sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Deixem jogar o Mant... perdão, o Gedson

"Esqueçam lá os casamentos, festivais de Verão, férias em família: amanhã é dia de dérbi. Não há tempo a perder com questões secundárias, tais como eventos que se realizam apenas e só uma vez na vida, convívios absolutamente inesquecíveis com amigos, momentos de harmonia na companhia de quem mais amamos ou até mesmo actividades como comer e dormir. Aliás, é um daqueles dias que passo bem de estômago vazio desde que o Ferreyra me sacie à noite com um bis - pelo menos a embalagem de ketchup ele já abriu. Será que o Pizzi passou bem a noite? O Rúben Dias comeu os espinafres ao almoço? O Grimaldo dormiu a siesta?  O Gedson já fez os trabalhos de casa de Matemática que a professora mandou para as férias? Estas são algumas das dúvidas que pairam na minha mente durante as 24 horas que antecedem o jogo. Os jogadores têm de estar concentrados ao máximo para enfrentar um adversário forte, experiente e altamente motivado.
Já sabemos que estas equipas mais pequenas se agigantam contra adversários habituados a ganhar títulos. Sei que é feio estragar surpresas, mas vou já adiantar quem será o centro das atenções: Gedson Fernandes. Se não for pelo que joga, será pelo que não o deixam jogar. Contra o Boavista, o rapaz foi um verdadeiro saco de pancada. Eu já não me lembrava de ver um atleta de alta competição levar tanta porrada desde que o John Cena bateu o Randy Orton num combate Hell in a Cell em 2009.
Será estranho ver um dérbi na Luz sem o Rui Patrício. Foi uma belíssima história escrita ao longo de 12 jogos: uma vitória, dois empates, nove derrotas, 21 golos sofridos. Estamos perante uma lenda, portanto espero que amanhã o Rui seja devidamente homenageado."

Pedro Soares, in O Benfica

Múmias paralíticas

"Numa cabina algures num intervalo de um jogo, um treinador da 'tanga' diz aos seus jogadores
- Se vocês estiverem a perder nos 90 minutos, ou estiverem empatados, remate contra os braços dos adversários, que isto hoje em dia, quer seja bola no braço, ou braço na bola, é logo penálti. E se o árbitro não marcar, cá estamos nós e a Direcção, para não vos falar na claque, para arranjar confusão, que fomos roubados, vilipendiados, sonegados e mais uns quantos 'ados'.
Mas, mister - perguntou um jogador assim mais atadinho.
- Mas se não for mesmo penálti?
O treinador irrompeu do alto da sua esperteza e disse
- Olha! Queres jogar? Ser campeão? Não te esqueças de que temos pelo nosso lado os críticos de arbitragem do site por nós, pois um deles odeia o Benfica, e outro adora-nos! Está bem! Está bem! - respondeu o atadinho!
No mesmo momento, algures fora deste balneário, mas noutro balneário, outro treinador dizia aos seus pupilos
- Se vocês estiverem a perder nos 90 minutos, se estiverem empatados, troquem a bola entre vocês, como sabem fazer muito bem, até que um de vós remate a ver se marcamos golo!
Esta é a diferença entre a esperteza e a honestidade, entre o fair play e a vigarice, entre o politicamente correcto e o politicamente incorrecto, enfim, entre a verdade desportiva e a fraude desportiva.
Nada há a fazer, apenas fazer de maneira igual à vigarice!"

