quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Futebol em forma de 'chouriço' mediático

"Uma demoníaca atrofia mediática onde todos transmitem o mesmo. Uma estupidificação alimentada e alienante. Basta!

1. Não havendo jornada do campeonato de futebol, não há conferências de imprensa dos técnicos das principais equipas e escapamos aos respectivos resumos nos fartos e repetidos noticiários televisivos. Há uma semana, vinha de Beja de automóvel e liguei o rádio para ouvir as notícias. Mal o fiz, apanhei com um desses momentos imperdíveis que consistem nas perguntas e respostas de técnicos e/ou jogadores antes da realização de um jogo. Talvez porque viajasse sozinho, mantive-me escutando um ou dois minutos da conversa, ao contrário do que costumo fazer com a notável invenção tecnológica do controlo remoto dos televisores que sempre me facilita um fulminante dedilhar no dito aparelho. Foi o tempo suficiente para ouvir duas ou três respostas, a última das quais me impediu a remeter a rádio ao merecido silêncio. Fixei-a e aqui a reproduzo textualmente: «Para este jogo, só temos uma maneira de o enfrentar. É enfrentá-lo». Fiquei atordoado com tanta sapiência e pus-me a pensar em formulações retóricas equivalentes. Assim me surgiu a ideia luminosa de que num jogo, seja ele qual for, só existe uma maneira de o ganhar. Sabem qual é? É ganhá-lo. Ler A Bola na versão IPAD tem, entre outras, a vantagem de se ter um arquivo fácil, limpo e rápido para encetar uma procura de um resultado, de uma notícia, de uma entrevista ou de uma conferência de véspera.
Partilho aqui com o leitor, algumas das pérolas ditas por diferentes treinadores nas últimas semanas. Não é minha intenção criticar o que se diz (ou não diz), é antes pôr em causa o interesse da própria liturgia de vésperas. Imagino até quão aborrecido e pouco atractivo é para um treinador repetir-se ad nauseam e quão difícil é dizer algo de novo ou interessante para além dos lugares-comuns e (para alguns) de umas piadinhas ou graçolas na busca de uma manchete. Porque não se trata de individualizar, mas de abordar este sempre maçudo, desinteressante e recorrente evento (como agora se diz para tudo), limito-me a transcrever algumas frases sem referir o seu autor e evitando nomes de clubes (dos próprios ou dos adversários). E parto do princípio que o que vem transcrito no jornal é, selectivamente, o considerado mais importante ou interessante (!) dos muitos minutos que as televisões informativas despendem aos seus directos. Ora vejamos alguns dos muitíssimos exemplos de truísmos e tautologias discursivas que encontrei:
«Os treinadores vivem dos resultados»; «Temos de conhecer o adversário, as suas individualidades, o seu colectivo para percebermos a exigência do jogo»; «Estou agarrado a uma série de conceitos e esses conceitos levo-os para todo o lado, independentemente do sistema táctico»; «Os jogadores sanem o que temos a fazer e qual a nossa filosofia»; «Se não tivermos a bola, temos de ir rapidamente à procura dela e quando a tivermos não a podemos perder porque esta é uma máxima que defendemos»; «Se tivermos de alterar peças, alteraremos»; «A equipa tanto pode jogar de uma maneira como de outro»: «Passo a passo vamos tendo pontos»; «Resultados são resultados, e de qualquer maneira queremos vencer»; «Para ganhar, nós não queremos sofrer golos e queremos pelo menos fazer um»; «Nunca podemos dizer quais os jogos decisivos, porque todos são vistos como finais»; «É um jogo muito importante para nós. Queremos vencê-lo»; O que temos na nossa cabeça são os três pontos»; «Não podemos entrar no jogo a pensar que as coisas se vão resolver só porque se vão resolver»; Temos de escolher os caminhos para desequilibrar a equipa contrária»; «No final é que se fazem as contas»; «Todos os que viajaram estão disponíveis para ir a jogo»; «Vamos ter onze jogadores a jogar e mais sete no banco»; «O jogo teve coisas positivas e menos positivas»; «Sabemos onde estamos»; Não ficamos contentes por perder»; «Nós a querer muito ganhar e, do outro lado, também uma equipa que nos quer ganhar»; «Qualquer jogador tem de estar bem fisicamente»; «Se joga hoje ou se vai para o banco, saberão amanhã». Por aqui me fico, sob pena de não ter mais espaço para outros assuntos.
O futebol jogado conviveu muitos e bons anos sem estas situações e nada de mau lhe aconteceu. Percebo que haja jogos, partidas decisivas, momentos de esclarecimento prévio que até justifiquem um contacto interessante com os media. Mas sempre e a todas as horas, seja o mais insignificante encontro ou o mais decisivo jogo, é que é uma fartura que julgo cansar os protagonistas e nada acrescentar ao que já se sabia. É claro que num pequeno país como o nosso em que há vários jornais desportivos diários (que saudades tenho do tempo em que suspirava para imergir em A Bola!), canais televisivos de notícias que mais são canais de futebol, jornais diários com extenso noticiário da bola, etc. há a necessidade de preencher o aparente vácuo e estas conferências são um oportuno adubo para os chouriços diários, sobretudo nas televisões.
Tenho perguntado a quem trabalha nestes meios por que razão há esta prática conferencista de antes dos jogos. Respondem-me invariavelmente que é por causa das audiências e do respectivo share. «Audiências?», pergunto de seguida. «Sim», é-me respondido. Há muita gente que fica colada ao ecrã a absorver tal matéria. «Talvez seja», remato eu, o que é ainda mais preocupante. Ou talvez seja eu que esteja a ver mal...

