sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Volta depressa, Zé

"Mourinho em período de reflexão

José Mourinho nunca foi de consensos. Nem nos momentos de consagração, quanto mais nas ocasiões em que teve de fazer a mala. Daí que agora, que foi despedido pelo Manchester United, seja tão válido destacar os três títulos conquistados em dois anos e meio como o mau futebol praticado pelos «red devils» durante quase todo este período.
O técnico português foi quem mais honrou a herança de Sir Alex Ferguson no que aos títulos diz respeito, mas ainda assim ficou muito distante da exigência cultivada pelo mítico técnico escocês em Old Trafford. Mas neste período de natural reflexão, junto da família, Mourinho deve concentrar-se sobretudo naquela que é a sua herança: a do treinador que mais fez pelo futebol português. 
Consumado o pior registo de vitórias desde que deixou Leiria, deve analisar a forma como se afastou do seu próprio legado.
A ideia que fica é que, ali entre 2010 e 2013, Mourinho deixou-se levar pelo lado mais submisso do jogo. A festa em Camp Nou, na antecâmara do título europeu conquistado pelo Inter, serviu de guia para depois, ao serviço do Real Madrid, encarar os duelos com o melhor Barcelona da história.
É verdade que esse sempre foi um dos principais trunfos de Mourinho - a capacidade para condicionar o adversário a partir de um estudo pormenorizado -, mas o técnico setubalense não se tornou especial só por isso. Elogiava-se também uma identidade bem vincada, que não estava dependente do opositor, e patente em todos os momentos do jogo. Em todos os lances do jogo.
José Mourinho foi reduzindo essa marca ao longo dos anos, também por culpa da forma como foi olhando para o mercado. Por ter deixado que, em alguns casos, a ambição de uns fosse dominada pelo conformismo de outros. E se antes o técnico português parecia escolher as lutas de egos a dedo, dada a forma como saía reforçado interna e externamente, os últimos anos têm revelado diferendos inultrapassáveis.
Esta pausa forçada permitirá também repensar a composição da equipa técnica e avaliar o impacto da saída de Rui Faria, braço direito durante quase duas décadas. É que nenhum treinador se torna especial se não estiver bem rodeado.
E Mourinho continua a ser especial. Precisa é de recuperar os passos que lhe deram esse estatuto. Que volte depressa. Aos bancos, e a esse caminho de sucesso."

Violência no desporto: a responsabilização dos clubes pela conduta de adeptos

"O legislador não tem dúvidas sobre qual deve ser a resposta a dar pelo Direito. O regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância no desporto (actualmente em revisão), responsabiliza os promotores pelo esforço da segurança, tornando-os para além disso responsáveis pela formação de associados e adeptos com vista à adopção de condutas conformes com a ética desportiva, prestando especial actuação normativa aos grupos organizados. Segue, de resto, as orientações dos organismos internacionais.
No mundo do futebol, onde o fenómeno da violência adquire maior expressão, também os clubes parecem não ter qualquer dúvida quanto à responsabilidade que lhes cabe na prevenção deste tipo de violência. Os regulamentos federativos enunciam um conjunto de deveres impostos aos adeptos, cujo desrespeito, sem embargo da responsabilidade individual de natureza criminal, sujeita os clubes à interdição do recinto desportivo, à realização de jogos à porta fechada ou a multa consoante a gravidade dos factos a apurar em due process. E foram os próprios clubes que aprovaram em Assembleia Geral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional normas que não se afastam, antes reforçam, a prevenção como arma, seja conseguida por acções de formação e educação nos princípios de sã convivialidade no ambiente desportivo, seja obtida pelo efeito de prevenção geral da sanção disciplinar.
Como noutros domínios da sociedade, e ao contrário do que amiúde se ouve por aí, não falta lei, nem a lei que existe é particularmente imperfeita. Imperfeita tem sido a sua utilização. Como explicar, então, os parcos resultados traduzidos na sucessão de casos de violência na rua e nas bancadas? Entre o conjunto de distintas razões – onde figura o fraco nível de severidade das sanções disciplinares - explica-se pela falta de efectividade da justiça desportiva perante a constante fuga dos clubes a essa responsabilidade.
O ainda jovem Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) e o Tribunal Central Administrativo Sul, instância competente para conhecer dos recursos das decisões do TAD em matéria disciplinar, perante situações factualmente equivalentes, ora anulam sanções impostas aos clubes tomadas com base nos relatórios dos jogos, entendendo-se que essas decisões chocam de frente com princípios transpositivos da ordem jurídica como são a presunção de inocência e a culpa em direito sancionatório; ora, em sentido diametralmente oposto, confirmam tais decisões sem verem qualquer lesão do direito de defesa dos clubes. É claro que a falta de uniformidade decisória contribui para enfraquecer o efeito de prevenção geral, essencial ao combate à violência em ambiente desportivo. Por isso, assume particular relevo o recente acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que reconhece a suficiência do valor probatório dos relatórios dos jogos.
O acórdão não constitui credencial para valorações definitivas dos factos com base nesses relatórios. Os clubes podem sempre questionar a veracidade dos factos e a legitimidade de inferências que através deles se extraiam. Pode ser que, quebrando um daqueles dogmas em que o Direito é fértil, esta decisão venha ajudar à mudança."