise do vídeo-arbitro passa apenas pelo foco do olhar na informação relevante para a decisão segundo diferentes perspectivas. Num estudo científico que procurou avaliar a tomada de decisão no desporto, verificou-se que o tempo de resposta e a exactidão da resposta variam em função do modo como o estimulo é captado (campo ou em vídeo) e em função do objectivo da acção a realizar (julgar uma decisão em campo num dado instante ou julgar uma decisão em vídeo e verbalizar se esta é correta ou errada). Estes dados significam que a acção do árbitro ou do VAR são diferenciadas e consequentemente que o seu treino deve ser diferenciado, de modo a que a capacidade de intervenção no cumprimento das suas funções seja maximizada. Neste momento, imagina-se a dúvida do dia-a-dia de um árbitro… como deverei treinar? Tenho condições para treinar VAR? Como deverei olhar para o jogo de modo a preparar-me para o jogo do próximo fim-de-semana… como árbitro, como VAR?
Do mesmo modo, investigação científica com árbitros de futebol já demonstrou que o número de monitores e a disposição desses mesmos monitores, bem como o ângulo de visão utilizado e a sua velocidade afectam a percepção e avaliação do árbitro. De forma interessante, jornalistas desportivos com vasta experiência na análise do jogo de futebol, na experimentação do VAR, erraram na avaliação e enganaram o árbitro. Não é que lhes seja estranho o visionamento de vídeos sobre futebol ou o escrutínio de avaliações de árbitros no decorrer do jogo, mas porque olhar um televisor com diferentes imagens e em diferentes planos, com diferentes velocidades de visionamento e ter que realizar uma avaliação num curto espaço de tempo encerram exigências próprias que obrigam à especialização nessa mesma função.
Face ao exposto, questionamos o porquê de os árbitros auxiliares e os árbitros possuírem carreiras distintas dentro da própria equipa de arbitragem, enquanto no VAR existe uma constante alternância de funções entre o desempenho de árbitro e VAR e entre equipas de arbitragem? A especialização de funções e a melhoria dos processos de comunicação são fundamentais para potenciar a actuação em momentos críticos de actuação! Cada um com as suas funções para como preconizado tenhamos um VAR com “mínima interferência para máximo beneficio”."

