"Ricardo Esteves terminou a carreira de futebolista há seis anos depois de ter passado pelo Benfica, Braga, Nacional, Marítimo, entre outros, em Portugal; e de ter experimentado o futebol italiano, grego, sul coreano e chinês. Casou com uma das filhas de Nelo Vingada, de quem teve dois filhos e há um ano voltou a ser pai, numa outra relação conjugal. Uma lesão no tornozelo em 2012 ajudou-o a pendurar as botas, mas dois anos depois estava descobrir nova paixão, o footgolf, ao qual está dedicado de corpo e alma, tendo inclusivamente assumido a presidência da associação nacional da modalidade que ainda dá os primeiros passos em Portugal
É alfacinha, mas as suas origens vêm do norte, certo?
Sim, nasci em Lisboa, São Sebastião da Pedreira, mas a minha mãe, Maria José, e o meu pai, Ernesto Esteves, são de Lamego e vieram os dois muito novos para Lisboa. A minha mãe é cabeleireira, o meu pai foi carpinteiro, agora trabalha em remodelação de interiores.
Tem irmãos?
Não, sou filho único. Sempre pedi aos meus pais para me darem um irmão ou uma irmã, mas não tive essa sorte.
Cresceu em que zona de Lisboa?
Na Quinta do Lambert, perto do estádio do Sporting. Quando comecei a jogar, para os meus pais era mais fácil levaram-me ao estádio do Sporting para treinar.
Mas quando é que começou a jogar?
Desde muito pequenino que gostava de bola e dizia que queria ser jogador de futebol. Como vivia perto do estádio do Sporting, aos seis anos, a minha mãe levou-me lá para fazer a inscrição e começar a treinar.
Torcia pelo Sporting?
Não, já era benfiquista (risos), mas o gosto pelo futebol era tanto que não me interessava qual era o clube onde ia começar. Só que o Sporting não aceitava miúdos de seis anos, só a partir dos sete. Destino ou não, a minha mãe, como tem o cabeleireiro em Benfica, depois de ter ido comigo ao Sporting levou-me ao Benfica e apesar de lá dizerem que também era só a partir dos sete anos, o mister Nené, o director da formação na altura, disse à minha mãe “Deixe aí o rapaz que a gente depois diz qualquer coisa”. E foram 15 anos ligados ao Benfica. Destino ou não, fui parar onde eu queria.
Quem eram os seus ídolos?
Para além do Eusébio, eram o Rui Águas, o Vítor Paneira, o Veloso, na altura grandes símbolos do Benfica. Já mais velho, um dos meus maiores ídolos era o Rui Costa. Tentava fazer as mesmas coisas que o Rui Costa fazia.
Chegou a jogar com ele?
Cheguei a jogar contra ele em Itália, quando eu estava no Reggina. Mas sempre foi o meu ídolo, ainda hoje apesar de não jogar, continua a ser uma pessoa que admiro muito.
Das camadas jovens do Benfica, houve algum treinador que o tenha marcado mais?
Todos eles me marcaram muito e ainda hoje falo com muitos deles. Não sei como é agora, mas naquela altura eram como os nossos pais. Não nos ensinavam só a jogar à bola, mas também tudo aquilo que devíamos ser como homens, o respeito, a humildade, a educação. Um dos padrinhos de baptismo dos meus filhos é um desses treinadores que tive.
Quem?
O mister Paisana. Foi dos meus primeiros treinadores no Benfica. E isso simboliza muito aquilo que eram os treinadores para nós e a ligação que ficou para a vida.
E amizades que ficaram também com jogadores?
Muitas. Uma dela é o Hugo Leal que também foi um excelente jogador e até hoje somos como irmãos. Mas muitos mais. E muitos deles que eu já não via há 20 anos estão agora a jogar footgolf comigo, o que acaba por ser engraçado, depois de tantos anos voltarmos a encontrar-nos no footgolf.
A determinada altura foi para o Oriental. Como é que lá foi parar e que idade é que tinha?
Estava no segundo ano de júnior no Benfica e na altura os que estavam para passar a sénior, para ganharem maturidade, o clube fazia o empréstimo de alguns para poderem crescer mais rápido noutros clubes e para ganharem outra maturidade. E foi nessa altura que saí para o Oriental, mas ligado ao Benfica.
Notou muita diferença?
Muita. O empréstimo tem sempre um porquê de acontecer. O Benfica, sendo um dos grandes clubes portugueses e europeu, oferecia condições muito boas e no Oriental a realidade mudou completamente. Os equipamentos, poucos eram os lavados, muitos estavam rotos ou rasgados... Era uma realidade completamente diferente da que eu tinha.
Foi um choque?
Foi um choque, mas fez-me crescer. Até mesmo o lidar com homens, não estava habituado a lidar, lidava com colegas da mesma idade.
Houve algum episódio que o tenha marcado?
A diferença que mais notei foi essa, o de ter de lidar com homens, as brincadeiras, mesmo o treino era muito mais duro.
Que idade tinha na altura?
Devia ter uns 18 anos.
Na escola era bom aluno?
Fui bom aluno até aos 16 anos. Depois como comecei a ser convocado para a selecção – tínhamos vários estágios e torneios – e comecei a faltar muito à escola. Ao faltar perdia muita matéria. Os meus pais sempre me incentivaram a nunca deixar a escola, mas chegou uma altura em que não dava para conciliar.
Acabou por deixar em que ano e com que idade?
Deixei com 18 anos, fiz o 11.º ano mas não acabei o 12.º. Estava em Arte e Design mas não consegui acabar.
Disse que, desde pequeno, queria ser jogador de futebol, mas se não fosse jogador de futebol, tem ideia do que é que poderia ter sido?
Muito sinceramente, não. Sempre tive jeito para desenhar e um dos meus hóbis era fazer quadros e desenhar, mas nunca me vi a fazer outra coisa que não ser jogador de futebol. Foi sempre esse o meu foco.
Quando é chamado a primeira vez à selecção?
Foi à dos sub-16. Tivemos o campeonato da Europa de sub 16, em que fomos campeões, na Áustria. Depois estive sempre ligado à selecção, sub-16, sub-20, sub-21.
Quais são as primeiras recordações que tem da selecção?
