quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Crime, digo eu

"É uma imagem que não me sai da cabeça: aquela mãe a cobrir a cintura do pequeno filho com engenhos pirotécnicos, para assim entrar tranquilamente no Estádio Monumental, na final da Libertadores, sem ser revistada.
Mãe?!
Pelo menos, e entretanto, foi condenada a dois anos e oito meses de prisão, com pena suspensa (onde é que eu já vi isto?), mas fica desde já impedida de entrar em recintos desportivos. Cá como lá, tenho dúvidas que isso aconteça. A investigação está no início, mas o ideal mesmo seria ficar impedida de ver o filho. Porque uma mãe que faz isto, não merece o filho que tem.
O episódio foi um de muitos que marcou a final da Taça Libertadores, que entretanto acabou adiada. Agora que nem sequer se vai realizar na Argentina, mas já lá vamos.
O autocarro da Boca Juniors foi barbaramente atacado por adeptos do River, mas sabem qual a capacidade do Estádio Monumental? É o maior da Argentina, com mais de 60 mil espectadores. E sabem quantos foram os adeptos que provocaram o caos? Identificados foram trezentos, os mesmos de sempre, dizem na Argentina. E sabem que mais? Já ganharam! Entre avanços e recuos o jogo acabou mesmo por não se realizar naquele dia e essa foi para eles a grande vitória. E quem é que perdeu? Todos os outros que não viram aquele que deveria ser um dos melhores espectáculos do Mundo.
Um deles chama-se Gabriel Hugo Lanza, era sócio do River mas deixou de o ser: «Rendo-me, não consigo mais. Este país é uma merda; estes políticos são uma merda; o fanatismo é uma merda». Esta publicação no Facebook tornou-se viral e por isso esta decisão radical ficou conhecida, mas de certeza que Gabriel não foi o único a tomar esta atitude.
A segunda mão vai agora jogar-se em local incerto, a 8 ou 9 de Dezembro. Parece que a cidade de Doha no Catar reúne as preferências. Certo mesmo é que não será no Monumental onde Pablo Pérez, um dos jogadores atingidos no ataque ao autocarro do Boca, garantiu que não jogava: «Não vou jogar num campo onde posso morrer. Se jogássemos e ganhássemos matavam-me. Tenho mulher e três filhas. A mais velha abraçou-me a chorar quando cheguei a casa.»
Sabem que mais? Já não quero saber. Jogue-se onde se jogar, já não vou ver. Perdi o interesse. Já não me interessa!"

A loucura verde e as mulheres brancas

"Cravan gostava de suicidar-se. Tinha uma carta sempre no bolso. Sussurava aos amigos: «Je mangerais ma merde». Desapareceu

