sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Idiotas...

"É uma pena que o sucedido com o adepto Bruno Simões não esteja a ter o impacto mediático que merecia. Não me espanta. Há muito tempo que denuncio, a existência, em certos meios informativos, de uma estratégia para causar danos na reputação do Benfica e dos adeptos do Benfica. Colocá-los na pele de vítimas não é bom para o negócio e muito menos para essa estratégia de desgaste do clube e dos seus adeptos. Só assim se justifica que alguns cartilheiros que estão bem identificados tentem justificar o que se passou na A1 com um problema de moralidade, num clube que já enfrentou problemas de extrema gravidade com actos criminosos de alguns dos seus adeptos. Porém, essa gente que escreve nos jornais e devia estar obrigada a um dever se isenção esquece alguns pormenores relevantes. Primeiro, que nos casos identificados de violência de adeptos do Benfica, houve crime e castigo. É assim que deve ser num Estado de Direito. Nos vários e repetidos crimes dirigidos contra adeptos benfiquistas, a sua equipa de futebol profissional ou até o seu presidente, houve crimes...de resto, nem castigos, nem culpados, nem responsáveis. Só impunidade.
Além do mais, ao questionar a moral do Benfica para reclamar uma actuação das autoridades, quem o faz está a enviar um sinal. O de que podem agredir e até tentar matar os adeptos do Benfica, porque, no fundo, o clube deve ser responsabilizado pelos crimes dos seus adeptos. Isto não é argumento sério. É um argumento idiota e tão criminoso como o acto de atirar pedras aos autocarros onde viajam adeptos do Benfica. Infelizmente é o que temos em alguma comunicação social. Verdadeiros tarados do ódio clubístico que andam a brincar com o fogo. Não é difícil identifica-los. Porque eles andam aí e o combate à violência no desporto também passa por combatê-los e, se possível, erradicá-los."

Uma Taça para honrar

"Seguir em frente e continuar a fazer história numa competição onde, até ao momento, não tem rival à altura. É este o desafio que se coloca ao Benfica no jogo de hoje à noite na Vila das Aves.
A hegemonia do nosso clube na Taça da Liga (agora Allianz Cup) é um caso de estudo: 7 títulos conquistados em 11 edições disputadas. V. Setúbal, Sp. Braga, Moreirense e Sporting têm uma vitória cada.
Os números impressionam e atestam bem a seriedade com que o Benfica abordou a Taça da Liga desde a primeira hora: 48 jogos, 41 vitórias, cinco empates e apenas duas derrotas. Ou seja, 85% de jogos ganhos em toda a história da prova.
Nunca existem, no entanto, vitórias por antecipação. É por isso que a deslocação a Vila das Aves é encarada como mais um duro teste neste mês de dezembro – que, até ver, está a ser um sucesso absoluto: a equipa venceu os sete jogos que disputou e tem agora a oportunidade de fechar 2018 com chave de ouro. É o passo que falta para o Benfica entrar no novo ano a lutar em quatro competições. Bom 2019!

PS: Em Itália, a justiça desportiva acaba de castigar o Inter de Milão com dois jogos à porta fechada por insultos racistas dos seus adeptos contra Koulibaly, senegalês do Nápoles. Em Portugal, os autores do cântico “filhos da p... SLB” que escutamos há vários anos (sempre no mesmo estádio) continuam a rir-se dos conselheiros que se sentam na Cidade do Futebol."

Quando entra frio ou... sai asneira

"Falta menos de uma semana para abrir a janela do mercado de Janeiro. É uma daquelas janelas, onde raramente entra uma luz. Aliás, nestas famosas janelas de Janeiro, atendendo às circunstâncias em que clubes aflitos procuram o milagre de uma nova estrela que os guie às mais esplendorosas vitórias e em que clubes com equipas estabilizadas acabam por não resistir à tentação de trocar a segurança e a solidez de um projecto por um punhado de euros, salvo honrosas excepções, ou entra muito frio ou sai asneira.
Mesmo assim, os alegres gestores de muitos dos nossos queridos clubes (e não só) aliam-se dos contentes gestores de carreira dos jogadores e fazem do primeiro mês do ano um mercado aberto com negócios fechados. Sobram quase sempre em comissões o que acaba por faltar em lógica, em critério, em planeamento, em racionalidade. No entanto, o povo do futebol não só não lamenta os excessos e a ausência de rigor das escolhas em saldos, como até aplaude com o vigor próprio de quem se acha revigorado na esperança sem ter de depender ou chavo do seu bolso.
Não serei eu a negar, porém, o aproveitamento da oportunidade. Uma vez que ela existe, pois que se transforme num trunfo. O que eu alerto é para a exibição a céu aberto de uma prática repetida de falta de profissionalismo, quando não, mesmo, de falta de vergonha. O futebol desperta muitos interesses, o menor dos quais não é o económico. Daí que as compras e vendas de jogadores de torne um negócio apetecível e nem sempre pelas melhores razões. Nesta fase, as contratações devem ser particularmente cirúrgicas, precisas, rigorosas."

José Manuel Delgado, in A Bola

Chumbos!

"Sporting e SC Braga 'desceram à terra': muito duro e violento. Intenso brilho do Benfica (surpresa em hora H!) e de renascido Vitória

A 3 passadas do final da 1.ª volta, a anterior jornada foi muito curiosa: confrontos entre os 6 primeiros classificados (Rio Ave deixou de sê-lo). Por isso, teve extra de expectativa e importância. Não tanto o FC Porto - Rio Ave, porque no Dragão; muito especialmente em teste Benfica e SC Braga (directo despique com máxima ambição), Sporting e V. Guimarães (frente a frente potenciando definição de capacidades: um para conquista do título; o outro visando recuperar terreno, rumo ao objectivo 4.º lugar, campeão dos não grandes). Duros testes não se ficaram por meias tintas; houve rotundos chumbos e passagens com altas notas.