Pragal Colaço, in O Benfica

O futuro

"Escrevo antes do início do SL Benfica - PAOK. Rui Vitória merece ser elogiado. A sua aposta na formação soma e segue. A convocatória de seis jogadores que nos últimos anos passaram pelas nossas equipas B e de juniores A é a melhor prova de que o treinador mais titulado da I Liga não é um homem de promessas vãs. Quem analisar com honestidade o percurso profissional de Rui Vitória facilmente constatará que o lançamento de jovens talentos é uma das suas imagens de marca. Quando li no nosso site a convocatória para a 1.ª mão do playoff de acesso à Liga dos Campeões, confesso que me senti ainda mais orgulhoso do nosso timoneiro. O caso de Gedson Fernandes é apenas mais um exemplo de sucesso. Este verdadeiro fenómeno do futebol português foi lançado no timing certo, e todos ficarmos rendidos à sua forma de jogar e, sobretudo, à sua forma de estar. Muitas horas no Seixal, a ser trabalhado pelos nossos competentíssimos técnicos do Caixa Futebol Campus, só podiam dar no que deu. Além de Gedson, Rúben Dias, cada vez mais preponderante, Yuri Ribeiro, à procura de uma oportunidade para demonstrar tudo aquilo que exibiu em Vila do Conde. Na lista de Rui Vitória segue-se Alfa Semedo, um jogador que é já um caso sério e que irá merecer, seguramente, uma análise cuidada dos nossos seleccionadores. Ainda nos 20 convocados consta João Félix, que todos consideram um dos maiores talentos que já passaram pela nossa academia e que, na altura certa, será lançado por Rui Vitória. Para já, entrou no Bessa e contribuiu também para a importante vitória num estádio onde no ano passado deixámos três pontos. Finalmente, André Almeida, cujo rendimento disparou incrivelmente. André Almeida é já uma referência, e a sua passagem pela nossa equipa B foi fulcral para o jogador que ele hoje é e aquilo que simboliza. Vemos jogar André Almeida e ficarmos rendidos à sua entrega e ao seu profissionalismo. Mas quando o ouvimos falar... rapidamente concluímos - 'Isto é o Benfica!'"

Pedro Guerra, in O Benfica

Telavive

"Mais um intercâmbio de jovens de projectos da Fundação Benfica e de fundações de outros grandes clubes europeus a atestar o fantástico trabalho de networking que a EFDN - European Football for Development Network está a realizar em toda a Europa. A nossa Fundação é parte desta rede quase desde o seu início e orgulha-se de ter ajudado a construir e fazer crescer esta rede que alcança hoje 59 fundações e organizações de responsabilidade social de grandes clubes europeus de futebol.
Fazemos inúmeros projectos em comum e testamos metodologias inovadoras que uns e outros desenvolvemos para depois replicar pela Europa, mostrando que os clubes de futebol são uma enorme força de transformação social e conseguem resultados importantes mesmo em situações-limite. É o caso, crescente em toda a Europa, do combate à radicalização dos jovens e muito particularmente da urgência na integração e diálogo intercultural de jovens refugiados e/ou provenientes de grupos sociais em conflito. Israel e a Palestina também sabem disso e têm dado uma atenção especial ao papel que o desporto e muito particularmente o futebol pode desempenhar na construção de pontes de diálogo que permitam o caminho da Paz. Uma Paz que, para lá dos grandes palcos políticos e geoestratégicos, não se constrói sem as pessoas comuns, todos os dias com as pequenas coisas e, neste caso, com a esperança e a alegria da juventude.
De Portugal, entre outros provenientes de outros projectos da Fundação Benfica, merecem uma palavra especial os jovens que se destacaram no projecto Hat-Trick, desenvolvido pela Fundação com a Escola Profissional Gustavo Eiffel. Ultrapassando o primeiro ano de trabalho neste prokecto-piloto, os resultados estão aí, e os jovens viram o seu esforço recompensado com um prémio muito especial. À primeira vista trata-se de uma viagem de sonho a um destino exótico para confraternizar com outros jovens. E também é isso, mas é muito mais, porque será uma viagem transformadora e não esquecida por muitos anos.
Neste intercâmbio os jovens desenvolverão actividades comuns e experimentação de diferentes culturas, da música À comida tradicional cozinhada por eles, da partilha de opiniões sobre os problemas comuns do mundo às realidades que uns e outros vivem nos seus países. Vão reunir-se com os seus pares holandeses e israelitas em Telavive e discutir, a partir das suas experiências pessoais em contextos de desvantagem social, como é que os projectos sociais em que participaram os ajudaram a superar-se e ultrapassar alguns receios e limitações a sua realização pessoal.
Ou seja, como aprenderam a projectar-se no futuro sem se deixarem limitar pelas condições do presente e como estão a percorrer esse caminho.
Que saiam dali inspirados e que contagiem outros pelo seu exemplo, e que as suas vozes sejam ouvidas no que considerem motivador e transformador para os jovens, de modo a que as organizações sociais e os países saibam como fazer melhor o seu trabalho!
Bons frutos!"