2. Ainda à volta da televisão. O que nos foi oferecido, em doses cavalares, a propósito da detenção do ex-presidente do Sporting, é um caso de patologia comunicacional. Foram horas e horas intermináveis entre Alcochete, Barreiro, Montijo, a perorar em contínuo sobre suposições, reposições, maldições. Directos sobre directos, imagens de arquivo repetidas às centenas, notícias de manifestações pró e contra de multidões de dez ou uma dúzia de entusiastas crentes e descrentes. Houve até momentos absolutamente indecorosos e humana e profissionalmente indignos quando foram seguidos confusa e atropeladamente familiares (designadamente os pais) de um dos detidos para lhes perguntarem como se sentiam (!), não respeitando sequer o seu inalienável direito ao silêncio, ou o caso de uma jornalista que perguntou ao advogado do detido junto à porta da polícia... o que é que ele estava ali a fazer! Definitivamente a CMTV passou a comandar esta geringonça mediática. É, agora, o benchmarking dos outros canais (com a excepção da RTP, apesar de tudo mais comedida e selectiva). Em estúdio, comentadores residentes (quase literalmente, se é que não dormem lá) que estão horas e horas a encher o chouriço e - uns mais do que outros - transformados em verdadeiros tudólogos pronunciando-se sobre a bola corrida, a bola parada, a legislação penal, o império da lei, a psicologia social e clínica, a economia clubista, e muito mais. A estes juntam-se uns tantos convidados que andam a saltitar de estação em estação a uma velocidade mais elevada que a minha capacidade de zapping. O país fica suspenso de tão longos e profícuos debates, como se mais nada houvesse de importante. Em especial, dos que metem escárnio e mal-dizer ou destilam golfadas de sangue. O alinhamento dos noticiários afasta para o rodapé pequenas minudências e questões irrelevantes como o Orçamento, o problema do Brexit, o desconchavo da saúde, as questões laborais, etc., etc.
Uma lástima sobre lástimas. Casos judiciários, futebol e actividades criminosas, numa mistura quase monopolista como se o país e o mundo fossem apenas isto. Uma demoníaca atrofia mediática onde todos estão simultaneamente a transmitir o mesmo, sem quase haver direito a uma oferta de diferença. Uma estupidificação alimentada e alienante. Basta!