Chumbo n.º 1: Sporting. Pressentia-se ir ser o primeiro osso muito duro de roer no caminho do novo Sporting de Marcel Keizer. Vitaminado estava: só triunfos (8), 32 golos marcados, média de 4 por jogo! (mas também 9 sofrendo!...). No entanto, quanto a mim, fortes dúvidas se mantinham, suscitadas por passadeira verde: 5 jogos em Alvalade, e perante equipas com fraco peso (Chaves, Aves, Poltava, Nacional - ligeira excepção para Rio Ave, na Taça de Portugal). Nos 3 em casa alheia, houve peras dulcíssimas: Vildemoinhos e Qarabag... Ou seja: em 8 jogos, só o de Vila do Conde, para o campeonato, subiu no grau de dificuldade (muito bem superado). Teste perigosíssimo era o de Guimarães (vitorianos em notória escalada de rendimento: para além de terem pregado susto ao Benfica - 3-2, na Luz - e de terem ganho no Dragão - 2-3! -, 8 jornadas a fio sem derrota). Deu chumbo sportinguista - contundente, porque claríssimo! O Vitória foi sempre muito melhor equipa. Aplaudo Marcel Keizer, pela sua honestidade: não inventou desculpas, viu o jogo como todos vimos... - raridade nos nossos treinadores - e «temos de agradecer ao Renan por ser só 1-0». Cristalina verdade: mão cheia de grandes defesas, evitando goleada! Contraste: Douglas só uma vez teve de entrar em campo...
Dura descida à terra. Quiça mais preocupante que a derrota: firme bloqueio a Bruno Fernandes e a Bas Dost liquidou a linha de futebol sportinguista. Ausências de Nani e de Wendel notaram-se imenso - o que agrava ideias quanto a plantel...

Chumbo n. 2: SC Braga. Inesperadíssima goleada! Vencera Sporting e, com espectacular personalidade, exibira-se em grande nível no Dragão (derrota por tremendo azar: golo aos 90+3, depois de enviar 2 remates aos ferros). Que lhe dei frente ao Benfica?! Árdua eliminatória da Taça, triunfando em Setúbal, 4 dias antes, não justifica tal caos (Abel fez muito bem em tal não invocar). Dia péssimo acontece a muito boa gente. Imediato teste: nível de reacção e tão violento golpe. Certeza: na Luz, o SC Braga jogava tudo para manter quimera do título. Desaire - mesmo que fosse tangencial - deixa-o ultrapassado pelo Benfica e, sobretudo, a 6 pontos do FC Porto. Naturalíssimo adiamento do tão lindo quanto dificílimo sonho de António Salvador. SC Braga - bom plantel, mas não chegando aos de topo - a discutir pódio do campeonato e conquista de Taças já é muito bom!

Brilho: Benfica e V. Guimarães. Espectacular ressurgimento benfiquista, categórica confirmação de escalada vimaranense. Mau grado as facilidades que o SC Braga concedeu, muito mérito na exibição do Benfica. Veio dela substancial parte dessas facilidades. Alta qualidade, porque desta vez expressa em sistemático alto ritmo. Surpreendente, por tão conta a corrente dos últimos meses, foi! E, face ao que vinha sendo habitual, enorme contraste em matéria de eficácia! - galvanizando a equipa. Durante muito tempo, o Benfica criava inúmeras oportunidades de golo (não nos últimos jogos) e acertar na baliza era martírio. Em hora H - duelo crucial, afundando-se se não vencesse! - inspiração goleada chegou, e às catadupas! Nem tanto ao mar, nem tanto à terra... Os próximos episódios dirão.
Novo V. Guimarães está sendo excelente trabalho (mais um) de muito bom treinador: Luís Castro. Venceu no Dragão, vai agora em 9 jogos sem derrota. Pegou no Sporting, anulou-lhe os maiores trunfos, destrui-lhe organização, foi tão convincente que poderia ter goleado! Óbvia meta (difícil!): discutir especialíssimo título com eterno rival minhoto."

Santos Neves, in A Bola

Futebol

"Infelizmente o futebol internacional e português não vão por bons caminhos. O futebol precisa de estar em mãos sensatas, o futebol português tem mais jogos fora do campo do que dentro do campo. Há casos para todos os gostos e cor futebolística.
Gianni Infantino, presidente da FIFA, teve o desplante de tomar a decisão ridícula de proibir as televisões de focar mulheres belas e atraentes de forma a não tentar espectadores masculinos que estavam no estádio, no último Mundial. Nunca entendi tal atitude, o belo é para se ver, ao contrário, não viu inconveniente de focar e dar grandes planos de mulheres feias, nem de homens bonitos e feios. A Taça Libertadores teve que ser jogada fora da Argentina e jogou-se em Madrid que viveu momentos tensos, mais parecendo uma zona bélica com enormes medidas de segurança.
Em Portugal, o presidente da Federação Portuguesa de Futebol, Fernando Gomes tem cumprido sem fazer ondas, todavia alguns presidentes de clubes deveriam era fazer as malas e darem o lugar a outros. Queixamo-nos que a justiça portuguesa não funciona na política, que é muito difícil haver culpados e responsáveis, todavia o futebol vai pelo mesmo caminho. O ónus da prova é uma miragem, eles sabem fazê-las.
Programas de futebol, em versão comentários, têm um tempo de antena, quase obsceno que vai para lá de um jogo de futebol que tem 90 minutos. O comentário desportivo passa unicamente pelo futebol, parece outro jogo para além dos 90 minutos, em que se fala de tudo e mais alguma coisa, por vezes, a discussão chega a vias de facto com ofensas, ataques pessoais, abandonos e uma verbalização que faz corar qualquer menino do coro. É inacreditável o tempo de antena de "jogadores de boca" que proliferam nos canais de televisão portugueses. Eu não tenho dúvidas que cada vez menos portugueses vêem este tipo de programas. Eu deixei de o fazer há muito tempo, para preservar a minha saúde mental.
Gosto de ver um bom jogo de futebol, faço os meus comentários, analiso, opino e discuto com o meu filho, no final acabou e a vida segue em frente.
O futebol serve-me para me distrair e passar um bom bocado de tempo.
Todavia o desinteresse do futebol tem-se vindo a agravar pelo receio de se ir aos estádios e pelo clima bélico entre adeptos de vários clubes, principalmente do Porto, Benfica e Sporting.
Não podemos ignorar também o preço dos bilhetes que favorece quem é sócio, quem esporadicamente gosta de ver um bom jogo de futebol é muito penalizado. Por exemplo, eu gostava de ir ver o Porto- Roma, mas como não sou sócio do Porto o bilhete tem um preço exorbitante. 
Vivemos numa sociedade de fidelização quem não o faz paga por isso.
Por outro lado, acho que há jogos de futebol a mais e em dias seguidos da semana. A televisão assim o impõe. Há semanas que os jogos começam numa sexta-feira e vão até segunda-feira. Quando os jogos eram ao domingo de tarde eram muito mais interessantes e toda a família poderia acompanhar, deste modo, não havia a bebedeira de futebol durante a semana, em que se houver Liga Europa e Liga dos Campeões há futebol quase todos os dias da semana.
A nível de televisão o futebol ocupa o espaço mediático quase todo, há jornais desportivos diários: Record, Bola e o Jogo.
Se for avante uma Superliga europeia os grandes jogos também vão perder o interesse.
A nível nacional temos a Liga, Taça de Portugal e Taça da Liga, mais com jogos da Liga dos Campeões e da Liga Europa, mas não nos ficamos por aqui, pois temos os jogos de apuramento para o campeonato europeu e a seguir o apuramento para o mundial, por fim, os jogos amistosos. Este ano ainda tivemos a Liga das Nações que estamos apurados para a fase final. Acho que há futebol a mais e tudo que é em demasia, perde a graça, cansa, satura e leva ao desinteresse.
O Salazar se fosse vivo, para distrair o povo não faria melhor."