Tenho boas recordações das amizades que fiz com os colegas das outras equipas. Era engraçado jogarmos contra colegas de outras equipas, do FCP, do Sporting e depois encontrarmo-nos todos na selecção e falarmos dos jogos que tínhamos feito uns contra os outros. Na altura fazíamos sempre um jogo-treino entre norte e sul e também era engraçado porque era sempre uma “guerra” para ver quem é que ganhava.
Alguma amizade especial desse tempo de selecções?
O Simão e o Miguel, que estavam no Sporting, o Cândido Costa, que estava no FCP. Ainda hoje falamos.
Entretanto jogou no Benfica B, mas foi emprestado ao V. Setúbal, porquê?
Foi outro empréstimo que o Benfica fez também para eu crescer. Estava num jogo-treino, em Alverca, pela selecção e o mister Rui Águias, que era o treinador do V. Setúbal, depois desse jogo contactou-me e disse que gostava que eu fosse para lá. O Vitória estava na I divisão, eu ainda não me tinha estreado.
Então a sua estreia na I divisão foi pelo V. Setúbal.
Foi, com 19 anos.
Foi viver para Setúbal sozinho?
Sim, foi a primeira vez que fui viver sozinho.
Como é que foi a experiência?
Foi uma aventura. (risos)
O que é que foi mais complicado?
As refeições. Estava habituado à comida da minha mãe a ter tudo em casa quando queria. Também foi um crescimento, viver sozinho. Ter que aprender a fazer comida, não interessa o quê, mas a fazer algo para comer.
Ligava à sua mãe a perguntar como fazer?
Às vezes ligava, mas o bife com o ovo estrelado é sempre fácil de fazer (risos). Posso dizer que nos quatro meses foi o que andei a comer (risos). Mas tive grandes colegas que me ajudaram bastante, um deles o Brassard, guarda-redes, com quem me dava muito bem. Estava muitas vezes com ele e ele ajudou-me muito na passagem pelo V. Setúbal.
Quando é que começam as saídas à noite?
Foi nessa altura. Já começamos a ter outra idade, estamos a viver sozinhos e as saídas nocturnas fazem parte da vida de qualquer jovem.
Teve algum problema com essas saídas ou foi apanhado em alguma situação?
Não, nessa altura não. Se calhar no Benfica, por sermos muito mais conhecidos, mesmo saindo nas alturas em que podíamos sair, porque temos um regulamento interno que temos que respeitar, era sempre visto de outra maneira pelos adeptos e pelos sócios.
Nem sofreu um castigo por causa de alguma saída à noite?
Não.
Como correu a época em Setúbal?
Corre muito bem. Tinha 19 anos e fui sempre titular, obviamente foi uma grande satisfação para mim. Ser um jovem, estar numa equipa da I divisão e ser titular, era um sonho.
Pensava que ia voltar para o plantel principal do Benfica?
Sim, pensava.
Quando vai parar ao Alverca foi uma grande desilusão?
Não digo que tenha sido uma desilusão, mas pensei que era mais uma fase de crescimento e que podia ser bom para mim. Para um jovem obviamente o que é bom é jogar. Estar na equipa principal do Benfica é óptimo, mas se não jogar deixa de ser bom. E fui para o Alverca com um treinador que me conhecia muito bem das selecções, o Jesualdo Ferreira. Tinha sido meu treinador na selecção de sub-20, no Campeonato do Mundo e no torneio de Toulon e ele também fez força para eu ir para o Alverca.
Gostava do Jesualdo Ferreira, da forma de ele treinar?
Sim. Gostava e gosto muito dele. Foi um dos treinadores que me ajudou bastante a ser o jogador que fui.
Voltou a viver em casa dos seus pais?
Voltei e ia treinar a Alverca.
Quando é que se estreia pela equipa principal do Benfica?
Estive no Alverca quatro meses, depois, em dezembro, o Benfica pediu para eu regressar. O mister Jesualdo Ferreira, lembro-me bastante bem, não queria que eu regressasse ao Benfica, gostava que eu terminasse o contrato de empréstimo no Alverca, só que o Benfica na altura não estava bem...
Quem era o treinador?
Era o Mourinho, mas quando eu digo que não estava bem, era a nível de direcção. Tinha havido aqueles problemas todos com o Vale e Azevedo, era um Benfica que em termos de estrutura não estava muito consolidado. Ao ver que o Benfica me queria e uma vez que tinha estado ligado 15 anos ao Benfica, achei que era altura de regressar. Se me perguntasse agora se fazia a mesma coisa? Se calhar fazia... Porque independentemente do Benfica estar mal naquela altura, aquilo que pensei foi: se eu não agarrar esta oportunidade agora, o Benfica contrata outro jogador e nunca mais me chama.
Ainda treinou com o Mourinho?
Estive com o Mourinho no último dia de Mourinho no Benfica. O meu primeiro treino, foi o último dele lá.
Foi muito diferente do que tinha feito até ali?
Sim, sobretudo no balneário. Quando entrei no balneário vi uma equipa totalmente ligada ao treinador, e nem sempre é assim. Quem joga está sempre com o treinador, quem não joga às vezes está com azia. E vi um balneário totalmente unido, muito ligado ao treinador. Percebi logo que era o treinador, mesmo que um jogador fosse jovem e não tivesse nome, mas que treinasse mais e melhor que outro mais velho, o Mourinho dava oportunidade a esse jovem pelo que tinha demonstrado no treino. E isso fazia com que todo o plantel desse o máximo nos treinos, porque sabiam que se dessem o máximo qualquer um tinha oportunidade.
O seu primeiro jogo na equipa principal é contra quem?
O Paços de Ferreira, já com o Toni como treinador.
O que achou de Toni?
É um treinador com história no Benfica, com quem também gostei de treinar, mas na altura o Benfica não estava a atravessar uma boa fase. Independentemente disso foi o treinador que me lançou no Benfica.
Depois veio o Jesualdo que já conhecia.
Sim. O Jesualdo ficou como treinador adjunto do Toni e na segunda época o Toni sai e fica o Jesualdo a tomar conta da equipa. Quando começo no Benfica, na equipa principal, estou um ano e meio ligado ao Benfica. Só depois é que rescindo para ir para Braga.
Porquê? O que aconteceu?
Houve alguns problemas com o meu empresário, o Paulo Barbosa, julgo que por causa de negócios com o antigo presidente do Benfica, Vale e Azevedo, e recordo-me que houve algum atrito entre o Paulo Barbosa e o Luís Filipe Vieira. Foi nessa altura que se deu a rescisão. Ainda tinha mais dois anos com o Benfica.