Fabian Avenarius Lloyd podia não ter medo nenhum de andar à porrada mas não estava virado para combater na I Grande Guerra. Por isso, como se diz popularmente, pôs-se ao fresco. E neste caso a expressão é do maior realismo: arranjou um barquito à vela e atirou-se ao mar de Salina Cruz, ali em Oaxaca, no México, decidido a só sair dele quando chegasse à foz do Rio de La Plata, na Argentina, bem longe dos campos da Flandres onde as papoilas de John McCrae cresciam por entre cadáveres. A mulher, Mina Loy, embarcara dois dias antes num navio. Estava grávida e o casal não tinha dinheiro que chegasse para duas passagens.
Mina gostava do mar. E do azul. Escreveu um poema sobre o Mediterrâneo:
«The monstrous sapphire
lies in her lavish dowry
Crowned by Casinos
et with Provençal
olives
and spears to the mistral».
Era uma boémia por natureza, uma daquelas almas livres que trazem consigo um pedaço de papel para atirarem poesias ao vento. Esperou por Fabian em Buenos Aires e esperou em vão. Há quem diga que o mar o levou. E há quem garanta que não.
Vendo bem, Mina não esperou por Fabian. Esperou por Arthur. Seis anos antes, Fabian mudara de nome em homenagem à sua amante de então, Renée Bouchet, natural da aldeia francesa de Cravans. Ficou Arthur Cravan. E os seus versos eram torrenciais:
«Prendre tous les trains et tous les navires
Forniquer toutes les femmes et bâfrer tous les plats
Mondain, chimiste, putain, ivrogne, musicien, ouvrier, peintre...».
Como seria de esperar de um casal de poetas levaram a vida à beira do precipício. E o precipício de Arthur foi o mar. Morreu aos 31 anos, cedo, mas não foi um cadáver bonito. Porque nunca foi cadáver. O corpo de Cravan pode ter sido engolido por uma onda colérica do Atlântico mas ele era suficientemente criativo para inventar mais uma vida. Já o tinha feito e prometera aos amigos voltar a fazê-lo. «Tenho vinte países na minha memória e carrego as cores de centenas de cidades na minha alma». Adorava representar suicídios. Era agressivo, insultuoso, andava com uma garrafa de absinto no bolso do casaco junto com uma nota de despedida. E garantia que no dia em que se matasse deixaria a carta embrulhada no mesmo pano em que embrulharia os testículos.
Foi pela mesma altura que Cravan e o mar se tornaram num só futuro e passado ao mesmo tempo que Almada Negreiros ordenou:
«Despe-te da farda
desenfia-te da Impostura
e põe-te nu, ao léu
que ficas desempregado!».
Arthur desempregado da guerra. Nunca vestiria uma farda! Queria escolher os seus próprios inimigos e os seus aliados. Viveria entre os factos e acontecimentos virtuais, dono da sua própria biografia. Uma fatal pluralidade, chamou-lhe. Lia poemas para o público em cima de um palco, equilibrado numa perna só, e apresentava-se: «I’m Arthur Cravan. Poet & Boxer!». Tirava a camisa, mostrava a peitaça, esticava os músculos e sussurrava, em francês, a língua que usava com os íntimos: «Je mangerais ma merde».
É muito fácil escrever sobre Arthur Cravan. Aliás ele escreveu-se sem pruridos: «Dancing, fucking, boxing, walking, running, eating, swimming». Eu gosto de escrever sobre Cravan e sobre os milhares de episódios que se empilharam desacertadamente sobre a sua vida curta, ou talvez não. Ele endeusava Oscar Wilde, não por acaso seu tio, e Jack Johnson, outro Arthur, o Gigante de Galveston, o primeiro negro campeão do mundo de pesos pesados. Em Abril de 1916, nas Canárias, à míngua de tostões, nem sabia viver de outra forma, desafiou Jack Johson para um combate combinado e aguentou-se como pôde. Ganhou que chegasse para rumar a Nova Iorque. E ter, como já vimos, outra existência e, também, o final dela e das outras todas. O seu descaramento era suficiente para se intitular Campeão da Europa. E para ficar ao lado de Jack quando este se viu perseguido pelas autoridades americanas. Motivo? «Immoral purposes!».
Jack Johnson era igualmente descarado. Tão descarado que só teve mulheres brancas, de Alma Toy a Etta Terry Duryea, de Lucille Cameron a Irene Pineau. Coisa que o estúpido puritanismo não aceitava de bom grado. Foi acusado de viajar com mulheres brancas entre Estados com objectivo de comportamentos imorais. Se esta acusação era absurda, o facto de usar as companheiras como saco de pancada não era brincadeira nenhuma. Foi condenado a um ano de cadeia. Fugiu. Esteve sete anos a combater pelo planeta até que decidiu aceitar os doze meses de reclusão na penitenciária de Levenworth. Quando lá chegou, Cravan já era o fantasma eterno. Tinha escrito:
«Deixando as dívidas para trás
Rebolei como um ovo na verde loucura da relva...».
Talvez a sua loucura fosse verde. Verde-absinto."

Afonso de Melo, in Sol

Entre os anos e as horas

"Koweit – O escritor brasileiro Lúcio Cardozo sobressaltou-se no dia em que fez 40 anos: “Não sei como isto foi acontecer. Logo a mim, que tenho um talento tão grande para ser criança!”
Há 20 anos, o Toni estava no Dubai e eu estava lá com ele. Salvo erro, precisamente por esta altura. Era colaborador do Carlos Queiroz na selecção dos Emirados. Estavam também o Costa, e o Meszaros, e o Rolão Preto, e o Catoja, que nunca largava a viola.
Não sei se é por causa da bola (há lá algo mais infantil do que uma bola?!), mas a gente, quando se junta, tem um certo talento para ser criança. Crianças com histórias e com memórias. Não se pode dizer que a tarefa dos responsáveis pela selecção dos Emirados fosse muito exigente na altura. Períodos de estágio e observação de jogadores. Poucos: a qualidade não abundava. Uma viagem a Abu Dhabi para ver um jogo, outra um pouco mais longe, na fronteira do Omã, a Al Ain, onde o Nelo Vingada e o António Simões treinavam o clube.
O Carlos e o Toni eram vizinhos, num prédio na zona de Deira, janelas largas para um mar infinito. Dávamos uns passeios de barco, para lá de Jumeirah, até àquele lugar em que o edifício em forma de vela de Burj El Arab se ergue num perfil sem igual. Depois, em casa, eles discutiam pagamentos em atraso. Sentados no sofá, faziam contas dos meses que a federação lhes devia. Estava um dia de sol que estalava as vidraças, tínhamos combinado ir à praia, privada, claro, a exigir cartão de sócio. A Manuela, mulher do Toni, atenta ao que diziam, olhava o azul das águas do Golfo. Depois, pôs fim ao debate: “Mas vocês querem receber a que propósito se não fazem nada?”
Passava da meia-noite em Salmiya, no 12.o andar do Toni aqui no Koweit. Esperávamos pelo River Plate-Boca Juniors que não existiu. E desfiávamos lembranças pela madrugada com a sensação de que os anos passam tão depressa e as horas tão devagar..."