Dois lances que serviram de lição

"A última jornada da I Liga trouxe para primeiro plano dois lances muito interessantes sob o ponto de vista de arbitragem. Um pelo facto de exigir uma leitura e interpretação atenta do protocolo do videoárbitro (VAR), outro porque vem evidenciar a grande diferença entre a análise em campo e na televisão em movimento normal de uma jogada, em oposição à análise frame a frame dessa mesma situação. Vamos por partes.
No jogo Vitória Guimarães-Sporting, ao minuto 53, Guedes isola-se e perante o guarda-redes Renan acaba por ser tocado. O árbitro assinala de imediato livre directo à entrada da área e mostra cartão vermelho. Por ter havido um vermelho directo o VAR em função do protocolo, foi rever o lance para ver se estava tudo correcto ou se havia alguma irregularidade e, numa primeira análise, a infracção do guarda-redes "leonino" foi dentro da área o que transformava, de imediato, o livre directo em pontapé de penálti. E como houve uma tentativa de jogar a bola, de acordo com a alteração da chamada "tripla penalização", a sanção disciplinar era apenas de amarelo.
Contudo, o árbitro, após o VAR rever o lance e recomendar uma revisão do mesmo, dirigiu-se à área de revisão para ver as imagens e acabou por decidir recomeçar o jogo com pontapé livre indirecto a favor do Sporting por fora de jogo de Guedes no início da jogada.
Em primeiro lugar, dizer que esta decisão final foi correcta e obedeceu claramente ao que está escrito em termos de protocolo. E para percebermos isso socorremo-nos do livro das leis de jogo e na página 141 o ponto 2 diz que para decisões/incidentes relacionados com golos, penálti/não penálti, e cartões vermelhos por anular uma clara oportunidade de golo, pode ser necessário rever a fase de ataque que levou directamente à decisão/incidente. Isto poderá incluir a forma como a equipa atacante ganhou a posse da bola na jogada. Ora, é aqui que se enquadra este lance, pois o início da jogada começa com um fora de jogo de Guedes e, a partir daí, tudo o que se seguiu foi anulado e toda esta situação acabou por ser "salva" pela excelente intervenção do videoárbitro.
Um caso interessante ocorreu também no FC Porto-Rio Ave ao minuto 63, quando Soares tocou com o pé esquerdo na bola mas com o joelho direito tocou e derrubou o pé esquerdo de Nadjack, tudo isto no interior da área portista.
Em movimento normal parecem simultâneos ambos os toques, quer na bola, quer no joelho, o que na perspectiva do árbitro fica a ideia de corte legal e toque no adversário em virtude da acção e do movimento de ambos os jogadores. Por ser um lance de área o VAR foi analisar o lance e das duas uma, ou considerou correcta a decisão do árbitro, ou achou que sendo eventualmente duvidoso não havia um erro claro e óbvio e daí que, de acordo com o protocolo, não fez nenhuma intervenção. 
Contudo, ao analisar o lance frame a frame vê-se que Soares toca primeiro com o joelho no seu adversário derrubando-o e só depois há corte na bola o que significa que, em termos técnicos e de acordo com a lei, no plano teórico temos uma situação de penálti.
Em conclusão este lance é o típico penálti de televisão, impossível de detectar por parte do árbitro mas possível de analisar pelo VAR, mas onde um protocolo com características diferentes poderia levar pelo menos a uma intervenção por parte do árbitro no sentido de ser ele a ver as repetições no monitor e dar uma decisão final. Ou seja, o protocolo diz: "(...) O árbitro pode iniciar uma revisão para um potencial claro e óbvio erro ou incidente grave não detectado quando o VAR recomendar uma revisão (...)".
Pessoalmente, preferia que o VAR não tivesse qualquer intervenção quando a decisão inicial do árbitro fosse clara e obviamente correcta e em todas as outras situações para os quatro momentos previstos em caso de dúvidas ou lances, no limite, o árbitro iria ao monitor para ser ele a rever e a manter ou alterar a sua própria decisão.
Por último, dizer que não há sistemas perfeitos e infalíveis mas este videoárbitro veio para ficar, vai evoluir e melhorar, mas é, efectivamente, uma ferramenta utilíssima e que resolve muitos dos erros, conferindo uma outra verdade desportiva que todos nós queremos em geral e os árbitros em particular."