O Luís Filipe Vieira já tinha tomado conta do Benfica.
Sim. Quando vou do Alverca para a equipa principal do Benfica era o Vilarinho o presidente, mas depois saiu e entrou o Luís Filipe Vieira. Em ano e meio tive três treinadores e dois presidentes.
Quando ganha o seu primeiro ordenado?
Aos 16 anos. Eram 400 contos (2000€).
Era muito dinheiro para um miúdo de 16 anos.
Era (risos).
Lembra-se se comprou alguma coisa que há muito quisesse?
Não me recordo, mas eu gostava muito de roupa por isso de certeza absoluta que comprei roupa.
Não se sentiu um bocado deslumbrado com esse dinheiro e a jogar no Benfica?
Não, porque os meus pais sempre me puseram os pés bem assentes na terra na terra e apesar de sentir que podia comprar aquilo que gostava, nunca fui de gastar.
Primeiras namoradas quando é que começam?
Foi cedo, foi também nessa altura dos 14, 15, 16 anos.
Ainda se lembra da sua primeira namorada?
Lembro, era a Andreia, foi na escola, no Lumiar, devia ter uns 14 anos.
Voltemos ao futebol. Foi emprestado ao SC Braga.
Sim, a meio da época.
Como é que aconteceu?
No segundo ano na equipa principal do Benfica, estava a jogar muito pouco e o Benfica contratou o Tiago, que nessa altura jogava no SC Braga, e eu fui para lá como troca. O treinador era o Manuel Cajuda.
Muito diferente do Jesualdo?
Muito diferentes no treino. O Jesualdo era um treinador muito preocupado com o detalhe, até mesmo com o posicionamento dos pés - pode parecer esquisito, mas fazia muita diferença. E só esta preocupação dos jogadores saberem posicionar os pés no jogo, dá para perceber o quão ele era mesquinho nas suas coisas, e naquilo que pensava para o jogo. Por isso digo que aprendi muito com Jesualdo e não é por acaso que teve o sucesso que teve, não só quando saiu do Benfica e foi para o FCP, onde ganhou o que ganhou, mas mesmo nos outros clubes onde esteve. É de facto um grande treinador.
E Manuel Cajuda?
O Cajuda na altura era um treinador muito conhecido. Tinha os seus métodos de treino, um pouco mais rígido na maneira de tratar os jogadores e na maneira de treinar.
Mais do que o Jesualdo?
Sim. Cajuda se calhar está mais próximo dos jogadores, mas é muito mais rígido, muito mais agressivo na forma de falar ou de agir, do que o mister Jesualdo Ferreira.
Foi para Braga sozinho?
Nessa altura já namorava com a minha primeira mulher, a Filipa Vingada.
Como é que conhece a Filipa?
Conheci a Filipa em estágios da selecção. O pai, o Nelo Vingada, era treinador e coordenador das selecções jovens e as filhas iam ver os jogos e os treinos, com o tempo criámos uma amizade. Tínhamos um grupo, eu, o Hugo Leal, o João Flores e o Edgar Caseiro, jogávamos os quatro no Benfica, e as filhas do Nelo Vingada. Saíamos, jantávamos, íamos ao cinema e começámos a namorar.
Quando foi para Braga ela vai consigo?
Não esteve sempre comigo porque estava a estudar, mas ia lá ter sempre que tinha oportunidade.
Tinha quantos anos quando foi para o Braga?
21. Vou viver para o centro da cidade, para perto do antigo campo.
Gostou de Braga?
Muito. As pessoas são muito mais unidas, muito simpáticas. A comida era boa, no norte come-se muito bem. As pessoas não tinham o stress que nós temos aqui em Lisboa. Gostei muito de Braga.
Esteve meia época no Braga. Como correu?
Correu bem. Era um jovem que ia jogando.
Porque rescinde e vai para o Nacional da Madeira?
Fui para o SC Braga emprestado pelo Benfica e derivado a esse atrito que o meu empresário, o Paulo Barbosa, teve com o presidente do Benfica e também porque não estava a jogar muito no Benfica, decidimos a rescisão, apesar de ter ainda dois anos com o Benfica e fui para o Nacional.
Foi para a Madeira com a Filipa?
Sim, nessa altura já estava casado e fui com a minha ex-mulher.
Como é que foi a vossa adaptação?
Foi boa. Fui com mais alguns colegas que já conhecia. O viver lá foi uma aventura, porque sempre tinha vivido no continente. Aqui podemos ir para qualquer lado facilmente. Ali para sair da ilha temos de apanhar um avião. Mas gostei muito.
Esteve uma época e meia na Madeira. E depois?
Depois saí porque tive um problema com o presidente, relacionado com ordenados. Fui para o Nacional por causa do José Peseiro, que já tinha sido meu treinador no Oriental, mas também pelo contrato que o Nacional me ofereceu nesses dois anos. Quando rescindi com o Benfica, o clube deu-me o valor de um contrato e o Nacional dava-me o valor do outro ano que tinha com o Benfica, em dois anos. Não fiquei a perder. Só que, no segundo ano, o presidente quis que eu baixasse o ordenado e eu não aceitei. Criou-se uma guerra e eu saí em dezembro.
Quando essas guerras acontecem, isso passa para o balneário?
Depende se o treinador faz ou não o que o presidente quer. Na altura, no meu segundo ano, o treinador era o brasileiro Casimiro Mior. Ele veio falar comigo e disse-me que ele não tinha nada a ver com aquela guerra entre mim e o presidente, e que se eu estivesse em condições de jogar, ele punha-me a jogar.
Como é que saiu do Nacional?
Tive uma proposta para ir para o Paços de Ferreira.
O Paulo Barbosa continuava a ser o seu empresário?
Já não. Quando rescindi com o Benfica e fui para o Nacional, fui quase eu que fiz o contrato, já não foi o Paulo Barbosa. Fiquei um pouco magoado por ter saído do Benfica não só por não estar a jogar muito, mas também por ele ter um pouco de culpa na minha saída do Benfica.
Está a dizer que levou por tabela da guerra que ele tinha com o presidente?
Sim, sim.
Foi outra vez para o norte, para o Paços de Ferreira. Correu bem?
Correu muito bem. Em termos desportivos a equipa desceu de divisão, mas foi dos clubes onde mais tive prazer de jogar.
Porquê?