A senhora do 9D

"Manama - Quando a senhora sentada a meu lado no voo da Gulf Air que nos trouxe do Koweit ao Bahrein soltou um grito, percebi que tinha estado demasiado absorto nos atropelos onírico-sexuais de Jonathan Littell em “Uma História Antiga”. Olhei para ela com um pouco mais de atenção e vi até ao fundo dos seus olhos absolutamente negros um brilho horrorizado. Depois, o avião repetiu o mergulho, e o sabor do chá de menta veio-me à boca por via daquele tal fenómeno das mudanças de temperatura que provocam o aumento do dióxido de carbono. A senhora do lugar 9D voltou a gritar. 
Reparei que havia gente a rezar, sei lá eu a que deus se não acredito em nenhum. Não me passou pela cabeça ter medo. Nem coragem. Nem coisa nenhuma se não observar o que se passava em redor com a curiosidade própria dos que, de vez em quando, têm a possibilidade de assistir ao momento em que a espécie humana está à beira de borrar as calças, imagem muito grotesca para aqueles que ainda têm fé na espécie humana. De alguma forma, passar a vida em aviões e dar demasiada importância ao tempo que faz lá fora torna-se tão incongruente como um Vasco da Gama que enjoasse.
Desconheço por completo a resistência dos materiais aeronáuticos perante a violência das tempestades, mas creio serem bastante mais fiáveis do que os da nau São Gabriel mesmo que estivéssemos a abanar por todos os lados, da popa à proa, e a receber jactos de luz dos relâmpagos como se o tal deus dos meus companheiros do voo GF 214, entre a Cidade do Koweit e Manama, estivesse entretido a tirar-nos fotografias com uma câmara equipada com flash. Nem poderia fazê-lo de outra forma: o céu estava escuro como breu.
Guimarães Rosa gostava de dizer que mais vale cair de um sonho do que de um terceiro andar. Ora, 35 mil pés de altitude ficarão ligeiramente acima de um terceiro andar mas consideravelmente abaixo de um sonho. Neste caso, um pesadelo.
Nunca tive medo, pânico, fobia, nervoso miudinho ou qualquer um desses sentimentos que costumam ser associados a aviões, mas é óbvio que, se um dia tiver de tombar lá do alto dentro de um, gostaria que a pessoa no lugar a meu lado não fosse um gordalhão parecido com o Bud Spencer a suar em bica das mãos peludas. Até porque haveria uma possibilidade bastante espontânea de ele querer dar-me a mão nesses segundos definitivos.
Voltei de novo a minha atenção para a senhora do lugar 9D, a meu lado. Não lhe senti nenhuma necessidade de me dar a mão, até porque as levava juntas e agarradas uma à outra como se tivessem a vida lá dentro. Já não gritava, mas murmurava qualquer coisa volta e meia e eu não percebia onde é que ela queria chegar. A casa, certamente.
Senti um certo alívio por me terem arranjado um lugar ao lado de uma mulher bonita numa situação de eventual emergência, dispensando-me do Bud Spencer, do Kirk Douglas, do Gian Maria Volonté e até do senhor general Ramalho Eanes, todos eles companhias menos estimulantes num momento desgraçado.
A senhora do 9D cheirava a flores e senti que isso era ligeiramente tétrico. O avião foi descendo, lá como pôde, entre trancos e barrancos, e os seus olhos eram olhos compridíssimos de criança, com uma tristeza perdida que parecia não encontrar lugar por onde sair. Podem escrever-se poemas sobre olhos assim.
Não sei se já vos disse que a senhora do 9D era linda de morrer, se o termo vem a propósito. Estava completamente vestida de negro. Vi-lhe uma lágrima que não desmentia a verdade assustadora do sal. Um véu tapava-lhe a testa, descia-lhe pelo nariz, abrindo fendas para os olhos, prendia-se por detrás das orelhas e fazia-lhe desaparecer a boca e o queixo e o pescoço. Quando aterrámos, sorri-lhe, cúmplice.
Posso não ter visto, mas ela sorriu-me de volta."

Benfiquismo (MXIX)

"Despedido", "perdoado", "despedido" novamente...!!!

Boa vitória, mas ainda falta a 2.ª mão...


Benfica 3 - 0 Iraklis
25-15, 25-23, 25-23


Resultado enganador, o 1.º Set foi fácil, mas os outros dois foram equilibrados e no 3.º estivemos quase sempre em desvantagem... Na Grécia não será fácil... Hoje decidiu o Rapha!!!