quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Entre Liga dos Campeões e campeões da Liga

"Não alinho em abordagens popularuchas e emocionalizadas

1. Três dias da passada semana com jogos europeus. O Porto venceu facilmente o Lokomotiv de Moscovo, que é tudo menos uma locomotiva. É mesmo o candidato mais provável para ser o sucessor do Benfica da época passada, com zero pontos. Curioso é que a equipa russa fazia parte do pote 1 no sorteio da fase de grupos da Champions. Tal como o Benfica, na época transacta. Contudo, com uma enorme diferença: é que se o Benfica lá estava por força de ter sido campeão numa das primeiras seis ligas do ranking europeu (substituída, entretanto, pela... russa), também era, então, o 9.º classificado na seriação por clubes, ao passo que o Lokomotiv ocupa o 52.º posto, atrás de outras três equipas russas (Zenit, CSKA e Krasnodar) e, imagine-se, atrás do clube cazaque do Astana. Enfim, se a isto acrescentarmos que no pote mais fraco estava o Inter e, sobretudo, que no pote 3 ficaram o Liverpool (finalista vencido da Champions do ano passado), Lyon ou Valência, concluo que esta história dos potes do sorteio é uma falácia recorrente na UEFA.

2. Dei-me ao trabalho de, com base no ranking actualizado, fazer o somatório e a média em cada grupo das posições dos respectivos clubes, que vão do Real Madrid (posição 1) até ao Hoffenheim (posição 100). Assim, temos no quadro a ordenação começando pelo grupo mais qualificado e, em tese, mais difícil e terminando no grupo menos qualificado e, em teoria, mais acessível.

Ordenação Com Base no 'Ranking' Actualizado
Posição; Grupo; Equipas; Soma; Média; Média excluindo a equipa do Pote 4
1-A-Atl. Madrid, Borussia, Mónaco, Brugge - 74 - 18,5 -11
2-G-Real Madrid, Roma, CSKA, Plzen - 96 - 24 - 15
3-C-PSG, Liverpool, Nápoles, Estrela V. - 117 - 29,3 - 12
4-B-Barcelona, Tottenham, PSV, Inter - 118 - 29-5 - 21
5-H-Juventus, Man. United, Valência, Young Boys - 137 - 34,3 - 28
6-E-Bayern, Benfica, Ajax, AEK - 143 - 35,8 - 17
7-F-Man. City, Lyon, Shaktar, Hoffenheim - 149 - 37,3 - 16
8-D-Lokomotiv, Porto, Schalke, Galatasaray - 153 - 38,3 - 32

Constatamos que os grupos A, C e G são os mais complicados para o apuramento, embora com o decorrer da competição tal não esteja a acontecer com o grupo A por manifesta falência desportiva do Mónaco. Já o grupo do PSG, Liverpool e Nápoles tem evidenciado ser, de facto, o chamado 'grupo da morte', onde à 4.ª jornada o primeiro tem só 6 pontos e o último 4 pontos. Se excluirmos as equipas do pote 4, o grupo do Benfica é um dos que envolve maior dificuldade, pois além do tubarão bávaro, inclui o Ajax em clara ascensão. Pelas razões a que atrás aludi, o grupo do Porto é o mais acessível em qualquer dos análises, o que, aliás, é confirmado pelo lugar praticamente assegurado nos oitavos-de-final por parte do Porto e do Schalke 04. Por fim, fica à evidência a disparidade de grupos, sublinhada pela existência de um intruso no pote 1 (Lokomotiv) que todos desejariam e de outro no pote 3 (Liverpool), que ninguém quereria.