Porque o plantel era excelente. Amigos muito unidos, muito engraçados. O treinador era o José Mota, que me marcou para sempre pela sua forma de ser e de estar. Muito rijo na sua forma de treinar, mas depois era um treinador... Recordo-me do meu primeiro treino no Paços de Ferreira, no final do treino havia uma mesa em frente ao balneário, cheia de pães com chouriço, sumos,vinho, rojões, acho que era um senhor que de “x” em “x” tempo levava um tacho de rojões para os jogadores comerem. Acabei o treino e havia essa mesa posta, parecia um casamento e eu “Que é isto?!?”. Como era o meu primeiro treino, fiquei a ver o que é que os meus colegas estavam a beber, para poder beber também. Como eles estavam a beber vinho, pensei que não havia problema e bebi um copo de vinho. Lembro-me que o José Mota veio ter comigo e disse “Se estivesses a beber Coca Cola ias já embora” (risos). Aquilo era uma família, era um clube pequeno, muito humilde, mas onde toda a gente se dava bem. Quando se perdia era uma dor enorme. Os roupeiros viviam no estádio e quando a gente regressava de uma derrota, via-se que eles estavam chateados. Até nos chamavam nomes. Mas foi dos clubes onde mais gostei de jogar pela forma de estar e de viver daquele clube.
Aqui ainda não tinha filhos?
Nesta altura ainda não.
Como é que depois vai parar a Itália?
Quando fui para Paços de Ferreira, fui só meia época. Tinha os dois anos com o Nacional, onde estive ano e meio e depois fazia o outro meio ano no Paços de Ferreira e acabava o contrato. Na altura em que acabei o contrato no final da época, apareceu-me a proposta para ir para Itália, para o Reggina.
Apareceu como? Não tinha empresário.
Mas havia outros empresários. Até vim a saber que o director desportivo do Reggina já tinha entrado em contacto com o Paulo Barbosa e falado a meu respeito, mas eu nunca soube, só em reunião com eles é que soube dessa situação.
Porque é que foi emprestado ao Vicenza?
Não fui emprestado. Houve uma venda para o Vicenza porque o Vicenza estava na série B e queria fazer uma equipa para subir de divisão, foi nessa altura que fui para lá. A equipa era boa, mas não me correu bem a época. Como já tinha um empresário italiano, assim que acabou a época ele perguntou-me se eu queria voltar novamente ao Reggina e disse-lhe logo que sim.
Quando foi para o Vicenza teve de mudar de casa.
Sim, mas foi pacífico. Em Vicenza nasceu o Tiago, o meu primeiro filho, em 2005.
Assistiu ao parto?
Assisti (risos). Sempre disse, antes de pensar em ter filhos, que não conseguia assistir a um parto, só ver o sangue... Não consigo. E no dia em que ele está para nascer, o doutor da clínica era o meu doutor no clube e arranjou-nos uma sala para eu poder estar e assisti a tudo e ainda ajudei no parto.
Como?
O parto não foi fácil. Ajudei a tirar o meu filho e recordo-me de pensar que nem sequer conseguia imaginar que ia lá estar. Mas naquela aflição tudo passou e superei aquele momento em que pensava que não conseguia. Quando menos se espera, quando dizemos que não conseguimos e acontece alguma coisa mais forte, conseguimos superar-nos.
Estava a contar que volta ao Reggina.
Sim, volto ao Reggina, com o mesmo treinador o Walter Mazzarri e estou lá a época toda.
Correu bem?
Correu.
Então porque vem embora?
Acabei contrato com o Reggina. Se soubesse o que sei hoje, não teria saído de Itália. Mas pensamos, temos um filho e estamos fora de Portugal, o Marítimo quer-me...Vamos para Portugal.
Tinha outras propostas?
Quando saí do Reggina tinha uma proposta para Inglaterra, que depois não se concretizou. Depois vim para Portugal de férias e havendo a hipótese do Marítimo, acabei por assinar contrato com o Marítimo. Em Itália não havia ainda uma proposta, mas havia contactos. Só que na altura pensei que, como o meu filho tinha de ir para a escola, o melhor seria dar-lhe a estabilidade de entrar na escola em Portugal e viemos para a Madeira.
Quem era o treinador nessa altura?
Era o Lazaroni , um treinador brasileiro. Correu muito bem. Fui o melhor assistente da época no Marítimo. Recordo-me de jogar a defesa direito e de ser o terceiro melhor assistente no campeonato inteiro. Estava com 27 anos e o Marítimo fez o melhor campeonato de sempre até a altura. Ficámos em 5.º lugar, apurados para a UEFA.
Quando se põe essa hipótese do Reggina, qual é a primeira coisa que lhe vem à cabeça?
Quando é que é para ir?
Já tinha vontade de ir para fora?
Quando comecei a jogar sempre disse à minha mãe que queria jogar em Itália, era lá que estavam os melhores jogadores do mundo, os Maldinis, Del Pieros… . Lembro-me que, lá em casa, punha muitas vezes a televisão na Rai Uno só porque gostava de ouvir o italiano. Por isso quando surgiu essa proposta, fui logo saber quando é que podia ir. Foi o concretizar de um sonho.
E quando lá chegou era o que estava à espera?
Era uma realidade completamente diferente, para melhor. Estava habituado a uma realidade em Portugal, em termos de treino, e em Itália aprendi quase tudo de novo. Cada jogador tinha a sua comida, a sua vitamina, o seu trabalho a fazer no ginásio.
Era tudo personalizado.
Era. Havia jogadores para os quais a carne de vaca é que lhes dava mais energia para o jogo, para outros era o frango, outros o peixe... Cada jogador tinha a sua comida para o jogo. Víamos muitos vídeos das outras equipas, o treino era muito táctico.
Quem era o treinador do Reggina nessa altura?
Era o Walter Mazzarri, que neste momento é um dos grandes treinadores em Itália. Treinou o Inter, treinou Sampdoria, treinou em Inglaterra, está agora no Torino, esteve no Nápoles, um excelente treinador. E de facto era tudo ao pormenor, íamos para o jogo sabendo tudo o que os outros jogadores iam fazer, porque durante a semana víamos muitos vídeos dos cantos, dos foras, dos livres, de tudo.
Foi com a sua primeira mulher ou foi sozinho?
Fomos juntos.
E a adaptação à nova cidade, à língua e às gentes?
A adaptação foi muito fácil porque na altura o capitão da equipa era brasileiro, o Mozart, ajudou bastante não só a conhecer o clube, os colegas como a cidade.