Amphilóquio e as suas circunstâncias

"De cada vez que escrevo sobre Roma lembro-me do episódios da guerra das trattorias. Conto já de seguida. Salvo erro encontrei-o num dos livros de Dino Segre, ou seja, o Pitigrilli, um desses seres humanos abençoados com o dom magnífico e divino do humor. Talvez em A Loura Dolicocéfala, mas não vou jurar. Bom, havia portanto três trattorias numa das ruelas estreitas do Transtevere. Certo dia, o dono de uma delas resolveu abrir a guerra publicitária. Vai daí, colocou um cartaz à porta: «Este é o melhor restaurante do mundo!». Com ponto de exclamação e tudo. Ligeiramente irritado, o vizinho mais próximo recorreu igualmente à propaganda. Mas foi subtil. Limitou-se a uma frase de cariz assassino: «Este é o melhor restaurante da rua!».
O terceiro proprietário tinha, pelos vistos, uma noção das realidades muito mais concreta. Não virou as costas ao conflito da exposição. Lá terá pensado para com os seus botões que a escalada dos autoelogios atingira um ponto do não retorno. Então, para fugir ao ridículo, limitou-se a ser sublime. E o seu restaurante passou a exibir uma declaração simplista: «Aqui come-se».
Veio este arrazoado a propósito de Roma, para fugir aos estereótipos de Rosselini, Ana Magnani e Anita Ekberg a tomar banho na fonte de Trevi, mas eu queria era mesmo falar de Amphilóquio, o primeiro brasileiro a ser campeão do mundo de futebol, e da estranha equipa da Brazilazio. O som tem algo de familiar? Pois claro! É uma mistura entre Brasil e Lazio. Como vêem, Roma não caiu aí em cima por mero acaso, aos trambolhões do céu da imaginação.
Vou portanto até ao início da década de 1930. E à história de um rapaz brasileiro chamado Amilcar Barbury que apareceu na Lazio para tentar a sorte como jogador mas, tendo rebentado um joelho uns meses após a sua chegada, foi convidado para ocupar o lugar de treinador. Ora, este Barbury tinha sido precedido por dois outros compatriotas, filhos de emigrantes italianos do Brasil: Juan e Octavio Fantoni. Mas conhecidos por Ninão e Nininho. Convenhamos: formidável esta dupla - Ninão e Nininho. Tanto podiam ser músicos sertanejos como personagens do La Strada de Fellini. Lembram-se? Com o Anthony Quinn e a Giulietta Masina? Zampanó è Arrivato!!!.
Prossigamos na fascinante aventura do nunca mais acabar de brasileiros que começou a desaguar nas margens do Tibre nesses anos 30 em que a Itália se preparava para ser duplamente campeã do mundo de futebol. Depois de Ninão e Nininho, vindos do Palestra de Belo Horizonte, clube de italianos, claro está, atracou em Génova o vapor Conte Verde. Era o dia 22 de julho de 1931, um daqueles dias caídos no olvido mas fundamentais para a história daquele jogo inventado pelos ingleses em redor da redondez de uma bola, essa mágica senhora das paixões, como diria o Poeta da Montanha.
Viajavam nesse navio nada menos do que o tal Barbury, que viria a ser o técnico da Lazio, Pepe Rizzeti, do Palestra Itália de São Paulo, Del Debbio, um centro-campista do Corinthians, e o interior Tedesco, do Santos. No dia 6 de Agosto, é a vez do navio Duilio entrar no porto de Génova. Traz no bojo Rato Castelli, médio-centro, Demaria, ponta-esquerda, Serafini, ponta-direita, e um extremo azougado com um nome esdrúxulo: Anphilóquio Guarisi Marques, nascido em São Paulo, em 1905, de pai português e mãe italiana. No Brasil adquirira a prosaica alcunha de Filó; em Itália seria Guarisi.
Não foi preciso muito tempo para que esta escola de samba com jeito para o futebol, todos contratados pela Lazio, que chegou a ter um total de 13 italo-brasileiros ao mesmo tempo, arranjasse umas tranquibérnias lá no Brasil de onde tinham vindo. Uma reportagem feita pelo Il Littoriali, tri-semanário que funcionava como suplemento do Corriere dello Sport, trouxe a público declarações inflamadas dos recém-chegados nas quais renegavam o seu estatuto de brasileiros e afirmavam estar, agora sim, na sua verdadeira pátria. O Jornal dos Sports não os poupou: renegados, traidores, ingratos e vendidos, foram vários dos mais suaves adjectivos que encontraram para qualificar os compatriotas.
Amphilóquio, o Filó, destacara-se no Paulistano, na Portuguesa e no Corinthians, jogara ao lado do lendário Friedenreich e fora chamado por quatro vezes à selecção do Brasil. Mas não levou a bem ter ficado de fora da convocatória para o Mundial de 1930, no Uruguai. «Eras sobre eras se somem/No tempo que em eras vem», escrevia Pessoa n’A Mensagem. Filó deixou de ser Filó e passou a ser Guarisi, nome da mãe, italiana como já vimos, e adotou a nacionalidade de tal forma que Vittorio Pozzo começou a chamá-lo para a squadra azzurra. Em 1934, Filó já não Filó, fez parte da Itália que venceu o Mundial. Era reserva, só actuou num jogo. Mas, no Brasil esqueceram o vitupério e gabam-se, hoje, de o ter como primeiro brasileiro campeão do mundo. Quanto aos portugueses, nem sabem quem é o Marques, da parte do pai. Basicamente, querem que o Filó se quilhe."

Estar (ou não) em Bombaim

"Os pobres são necessários em Bombaim. Eles são as mãos e o trabalho barato. Mas a cidade não foi feita para os acomodar.