Contraluz
- Erro crasso:
Um surreal penálti assinalado a favor do Manchester City no jogo da Champions contra o Shakhtar Donetsk em que o avançado da equipa inglesa deu sozinho um pontapé na relva e caiu. Faltou fair play à equipa que melhor joga actualmente no planeta e que ganhou por 6-0 (há dias, aconteceu outro a favor da Sérvia contra o Montenegro). Não havia necessidade... Valha-nos que, depois disto, a UEFA diz estar a ponderar a introdução do VAR nas provas europeias (espero que sem refugo de árbitros, como parece ser aqui o caso).
- Comparação:
Na sua crónica, Miguel Sousa Tavares referiu que eu considerei o Lokomotiv um «adversário fácil», argumentando que não lhe parecia que «fosse mais fácil, ou assim tanto mais, que o Ajax». Tenho de concordar com ele. Todavia, não foi essa a comparação que fiz, entre os adversários do Benfica e do Porto, mas sim relação aos potes do sorteio. Assim sendo, o confronto é entre o Lokomotiv e o Bayern e entre o Schalke e o Ajax. E, se neste último par há algum equilíbrio, é por demais evidente que não o há no primeiro par."

Bagão Félix, in A Bola

Bolha

"1. Os planos para a Superliga europeia de clubes, qual revolta dos ricos, deixariam o futebol dividido em dois: condomínio de luxo e favela. Benfica, Sporting e FC Porto, para citar apenas os casos portugueses, seriam vizinhos, algures no morro.
2. Se «a má-língua é como uma faca que mata», como diz o papa Francisco, então o futebol português é como um filme de Tarantino (também há quem lhe chame tourada para elites).
3. A estrutura do Sporting para o futebol está a ficar maior que a bolha imobiliária de Lisboa. É bom que a operação-coração corra bem.
4. Li que a equipa nacional de curling do Canadá foi expulsa de uma prova pelo facto de os seus elementos estarem embriagados. Haverá outra forma de praticar este desporto?
5. Sérgio Conceição foi multado por chegar atrasado à Flash Interview e não por a braçadeira na segunda parte com o SC Braga. E a barba ligeiramente mal apanhada e a braguilha aberta, será que ninguém viu?!
6. «Queria uma (tocha) para meter no c.... do Paulinho também (...) Um dos problemas é termos um deficiente no clube». Esta mensagem, publicada num dos grupos de WhatsApp dos invasores da Academia do Sporting, mostra o nível desta gente. Tivesse o Sporting mais Paulinhos.
7. Não fosse o abraço de Van Dijk e seguramente que ninguém iria reparar que o árbitro Ovidiu Hategan estava a chorar no final do Alemanha - Holanda, depois de ter recebido, ao intervalo, a notícia do falecimento da mãe. Posso criticá-los muitas vezes, mas também reconheço que é das profissões mais difíceis e ingratas.
8. Goste-se ou não, para o bem e para o mal, Jorge Jesus é um figura incontornável. A entrevista concedida ao meu vizinho André Pipa foi das melhores coisas que li nos últimos tempos. Uma explosão de sabores. E ficámos a saber que JJ tem saudades dos amigos, do peixe e... do Benfica. Quem diria."