Ficou a viver onde?
Vivíamos mesmo no centro da Reggio Calabria, no sul de Itália. Também lá estava o Carlos Paredes, um jogador paraguaio que tinha jogado no FCP. Andávamos sempre os três juntos. Eles ajudaram-me bastante na adaptação e o italiano foi fácil de aprender. Aprendi a ouvir os meus colegas. Em três, quatro meses já conseguia falar italiano perfeitamente.
Quando termina a época não fica porquê?
Porque tive uma proposta para ir para a Grécia e fui. Em termos de contrato, era muito bom.
Também foi com a família?
Fui. Eu, a Filipa e o Tiago. E foi outra aventura, uma realidade diferente.
Diferente como?
Em termos de campeonato, tendo em conta aquilo que era o futebol português e o futebol italiano.
Mais fraco?
Achei mais fraco mas com adeptos muito efusivos.
Ficou a viver em Tripoli?
Sim. Era uma cidade pequena a uma hora e meia de Atenas, gostei de lá viver.
Quanto tempo?
Uma época e meia. Mas depois com o problema dos ordenados entrei em conflito com o presidente.
Não pagavam?
Não pagavam e depois também queriam baixar.
Quando se lida com ordenados em atraso como é que se vive? É das economias?
Sim, é das economias que se vai fazendo. Graças a Deus sempre soube o que devia e não devia gastar e o que devia poupar. Depois de dois meses sem receber, obviamente que temos de ir àquilo que estivemos a poupar. Eu tinha um bom contrato, só que o clube... os presidentes eram um pouco instáveis e deixaram de pagar aos estrangeiros. Os jogadores gregos tinham os ordenados em dia, mas os estrangeiros estavam com ordenados em atraso.
Teve algum presidente que andasse com arma à cintura?
Não, mas em vários jogos vi presidentes armados e outros com seguranças armados e quando disse que era uma realidade diferente, também era nesse sentido porque nunca tinha visto nada assim.
O que gostou mais e menos da Grécia?
Gostei muito do país em si, da história que o país tem, nomeadamente Atenas, aonde ia muito. Gostei também dos colegas que tive. Na altura em que vou para o Asteras Tripolis, o treinador era português, era o Carlos Carvalhal, também foi ele que fez força para eu ir para o clube. Mas sobretudo gostei muito de viver na Grécia pela história que o país tem.
Chegou a aprender grego?
Algumas palavras. Lembro-me de uma situação engraçada: quando fui para lá, uma das maneiras que eles têm de dizer que não têm, é olharem para céu ou para o tecto. Já não me recordo o que perguntei e a directora do clube fazia esse gesto, olhava para o tecto. Perguntei-lhe duas ou três vezes e ela olhava para o tecto. Comecei também a olhar para o tecto para tentar perceber o que é que era (risos). A maneira de eles dizerem que não tinham era fazer esse gesto. Recordo-me que estava com um colega português, o Fábio Felício, e sempre que falamos nisso, ainda nos rimos muito.
Estava a contar que começou a ficar com ordenados em atraso e depois, rescinde?
Rescindo e é na altura em que o Nelo Vingada assina com o Seul e propõe-me ir para lá jogar. Eu nessa altura tinha 30 anos e o Nelo Vingada era meu sogro ainda e já me tinha proposto antes ir para dois clubes onde esteve. Um deles era o Marítimo e o outro a Académica. Só que eu nunca quis jogar na equipa dele para não misturar as coisas. E porque se eu fosse mais cedo, com 23, 24 anos, se calhar diziam que o Ricardo joga porque o treinador é o sogro. Como tive sempre oportunidade de jogar noutros clubes, optei por jogar noutros clubes. Com 30 anos, e com essa proposta para ir para um dos maiores clubes da Coreia do Sul, já não tinha que mostrar nada a ninguém, nessa altura decido aceitar e vou para a Coreia do Sul.
Essa sim, uma realidade bem diferente.
Sim. Mas gostei muito e até hoje é um país de eleição para mim porque gostei de tudo. Gostei do clube pelas condições que tem, um estádio de 70 mil pessoas, com um balneário em que se estivesse frio no campo, ao lado tinha um campo onde podíamos treinar, aquecer. Tinham umas condições como eu nunca tinha visto na Europa. Os estádios todos novos, para 70, 80 mil pessoas, cheios. As condições de treino, com complexos desportivos com cinco ou seis campos, com tudo e mais alguma coisa, com tecnologia. No clube, no centro de treinos tínhamos um piso onde havia PlayStation, computadores onde podíamos estar quando não treinávamos, era uma realidade completamente diferente daquilo que conhecia na Europa. E depois o clube em si, os jogadores muito bons.
Achou os jogadores coreanos bons?
Sim, eu não tinha ideia mas têm uma qualidade muito grande, não só técnica, mas também física, velocidade. Foi uma experiência que não estava à espera, pensava que ia ser mais ou menos igual aos outros sítios onde estive, mas depois superou as minhas expectativas por tudo aquilo que encontrei. Um país super seguro onde via crianças da idade da minha filha, de cinco anos, sozinhas na rua à espera do autocarro para irem para a escola, o que aqui é impensável. A atravessarem a estrada, todos muito certinhos, cada um no seu sentido sem se desviar, não havia nenhuma espécie de encontrões, tudo muito certinho. Recordo-me que o mister Nelo Vingada fazia o plano de treinos com as horas e por vezes por um motivo ou outro tinha que alterar uma hora do treino, aquilo para o coreano era um problema. Se era para estar às 10 horas, eles estão às 10 horas, se alterar para as 10 e 1 é um problema. O rigor deles é enorme.
Como é que foi treinar com o Nelo Vingada? Foi o que estava à espera?
Sim, já o conhecia bem. É um treinador que sabe muito de futebol, mas que depois ganha muito com o relacionamento que tem com os jogadores. É muito amigo dos jogadores e isso faz com que a equipa esteja unida com o treinador. Se o treinador pedir, por exemplo, para correr mais, como os jogadores gostam do treinador, vão fazer tudo para que isso aconteça.
Teve algum problema ou alguma situação menos positiva pelo facto de ser genro dele?
Eles não sabiam que eu era genro. E até foi nessas condições que fui para lá, porque não queria que depois dissessem “ele veio para aqui por ser genro”.
Ele exigia mais de si?