3. O Benfica quebrou a série de três derrotas e um empate, em dois jogos nacionais e dois europeus. Verdade seja dita que, nos jogos contra o Ajax, não foi feliz. Fez uma boa primeira parte em ambas as partidas, foi derrotado no derradeiro minuto em Amesterdão numa carambola e falha a vitória também no último momento na Luz. Ou seja, em vez de 1 ponto contra 4 do Ajax, poderia ter sido ao contrário, 4 para o Benfica e 1 para a equipa de Amesterdão. Mas, o futebol é também isto, umas vezes ajudando, outras desajudando. Não nego que o Ajax, no conjunto dos dois jogos, tenha apresentado um futebol mais pautado pela certeza do passe e mais inteligente na posse de bola. Mas o Benfica não teve uma pontinha de sorte que tudo poderia ter alterado. Agora, entrámos no repertório do «enquanto for matematicamente possível...», que é apenas um modo de procrastinar uma quase certeza de não ultrapassar a fase de grupos, além de tudo porque se está dependente de terceiros. Ficamos assim destinados aos 1/16 anos da Liga Europa, sem dúvida muito longe do el dorado financeiro da Liga dos Campeões, mas onde o Benfica, nesta fase, estará no seu 'habitat' mais consentâneo.

4. Passando para o campeonato nacional, tivemos um fim-de-semana que se pode considerar normal, em termos de resultados dos principais clubes.
O Porto venceu o Sp. Braga, com alguma fortuna. O resultado justo seria o empate, senão mesmo a vitória bracarense. A equipa de Abel Ferreira vem revelando uma personalidade, um fio de jogo e uma maturidade que podem meças aos ainda três grandes. E tiveram mais oportunidades de golo do que as dos dois rivais de Lisboa juntos quando se deslocam ao Dragão. O sector defensivo portista sentiu muitíssimas dificuldades perante a simplicidade de esquema de jogo do meio-campo e ataque bracarense. Deve-se realçar, porém, a audácia das substituições do técnico portista, assim se provando que, com sorte a mais ou a menos, quem arrisca sempre petisca.
O Sporting lá vai ganhado, com maior ou menor embaraço e com o sempre clemente penálti da praxe. Mas a jogar assim pouquinho não creio que vá longe, apesar de o futebol ser pródigo em surpresas. Continuo sem entender a saída de José Peseiro e a sua substituição (aparentemente não planeada e algo atabalhoada) por um ignoto holandês que agradece certamente o terem libertado das areias arábicas. Já o treinador interino quis fazer de petit clone de Mourinho.... Mas isso são contas de outro rosário, que não do meu.
Do meu rosário é o Benfica. Qual filme de Hitchcock, depois de quatro desaires, logo havia de sofrer, em Tondela, um golo aos 42 segundos. Digo, com sinceridade, que nessa altura pensei para com os meus botões que tudo iria correr bem. É que manda a recente estatística que quando o Benfica marca depressa ou falha um penálti cedo corre o risco de não ganhar o desafio (esta época, em Chaves e na Luz contra o Moreirense e mesmo contra o Ajax, não esquecendo os dois penáltis falhados contra o Belenenses há semanas e na época passada). E quando, ao invés, toma cedo um golo consegue inverter o resultado (por exemplo, AEK na Grécia e agora Tondela). Talvez não seja por acaso. Admito que seja a consequência de uma equipa desassossegada quando tem de defender uma vantagem e mais empertigada, solidária e resoluta quando se sente obrigada a fazer uma remontada.
Nesta semana, e independentemente da opinião de cada um, achei injusta e desproporcional a 'lençaria branca' no fim do jogo contra o Ajax. Não que tenhamos feito um grande jogo, mas a equipa lutou até à exaustão e foi profissionalmente digna. Assim como não gostei nada da 'feira' de palpites sobre quem será o novo treinador, já dando como consumada a saída de Rui Vitória. E se é certo que há para aí uns canais televisivos que fazem disso a garantia de maior audiências, seja por patetas e patéticos 'alertas' tipo CMTV, seja por um manobrismo mais subtil de certos poderes fátuos da antes emblemática SIC, nós benfiquistas devemos não entrar nesse tipo de jogadas e jogatanas. Com isto, não quero dizer que não seja, em vários aspectos, crítico da actual orientação técnica, e que não sinta a diminuição das expectativas e da margem de tolerância que se pressentem. Mas não alinho em abordagens popularuchas e completamente emocionalizadas (e sem ponderar os prós e os contras) de tratar o assunto do treinador na rua.

