terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Definitivamente Varíssimo (e verdíssimo?)

"Esta época está a ser demasiado coincidente o trilho de certos árbitros e o apuro de determinadas arbitragens

1. O homem tem jeito. Com o seu ar peitudo e o seu apito fendido, vai dando cartas. É um sério candidato a destronar Pedro Proença. Não apenas como árbitro, mas também como futuro presidente da Liga. É tão varíssimo que dispensa o VAR, o qual, por sua vez, nem o ousa contrariar.
Desta vez, em Alvalade, e depois de o Nacional ter chegado ao 0-2, o cientista do apito achou por bem e fabiamente conceder uma grande penalidade ao Sporting que – sem culpas para expiar – não se fez rogado. Dúvidas ter-lhe-ão passado pela cabeça? Credo, nem pensar. Ver as imagens para se resguardar? Vade retro satanás! E o VAR ter-lhe-ia mandado esperar ou pedir para ir analisar a jogada? Qual quê, era uma afronta à posição de cátedra do leiriense. Não satisfeito com o primeiro penálti, o árbitro reincidiu. Havia 3-2, o resultado estava inseguro e, vai daí, Bas Dost (bom jogador, mas cada vez mais artista e piscineiro) cai desamparado por causa de uma ligeira brisa que soprava para aqueles lados. O juiz voltou a computar cerebralmente e lá vai mais um penálti, assinalado com o ar impante e sôfrego com que gosta de olhar para a marca branca de onde se chuta.
Já são muitos os casos deste juiz, que se vão acumulando e que denotam um exercício do ofício indigente e enviesado. A Comissão de Arbitragem continua a insistir neste novel (perdão, Nobel) árbitro, promovido, aliás, a internacional por força do aviário instalado.
Fábio Veríssimo – assim se chama o artista – tem uma particularidade que vai ganhando, época após época, foros de relevância estatística. Não me refiro tanto aos erros por não ter visto nada ou por decidir mal em casos mais difíceis, mas à quintessência da incompetência, isto é, a de ver (ou imaginar) o que não existiu. Sem dúvida, um mágico que faz acontecer o que não aconteceu, com a poção certa que, por mera coincidência, vem usando com alarde em alguns jogos de certa e determinada equipa, para seu (da equipa) benefício ou para malefício de outra certa e determinada equipa. Por exemplo, foi assim que também expulsou Lema no Benfica-Porto, sonhando com uma agressão justificada por uma visão ou alucinação a dois metros da sua testa.
Continuem a nomear esta potestade, continuem. Não se arrependerão, podem crer.
Entretanto, tudo prossegue na normalidade. Mais uma volta, mais uma corrida. O SCP já vai no seu oitavo penálti, sendo que os últimos quatro (com influência nos jogos contra o Santa Clara, Chaves e Nacional) somados e por atacado talvez dessem 3/4 de um penálti! A regra agora é clara: in dubio pro Bas Dost
Se no jogo de Alvalade nem valeu a pena acordar o VAR perante Sua Excelência o Senhor Veríssimo, nos Açores o árbitro entendeu mandar o VAR às malvas. Está evidentemente no seu direito e teve, ao menos, a coragem de ter sido ele a decidir revendo a jogada que antecede o golo da vitória do Porto. O certo é que Soares, no seu jeito desengonçado, fez uma gravatinha (ou um laçarote) ao defesa do Santa Clara. Admito alguma hesitação, mas pergunto: e se fosse ao contrário? Dúvidas não teve o comentador da Sport TV afecto aos jogos do FCP, Freitas Lobo, que disse tratar-se de um «encosto natural»!
Se o VAR só precisa de 0,000005% de dúvida para não contrariar o árbitro como foi o evidente penálti não assinalado de Felipe a um jogador de Portimonense (que, então, ganhava por 1-0), com Veríssimo a regra é a inversa: o VAR só precisa de 0,000005% de certeza para o acompanhar em certos penáltis! Uma coerência arbitral notável…
Ontem em A Bola pude constatar a prudência com que Veríssimo foi analisado. Álvaro Magalhães escreveu que o primeiro penálti foi «um pouco duvidoso» (pouco?!). Rui Baioneta diz que «se aceitam as decisões» e dá um 7 (em 10) ao árbitro, mais do que um seu colega deu ao juiz que esteve nos Barreiros (6). Duarte Gomes, que sempre leio com atenção, também lhe dá 7 (em 10) . Refere-se ao primeiro penálti como um «lance de dúvida», acrescentando que o defesa do Nacional «pode ter tocado com o joelho no pé de Bas Dost» e que este «tropeçou com o pé esquerdo no direito», para concluir que se «aceita a decisão». Pergunto, então depois de tudo visto e repetido vezes sem conta de vários ângulos, não se conseguiu descobrir o toque, mas aceita-se a fantasia de Veríssimo? Quanto ao segundo penálti, Duarte Gomes volta a ter muitas dúvidas: «Bas Dost foi mesmo empurrado/ derrubado?» para concluir por mais «um lance que deixou muitas dúvidas». Enfim, com algumas excepções, o silêncio perante a aldrabice é absolutamente ensurdecedor!
Quem não balbuciou um tímido som sobre tudo isto foi Costinha, treinador do Nacional. Ai se tivesse sido com o Benfica!
E, em São Miguel, e tal como aconteceu com Folha, também o treinador da equipa açoriana parabenizou o adversário e nada lhe ouvi sobre a tal jogada determinante do 2.º golo do Porto. Em suma, o respeitinho ainda é o que era: muito bonito!
Ao longo de um campeonato, sei que todos os árbitros erram, embora uns muito mais do que outros. Sei que que nenhuma equipa é sempre prejudicada ou é sempre beneficiada. Mas, esta época está a ser demasiado coincidente o trilho de certos árbitros e o apuro de determinadas arbitragens. Até podem os órgãos dirigentes vir-nos dizer que os erros do VAR são escassos (embora determinantes), como há dias aconteceu. Só não dizem quem é que com eles saiu a ganhar ou a perder. Pequeno lapso de omissão de uma estatística selectiva, para enganar os pacóvios.