Bombaim – De há uns anos para cá começaram a chamar-lhe Mumbai. Parece que acaba de vez com a velhíssima teoria de que seria a Boa Baía dos portugueses. Virá de Mumbadevi, a Mãe, na língua do Maharastra. Muito bem. Não vou discutir. Não gosto de discutir etimologias. Saio sempre a perder. Mumbai; ou Bombaim, tanto faz.
Espreitei por todo o Mundo o cancro devastador da pobreza. Das grandes cidades de África às capitais da América Central e do Sul, passando por lugares sinistros de Portugal onde há meninos que passam as noites escondidos do frio por debaixo de folhas de cartão canelado. Mas na Índia vi a miséria. Uma miséria capaz de marcar a memória com o ferro em brasa de uma chaga que se não explica.
Dizem as estatísticas que, de há vinte anos a esta parte, entram em Bombaim mais de mil e quinhentas novas pessoas por dia. Vêm dos campos e trazem nada consigo. E em Bombaim não há espaço para eles. Os velhos blocos de apartamentos estão cheios, os arranha-céus entretanto construídos estão cheios; as barracas erguidas a torto e a direito estão cheias. Foi V.S. Naipaul, Nobel da Literatura, que escreveu: “Estar em Bombaim é estar na multidão permanente.
De dia, as ruas estão apinhadas; de noite, os pavimentos estão repletos de gente que dorme”.
Os pobres são necessários em Bombaim. Eles são as mãos e o trabalho barato. Mas a cidade não foi feita para os acomodar. As estatísticas dizem também que cerca de duzentas e cinquenta mil pessoas dormem nas ruas de Bombaim. Dormem? Mas dormir do verbo dormir? Este número parece demasiado curto, extraordinariamente curto para quem atravessa os quilómetros e quilómetros de avenidas da cidade e os vê empilhando-se em passeios, nas ombreiras das portas, nos separadores das vias rápidas. É preciso um esforço muito grande para entender a Índia. É preciso entender que a mendicidade sempre foi importante para os hindus como uma espécie de teatro religioso, uma demonstração dos trabalhos do “karma”, uma lembrança permanente das obrigações de cada um para consigo próprio e para com as suas vidas futuras. Apenas o exagero dos números foi, com o tempo, desvalorizando esta ideia.
Em Bombaim vi defeitos físicos que não pensava possíveis. Vi mutilações horrendas que aterrorizam os olhares. Muitas são, ao que me dizem, infligidas na infância pelos pais, que assim julgam garantir um futuro para os seus filhos, ou por um mendigo-chefe de uma qualquer estrutura organizada de pedintes que adquiriu a criança e pretende assim provar-lhe os pecados cometidos nas suas vidas anteriores. E os miseráveis foram corrompendo a nobreza de Bombaim. Escureceram essa cidade de edifícios vitorianos e fachadas góticas imponentes. E transformaram-se numa força política de importância primordial num processo lento de reacção comunitária perante as necessidades destes milhares e milhares de milhares de sem-abrigo. Uma força política nascida de uma nova religião cujos seguidores se consideram adstritos a um exército: o Shiv Sena, o exército de Shiva. Não o Shiva deus, mas Shivaji, o líder da guerrilha maratha no Séc. XVII que desafiou o império mongol e fez dos marathas, o povo da região de Bombaim, um dos grandes poderes da Índia durante o século que se seguiu.
Junto ao Hotel Taj Mahal, um dos mais luxuosos do Mundo, de frente para as portas da Índia, está a estátua equestre de Shivaji. Ele é o emblema do poder do Sena, do poder das colónias do pavimento, do poder dos habitantes das ruas, dos párias que demandavam a cidade e o trabalhos nas antigas fábricas de cortumes. Lá dentro, pelo corredores, fotografias de artistas, de cinema, da música, do desporto. Gosto de vir aqui. Acreditem: é barato. Para nós, que não queremos gastar mais de 25 euros num jantar e jantá-lo sentado entre o explodir das estrelas. Mas, quando saírem, saiam devagar.
Pelas vizinhas artérias de Colaba, pela largura de Cama Road, ali ao lado, espalham-se as figuras descarnadas dos seus súbditos sem cama e sem comida. Não os pisem."

A pelintrice de D. Manuel

"Vasco da Gama – Eles por aqui dizem Vascudegama, tudo misturado. Ou então apenas Vasco, para facilitar, aí já sem u. O aeroporto de Dabolim fica mesmo ao lado. Península de Mormugão, a 30 quilómetros de distância de Pangim, no delta do rio Zuari, maior porto de Goa, barcos parados sobre as águas, um ou outro, mais pequeno, de pesca, que zarpa em direcção ao horizonte, os edifícios da base naval indiana da INS Hansa, as instalações mal cuidadas dos Estaleiros Navais de Goa, os ferries para Dona Paula. Ao longe, a Ilha Grande, e as baías consecutivas de Bimbel Beach e Bagmalo Beach, sempre para sul até Velsão, Cansaulim e Majorda.
Estou na zona mais densamente habitada do estado de Goa, o mais pequeno de toda a Índia. Aquele que foi português até dezembro de 1961 mas cujas estações de caminhos-de-ferro, percursos fluviais e divisões administrativas ainda fui obrigado a decorar anos mais tarde, na Escola Primária de Santa Cruz, na ilha da Madeira, o ponto mais alto da ternura, num sala pejada de bibes brancos que tinha dependuradas na parede as fotografias de Sua Excelência o Presidente da República, Almirante Américo Deus Rodrigues Thomaz, e do Senhor Presidente do Conselho, Professor Marcello José das Neves Alves Caetano, sob um crucifixo no qual jazia, em prata, um Cristo cabisbaixo que velava por nós e, sobretudo, por eles. Goa, Damão e Diu, a Ilha de Angediva e os enclaves de Dadrá e Nagar-Haveli. Começávamos as aulas pela manhã com a lengalenga da Avé Maria Cheia de Graça/O Senhor é Convosco, ventre e tudo, e fechávamos para o almoço com as vozes afinadas nos Heróis do Mar/Nobre Povo/Nação Valente. Eram tempos bizarros, convenhamos.
Quando Vasco da Gama chegou à Índia era maio e fazia um calor insuportável em Calecute. Aliás, ensina-nos a História, era domingo quando Vasco da Gama chegou à Índia, mas só na segunda-feira é que João Nunes foi até Calecute. Os barcos ficaram parados um pouco mais a norte, ao largo de Pandarane e de Kappad Beach.
João Nunes era um degredado, mas parece que não era mau homem e revelava até alguma sensibilidade. Num assomo de ciúmes, espancou brutalmente o primo Fernão Nunes que lhe cobiçava a mulher, Constança, causando-lhe a morte. Ou talvez não tenha sido bem assim. Não garanto. João Nunes foi condenado ao degredo e ao porvir. Viu a cidade dos Samorins.
Parece que os presentes que Vasco da Gama levou ao Samorim de Calecute não eram lá grande coisa: algum tecido; uma dúzia de casacos; seis chapéus; coral; seis bacias; uma caixa de açúcar; um barril de mel e outro de manteiga rançosa.
Conta-se que o Samorim de Calecute riu-se que nem um perdido com os presentes de Vasco da Gama e com a pelintrice de D. Manuel, que queria ser Rei do Mundo comprando monarcas menores à conta de bugigangas.
Na Índia, dar presentes é muito importante. Mesmo que esses presentes façam as pessoas casquinar de gozo. Para os indianos, os presentes representam um regresso à infância, e na Índia a infância é transcendente.
A infância é a fase da vida em que temos mais dificuldade de separarmos o nosso mundo interior do mundo exterior. Os indianos vivem num estado de desenvolvimento em que o mundo exterior não tem uma existência independente, mas vive eternamente relacionado consigo e com os seus sentimentos. De certo modo, é como se vivessem numa infância permanente. Por isso as coisas não são apenas coisas: são boas ou más, ameaçadoras ou reconfortantes, brilhantes ou sombrias, conforme os sentimentos de quem as vê.
Estando em Vasco da Gama, Alto de Chicalim, a ver o mar pelo qual Vasco da Gama aqui chegou antes de isto ser Vasco da Gama, não consegui deixar de sorrir a pensar no Samorim de Calecute às gargalhadas perante os presentes foleiros de D. Manuel. Não deve ter sido uma situação agradável para Vasco da Gama. Até certo ponto, o Samorim mandou-o à merda. E isso não vinha nas sebentas..."