Gonçalo Guimarães, in A Bola

Pelo futebol que não cobra por aplausos

"Mais do que as cinzas de fanáticos do Boca Juniors atiradas para o relvado da Bombonera pelos seus entes queridos, que lhes satisfaziam o último pedido.
Mais do que a bandeira de oito quilómetros cosida e empunhada pelos adeptos do River Plate, unindo o Monumental ao velho campo Alvear y Taigle, cobrindo as ruas de Buenos Aires com o maior estandarte do mundo.
Mais do que os cânticos, com bombos e guarda-chuvas. E do que a chuva de papelitos dos recibimientos épicos nesses templos sagrados do futebol argentino.
Mais do que tudo isso, dizia, o que me impressionou no Boca-River da primeira mão da final da Taça Libertadores foi esta foto: um miúdo pendurado nas redes a vibrar com futebol.
Não sabemos o seu nome. Mas também não precisamos de o chamar. É apenas um miúdo tomado por aquela paixão precoce.
«Apenas» é força de expressão. Está lá tudo. Haverá poucas imagens que melhor sintetizem tantos sentimentos num só instante: o fervor e a inocência, a alegria e a ternura, o encanto e o destemor.
Ao vê-lo, recordo uma notícia que li por estes dias sobre Neymar: um documentário da France 2, citando documentos divulgados pelo Football Leaks, revelou que o craque brasileiro recebe no Paris Saint-Germain um bónus de 375 mil euros anuais por aplaudir os adeptos no início e no final dos jogos.
Se é verdade que um magnata disposto a esbanjar petrodólares e um astro mundial podem acordar o que quiserem entre si, também o é que este mercenarismo implícito a cada gesto do futebol pós-moderno está a tornar os adeptos cada vez mais cínicos e a matar-lhes aos poucos a paixão.
Há qualquer coisa de imoral em haver quem quantifique e cobre por gestos tão simples, aparentemente genuínos. Há um mundo de diferenças entre estes dois futebóis, que a separá-los muitas vezes não têm mais do que uma rede ou um fosso.
O antagonismo é gritante.
«Não é possível parar com as mãos os ventos da mudança», dir-me-ão os pragmáticos militantes ou os deslumbrados deste novo mundo.
Mesmo que assim seja, permitam àquele miúdo da Bombonera continuar a acreditar na autenticidade de cada aceno, na veracidade de cada ovação.
Na sua inocência, ele tem por certo aquilo que no mundo dos graúdos devia ser lei: no futebol, os aplausos não se cobram."

Precisamos de mais Fernandos Santos no nosso futebol

"A análise que Fernando Santos fez ao jogo contra a Itália, em San Siro, deixou os jornalistas surpreendidos. Tão surpresos ficaram com a resposta muito técnica do seleccionador que foram depois pouco capazes de explorar, de esmiuçar, de aproveitar a mesma para um festival educacional de futebol muito diferente do tipo de debate que mais vemos por cá.