Contraluz
- Reino das Surpresas
É o que se tem visto nos campeonatos europeus. Na Alemanha o Bayern já perdeu mais vezes do que nos últimos dois campeonatos e está a 7 pontos do primeiro. Em França, o Mónaco continua a vertigem descendente e é o último de França. Em Espanha, o Barcelona deu 5 ao Real Madrid em Camp Nou, mas foi também no seu estádio que já perdeu agora com o Bétis (3-4), e empatou com Girona e At. Bilbau, depois de derrotado pelo Leganés que está em posição de descida. O Valência anda próxima da linha de água. Normalidade ou quase só na Inglaterra e em Itália.
- Arbitragens I
Do italiano Rocchi no SLB - Ajax. Como teria sido o jogo se o holandês De Ligt, que abalroou Jonas as 12 minutos, tivesse levado o cartão vermelho? Ou se, no mínimo, tivesse apanhado uma amarelo, fosse expulso quando aos 42 m levou justamente um amarelo que, afinal, deveria ser o segundo?
- Arbitragens II
Do medíocre árbitro Tiago Martins, com a inexplicável indigência de 'Vares'. Como é possível o mesmo árbitro ter assinalado um (pseudo) penálti que deu, in extremis, a vitória ao SCP contra o Chaves e não ter assinalado um penálti claríssimo a favor do Rio Ave na última jogada do desafio no estádio do Braga? Que incoerência e enviesamento! Haja Deus...
- Campeões
Na 'Champions' nem sempre é um campeão nacional que ganha a maior competição europeia. Neste século, nas 19 finais, só em 10 venceram campeões do seu país na mesma época (Barcelona - 4 vezes, Bayern - 2, Man. United, Porto, Inter, Real Madrid - 1)."

Bagão Félix, in A Bola

Caiparinha

"1. Perdido no nordeste brasileiro, em estrada de (quase) ninguém, em busca de uma praia nos confins, para o carro para pedir indicações à única alma que ali passava. «Vai recto e dobra em algum canto», é a resposta. No fundo, tão claro como a troca de treinador no Sporting.
2. De volta ao carro (e ainda perdido), eis que na rádio sintonizada aparece a dica da semana. «Não guarde sal na geladeira (o nosso frigorífico)». Ainda esboço o gesto de Mourinho no final do Juventus - Man. United, mas depois de saber que Neymar recebe 375 mil euros por mês para aplaudir os adeptos no fim dos jogos do PSG, confesso que até faz sentido.

3. Lá acabo por chegar ao destino e vou de imediato para a esplanada. Antes de me sentar, tenho o cuidado de me certificar que não estão por ali adeptos do Ajax. Mas mesmo que estivessem, creio que não correria perigo, pois seguramente que os atacantes da claque do Benfica estavam em Tondela a ver o jogo. Viva a impunidade!
4. Peço uma água de coco e estou a meditar sobre o nome do jovem que me atende (Franciscieudo, assim mesmo) quando começo a receber notificações no telemóvel sobre a detenção de Bruno de Carvalho (e Mustafá). Presunção de inocência, claro, sempre, mas é chato.

5. Na mesa ao lado, um casal devora caipirinhas e faz-me reflectir: não está em causa, obviamente, a competência, mas pensar num eventual regresso de Jesus ao Benfica, num projecto desportivo que pretende cada vez mais assentar na aposta na formação, é como querer fazer uma caipirinha com whisky, maça, canela e gelo. Bernardo Silva que o diga.
6. Nem de propósito: vou pedir uma ao Franciscieudo e fazer conversa. Ele pode tentar explicar-me porque não optou por meter no crachá apenas Francis ou simplesmente Cleudo, e eu posso tentar explicar-lhe a arbitragem de Tiago Martins no Sporting - Chaves. Não vai ser fácil, em qualquer dos casos, mas lá diz o outro: «Vai recto e dobra em algum canto»."