Jorge Miranda, in O Benfica

Ritmo infernal

"A intensa cadência de jogos estabelecida no calendário para o início da época - sem qualquer ajuda, como aquela com que, o rival do Campo Grande - trouxe alguma inquietação a muitos de nós. Como iria o Benfica superar tantos e tão frequentes desafios nacionais e internacionais, numa fase temporã dos torneios oficiais, em que muitos acertos e ajustamentos estão a ser sedimentados na máquina do futebol de elite, e ainda estando perigosamente (e injustamente, para todos!) aberta a janela do mercado de transferências?
Todos estes oito jogos das competições a sério, nos planos interno e externo, seriam, desde logo, absolutamente decisivos para estabelecer as boas bases de toda a temporada, e tornava-se ainda mais importante do que nos últimos anos que a pré-época fosse cuidadosamente estabelecida, de forma a que os jogadores e a equipa se sentissem confortáveis e seguros em todas as novas missões que lhe competiam.
A verdade é que a força do conceito de 'Reconquista' que cedo começara a constar no vocabulário da nova época tinha partido de dentro para fora, do interior, mesmo, na própria estrutura do nosso Futebol. E isso, juntamente com programas físicos porventura mais ajustados do que em épocas anteriores, parece ter contribuído para se estabelecer a diferença no rendimento da estrutura da equipa principal.
Na terça-feira, a equipa dirigida por Rui Vitória disputava o quinto jogo em escassos quinze dias cumpridos, e este terá sido, a meu ver, o melhor e mais disputado e difícil de todos, até agora. O Benfica apresentou um futebol consistente e de altíssima qualidade, ainda que demasiadamente perdulário, tendo de se bater com um conjunto mais rodado, já que se iniciou em competição algum tempo antes de nós, competente e surpreendentemente coerente no seu atrevido sistema. Talvez que o jogador mais decisivo em campo tenha sido o guarda-redes grego, por mim, contei nove ocasiões flagrantes de golo para o Benfica das quais algumas ele defendeu com eficácia.
Agora, cumpre-nos ir jogar a Salónica. Certamente do mesmo modo e com os mesmíssimos índices de confiança e de segurança, embora, se possível, com todos os nossos jogadores disponíveis. Por mim, estou francamente optimista relativamente ao desfecho do playoff em face do que ficou bem patente durante este jogo, discordo do treinador filho de Lucescu, que se mostrou deslumbrado com o que lhes tocou na Luz.
Estou optimista, repito. E estou completamente de acordo com a afirmação de Rui Vitória, de que nos basta ser cinquenta por cento mais frios e eficazes do que fomos na primeira mão, mantendo o mesmo ritmo infernal que crescentemente nos tem distinguido dos nossos adversários. E, para já, temos uma boa ocasião para treinar tudo isso na festa que vamos fazer, já amanhã, sábado..."

José Nuno Martins, in O Benfica

Rivais, sempre! Inimigos, nunca...

"Amanhã, o Benfica abre as portas da Luz para acolher o Sporting, eterno rival. Será a 85.ª vez que as águias recebem os leões para o campeonato nacional, sendo a actual casa dos encarnados o sexto palco dos dérbis a contar para a principal competição do calendário português. Os estádios onde o Benfica jogou desde 1934/35, como anfitrião, contra o Sporting, foram as Amoreiras (3V, 1E, 2D), o Lumiar (1D), o Campo Grande (6V, 1E), o Estádio Nacional (1V, 1E, 5D), a Luz (28V, 17E, 3D) e a nova Luz (8V, 4E, 3D), chegando-se assim à conta final de 46 vitórias para o Benfica, 23 empates e 15 triunfos do Sporting, com 167 golos para os da casa e 106 para os forasteiros.
Sendo o futebol a mola real dos clubes (e estes dois são até casos extraordinários de aposta no ecletismo), e tratando-se de uma rivalidade que ao longo da história, essencialmente durante o século XX, resultou no principal motor de desenvolvimento do desporto nacional, do Minho ao Algarve (ou Timor...), está encontrada a explicação para este jogo ser não apenas o dérbi da cidade de Lisboa, mas sim o grande evento do futebol português.
A quem nele participa, a ver, a jogar ou a arbitrar, o que se espera é que esteja a altura da dimensão histórica de um fenómeno que marca, desde 1 de Dezembro de 1907, a vida do país. Os últimos anos de convivência institucional entre dois colossos foram, para dizer o mínimo, conturbados. O que se pede é que o jogo de amanhã marque o regresso a uma rivalidade imensa mas sadia, que veja no opositor um adversário que se quer derrotar e não um inimigo.
Será pedir de mais?"