Estamos habituados a ouvir respostas evasivas; treinadores que têm receio de expor os seus pensamentos e a sua leitura do jogo, o que pediram aos jogadores para reagirem consoante essa mesma leitura; vemos treinadores que têm receio de mostrar a sua posição e o porquê das suas opções, tantas vezes, que quando alguém aparece a falar do jogo, e só do jogo, ficamos boquiabertos. 
Aquilo que Fernando Santos fez, e tem feito quase sempre por cá, é o que deveria ser tema de debate. Porque só com esse tipo de debate, sobre o jogo, conseguiremos evoluir para o próximo nível.
Porquê Pizzi e não João Mário? Porquê William e Rúben Neves em 4-3-3? Como é que podemos tirar o melhor de Cancelo, e protegê-lo do erro? Como é que escondemos as dificuldades defensivas de Raphaël Guerreiro? Porquê 4-3-3? Porque teremos entrado mal? Qual era a estratégia, sabendo-se que a nossa tem sido sempre centrada em Ronaldo? Fomos surpreendidos pela Itália? O que mudou ao intervalo? Porquê Bernardo no corredor central na segunda parte? Por que não Bernardo no corredor central logo de início? Temos algum plano para uma melhor e mais rápida integração de jogadores diferentes como João Félix?
Com este tipo de debate os próprios treinadores terão que estar mais preparados, uma vez que a exigência será superior.
As questões são muitas, e podem daí derivar para muitas outras que nos permitam discutir o mais importante: o jogo. Tornar públicos, generalizados, os debates sobre o como, o com quem, o contra quem, e o porquê; no lugar dos habituais lugares comuns do nosso futebol onde a atitude (falta dela) desce de divisão porque perde 60 dos 34 jogos que disputa no campeonato.
Por isso precisamos do nosso seleccionador no nosso futebol. De homens com coragem suficiente para se deixarem julgar pelas suas ideias, pela força das mesmas, sem discursos demagogos e cheios de alegorias sobre coisas que nada têm a ver com o jogo.
Podemos discordar da leitura e das opiniões do nosso seleccionador ou achar que o seu plano de acção não foi o melhor para a leitura que fez; podemos achar que o nosso jogo não é o melhor para os nossos executantes; podemos não entender as opções que faz para o sistema de jogo e as escolhas para o onze inicial; podemos sentir que ter uma estratégia centrada em Ronaldo não é a melhor solução, ou até achar que o seleccionador não é o homem certo para o cargo.
Mas, nunca poderemos dizer que não queremos Fernando Santos no futebol português. Queremos, e queremos mais treinadores desta estirpe. E para quem tem a possibilidade de questionar o seleccionador, que o façam com o sentido de responsabilidade de melhorar o futebol, de permitir um debate cheio de conteúdo que nos torne mais competentes no entendimento do jogo e das suas dinâmicas; com a premissa de dar mais e melhor a quem ouve e a quem lê."