Gonçalo Guimarães, in A Bola

Ripa na rapaqueca

"Hoje, finalmente, Bruno de carvalho e Mustafá vão ser ouvidos pelo juiz de instrução do Tribunal do Barreiro. Se os tempos da justiça e das reivindicações laborais dos funcionários judiciais assim o permitirem, será provável que fiquemos a saber o que decidiu o juiz, relativamente ao ex-presidente do Sporting e ao líder da maior claque dos leões. Caso contrário, corremos o risco de mais umas horas de direitos feitos daquilo que, na gíria, vulgarmente se qualifica de «encher chouriços».
Basicamente, o dia mediático de ontem foi passado entre uma mão-cheia de nada e a outra cheia do mesmo, numa realidade estática feita de grandes planos, perguntas lapalicianas, lugares-comuns, portas fechadas e perseguições no trajecto tribunal-prisão. Uma fórmula já vista noutras situações, com indicados célebres de áreas distintas do futebol, o que nos leva obrigatoriamente a concluir da sua eficácia na captação de audiências. Provavelmente, quem se coloca em frente ao ecrã como se estivesse a sintonizar a Zen-TV, fá-lo não pelo que está a ver mais sim pela presunção de poder vir a ver alguma coisa interessante. A chamada informação/espectáculo, que tem no Brasil o expoente máximo e entre nós foi patenteada por Artur Albarran durante o primeiro conflito do Golfo, parece ter ganho definitivamente a guerra a outras formas mais sóbrias de apresentar e hierarquizar as matérias. É esta a conclusão inevitável a que se chega quando se verifica que já deixou de ser excepção de um só canal e passou a ser norma de quase todos. Como diria o saudoso Jorge Perestrelo, que fazia de cada relato de futebol o maior espectáculo do mundo, «ripa na rapaqueca, é disto que o meu povo gosta!»