Exigia e uma das coisas que também lhe dizia, e ele sabe perfeitamente, era que se eu não estivesse em condições de jogar, se os outros fossem melhores, não queria que me pusesse a jogar só por ser genro dele. E se eu não estivesse bem, ele tirava-me, dizia-me o porquê de me ter tirado, onde é que eu não tinha estado bem para melhorar. Mas nunca senti peso por ele ser meu sogro. Sempre fui profissional e sempre dei tudo nos treinos para poder jogar e tendo a ele como treinador, fiz o mesmo.
No final dessa época não fica porque o Nelo Vingada também não fica?
Sim. Ele entrou em conflito com o presidente, o meu Tiago que estava lá, nunca tinha estado na escola, porque tínhamos acabado por estar sempre por fora e por isso aproveitamos e regressamos. Voltei outra vez para o Marítimo.
Quem era nessa altura o treinador?
Estava o Mitchell van der Gaag e depois veio o Pedro Martins.
O Marítimo acaba quase por se tornar numa “segunda casa”.
Porque as épocas lá correram-me quase sempre bem.
Tinha empresário?
Não, não tinha. Desde que saí de Itália nunca mais tive empresário. Contatavam-me directamente e por isso nunca senti essa necessidade. Como estava a contar, se calhar pelas épocas que fiz na Madeira, pelo relacionamento que tinha com o presidente do Marítimo, voltei.
Nestas situações como é? O jogador faz saber que está sem clube ou liga directamente para um presidente ou para um treinador?
Os treinadores, os empresários, os directores desportivos vão falando sempre uns com os outros, sabem quando um jogador está livre e se essa é a altura certa para eles o contratarem. Assim que souberam que eu estava livre, fui contactado pelo Marítimo.
Mas só fica uma época.
Fiz a época toda e depois tenho uma proposta para ir para a China. Sempre andei a saltar de um lado para o outro. As propostas que tinha eram melhores e eu obviamente tinha que aceitar. Nessa altura também é o Nelo Vingada que vai para a China.
A família também foi?
A família foi só um mês. Era outra realidade muito diferente e eu, que já tinha estado na Coreia do Sul, pensei que a China seria igual à Coreia. Mas era totalmente diferente. Quando fiz o contrato, inscrevi o meu filho numa escola inglesa para começar a falar inglês e depois inscrevê-lo lá numa escola americana. Queria que ficasse perto de mim. Só que depois de ver a realidade da China, percebi que ele não podia ir para ali.
O que mais o chocou?
A maneira do povo chinês viver. É um povo muito frio, vi pessoas estendidas no chão, não sei se mortas ou não, se doentes ou não. Não se mexiam, mas ninguém parava para as ver. Os carros contornavam e passavam. Quando se fala em comunismo, pensa-se que é tudo muito rígido, mas pouco vi isso: era tudo sem regras, sem normas, sem educação. Por exemplo, íamos ao supermercado e não havia fila para pagar. Era quem chegava primeiro e as pessoas empurravam-se todas umas às outras. A fila deles era um triângulo. Outro exemplo, se ia levantar dinheiro a uma caixa, era capaz de ter um chinês colado a mim, não porque queria ver alguma coisa ou roubar, mas porque lhe apetece estar ali encostado.
Não tem nada a ver com a Coreia do Sul.
Não. Na Coreia o mais velho tem sempre prioridade, há um respeito muito grande pelos mais velhos, como no Japão. Recordo de entrar no prédio onde vivia, ir para o elevador onde já estava uma criança que saía para eu entrar e só depois é que ela reentrava. E era uma criança. Vê-se logo o respeito que existe naquele país. Recordo-me de fazer jantares de equipa com os meus colegas e o jogador mais novo da mesa é que servia os copos a toda a gente, deixava que toda a gente bebesse e só depois é que bebia virando as costas para ninguém o ver a beber. Na China não vi nada disso; na China era o salve-se quem puder (risos).
Viveu alguma situação mais caricata na China?
Caricata, tenho várias. Uma vez apanhei táxi para ir para o treino, pensava eu que apanhava o táxi e só ia eu até ao treino. Entrei no táxi com um papelinho escrito em chinês onde era o treino e passado dois quilómetros, o taxista pára ao pé do passeio, há uma senhora que fala com o taxista e a senhora entra no carro (risos). Pensei que era uma amiga do taxista e que precisasse de alguma coisa. Mas passado mais um bocado entra outro senhor... Conclusão, cheguei ao treino encostado ao vidro porque tinha o táxi cheio de pessoas lá dentro. Todas as pessoas que apanham é mais dinheiro que fazem. Enquanto o carro puder levar gente, leva. Lembro-me que estava encostadinho ao vidro, já não cabia mais gente, estava ali apertado (risos). Durante o trajecto saia alguém, mas entrava logo mais um. Mas tenho mais.
Força.
Também num táxi. Ia no táxi, a caminho do Aparthotel onde vivia e no meio do percurso o taxista vê-se obrigado a parar, por causa do semáforo vermelho. Assim que pára o carro, sai para a estrada e mesmo ao lado da porta aberta, desaperta a braguilha com a maior tranquilidade e começa a fazer xixi, ali mesmo no meio da estrada em frente ao semáforo, sem se importar com os carros que iam parando atrás. Depois de ter terminado de fazer o seu xixizinho entrou no carro e assim que o semáforo ficou verde, continuamos a nossa viagem. Fartei-me de rir sozinho.
E o nível de futebol?
Fraco, na altura em que fui para lá, foi na altura do Drogba e do Anelka, foi na altura em que a China começou a querer dar a conhecer o futebol, mas... a falta de organização, os jogadores muito pouco profissionais… . Não foi um país onde gostei de jogar e decido acabar a minha carreira por causa de uma lesão que tive lá.
Que lesão?
Fiz uma fractura no tornozelo, passados dois meses de ter começado o campeonato. Fiz exames lá e mandei os resultados para o doutor António Martins que tinha sido meu médico durante muitos anos no Benfica. E ele diz-me: “Ricardo tens uma fractura, isso com operação, estás dois meses parado e começas a jogar. Levas um parafuso e em dois meses estás a jogar”. Eu dizia isso a eles, mas eles diziam que não era nenhuma fractura, que era uma entorse, que fazia acupunctura. Levei infiltrações, depois tentava treinar mas doía-me sempre e parava. Andei nisto três ou quatro vezes, de treinar, parar durante seis meses, nunca tendo o pé engessado, nunca sendo operado, nada. Nunca mais joguei, não conseguia, mesmo assim ainda me recordo de fazer um ou outro treino, com o pé partido, e treinar com bola cheio de dores. Assim que voltei a Portugal fui operado passado cinco dias e tive quatro meses de recuperação. Tinha 33 anos, ia fazer 34, um ano parado sem jogar, com uma operação, se em Portugal aos 28, 29 anos já se está velho...