Entre Palahniuk e Danielovich

"Volodymir Ivanovich Palahniuk tinha um pescoço de cisne. Ou de girafa. Ou mesmo de avestruz. Mas ninguém conhece Volodymir Palahniuk. Enfim, também ninguém conhece Issur Danielovich. E nem um nem outro se preocuparam muito com isso.

Em 1949, Danielovich foi Midge Kelly, em Champion, filme de Mark_Robson, um tipo meio velhaco que tanto dava murros no ringue como golpes baixos nos amigos e nas amantes. Foi obrigado a casar com Emma, a filha do promotor de combates, Tommy Haley, no dia em que o pai da moça os apanhou juntos em flagrante, muito despedidos de preconceitos. E do resto.
Os americanos chamam a isso shotgun wedding. A expressão é suficientemente clara para não precisar de tradução.
Conheci um infeliz que se casou assim. Gabava-se em grupelhos de imberbes que, pelo rondar da meia-noite, saltava pela janela do quarto da namorada e, enquanto a família dela dormia, se dedicavam a ginasticadas imitações das instruções do Kama Sutra. Parece que, dentro do prazer carnal, lhe sobressaía um certo prazer perverso pelo facto de o pai da moça ser um guarda nacional republicano, figura que neste país, nunca gerou simpatias desbragadas.
Prossigo: estão os pombinhos arrulhando ao som do ressonar do sargento (vamos supor que o homem era sargento, para facilitar a descrição da acontecência), com o meu amigo a analisar a namorada sobre o divã, para citar o Hermes de Aquino, quando, de repente, a porta do quarto se abre, e o cristal bonito caiu e quebrou. Que flagra! Qual escurinho do cinema, quais dropes de anis. O sargento, volumoso como manda a regra natural dos sargentos, encheu a ombreira com uma caçadeira na mão e perguntou, ensonado, bocejando: «Então meu jovem, para quando é o casório?».
Volta e meia via-o – o infeliz, não o sargento – a passear no Centro Comercial da Portela com um rancho de filhos atrás.
Volodymir Palahniuk nasceu praticamente dentro de uma mina de antracite, em Lattimer, Pensilvânia. Por isso não teve outro remédio do que ser mineiro. Até ao dia que se fartou e mandou a mina às malvas: tornou-se boxeur profissional. E passou a ser Jack Brazzo.
No dia 17 de dezembro de 1940, Jack Brazzo defrontou Joe Baksi. Joe também nascera praticamente numa mina de antracite, na Pensilvânia, em Kulpmont, mas gostava do nome de baptismo e achou por bem levá-lo para os ringues. Era um peso-pesado de peso, se a expressão me é permitida. E não tinha vontade nenhuma de ser boxeur, apesar de tudo: «Ora, é melhor estar aqui do que no fundo de uma mina», dizia à boca larga. Já Brazzo, ou Volodymir, como quiserem, reconhecia: «Devou estar louco de todo para andar a levar porrada na cabeça por uma miséria de 200 dólares. Acho que vou dedicar-me ao teatro». Ah! Pois… Mas não desatem já a rir a bandeiras despregadas.
O combate entre Baksi e Brazzo teve lugar no Westchester Country Center em White Plains, Nova Iorque. Não foi nada de especial. Nem atraiu multidões. Mas ainda hoje faz parte da história do boxe.
Baksi bateu Volodymir e Volodymir foi para a Força Aérea ganhar corpo para lutar na II Grande Guerra. Tinha a cara tão desfigurada pelos murros que andara a levar nos tempos mais recentes que o obrigaram a uma plástica. Ficou irreconhecível. Para ele próprio. Para todo o mundo ficou reconhecível como poucos. À beira da morte, desmentiu o filme: «Ora, inventam cada coisa. Se era para me reconstruírem a cara, ao menos tivessem feito de mim um tipo bonito». Era um rapaz sensível: escreveu um livro de poemas – The Forest of Love.
Quando foi dispensado da tropa, fez tudo e mais um par de botas: de cozinheiro a empregado de mesa, de salva vidas a modelo fotográfico. E estudava na Universidade de Standford. Teatro, claro! Os tempos de boxeur já se perdiam no poço do olvido quando fez um papel no seu primeiro grande filme: Um Eléctrico Chamado Desejo. Se Volodymir Ivanovich Palahniuk não dava jeito nenhum para combates de boxe, imaginem para encaixar num cartaz a anunciar a película… Ficou Jack. E o Palahniuk passou a Palance. Jack Palance. Em 15 combates tinha vencido 12 por KO.
Issur Danielovich foi campeão do mundo de boxe, mas só como Midge Kelly, o miúdo que saiu das raias da pobreza até ao explodir das estrelas. Em The War Wagon fez de Lomax. Há uma garota que lhe pergunta: «Por que tens esse buraco no queixo?». Ele responde: «Vês este anel? Durmo sempre com ele encaixado aqui». O queixo de Issur faz parte da história do cinema. Não tivesse sido ele o queixo de Spartacus, de Ulisses e de Van Gogh. E de Kirk Douglas. Danielovich também não encaixava nas listas dos elencos. Principalmente como protagonista."