2. Depois da débacle em Munique, alguma bonança no Benfica. Cinco jogos (três no campeonato, dois fora, um para a Champions e outro para a Taça da Liga), cinco vitórias (a que se junta a partida fora de casa com o Tondela) e zero golos sofridos. Um `pormaior’ atravessa esta série vitoriosa no campeonato: Jonas voltou a jogar e a marcar. Faz toda a diferença. No futebol estamos sempre a dizer ou a pensar «se não fosse aquele dia ou aquele jogo…». Pois é, tantas vezes me vejo a lamentar seis pontos desperdiçados em duas jornadas seguidas (Belenenses e Moreirense) que, em condições normais (e, se calhar, com … Jonas), o Benfica teria vencido e seria líder isolado.
Depois do lema «Reconquista», eis Rui Vitória com a divisa «Retoma», em jeito de linguagem de economia. Nos resultados vai-se nesse caminho, mas no jogo jogado, o Benfica pode e deve fazer melhor. Parece uma equipa muito sofrida, por vezes descrente, apesar de se perceber uma atitude bastante séria dos jogadores. Na Madeira, e ao contrário do que ouvi, até acho que o Benfica esteve melhor do que em jogos anteriores, menos precipitado, mais compacto e mais – como se diz em futebolês – cínico. Mas, de um modo geral, as actuações da equipa asseguram apenas os serviços mínimos. E continuo a não perceber a razão por que Zivkovic (o melhor jogador no Funchal) oscila entre ser titular e nem no banco estar, assim como julgo que é tempo de apostar mais em Krovinovic e fazer descansar Pizzi, manifestamente em baixa de forma.

3. Afastado da Champions, o Benfica arrecadou mesmo assim cerca de 50 milhões de euros, valor que, creio, jamais havia sido alcançado. Reconhece-se que, apesar de algum azar nos jogos contra o Ajax, o terceiro lugar no grupo é o adequado no confronto das 4 equipas. Já o FC Porto completou, com brilho, a sua caminhada para os oitavos de final. Se é certo que era o grupo mais acessível (actualmente Schalke é o 13.º na Bundesliga, Lokomotiv de Moscovo e Galatasaray 5.º e 7.º nos seus campeonatos), tal não invalida o mérito de uma participação quase imaculada. Sorteada a próxima fase, os portistas continuam, em teoria, a ter a bondade da aleatoriedade da escolha. Na Liga Europa a treta dos cabeças de série não passa disso mesmo. Ao SCP calha um Villarreal em posição de descida de divisão e ao Benfica sai o Galatasaray, um adversário mais complicado em jogos a eliminar. 