Quem 'matou' a mudança? Suspeito n.º 11 - As situações... e os momentos de...

"Estava uma manhã cinzenta, mas não chovia e o Detective Colombo descia a rua em paralelo que dava acesso ao Pavilhão de treinos das modalidades “amadoras”. A meio da descida, começa a visualizar o principal campo de treinos de Futebol. Uns passos mais à frente e à sua direita uns poucos degraus, um pequeno espaço e o acesso ao Pavilhão de treinos. Passada a porta, um pequeno átrio para se assistir aos treinos e a seguir uma porta de acesso aos balneários. Passou a porta e encontrava-se num corredor. Enquanto se dirigia para uma porta ao fundo, o Detective Colombo constatava várias portas de acesso a diferentes balneários. Começava pelo balneário dos Minis, seguia-se o dos Treinadores e ao fundo 3 portas. Na sua direita, a porta do balneário das equipas mais velhas, à sua esquerda uma entrada directa para um dos campos de treino e em frente a porta de acesso à arrecadação. Estava aberta, mas mesmo assim o Detective Colombo bateu à porta.
O Sr. Carlos estava a tratar dos equipamentos, virou-se e disse – “deve ser o Detective Colombo!”. “Sim, sou” – respondeu o Detective. “Disseram-me que iria passar por cá para falar comigo” – devolveu o Sr. Carlos. O Sr. Carlos estava na casa dos 60, mas aparentava mais idade. Era de estatura baixa, moreno, bigode farfalhudo, cabelo grisalho, rosto muito “moreno” das muitas horas de trabalho no exterior, não de praia, e marcado por muitas rugas. Era um trabalhador competente e incansável. O primeiro a chegar ao Pavilhão e o último a sair. Deslocava-se sempre na sua “pasteleira”. Vivia para o Clube, para os atletas e recordava com saudade os tempos de juventude em que tinha feito parte de um grupo de Teatro amador. Era muito reservado, observador, discreto e contido.
“Sr. Carlos, como sabe, estou a trabalhar para o Clube a pedido do Presidente Angie” – começou por dizer o Detective Colombo. O Pavilhão estava tranquilo, não havia nenhuma equipa presente e o Sr. Carlos tinha todas as suas tarefas resolvidas, pelo que respondeu – “sei que sim Sr. Detective o Presidente Angie ligou-me pessoalmente a pedir para colaborar com o Detective”. O Detective Colombo ficou admirado e pensou “o Presidente ligou directamente!”. A sua cara desencadeou a resposta do Sr. Carlos – “parece admirado Sr. Detective, mas estou no Clube há muitos anos e o Presidente Angie, também passou por este Pavilhão, na sua meninice e eu já cá estava”.
“Pois bem, o Sr. Carlos está diariamente no Pavilhão, vê muitas equipas e jogadores a jogar, vê muitos jogadores e gostava de saber o que é que, na sua perspectiva, poderá estar a impedir as equipas e jogadores de melhorarem os seus resultados?” – perguntou o Detective. O Sr. Carlos ficou intrigado, mas dado o pedido ter sido feito directamente pelo Presidente Angie, anuiu em colaborar e começou por dizer – “os nossos miúdos e graúdos dão-se muito bem com os adversários que conhecem. Chegam ao Pavilhão cheios de confiança, equipam-se rapidamente, entram no Pavilhão a pensar que vão ganhar e as coisas correm muito bem. Há dias em que os seus desempenhos são memoráveis. Contudo, quando o adversário é desconhecido, como acontece em alguns jogos internacionais, tudo é diferente”.
“O que quer dizer Sr. Carlos?” – perguntava o Detective Colombo. “Olhe” – começou por dizer o Sr. Carlos – “por vezes há jogadores que ficam doentes nas vésperas desses jogos, alguns chegam muito próximo da hora de concentração, cabisbaixos, outros a roerem as unhas, demoram muito tempo a equiparem-se, antes de entrarem em campo vão à casa de banho, que por vezes fica impossível de se estar perto, entram no Pavilhão às pinguinhas e quando estão a jogar não os reconheço”. “Como assim?” – explorava o Detective Colombo. “Sabe Detective eu vejo todas as equipas a treinar e a jogar. Sei o que são capazes de fazer, porém, nestas situações eles não conseguem jogar o que são capazes, não nos mostram o que sabem e conseguem. Olhe Detective, por vezes e é como se estivessem a jogar dentro de coletes de forças, presos de movimentos. Não parecem os mesmos. Se não os conhecesse, nestes momentos, diria que não eram capazes de mais, depois, no final dos jogos, arranjam desculpas com os colegas, treinadores, árbitros, sistema de jogo e pior do que isso é que este ciclo se repete perante adversários desconhecidos e quando reencontram aqueles com que jogaram a primeira vez e as coisas não correram bem” - devolveu o Sr. Carlos.