José Manuel Delgado, in A Bola

Aparecer para finalizar

"Há aspectos muito interessantes quando analisamos a reacção do público num jogo de futebol. Um deles relaciona-se com as alterações no resultado. Se a equipa da sua preferência está em vantagem não há comentários em relação ao número de avançados que a equipa utiliza, mas se se verifica o contrário, sente-se o pedido para que o treinador promova alterações nesse sector. Os adeptos, naturalmente, querem que a sua equipa ganhe, e pensam que por se aumentar o número de avançados se estará mais perto de concretizar esse objectivo. Ora, normalmente a questão está mais relacionada com a capacidade de ter peso na área, o que significa aparecer nesse espaço para finalizar, do que em ter muita gente fixa nessa zona. Esta pequena diferença, que na realidade é uma grande diferença na dinâmica de uma equipa, não é, normalmente, devidamente explicada para um bom entendimento do adepto. Não é o sistema táctico que condiciona, é a dinâmica da própria equipa que provoca esse povoamento, ou não, na zona de finalização. É mais ofensivo o 1:4:4:2, o 1:4:3:3, o 1:3:5:2 ou o 1:3:4:3? Repare-se nas grandes equipas mundiais, de clube ou selecção, da actualidade ou do passado, e concluímos que não foram mais eficazes pela adopção de um ou outro sistema táctico. A dinâmica dessas equipas, e obviamente a qualidade dos intervenientes, foi sempre decisiva para o seu alto rendimento.
Nos dias de hoje, em que os pais estão mais perto no acompanhamento aos filhos que jogam futebol, torna-se cada vez mais importante estabelecer uma relação envolvente e pedagógica, que permita a todos entenderem o jogo de melhor forma.
Não é por se ter muitos avançados que se marcam mais golos. Consegue-se mais vezes esse objectivo quando se surge mais vezes nessa zona do terreno, e com mais elementos para finalizar. Esta dinâmica, e respectivos equilíbrios, são o motivo porque não é necessário ter muita gente lá, é preciso surgir lá... na área."

José Couceiro, in A Bola

Dérbi de extremos

"O Benfica tem razões para se queixar do calendário e sobretudo da pouca (ou nenhuma) atenção que houve em relação ao envolvimento do clube nas eliminatórias de acesso à Champions. O mesmo se passou com o Sp. Braga na época passada, que enquanto se batia pela entrada na Liga Europa, à 4.ª jornada já tinha defrontado Benfica e FC Porto.
Durante alguns anos, existiu aquele cuidado, precisamente para aliviar a ‘carga’ e criar condições para boas performances nas provas europeias. Essa protecção fazia sentido pela razão lógica de que é fundamental ter presença de peso na Europa para somarmos pontos no ranking da UEFA. Os clubes entenderam de maneira diferente, pelo que todos ficaram à mercê do sortilégio do calendário. 
Teremos assim um dérbi algo prematuro e de extremos. Frente a um Benfica com alicerces sólidos estará um Sporting ainda em construção – em relação ao último dérbi (no final da Liga 2017/18), faltam apenas dois jogadores às águias (Douglas e Jiménez) e seis aos leões (que até poderiam ser nove se Bruno Fernandes, Bas Dost e Battaglia não tivessem voltado). E temos também um Benfica com mais três jogos do que o Sporting, com tudo o que de melhor e pior isso pode representar: equipa mais oleada, em rotação alta, mas eventualmente com maior desgaste."