José Manuel Delgado, in A Bola

No fim da rua sem nome

"O homem acordou com a sensação de que estava frio a seu lado. Ela tinha partido pela madrugada, deixando-lhe lágrimas nos olhos. Foi com um vazio por dentro que o homem se levantou e saiu para o ruído do passeio e para o seu silêncio interior. Foi vagueando por uma rua sem nome e entrou num bar chamado The Loser com o passo de um cão coxo. Apanhou o elevador até um andar com vista sobre a cidade. Subiu ao parapeito e viu a multidão afastar-se. Ouviu uma voz que gritava. «Por amor de Deus, não salte. Deixe-me tirar daqui o carro!». Sentiu uma mão no ombro e alguém dizer: «Mesmo a tempo!» Um empurrão rápido, o ar cortante e o passeio.
Esta é a história de uma música dos Barclay James Harvest: Suicide. A última vez que vi os Barclay, na Aula Magna, eles estavam na realidade um bocado suicidários. Isto é, decrépitos. Mas para o caso pouco importa. A letra da canção está na primeira pessoa e é sempre curiosa a ideia de colocar alguém a descrever o seu próprio suicídio. O morto vivo. E o tipo que se preocupa mais com a integridade do seu automóvel do que com a vida de um homem pendurado num parapeito também tem algo que se lhe diga.
Lembrei-me dessa canção quando lia um poema do argentino Juan Gelman:
«Aqui pasa, señores
Que me juego la muerte».
Gelman nasceu em Buenos Aires, em Villa Crespo. Lugar onde surgiu o clube de futebol Mártires de Chicago. Entre a morte e o anarquismo.
«Sentado al borde de una silla desfondada
mareado, enfermo, casi vivo
escribo versos previamente llorados».
Não é comum que um grupo de gente resolva fundar um clube em homenagem aos mártires de uma cidade distante. Mesmo que a causa lhes seja próxima. A verdade é que o Mártires de Chicago foi um fruto do anarquismo. Tal como o Sol de la Victória, do bairro vizinho de La Paternal, teve na sua origem a defesa dos ideais comunistas. De onde se prova que há clubes que são bem mais do que clubes. São filosofias de vida.
Chicago, Illinois, 4 de maio de 1886. Por todos os Estados Unidos, os protestos a favor do estabelecimento das oito horas diárias de trabalho ferviam como enxames de vespas. Em Haymarket, um homem erguia a sua voz metálica acima de uma multidão de cerca de 3000 pessoas. Samuel Fielden, socialista, anarquista, era um orador de robustíssimo talento. Incendiário. Suicidário, mesmo.
À medida que falava, a turbamulta ia ficando inquieta. A sua intervenção durou 20 minutos. No final, John Bonfield, chefe de polícia, ordenou-lhe que pusesse um ponto final na manifestação. Uma pequenina chama chegara ao rastilho. Eram dez e meia da manhã. Uma bomba caseira, feita de lata e carregada de dinamite, deu início à sua função assassina. No dia seguinte, o New York Times trazia em manchete: Rioting and Bloodshed in the Streets of Chicago ... Twelve Policemen Dead or Dying. Oito anarquistas foram condenados, cinco deles à morte - Spies, Fischer, Engel, Lingg and Schwab, todos alemães. Algumas penas seriam comutadas.
Entretanto, em Villa Crespos, Buenos Aires, havia jovens que cantavam:
«¡Arriba, parias de la Tierra!
¡En pie, famélica legión!
Atruena la razón en marcha:
es el fin de la opresión».
Mal sabiam quanta opressão iria o país sofrer nas décadas seguintes. Cantavam e jogavam futebol e tinham uma admiração irremediável pelos oito Mártires de Chicago. Em 1904, participaram numa prova chamada Fútbol de Competencia e foram triturados na estreia pelo Club La Prensa: 1-12. Não faço ideia se era uma imprensa livre.
Os responsáveis pela sublevação de Haymarket foram mais triturados pela imprensa norte-americana do que os Mártires de Chicago pelo La Prensa. «Bloody brutes; red ruffians; dynamarchists; bloody monsters; cowards; cutthroats, thieves, assassins»: não faltaram adjectivos.
Um deles, Louis Ling, nascido em Mannheim, Alemanha, sofrera na infância a incapacidade do pai, vítima de um acidente de trabalho que o tornou inútil.
Confessou na sua autobiografia: «Tinha 13 anos. O mundo mudou por completo para mim e para a minha irmã de 7. Senti o que era a exploração do homem pelo homem». Mas não ficou de bem com a sua consciência, pelos vistos. Na véspera de ser enforcado, levantou-se com um vazio por dentro mas não havia uma rua sem nome para lá da sua cela acanhada. Meteu na boca um explosivo que lhe arrancou o maxilar e desfez metade da cara. Era cedo e estava um dia bonito. Não lhe serviu de nada. Ficou horas a esvair-se em sangue e ainda teve a pachorra de o usar como tinta para escrever na parede: ‘Hoch die anarchie!’.
Filhos de um mesmo deus menor, o Mártires de Chicago fundiu-se com o Sol de la Victória. Transformaram-se na Associación Atlética Argentinos Juniors. No dia 20 de Outubro de 1976, apresentou um jogador ao universo: Diego Armando Maradona. Tinha 15 anos e pouco feitio para mártir."