Foi muito difícil tomar a decisão de parar?
Antes de decidir parar, lembro-me que acabei a recuperação na altura em que as equipas estavam a fazer a pré-época. Estava de férias no Algarve, já estava parado há um ano, e o Abel Xavier, que era o treinador do Olhanense, contacta-me para ir lá treinar. Ele sabia da minha situação, que estava parado e que tinha sido operado, mas mesmo assim disse para eu ir treinar e depois logo decidia se queria continuar ou não. Fui treinar uma semana mas senti que o pé não estava bom. Para além do pé não estar bom, tinha estado muito tempo parado e depois o clube também estava a viver uma realidade de ordenados em atraso, muitos jogadores a entrar e muitos a sair. O clube não estava bem organizado e tudo em conjunto, comecei a pensar: “Venho para aqui, vou estar longe da família…”. O meu filho já tinha a escola. Tinha estado muito tempo fora e nunca teve amigos e no momento em que ele entra naquela escola inglesa faz os seus amigos. Recordo-me de ele me ter dito que não queria sair dali. Falei com o Abel e disse que não dava, que não me sentia bem e decidi parar.
Nessa altura já tinha ideia do que queria fazer na sua vida?
Não.
Olhando para trás, acha que tomou a decisão certa?
Se calhar, se fosse hoje, não teria terminado. Se calhar teria conseguido jogar noutras divisões, numa realidade diferente, não na I divisão porque sentia que o pé não estava bom. Mas quis acabar no nível onde sempre estive. Se agora nesta altura fazia o mesmo? Se calhar não, se calhar tinha jogado mais.
Porquê?
Porque quem esteve muitos anos no futebol, acaba por sentir saudades, da adrenalina antes do jogo, depois do jogo, dos treinos.
Quando é que começou a sentir essa saudade?
Passado um ano comecei a cair em mim, a ver as saudades que tinha do balneário, de ter os colegas, da brincadeira, do treino.
O que fez nesse primeiro ano de “reforma”?
Pouca coisa. Aproveitei para estar com a família, sempre tive muito tempo fora, mesmo estando na Madeira estive longe dos meus pais e foi aproveitar mais para estar com os amigos, estar com a família. Aproveitar o filho que tinha. Treinava no ginásio, precisava de treinar porque o ir ao ginásio era camuflar aquela ida ao treino, mas depois apercebi-me que tinha acabado e que tinha de fazer outras coisas.
E foi fazer o quê?
Na altura tive um convite para estar ligado ao sector imobiliário. Tinha um colega que estava na Remax e estive ligado à Remax. Era sócio desse meu colega de loja e depois abrimos uma loja de decoração, que era a Lux Design. Tínhamos tudo ligado, a pessoa podia comprar a casa, fazer a remodelação, decorar.
Era uma área onde nunca tinha trabalhado. Gostou?
Gostei, mas não era aquilo que eu queria e passado um tempo deixei. Em 2014 conheci o footgolf.
Como e através de quem?
Do Carlos Xavier que na altura jogava footgolf. Houve um torneio internacional em Cascais, na Quinta da Marinha e ele convidou-me para ir jogar. Fui mas nem sequer sabia o que era o footgolf. Explicou-me como é que se jogava e fui jogar esse torneio. Gostei logo, não só pelo jogo mas pelo ambiente e pelo convívio que vi. O jogo é como se fosse golfe mas jogado com uma bola de futebol e com o buraco maior.
18 buracos também como no golfe?
Sim. São as mesmas regras mas adaptadas porque é jogado com uma bola de futebol e buracos maiores. A indumentária é idêntica à do golfe. Não se pode jogar com camisola de futebol, nem de chuteiras. É de pólo com uma bermuda ou um calção, meias até ao joelho, uns ténis de sintético sem pitons. E gostei de todo aquele ambiente que vi, gostei do desporto. Comecei a praticar, comecei a jogar e depois surge a associação de que sou presidente.
É uma actividade que vive muito de ex-jogadores de futebol ou já começam a aparecer pessoas que nunca tiveram ligação ao futebol?
Acho que é um desporto muito bom para ex-jogadores de futebol. Não é por acaso que o Ayala, jogador que foi capitão do Valência e da seleção argentina, joga footgolf. Quem jogou futebol tem experiência a rematar, chutar ou a passar uma bola de futebol e este jogo tem muito a ver com a precisão e perícia com uma bola de futebol. Por isso, um ex-jogador se calhar tem mais vantagem do que alguém que nunca jogou futebol. O jogo em si e o convívio que se tem antes e depois do jogo, é bastante agradável. Eu sempre fui uma pessoa de amizade, de convívio, de brincadeira, e se calhar isto que o footgolf me está a dar, está a preencher aquilo que sinto falta do futebol.
Neste momento está só ligado ao footgolf?
Sim.
Em Portugal quantos praticantes existem actualmente?
Em 2017 quando começamos a associação tínhamos 26 sócios, neste segundo ano, temos 88 sócios. Crescemos imenso.
Estão ligados à federação portuguesa de golfe?
Não. Não estamos ligados a ninguém.
Têm patrocínios?
Temos muita gente a contactar-nos para patrocinar a associação. No primeiro ano, jogaram no circuito entre 20 a 30 pessoas e no segundo ano, este que vai acabar, jogaram 50 a 70 pessoas.
Como é que funciona esse circuito ou campeonato?
Quando criámos a associação, criámos também uma circuito nacional, no primeiro ano de 13 etapas, e uma Taça de Portugal. Depois candidatamo-nos a ser membros FIFG, que é como se fosse a FIFA no futebol, é o órgão máximo do footgolf mundial. Fizemos uma candidatura e fomos aceites.
Nesse circuito existem clubes ou são equipas dispersas que participam?
Existem clubes. Na altura que fizemos a associação existiam dois. Eu também fiz um. Os outros jogadores viram que já havia clubes e todos eles foram criando os seus clubes. Neste momento já existem nove clubes de footgolf, da região de Lisboa, de Santarém, de Leiria e do Porto. Quando não têm campos na sua região vêm treinar a Lisboa, à Penha Longa, a Palmela e vão jogando.