Contraluz
- Mítica: a Liga inglesa. Sempre. Aproxima-se o sempre emocionante Boxing day, uma festa gloriosa nos relvados, No último fim-de-semana, mais uma série de jogos de puro futebol, sem manhas, com árbitros que perdoe-se-me o paradoxo até a errar são competentes. Curiosamente com tantos atletas não britânicos, esta Liga continua a ser absolutamente inglesa. Até parece que os que vieram de fora e nela imergiram se transfiguraram no modo de jogar, de estar e de competir.
- Natal: Na história de 114 anos do Benfica, quase se poderia constituir um presépio desportivo. Senão vejamos: em Belém nasceu. Por ele passaram o Nascimento e o Jesus, o Messias e o Salvador, o Santa Graça Espírito Santo, o grande Bento e vários Santos, um Rei Mago Gaspar (no vólei) e um Cordeiro. Tudo com um Ângelo português e outro Angel argentino que veio com [Di] María, seguindo a estrela de David [Luiz]. E todos com muita Luz! Nota António Bagão Félix opta por escrever as suas crónicas na ortografia antiga O contador da Luz Definitivamente Varíssimo (e verdíssimo?)"

Bagão Félix, in A Bola

Aquela festa vermelha a branco e preto

"As legendas e as crónicas é que deram colorido às fotografias antigas. O Benfica acabava de conquistar o título de campeão da época de 1956-57. Águas foi o melhor marcador da prova. O povo, esse, entrou de supetão pelo relvado da Luz...

Tenho nas mãos uma daquelas publicações extraordinárias dos anos 50, o Sport Ilustrado. Na foto grande que ocupa a primeira página, a legenda diz: 'Cristóvão: guarda-redes da Académica, esteve sempre em actividade... Ei-lo a parar um remate dos encarnados, embora com certa dificuldade'.
A foto é a branco e preto, como está bem de ver. Melhor para a Académica, não é? Afinal os estudantes é que equipam de preto. Lá no fundo da fotografia, José Águas espreita. A sua camisola vermelha surge a cinzento. Mas atenção, que há muito mais encarnado neste conjunto a preto e branco. A toda a roda da manchete, um friso de fotos mais pequenas, assim como se emoldurassem a maior. Estafeta Guincho-Algés! Era um clássico da época. Neste ano a que corresponde a revista que manuseio - e que o meu amigo Campos Trindade fez o favor de me fazer chegar, ele que contribui imensamente para o meu nunca mais acabar de jornais e livros históricos -, 1957, o Benfica tinha estado perfeito. Patrício, Augusto Silva, Hélio Duarte, José Araújo e António Ventura tinham cumprido as passagens de testemunhos sem falhas. Uma vitória saborosa sobre o Sporting.
Regressemos ao futebol e, neste caso, à contracapa da revista. José Águas, de tronco nu, é carregado em ombros por uma multidão a perder de vista. Percebe-se que caminham sobre o relvado porque uma das balizas surge completamente submersa por aquele mar de pessoas. Os chapéus de alguns guardas republicanos são visíveis. A legenda esclarece: 'O rei dos marcadores na apoteose da Luz'.
E vai por aí fora: 'Terminou o jogo... Terminou o campeonato... Terminou o sofrimento... Os adeptos do Benfica, quando soou o apito final, arrastados por um ímpeto irreprimível de entusiasmo e de vibração, saltaram dos seus lugares e invadiram o rectângulo da Luz para vitoriar os campeões nacionais de 1956-57! A explosão popular foi, na verdade, excepcional!... Bandeiras rubras que mãos nervosas agitavam frenesi, serpentinas que riscavam o ar com num autêntico. Carnaval e foguetes que estralejavam por toda a parte, numa apoteose por que todos os benfiquistas ansiavam. Águas - rei dos marcadores do Nacional - sofreu, como todos os seus companheiros de equipa, as atribulações da espantosa e delirante consagração de gente benfiquista. Já nem a sua camisola, que um coleccionador de recordações lhe arrancou, ao terminar a partida, o avançado-centro dos campeões é levado em ombros e sorri, feliz pelo título conquistado'.
Pelo tom da prosa percebe o colorido do cenário.
Mesmo que a branco e preto.