Boca-River: o superclássico em cinco documentários

"A rivalidade de bairro domina toda a Argentina e, por estes dias, conquista o mundo todo.
Boca e River. River e Boca. Tudo começa no início do século XX, com dois grupos de jovens emigrantes italianos, sobretudo genoveses, que jogam junto do porto de Buenos Aires aquele novo desporto vindo de Inglaterra como se de mais uma mercadoria se tratasse.
Uns, ao verem os contentores de madeira com a inscrição em inglês «River Plate» (Rio da Prata), elegeram-na como designação do novo clube. Outros, deixam ao acaso a decisão das cores do emblema; adotariam as cores da bandeira do próximo navio que acostasse. No horizonte surgiu uma embarcação sueca e o azul e amarelo colou-se-lhes à pele.
O resto é história. Mais de um século de rivalidade entre «Xeneizes» (expressão em dialecto lígure que significa genovês), que ficaram no típico bairro de La Boca, e «Millionarios», que em meados da década de 1930 se mudaram para a zona nobre de Belgrano.
Boca Juniors e River Plate. «Bosteros» contra «Gallinas». Por estes dias, não se fala de outra coisa. Em Buenos Aires. Na Argentina. Na América do Sul. Em todo o planeta futebol.
Pela primeira vez em 57 edições, a final da Taça Libertadores da América é o superclássico. Pela última vez, a grande prova de clubes sul-americana será decidida numa final a duas mãos.
Entre o primeiro duelo de titãs na Bombonera (2-2, no último domingo) e o segundo (dia 24) no Monumental Nuñez, sugerimos-lhe cinco documentários sobre Boca e River. Cinco abordagens que contam a história daquela que é provavelmente a maior rivalidade do futebol mundial.

«Boca Juniors Confidential»
Género: série documental
Produção: Netflix
Realizador: Rodrigo Vila
País: Argentina
Duração: 45 minutos (x4 episódios)
A série documental produzida por Rodrigo Vila para a Netflix mostra-nos em quatro episódios com a duração de uma parte de um jogo de futebol a dimensão do clube que reivindica ser na Argentina «La Mitad +1». Esse é, aliás, o título do derradeiro episódio, que se segue a «Sangre, Sudor y Gloria», «Todos Contra Boca» e «Forjando un Sueño». Testemunhos das estrelas Tévez, Gago ou Pavón, mas também do treinador Guillermo Barros Schelotto mostram os segredos do balneário do Boca Juniors neste novíssimo documentário disponível desde setembro na plataforma de streaming.

«Esos Colores Que Llevás»
Género: documentário
Realizador: Federico Peretti
País: Argentina
Duração: 62 minutos
O documentário de Federico Peretti, autor da série «El Otro Fútbol» e fotógrafo oficial do River Plate, recorda a longa marcha do dia 8 de Outubro de 2012. Nessa data, mais de cem mil «Millonarios» encheram as ruas para o unirem com a maior bandeira do mundo os oito quilómetros que separam o Monumental Nuñez e o Alvear y Taigle, antigo estádio do River. O estandarte produzido pelos adeptos com 7829 metros de comprimento deu o mote para a «maior manifestação popular desportiva da República Argentina». O documentário, lançado em maio de 2013, perante 13 mil espectadores no Luna Park, em Buenos Aires, pode ser visto na íntegra. Basta o registo na plataforma Cine Ar.

«Inside The World Of The Superclásico»
Género: mini documentário televisivo
Produção: Vice
Produtor e apresentador: Ben Anderson
País: Estados Unidos / Argentina
Duração: 11 minutos
Este mini documentário televisivo, que pode ser visto na íntegra no Youtube (ver em baixo), faz parte da série «Rivais», produzida pela norte-americana Vice e mostra em poucos minutos a essência da rivalidade entre os dois gigantes do futebol argentino. As imagens e a abordagem jornalística de Ben Anderson levam o telespectador desde uma incursão junto dos «barras bravas» do Boca até ao Superclássico na Bombonera que ficou marcado pelo ataque com gás pimenta a jogadores do River. 

«Puerta 12»
Género: documentário
Produtor e realizador: Pablo Tesoriere
País: Argentina
Duração: 90 minutos
Quatro décadas depois da maior tragédia do futebol argentino, Pablo Tesoriere criou um registo histórico sobre o dia 23 de Junho de 1968. Nessa data, num superclássico fatídico em casa do River, 71 adeptos do Boca morreram esmagados contra a porta 12 do Monumental. Apesar da dimensão da fatalidade, ocorrida durante a ditadura militar, nunca foram indiciados culpados. Este filme (que pode ver na integra registando-se em Cine Ar) restitui a memória colectiva recorrendo a cenas de arquivo, à reconstituição dos factos e a testemunhos tão distintos como o do escritor Eduardo Galeano ou do antigo craque do Boca Antonio Rattín.