Dérbi em momento curioso

"O primeiro clássico da época já está a chegar, logo à 3.ª jornada. Águias e leões vão encontrar-se amanhã no Estádio da Luz com um sentimento comum: ambos preferiam que o jogo surgisse noutro momento. Mas o calendário (este ano sem condicionalismos a favorecer os grandes, algo que o G15 conseguiu fazer aprovar) assim o exige, e o dérbi lisboeta colocará em confronto um Benfica em vésperas de partida determinante para as ambições europeias e um Sporting que ainda procura evoluir para um nível exibicional superior.
Os dois emblemas vão assim abordar esta partida com preocupações distintas. Por um lado, o Benfica apanha este jogo a meio de uma eliminatória decisiva que lhe pode dar acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões e um chorudo prémio financeiro superior a 40 milhões de euros. É uma fase crucial da época para os encarnados, que ditará o futuro e algumas decisões a tomar até ao fecho do mercado. E perante jogos de tamanha intensidade, há que acautelar o desgaste físico que possa sair daí. Depois do empate a uma bola na Luz com o PAOK, as águias vão jogar todas as fichas no jogo da 2.ª mão na Grécia e falta perceber até que ponto isso pode influenciar as escolhas de Rui Vitória para o dérbi.
Já o Sporting, depois da fase tempestiva, começa a reinventar e estabilizar a sua equipa. José Peseiro traz ideias diferentes às do passado recente e tenta montar um puzzle que ainda espera novas peças para que a máquina afine. Até lá, o pragmatismo é o caminho. A equipa necessita de ir acumulando pontos, crescer em plena competição e manter-se na luta com os rivais. Estará o leão preparado para surpreender no dérbi? Por vezes, são estes jogos que servem de clique e despertam as equipas para um maior rendimento e força mental.
Neste momento, e porque já traz uma base e um sistema montados desde o ano passado, o Benfica parece ter uma dinâmica mais consistente, sendo que a introdução de um jogador como Gedson Fernandes no meio campo, capaz de ocupar vários espaços à frente e atrás, tem libertado Pizzi para um papel mais preponderante na equipa, aparecendo em boa forma neste início de temporada e municiando muitas jogadas de perigo. A rever, Rui Vitória terá tido mais atenção ao capítulo da eficácia, que não foi a melhor no jogo com o PAOK, assim como a perda de intensidade e agressividade que a equipa parece acusar na segunda metade dos jogos efectuados até agora.
Por seu lado, o leão procura ainda a fórmula ideal para montar alguns sectores da equipa. No meio campo, o trio que formará o corredor central parece ser uma das prioridades de José Peseiro, que ainda não contará com o sérvio Gudelj, elemento que pode acrescentar qualidade ao miolo. Enquanto Battaglia e Bruno Fernandes são opções óbvias, o terceiro elemento pode ser a principal dor de cabeça na Luz. A lesão de Bas Dost e a possibilidade de não jogar o dérbi, pode ser também um problema, já que o plantel dispõe de poucas soluções para o lugar do ponta de lança holandês. Há algumas incertezas em relação ao Sporting, mas José Peseiro no passado já conseguiu surpreender.
O dérbi não será decisivo, como é óbvio. Mas surge num momento "incómodo" para ambas as equipas e, até por isso, será importante para qualquer um dos lados perceber a sua reacção a estes testes de máxima exigência, partidas em que todos os atletas querem participar. Ganhar pode ser um tónico psicológico para os jogos seguintes. Que seja uma boa partida.

O Craque – Fredy em bom plano
Foi apontado no passado como jogador de grande potencial, mas a carreira de Fredy acabou por não ir de encontro às expectativas geradas. Porém, aos 28 anos, e ao novamente serviço do clube de formação, o Belenenses, o avançado tem estado em destaque. Silas está a conseguir tirar o melhor rendimento do extremo angolano e este respondeu com 4 golos nos primeiros 3 jogos da época. Jogador rápido, capaz de desequilibrar no 1 para 1 e de descobrir os melhores movimentos para assistir os colegas, pode estar a caminho de uma temporada em alta.

A Jogada – Só os 3 grandes na Europa
A posição portuguesa no ranking da UEFA tem ficado enfraquecida nos últimos anos e a coisa complicou ainda mais com as mudanças que favoreceram as principais ligas com mais vagas na Liga dos Campeões. Só conquistando mais pontos na Europa se conseguirá recuperar a posição de um passado recente. No entanto, o cenário não está fácil. Com Rio Ave e Braga afastados da Liga Europa, restam-nos os 3 grandes nas provas europeias. Que as boas prestações de FC Porto, Benfica e Sporting possam ajudar a iniciar essa recuperação.

A Dúvida – Problema resolvido?
Depois de um período em que esteve afastado dos treinos da equipa principal do FC Porto, Moussa Marega voltou a ser reintegrado nos treinos do dragão. Tal como já aconteceu no passado (no FC Porto e noutros emblemas nacionais), o mercado acaba sempre por mexer com o plano emocional de alguns jogadores, que nem sempre conseguem perceber os interesses do clube em detrimento dos seus. Sérgio Conceição já referiu que apenas contará com o jogador se este mostrar comprometimento total com a equipa. Problema resolvido?"