“Estou a perceber o que me está a dizer” – dizia o Detective Colombo quando é surpreendido pela interrupção do Sr. Carlos, parecia que o que tinha para dizer era muito importante, que lhe estava atravessado na garganta e que queria muito que os jogadores fossem capazes de expressar em campo, contra os adversários que desconheciam ou tinham anteriormente perdido, todas as suas capacidades, em vez de se derrotarem a eles próprios, por nem sequer arriscarem e tentarem e acrescentou. “Imagine um actor a entrar em num palco em que na assistência está apenas a sua família, que o apoia incondicionalmente. O actor sente-se confortável, seguro e consequentemente representa o seu papel com todas as suas faculdades. Agora pense no mesmo actor, mas agora e de repente vai actuar para um público que desconhece e não sabe como irá reagir ou que irá actuar no palco em que actuou na noite anterior e foi assobiado” – dizia o Sr. Carlos, enquanto o Detective Colombo recordava uma situação idêntica que tinha acontecido consigo, na sua infância, quando actuou pela primeira vez, numa peça da Escola e começou a ter as mesmas sensações que sentiu nessa altura: aquela ansiedade, divisão entre entrar em palco ou não, entre representar ou fugir do palco, o discurso derrotista de dizer a si próprio que não ia correr bem, que as pessoas não iam gostar e o receio das consequências de tentar e ter um mau desempenho e que, por isso, o melhor era nem sequer tentar e disse – “compreendo perfeitamente o que me está a dizer Sr. Carlos”.
“Tivemos um jogador estrangeiro” – partilhava o Sr. Carlos – “que quando aqui chegou, parecia que não ia durar uma semana. Tinha viajado para um país desconhecido, estava num Clube e equipa que não conhecia e desconhecia igualmente os colegas de equipa. No final do treino, via-o sistematicamente a tirar um bilhete da carteira, do tamanho de um cartão multibanco e lia o que dizia de um lado, virava-o e lia o que dizia do outro lado. Os dias iam passando e ele repetia o ritual e curiosamente de dia para dia o jogador exibia-se cada vez melhor. Acabou por tornar-se um dos nossos melhores estrangeiros e no final da época perguntei-lhe o que dizia naquele bilhete, que lia religiosamente, quando terminava cada treino e jogo. Num dos lados dizia F.A.I.L. e perguntei-lhe o que queria dizer e ele disse-me Falhar. Achei estranho e nem estava a conseguir associar a melhoria de rendimento ao F.A.I.L., mas quando lhe pedi para explicar o que dizia do outro lado, tudo fez sentido First Attempet In Learning. Ele Não falhava, as coisas ou lhe corriam bem ou ele Aprendia e por isso todos os dias voltava a tentar, a arriscar e com isso tornava-se melhor.”
Estava perto da hora de almoço e o Sr. Carlos pega num clipe, prende as calças à canela direita e arranca, na sua “pasteleira”. O Detective Colombo pega no seu bloco e começa a tomar algumas indicações sobre o que aprendeu da conversa com o Sr. Carlos, para informar o Presidente Angie:
- Podemos aprender com todos e hoje aprendi muito sobre o Clube e sobre as pessoas com o Sr. Carlos, responsável pelos equipamentos.
- Perante situações conhecidas e em que foram bem-sucedidos, os atletas e as equipas sentem-se confiantes, acreditam que vão ser capazes e acabam por ter desempenhos memoráveis.
- Porém, quando as situações são desconhecidas ou há uma reexposição a situações em que as coisas não correram bem, alguns jogadores e treinadores não sabem o que é a ansiedade, não a reenquadram, começam a tentar explicar o que desconhecem dizendo a eles próprios, antes do jogo, que será muito difícil, que não vão ser capazes, e depois do jogo que a culpa foi do árbitro, colega ou treinador, e esta “solução encontrada” aumenta a ansiedade, em vez de a redirigir, por sua vez gera um nível de tensão que limita, condiciona o que é que os jogadores e treinadores fazer e o que poderão vir a fazer, pois não arriscam, nem sequer tentam e por isso obtém resultados negativos ou repetem-nos, e que também poderá induzir estados de doença.
- Encontrei mais um responsável de poder estar a “matar” a mudança no Clube – gerir as situações desconhecidas e os momentos reexposição a situações que correram mal.
Fecha o bloco, levanta o olhar e vê o campo de treino à sua frente e recorda-se das muitas situações em que: os alunos antes dos exames em que desconhecem os seus resultados e estes são importantes ou quando estão a repeti-los; e os colaboradores de uma empresa antes de uma reunião importante ou depois de outra ter corrido mal; que nem sequer tentam, quanto mais arriscar e com isso comprometem os seus resultados, a qualidade da sua experiência e as suas contribuições.
“Tenho que falar com o Presidente Angie” – pensou o Detective Colombo enquanto subia a acentuada e difícil rampa em paralelo, que parecia personificar a dificuldade em mudar, mas que acabou por conseguir subir, como conseguirá o F.C. os Galácticos e conseguirão todas as pessoas que quiserem mudar."

Do 'fair play'... ou do 'enganem-me que eu gosto'!