«Última Final»
Género: documentário televisivo
Produtor e realizador: Fernando Martinho
País: Brasil
Duração (estimada): 24 minutos
Buenos Aires fervilha por estes dias. Para captar esse ambiente entusiástico dos adeptos em torno da última grande final a duas mãos da Taça Libertadores, o editor da revista brasileira Corner, Fernando Martinho, viajou para a capital argentina para filmar as histórias em torno do Boca-River. O resultado será mostrado num documentário televisivo, destinado também a fazer o circuito dos festivais de cinema. O filme será deverá ser lançado em Janeiro e deverá ter uma duração estimada de 24 minutos."

Violência no desporto: case study Academia de Alcochete

"Um dia apenas após mais um jogador na Colômbia (Juan Quintero) sofrer um atentado com 6 disparos (o que, de resto, não aparenta ser uma prática incomum naquele lado do globo) e após precisamente 6 meses da redacção do primeiro texto sobre o ataque à academia de Alcochete, cabe olhar de novo para esta temática, possivelmente até numa perspectiva mais optimista. 
Tendencialmente, não somos muito “bons” (os portugueses) em termos de produtividade (entenda-se, levantamento de possíveis cenários de crise e devidas soluções) – curiosamente, tendemos a ser muito eficientes a “reagir”, nomeadamente em situações extremas (temos, por exemplo, o reconhecimento internacional no que respeita ao esforço e medidas portuguesas para fazer face à crise).
Há 6 meses atrás, um país incrédulo com a sucessão de eventos, pedia justiça e medidas drásticas para fazer face a um dos episódios mais negros da história desportiva portuguesa – medidas que, de uma vez, estancassem a sucessão de eventos e que se assumissem como uma clara afirmação de não apoio à violência – as únicas que nos poderiam afastar de um previsível cenário ao “estilo colombiano”.
E essas medidas, a pouco e pouco, têm surgido:
* uma investigação que levou, desde cedo, à prisão preventiva de dezenas de indivíduos que, ao contrário do esperado (passarem talvez 1 a 2 noites encarcerados) se encontram sujeitos a esta medida já há 6 meses;
* a criação da Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência do Desporto, consequência natural do envolvimento: o do Comité Olímpico de Portugal, que em 2017 sugere a instalação de uma Autoridade Nacional para Segurança no Desporto – privilegiando um foco na protecção e segurança – organizando, para o efeito, uma convenção internacional que reuniu vários actores sociais (polícia incluída) e especialistas internacionais;
o da própria Federação Portuguesa de Futebol;
* ou até à recente prisão de dois arguidos suspeitos de orquestrarem o ataque a Alcochete (Bruno de Carvalho e Mustafá), de facto, tem-se sentido uma clara vontade de usar este incidente como uma clara afirmação de inadmissibilidade – por outras palavras, da não aceitação da violência sem consequência nem apuramento de responsabilidades.
A confirmar-se, a serem apurados os responsáveis e a serem actuadas duras medidas de responsabilização, talvez se presencie o início de um novo paradigma que, desejavelmente, se deve estender a todas as áreas da Sociedade.
A impunidade associada a determinados actos, sem aparente responsabilização aos danos causados a terceiros, acaba por minar a capacidade e vontade do cidadão comum em se envolver e comprometer com uma qualquer mudança que se entenda imprescindível.