Uma rija Académica
Continuo a levar-vos na viagem por esta preciosidade jornalística, se vocês me dão licença.
A reportagem fotográfica é abundante.
Foto: Serra, também ele levado ao colo, feliz pelo seu primeiro título de campeão como jogador da primeira categoria.
Foto: primeiros adeptos a invadirem o rectângulo abraçam Serra e Alfredo.
Foto: Otto Glória está sentado no banco; não esconde o nervosismo e olha para o relógio.
A vitória sobre a Académica (2-0) foi fundamental: o Benfica terminou o campeonato com mais um ponto do que o FC Porto, que, nessa mesma tarde, despachara o Vitória de Setúbal por 4-1.
Os golos da Luz foram marcados por Pegado (54 minutos) e Salvador (58).
Como se percebe, foi preciso sofrer. A Académica não se rendeu. Lutou pela sua dignidade.
O Sport Ilustrado trazia um título sugestivo nas páginas interiores: 'Carnaval!': 'Em escassos segundos, a onda humana, entusiástica e febril, fez desaparecer, como por encanto, a verde relva do Estádio do Benfica... Um mar de gente, agitando bandeiras encarnadas e brancas, consagrou os campeões. Foi sem dúvida uma bela página - sincera e vibrante - plena de colorido o movimento, a que os adeptos do grande clube escreveram na sua linguagem simples mais eloquente, no último domingo do campeonato'.
Último doa de Março também.
O colorido das páginas e da tarde temos de ser nós a adivinhá-lo.
E a vê-lo com os olhos da alma.
Nas páginas da revista que folheio convosco, é quase tudo a branco e preto. Mas isso não esconde um fortíssimo tom de vermelho... Um vermelho-feliz."

Afonso de Melo, in O Benfica

É para voltar para o campo outra vez?

"Na partida entre Benfica e Barreirense, quem mais deu nas vistas foi o árbitro

A 5 de Outubro de 1936, o Benfica defrontou o Barreirense, numa partida acordada na transferência de Raúl Baptista do Barreiro para os 'encarnados'. O Benfica aproveitou a ocasião para prestar homenagem ao seu presidente e organizou a Taça Vasco Ribeiro. Estavam reunidas todas as condições para um bom jogo de futebol: um troféu, duas boas equipas e algumas centenas de adeptos nas bancadas.
O Clube aproveitou para fazer algumas experiências e na primeira parte 'alinhou praticamente com quasi a sua «reserva»'. O avançado Espírito Santo, a cumprir a sua primeira época de 'águia ao peito', despertou a atenção da imprensa: 'revelou habilidade e espírito combativo que o leva a dar sempre luta ao adversário e ganhar lances que pareciam perdidos'. Mas em campo houve quem se destacasse mais. O 'árbitro (...) talvez, por estar apressado (...) no primeiro tempo assinalara o intervalo cinco minutos antes e tivera de reparar o equívoco voltando a chamar ao campo os dois grupos'. Os jogadores voltaram atrás e disputaram o tempo que estava em falta.
Na segunda parte, o Benfica fez entrar alguns habituais titulares, o que resultou num maior domínio por parte dos benfiquistas. Contudo, a partida chegou ao final do tempo regulamentar com os conjuntos empatados a zero. Mais uma vez, o juiz da partida evidenciou-se. Deu por terminado o encontro aos 90 minutos. Depois de alertado de que havia um troféu em disputa, e como tal seria necessário jogar-se mais 30 minutos, chamou novamente as equipas para o campo. Contudo, os atletas do Barreirense recusaram, 'alegando que já estavam em trajes menores no vestiário'.
Os ânimos exaltaram-se, nos camarotes os dirigentes dos dois conjuntos trocaram 'frases mais expressivas' e foi necessária a 'intervenção diplomática para evitar o risco de corte de relações'. Não se chegou a acordo e a Taça Vasco Ribeiro permaneceu na posse dos 'encarnados'.
Pode ficar a conhecer mais sobre Vasco Ribeiro, presidente do Benfica entre 1933 e 1936, na área 28 - Homens do Leme do Museu Benfica - Cosme Damião."

António Pinto, in O Benfica