"Fala-se de futebol, pensando-se que se está a falar de desporto. Fala-se em ética no desporto quando se deveria estar a falar de moral no desporto. Fala-se de fair play em qualquer situação nem que seja somente no mero cumprimento do regulamentado… Utilizam-se indiscriminadamente no desporto meia dúzia de termos que se foram banalizando acabando-se por se perder o seu real significado. Um problema de semântica ou um problema de conhecimento? Ou ainda, um problema de manipulação? 
Tanto a comunicação social como o público consumidor de desporto acabam vítimas de um espectáculo apresentado por profissionais em que os valores da cultura desportiva original há muito se esfumaram, criando-se assim um círculo vicioso. Um dos termos mais generalizados é “fair play”… aquilo que se exige ao desporto mas que não se exige no dia a dia-a-dia da sociedade ou da política…
A noção de fair play encontra-se relacionada com omissões nas regras e regulamentos ou com situações em que o agente desportivo – competidor, treinador ou outro – busca uma certa equidade, procurando o mesmo adaptar essa omissão existente à situação do momento, pretendendo aplicar um critério de justiça e igualdade, sendo esse fair play um comportamento intimamente ligado aos valores do referido agente e que são moral e culturalmente relevantes perante a sociedade e que a mesma legitima.
Falacioso o título “Peruanos e dinamarqueses dão show de fair play nas redes sociais - Federações de ambos os países deixam o exemplo” (Record, 30.05.2018)…
Intitular uma notícia ou um artigo, tal como se pode ver na internet (12.12.2018), com a frase “Um fair-play brutal: Dínamo de Kiev dá a mão ao Shaktar e deixa Paulo Fonseca emocionado” porque um clube cede o seu campo a outro nada tem a ver com fair play… poderá ter a ver com cortesia e com bom relacionamento entre clubes…
Tal como o facto do judoca egípcio Islam El Shehaby, que se recusou a cumprimentar o adversário, Or Sasson, de nacionalidade israelita, nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro nada ter a ver com ausência de fair play, mas sim com a formação do competidor e com a sua falta de respeito pelo adversário.
A própria FIFA colabora neste erro ao chamar “regra do fair play” ao critério que desempatou o Japão e o Senegal no grupo H no último mundial de futebol. Os japoneses acabaram por passar para a segunda posição do grupo, à frente dos senegaleses, por estes terem mais dois cartões amarelos atribuídos que os nipónicos. Este aspecto organizacional, legal e regulamentar nada tem a ver com a noção de fair play…
O comissário Iúri Rodrigues, num artigo intitulado “A pirotecnia verbal e literal é o que mais preocupa” (O Jogo, 25.11.2018, p. 33), ao abordar a problemática dos comentadores desportivos – “gurus da informação” segundo as suas palavras – sobre os mesmos afirma que “há falta de fair play, quere-se ganhar a todo o custo e julgam que estão legitimados a criar ambientes de intimidação.” Mais um uso incorrecto do termo fair play, porque o que existe é falta de princípios…
Não é uma questão de fair play ajudar ou socorrer um adversário num momento de lesão. Este é um acontecimento – que muito aparece na história do desporto – relacionado com a solidariedade entre seres humanos.
O fair play é um comportamento, logo algo visível, determinado por valores. Está intimamente ligado à acção de um qualquer agente desportivo ao prescindir de algo que lhe é favorável para repor uma situação. O agente abdica assim de uma situação vantajosa em prol da reposição da veracidade dos factos.
Num jogo de futebol em 2005, Miroslav Klose, então atacante do Werder Bremen, avisou o árbitro de que este tinha marcado uma grande penalidade inexistente favorável à sua equipa, pelo que o árbitro anulou a sua decisão. Em 2012, desta vez ao serviço da Lazio, Klose marcou um golo com a mão, o árbitro validou-o mas a seguir o próprio jogador deu conhecimento ao mesmo da ocorrência, voltando este atrás com a sua decisão. Fair play declarado!
Mas existe também o reverso da medalha. Em Novembro de 2009, no França-Irlanda de apuramento para o Mundial de 2010 na África do Sul, Thierry Henry joga deliberadamente com a sua mão esquerda a bola e Gallas marca de cabeça, sendo o golo validado pelo árbitro… e a França apura-se. Após o jogo Henry declarou: “Sim, houve mão, mas eu não sou o árbitro.” Em Junho de 2010, em jogo de apuramento para o mesmo mundial, mas com outros intervenientes (Alemanha e Inglaterra), Frank Lampard remata à baliza, a bola bate na trave, ressalta para o chão transpondo a linha de golo, e Manuel Neuer, agarrando a bola coloca-a de novo em jogo. Nada sancionado… Mais tarde, diria Neuer: “Tentei não reagir ao árbitro, concentrando-me apenas no que estava a acontecer. Dei-me conta de que estava para lá da linha e penso que o facto de eu ter sido tão rápido enganou o árbitro, fazendo-o pensar que não estava.”
Muitos exemplos conhecidos de jogadores que propositadamente falham a marcação de grandes penalidades poderão ser confrontados com um dilema. Isto porque, no desporto pós-moderno, o jogador é pago pela entidade patronal para marcar golos… e não para ser honesto.
Ultimamente vieram a terreiro duas notícias coincidentes no tempo e no ocorrido. A primeira, sobre a segunda jornada da 2.ª fase do Campeonato Distrital de Infantis, entre o Aljustrel e o Alvito. A equipa visitante alinhou somente com 6 jogadores (futebol de 7), pelo que o Aljustrelense, por sua iniciativa e sem que qualquer regulamento o obrigasse, fez alinhar também a sua equipa com menos um jogador. A segunda, acerca do jogo de futsal entre as equipas de iniciados do Vitória de Santarém e do Sport Clube Ferreira do Zêzere – escalões de formação – em que esta segunda equipa só se pode apenas apresentar com 4 elementos. Os escalabitanos entenderam então fazer alinhar a sua equipa também só com 4 jogadores. Seriam estas situações semelhantes – e sim, demonstrativas de fair play – possíveis no futebol profissional?
Exijamos e pratiquemos o fair play na vida diária, na convivência com os nossos semelhantes, mas exijamos também que não nos tentem enganar com a utilização indiscriminada desse termo no desporto."