Que janela de oportunidade?
Por esta razão, e em variadíssimas vertentes, Alcochete pode transformar-se de facto, num excelente case-study – seja para a compreensão de um conjunto de fenómenos sociológicos (que irá do comportamento das massas face a um dado estilo de liderança, ao comportamento de um conjunto de sujeitos que, deixando-se instrumentalizar, se encontra já há 6 meses a sofrer as consequências dessa mesma “escolha”, entre outros), de liderança (os riscos e benefícios deste “novo estilo”: o do Presidente Adepto, por exemplo) e até emocionais (no que respeita às sequelas que as vítimas possam apresentar a médio-longo prazo, mediante a observação de quadros de stress pós-traumático).
Pode, ainda, assumir-se como um verdadeiro marco de mudança – ou, não nos dissesse a literatura científica na área da intervenção em crise que, para grandes fenómenos disruptivos, importa criar mensagens simbolicamente opostas mas, de intensidade semelhante. Entenda-se: para uma grande “crise” importa encontrar uma solução de igual dimensão e impacto afectivo antagónico (no caso, positivo).
Por esta razão, o SCP encontra neste momento reunidas as condições ideais para, chamando a si o papel de principal interlocutor no combate à violência no desporto, assumir um claro envolvimento em todas as medidas, sabendo posicionar-se acima de qualquer resquício clubístico num tema que, afinal, é de todos.
Esta é, de facto, uma oportunidade única que não deveria ser desperdiçada, uma vez que resultará, inevitavelmente, não só num agigantar de orgulho e sentimento de pertença mas também numa clara medida de resgate da reputação institucional."

Escalões de malformação

"Notícia de última hora: o seu filho não vai ser o novo Cristiano Ronaldo. Mas ainda vai a tempo de ser um gajo com quem dá para discutir bola.

Estive os últimos dias na estrada, em trabalho, a testar material de stand-up comedy pelo centro do país. Sim, é isso que eu classifico de labuta. Quando eu arranjar uma profissão a sério, prometo que avisarei os leitores. Foi nesse âmbito que tive a oportunidade de assistir a um jogo dos escalões de formação entre duas equipas locais. Não vou especificar nomes, consideremos, para efeitos retóricos, um jogo entre Desportivo de Focinho de Cão frente ao Venda da Gaita United.
Ora, chamem-me de optimista inveterado, mas ingenuamente tive a esperança de encontrar uma candura, uma simplicidade e uma alegria que já se perdera no futebol profissional dos mais velhos e que eu esperava ver cultivada num jogo de putos. Ou, pelo menos, uma cultura de rivalidade que respeitasse a idade, o amadorismo e a diversão dos miúdos. Claro que me deparei com a mimetização da cultura de ódio e de acefalia que é vigente na Primeira Divisão.
O problema não está, obviamente, nos miúdos. Na maior parte dos casos, os treinadores têm também noção da sua responsabilidade. O tumor do futebol de formação são os pais. Se pudéssemos pensar que nestes escalões o árbitro seria tratado de forma mais respeitosa, enganamo-nos. Para estes exemplares progenitores, o juiz da partida é, sem margem para dúvidas, “roto”. Quando não o é, tem comprovadamente “mais cornos do que o um balde de caracóis”. (Dependendo da capacidade do recipiente em questão, podemos estar a falar de muitos cornos, note-se).
Quando não se ataca o árbitro, os adolescentes adversários também são apelidados de “porcos”, por exemplo. É verdade que a combinação de actividade desportiva com o pico da puberdade leve a odores corporais pouco convidativos, mas uma claque de homens e mulheres na meia-idade a insultar crianças de 16 anos é que, para mim, constitui uma autêntica vara. No caso do jogo a que estava a assistir, por acaso o banco da equipa técnica situava-se no lado oposto à bancada, caso contrário certamente teria lugar o também comum assédio ao treinador para colocar o filhinho a jogar, que o puto ainda vai a tempo de ser um Futre.
O sonho de ser jogador profissional parece ser mais dos pais do que dos filhos. Os adolescentes aparentam ter mais noção de que jogar ao domingo contra o Venda da Gaita United contribui mais para a sua saúde, bem estar e divertimento do que propriamente para o futuro da sua carreira profissional.
Muitos pais projectam obsessivamente nos filhos a sua ambição desmedida, que se esquecem que lhes estão a transmitir a sua postura de grunho no futebol. Notícia de última hora: o seu filho não vai ser o novo Cristiano Ronaldo. Mas ainda vai a tempo de ser um gajo com quem dá para discutir bola."