Já lá vamos. Entretanto teve uma filha.
Sim, a Mariana que nasce em 2014.
Também assistiu ao parto?
Assisti, foi um parto diferente, foi cesariana. Assisti de maneira diferente da que assisti ao do Tiago, mas assisti. Tinha que assistir. Entretanto separo-me da Filipa em 2015/16.
Nunca mais deixou de jogar footgolf?
Não. Fui jogando e em 2017 nasce a associação. Nessa altura tínhamos 10 pessoas que jogavam na Penha Longa, já havia uma associação de footgolf que entretanto achou que não tinha condições para continuar. Não conseguia patrocinadores, não conseguia campos para jogar, estava difícil e queriam acabar com a associação. E esses 10 que jogávamos, achámos que havia condições para continuar o footgolf em Portugal e decidimos ficar com a associação. Há óptimas condições climatéricas, os campos existem, por isso…
Quantos campos existem para a prática do footgolf em Portugal?
Neste momento, cinco.
Todos em Lisboa?
Nos arredores de Lisboa e no Algarve, estamos a tentar ter no Porto. Na altura em que comecei só havia um campo. Mas acreditamos que o footgolf pode crescer porque no estrangeiro já está muito desenvolvido.
Fazem provas internacionais?
Fazemos provas internacionais e ao sermos membros do FIFG podemos também organizar torneios internacionais, onde há pontos para os campeonatos da Europa e do Mundo. Este ano organizamos pela primeira vez a final de um campeonato europeu de footgolf, o FT Grand Final, no Algarve, em outubro. Estivemos há pouco tempo no Campeonato do Mundo de Footgolf, em Marraquexe. Portugal nunca tinha estado presente num campeonato do Mundo.
Ficámos em que lugar?
Ficámos em 11.º lugar entre 33 selecções.
Para um país com tão pouca experiência não foi mau.
Sim, a Argentina por exemplo tem uma Liga profissional, os EUA têm 500 campos para jogar footgolf. Fomos para o Campeonato do Mundo com a selecção menos experiente de todas. E correu muito bem.
Quem é o maior craque internacional da modalidade?
O Fabián Ayala é um deles, ficou em 2.º lugar neste campeonato do mundo. Eu tenho dois jogadores que gosto muito, o inglês Ben Clark e o argentino Matias Perroni. São jogadores que têm ganho muito.
E em Portugal?
Em Portugal, o Flávio Azenha foi o jogador que ficou no Top 10 do Campeonato do Mundo. É um jogador que em breve vai estar no grupo dos melhores do Mundo.
Ele jogou futebol?
Jogou futebol amador, mas joga muito bem footgolf.
É preciso ter algumas skills ou alguma coisa especial para jogar footgolf?
É porque é um jogo muito mental, é um jogo de muita precisão. É preciso saber chutar. No futebol é diferente, podemos chutar muito forte mas está lá o outro jogador para parar a bola. No footgolf a bola tem que parar mesmo no sítio certo.
Qual é o seu handicap?
Ainda não existe mas para lá vai caminhar.
No golfe muda-se de tacos, vocês mudam de ténis?
Não, são sempre os mesmos. As principais diferenças do golfe para o footgolf são essas, jogamos sempre com os mesmos ténis, com uma bola de futebol e com buracos maiores, mas em termos de regras é muito idêntico. Temos de estar em silêncio quando os outros estão a jogar, a ética do golfe também está presente no footgolf e queremos que continue assim.
Treina quantas vezes por semana?
Tenho treinado pouco por causa dos meus filhos, mas este ano que vem quero treinar mais.
A propósito de filhos, tem um segundo casamento. Desde quando?
Não estou casado, estou junto, mas é como se estivesse, desde 2016.
E tem outro filho dessa relação.
Sim, o Martim que nasceu em Setembro de 2017.
Também assistiu ao parto?
Assisti (risos). Depois do primeiro acho que consigo assistir a tudo (risos).
É supersticioso?
Sou. Quando as coisas me correm bem, tento sempre fazer as mesmas coisas que fiz no dia anterior.
Isso no futebol traduz-se em quê?
Se jogasse bem, tentava comer às mesmas horas que no dia anterior, ou se tinha ido a algum café num dia e me corria bem o jogo, tinha que ir ao mesmo café. Ou era também entrar sempre com o pé direito ou entrar em último.
É crente?
Q.b., não sou praticante.
Onde é que ganhou mais dinheiro?
Na China.
Foi investindo o dinheiro no imobiliário, teve algum negócio para além da loja com o seu colega?
Esse foi o único negócio mas vou investindo no imobiliário. Apesar de estar no footgolf continuo a comprar e a vender casas. O imobiliário dá sempre.
Qual foi a maior amizade que fez no futebol?
Tenho alguns, mas foi com o Hugo Leal.
O treinador que mais o marcou?
Posso dizer dois?
O Arnaldo Teixeira [adjunto de Rui Vitória no Benfica], que foi o meu primeiro treinador, e o José Paisana que é o padrinho da minha filha.
Houve algum treinador que detestasse?
Sim. Também dois, um português e um estrangeiro. Mas não vou revelar nomes (risos).
É amante de carros?
Sou.
Qual foi o primeiro carro que comprou?
Ford Puma, tinha 18 anos. O segundo foi um Mercedes CLK, quando já estava no Benfica. Nunca tive acidentes, graças a Deus.
Carro de sonho, já teve?
Já, quando fui para Itália tive o Porsche Cayenne. Mas já não o tenho.
É coleccionador de carros?
Não. Gosto muito de carros mas os carros são uma despesa muito grande. O Porsche Cayenne gastava 50 euros para a gasolina num dia. Por isso depois de deixar de jogar, ter um custo mensal só para um carro, acho que é esbanjar dinheiro.
Tem alguma coisa que goste de coleccionar?
Relógios. Mas não tenho muitos, tenho uns seis ou sete.
Onde é que gastou mais dinheiro?
Foi nos carros e nos relógios. Sempre tive ordenados que me permitiam fazer algumas loucuras e de facto hoje olho para essas alturas em que ia às compras em Milão e gastava muito dinheiro por meia dúzia de coisas e penso que se fosse hoje, não comprava. Mas na altura o valor era acessível e podia ter essas loucuras."