Uma nova agenda para o desporto em Portugal: uma prioridade

"A acção catalisadora para uma nova agenda do desporto deve partir das próprias federações que num esforço de reflexão conjunta possa dar resposta enérgica a questões fundamentais: (1) O que podemos fazer melhor no interior de cada uma das federações e em conjunto, coordenando esforços e aprendendo em rede? (3) que mudanças se devem operar nos organismos de tutela para que o nosso desporto mude as suas referências, a sua ambição e a sua actuação? (4) como podem as entidades privadas cooperar com o desporto, usufruindo, também, desse esforço, para potenciar os seus próprios objectos sociais e empresariais? (5) como podemos incrementar a exposição mediática do Desporto português dando visibilidade a todas as modalidades desportivas de uma forma sistemática. 
São várias as temáticas, cuja relevância deve imperar nesta reflexão conjunta. Entre outras, questões que importam ao desporto e ao papel que o movimento associativo pode ter neste processo, nomeadamente:
1. A afirmação da relevância do desporto na esfera social, educativa, de saúde e económica para além da função utilitária (aumentar a qualidade de vida); financiamento público e privado do desporto em Portugal e das organizações desportivas; mecanismos de descriminação positiva em termos de fiscalidade; repercussão social do desporto e serviço público de Rádio e Televisão; combate à dopagem e a qualquer meio de manipulação artificial do rendimento e resultado desportivo.
2. A representatividade, reorganização das organizações desportivas e a credibilidade do movimento associativo. Assiste-se a uma dispersão de organismos reguladores da actividade desportiva e quase total falta de coordenação entre os poderes centrais, delegados (federações) e autárquicos, com efeitos devastadores na capacidade de se convergir num processo de pensamento estratégico de desenvolvimento desportivo. Há que reflectir sobre: o modelo de organização desportiva nacional e o papel das organizações desportivas neste modelo; papel dos clubes e contributo no âmbito do acesso à prática e no rendimento desportivo; o modelo de partilha de recursos entre as OD’s dotadas de UPD; revisão do estatuto do dirigente associativo, ou voluntário.
3. Autonomia das organizações desportivas. O Desporto é um dos beneficiários, a par da acção social, da saúde e da cultura, dos rendimentos obtidos pela exploração do jogo social. Durante a última crise financeira o desporto viu cortada a sua dotação orçamental, apesar do aumento das receitas do jogo social e até hoje os valores deste corte financeiro não foram repostos. Por outro lado, a boa governança dos organismos desportivos é um tema central da nossa vida associativa e transversal a todas as áreas da actividade humana. Importante equacionar a implementação de modelos de financiamento e mecanismos de controlo de resultados plurianuais devidamente avaliados com a tutela, assim como modelos de certificação de boa gestão-governança das organizações desportivas. 
4. O sistema desportivo e a ligação ao sistema educativo e laboral. Apesar do índice de participação desportiva ter subido nos últimos anos, ainda não possuímos um número mínimo/suficiente de praticantes para a obtenção de grandes resultados, de uma forma consistente e tendente à construção de uma indústria potenciadora de visibilidade e apoios relevantes. Necessária a requalificação da prática desportiva juvenil e programas de massificação/democratização de prática desportiva: pela valorização progressiva da Educação Física e do Desporto Escolar no sistema educativo; pela aproximação entre o Desporto Escolar e Federado; pela implementação do ensino articulado do desporto (a exemplo do que acontece com o ensino da música e da dança); pela expansão das experiências piloto das UAARES ao território nacional e extensão, com particular acuidade, no ensino superior; pela estabilidade profissional/emprego na pós-carreira.
5. Alto rendimento desportivo. Quando olhamos para os resultados finais dos três últimos Jogos Olímpicos, verificamos que há, em média, 86 países que ganham medalhas e 119 que não ganham. Portugal tem que decidir se quer fazer parte do primeiro ou do segundo grupo. As medalhas planeiam-se à distância de dois ou três ciclos olímpicos e, cada vez mais, exigem uma estratégia a diversos níveis: filosofia de AR, coordenada entre estado, COP e federações desportivas; avaliação da preparação e acompanhamento dos atletas de alto rendimento desportivo e do projecto preparação olímpico e paralímpico; utilização de infraestruturas desportivas públicas por parte dos atletas de alto rendimento desportivo sem custos; deslocalização de atletas de alto rendimento desportivo para sistemas de preparação desportiva com resultados comprovados à escola olímpica ou importação de modelos de preparação desportiva comprovados.
6. Formação de Recursos Humanos. Qualquer política que seja formulada para o desenvolvimento do desporto português deve encarar a formação de quadros como um factor incontornável não só de treinadores assim como outros agentes desportivos. Mudanças são imperiosas diferentes níveis: orgânico/estrutural/Apoio IPDJ (plataforma dedicada ao PNFT, PRODesporto e plataforma logística de ensino a distância); estrutura e graus (modelo para os técnicos do Desporto Adaptado; carreiras verticais em cada nível de formação; formação pré-qualificada de treinador); Formação propriamente dita (Referenciais de formação, tipologia das unidades de formação e carga horária aplicada às componentes de formação geral e específica, Manuais de formação; Estágios/formação contínua (estágios devidamente estruturados, especialmente para o caso do RVCC); Fiscalização (competências de fiscalização no âmbito do TPTD; reconhecimento formação académica; reconhecimento e certificação da formação efectuada por empresas privadas com fins lucrativos). 
Estes são alguns dos muitos temas que competem ao desporto uma análise profunda."