Desporto a prioridade adiada e outros equívocos: orçamento de estado 2019

"Após aprovação da proposta do orçamento para 2019, justifica-se a análise sobre o que o Estado (de sempre) e o Governo (de agora) consideram como determinante no Desporto.
Centraremos a nossa atenção na "despesa pública" que traduz a aplicação da receita recebida pelo Estado (dinheiro dos contribuintes, através de impostos ou de outras receitas) em bens ou serviços susceptíveis de satisfazer as necessidades públicas dos habitantes. Pela Europa fora, cada Estado aplica determinada percentagem do seu dinheiro, conforme entende ser melhor, para manter os serviços públicos a funcionar. Esta despesa, em termos médios em Portugal, ronda os 51.7%, sendo superior à média Europeia (48.2%).
A área sectorial da Juventude e Desporto, integrada no Programa Orçamental, Educação Pré-Escolar, Ensino Básico e Secundário, possui um orçamento que corresponde a 0.08% da despesa total (96,885 mil milhões de euros) com 85,254.856 milhões de euros orçamentados e a actividade Desportiva (cuja intervenção pública aparece, mais uma vez depreciada com outras áreas de actividade no Instituto Português do Desporto e Juventude) possui um orçamento de 40,458 ME (0.04% da despesa da pública total).
Grosso modo, as grandes fontes de financiamento destes 85,254ME, são três: i) transferências do estado que em 2019 ascendem a 17,65ME; ii) receitas próprias, fundamentalmente dos jogos sociais que rendem ao IPDJ cerca de 9.85% do valor global apurado (DL n.º 56/2006, de 15 de Março, alterado pelos DL n.º 44/2011, de 24 de Março e DL n.º 106/2011, de 21 de Outubro) e 20.66% das verbas provenientes do imposto especial sobre o Jogo Online, que reverte para a Secretaria de Estado de Juventude e Desporto (Decreto-Lei n.º 66/2015, de 29 de abril, alterado pelas Leis n.ºs 13/2017, de 2 maio, e 101/2017, de 28 de Agosto), bingo e outras receitas do IPDJ com 65ME; iii) e fundos comunitários com 2.54 ME.
Estes valores absolutos (ME) e relativos (%) são um destrate da importância nacional quando comparada com a realidade europeia deste sector de actividade, que representa 1.76% do valor acrescentado bruto, com uma quota parte nas economias nacionais comparável à dos sectores da agricultura, da silvicultura e das pescas combinados e com taxas de emprego relacionado com o desporto de 2.12% do emprego total na UE.
Em Portugal, o Instituto Nacional de Estatística divulgou os resultados da CSD para o triénio 2010-2012, com três grandes conclusões: (1) o desporto representou em média 1.2 % do Valor acrescentado bruto; (2) representou 1.4% dos Equivalente a tempo completo da economia portuguesa, com dimensão económica semelhante ao ramo da metalomecânica, informática, vestuário, arquitectura e engenharias e técnicas afins.
Primeira constatação: apesar dos serviços recreativos, desportivos e comunitários não pesarem muito nas despesas dos estados da UE, valendo em média apenas 1% da despesa pública, em Portugal este sector de actividade representa apenas 0.08% e o desporto 0.04% o que traduz a pouca importância social que os políticos, de uma forma geral, e este Governo especificamente atribuem quer ao desporto quer, porque não dizer, à juventude.
Quando especificamos a origem destes montantes e analisamos a diferença entre os valores reportados pelas diferentes instituições para a elaboração do orçamento e os propostos pelo Governo em sede de orçamento, verificamos que o estado retira das receitas próprias geradas pelo Desporto, que lhe cabem, cerca de 6,888.901 ME, que são desviadas para outras prioridades e serviços públicos (educação; protecção social; cultura; saúde; habitação e desenvolvimento; protecção e ambiente; assuntos económicos; etc.).
O valor acumulado destes desvios só nos últimos três anos ascende a cerca de 17,5ME (4,2 ME em 2017, 6,5ME em 2018 e 6,8ME em 2019).
Segunda constatação: existe dinheiro do Desporto que está a ser desviado, inexplicavelmente para outras prioridades sociais, o que traduz objectivamente uma desvalorização desta área de actividade e uma falta inequívoca de peso politico dos responsáveis pela tutela do desporto em Portugal.
Terceira constatação: decorre das duas primeiras, contextual e relativa ao panorama actual do financiamento no desporto em Portugal. O sufoco financeiro que organizações desportivas (OD"s) vivem actualmente, algumas a crédito, e que recai sobre contratos estabelecidos e outros assumidos sem contratualização (desporto para todos, enquadramento técnico, eventos, actividade regular, etc.) e sem cabimentação financeira da tutela, traduz uma subvalorização de todas as OD"s com utilidade pública desportiva (UPD) que assumem, devidamente, competências delegadas do estado nesta área. 
Quando reportamos a despesa pública no desporto nas diferentes rubricas de classificação económica, verificamos que dos 40,458 ME para o Desporto:
Aproximadamente 35ME são relativos aos contratos programa de apoio às OD"s com UPD (desenvolvimento prática desportiva, organização e gestão, selecções nacionais e alto rendimento desportivo); plano nacional de desporto para todos; organização e realização de eventos desportivos internacionais em Portugal e deslocações das OD"s às regiões autónomas da madeira e Açores para 2018/2019;
Aproximadamente 1.25 ME para financiar entidades que representam e/ou coordenam o desporto federado (Comité Olímpico de Portugal (COP) Comité Paralímpico de Portugal (CPP); Confederação do Desporto de Portugal (CDP); Confederação Portuguesa da Associação de Treinadores (CPAT); Confederação das Associações de árbitros e Juízes de Portugal) (CAJAP) e 604.000 euros para financiar a Fundação do Desporto;
Aproximadamente 775.000 euros para prémios por medalhas obtidas em competições internacionais e medidas de apoio pós-carreira e 2.715 ME para os projectos de preparação olímpica e paralímpicas e;
Aproximadamente 130.000 euros para apoio à cidade europeia do desporto.
Quarta constatação: a distribuição das verbas para o desporto, entre o valor disponível já de si reduzido pelas cativações estatais, traduz uma necessidade urgente de se redefinir, quer os programas de actividade que dão suporte às prioridades definidas quer, ainda, as organizações que são alvo de financiamento para funções e competências as quais o estado e outras organizações existentes podem assumir, numa óptica de reorganização, indispensável, do sistema desportivo (federações desportivas com UPD; COP; CPP; FD; CDP; CNAPT; CAJAP, etc.).
Três considerações adicionais e uma nota final.
Importa relevar, como aliás foi feito nesta proposta de orçamento, as questões associadas com o combate aos fenómenos de violência, com a criação da Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto, assim como a criação, operacionalização e manutenção da plataforma nacional destinada ao tratamento da manipulação de competições desportivas. Esperemos que este facto não pressuponha a diminuição das verbas disponíveis para a actividade regular de funções para as quais o próprio IPDJ tem competências delegadas.
Os problemas do desporto, como sistema, não se circunscrevem à aposta na valorização da Educação Física em todos os ciclos de ensino e do Desporto na Escola, porquanto há muito que se sabe que o real entrave é o próprio sistema que impede, salvo raras e honrosas excepções, a complementaridade entre o sistema desportivo e o sistema educativo (exemplo do seguro desportivo vs. seguro escolar e quadros competitivos mistos);
A melhoria do apoio ao Desporto de Alto Rendimento não passa pela aprovação de projectos olímpicos e paralímpicos a 18 meses dos eventos (Janeiro de 2018) nem tão pouco pela equiparação dos Projectos (Olímpico e Paralímpico) sem a necessária reflexão sobre as condições de acesso e participação a cada um destes subsistemas. Prioritário é dotar os clubes, atletas, treinadores e dirigentes das condições necessárias e medidas de apoio concretas, que resolvam aspectos tão elementares como as condições para treinar, controlar e avaliar o estado de preparação desportiva. 

Nota Final: de facto, o Desporto não é uma prioridade para Portugal e esta proposta de orçamento de Estado para 2019 confirma-o, entregando este sector à iniciativa privada e associativa, o que muitas vezes acaba por impor quadros de carência na qualidade da discussão e no potencial máximo a atingir. O Estado continua a tratar o Desporto como uma menos-valia, ignorando a sua múltipla dimensionalidade e, mais importante ainda, ignorando o Desporto enquanto prática, enquanto indústria e enquanto sector gerador de potenciais talentos com repercussões sociais inquestionáveis. Até quando?"