Nova prova em boa hora

"Teve início, em boa hora, a competição dos sub-23 que pretendem, muito justamente, uma oportunidade para continuar a melhorar as suas competências para a prática do futebol.
A esse respeito, segundo dados da FPF da época de 2017/18, cerca de 8.500 praticantes entre os 18 e 23 anos deixaram de estar federados. Independentemente de termos conhecimento que nestas idades existe uma significativa alteração na mudança de domicílio de muitos jovens, originado, na maior parte das vezes, pela continuidade da sua carreira de estudante nas diversas universidades do país, não é despiciente realçar a obrigatoriedade da participação em tal competição de um número significativo de jogadores formados localmente.
Provavelmente, esta iniciativa deveria ser acompanhada de medidas que facilitassem a transferência dos próprios atletas, quando se trata de mudanças de clube pelos motivos atrás aduzidos e por consequência sem encargos para os clubes que recebem os jovens, para que os mesmos possam dar sequência na prática do desporto que escolheram e ao qual gostariam de dar continuidade, impondo regras para que essa situação não seja aproveitada para atraiçoar a nobreza das intenções dos que proporcionaram a iniciação da prática futebolista a tais atletas.
Está confirmado um número significativo de estrangeiros nas diversas competições nacionais, inclusive nos sub-19, adulterando os propósitos da formação, as obrigações do Estado – que deve proporcionar condições aos nossos jovens da prática desportiva, que devia ser obrigatória e não um luxo, prejudicando significativamente as nossas selecções.
Paralelamente, é imprescindível que saibamos gerir a ansiedade do jovem futebolista, tendo em conta que as suas expectativas nem sempre serão alcançadas. É a prática dos treinadores e jogadores que transforma, ou não, o que se aprende e como se aprende. O que significa que a aprendizagem tem de ser contextualizada, planeada… e permanentemente reforçada."

Relatos & comentários!!!

"Há 30 anos quase não havia futebol na televisão. Agora quase não há outra coisa. Naquela altura era preciso ouvir os relatos na rádio. Agora há canais de televisão que transmitem o jogo e outros que transmitem um jornalista a ver o jogo e a relatá-lo. Em breve, aposto, teremos outro canal a fazer o relato do canal que está a fazer o relato. Imagino que uma estação de baixo orçamento, que não tenha dinheiro para subscrever o canal que está a dar o jogo, passe a usar esta estratégia em breve: fazer o relato do relato. “Neste momento, o jornalista que está a ver o jogo diz que o Benfica está a atacar. Parece que a bola foi para fora. Diz que agora é pontapé de baliza.” É como se um vizinho nosso tivesse um vizinho que tem um vizinho que o deixa ver o jogo.
E há ainda os comentários ao futebol, os comentários aos comentários, as pessoas que assinalam o excesso de comentários, e as que, como eu, além de observarem tudo isto, ainda se observam a si mesmas a observar, imaginando assim obter algum tipo de salvação. Quando eu tinha 15 anos os jogos não eram transmitidos, salvo raríssimas excepções. Havia o Domingo Desportivo, que dava o resumo dos melhores momentos e às vezes nem isso porque, “por razões a que somos alheios, só foi possível captar os últimos instantes deste lance”. Agora vemos todos os jogos da primeira divisão, vários da segunda e alguns treinos. Além dos campeonatos estrangeiros e das competições internacionais. Parece que, neste momento, para ter acesso a todos os jogos, é preciso pagar mais ou menos 50 euros por mês, ou seja, 600 euros por ano. Há o campeonato inglês, que é o melhor do mundo. O espanhol, que é o segundo melhor. O italiano, onde joga Cristiano Ronaldo. O francês, que tem Leonardo Jardim. Entretanto, Paulo Sousa e Vítor Pereira estão na China. E ainda falta a Liga dos Campeões, claro. Os campeonatos mais obscuros foram ganhando os chamados “factores de interesse”. Um dos “factores de interesse” mais comuns é a presença de “jogadores bem conhecidos do futebol português”. Que “pontificam” em certas equipas. Assistir ao jogo da equipa chinesa em que “pontifica” um jogador “bem conhecido do futebol português” porque “actuou” no Estoril entre 2013 e 2015 é, de repente, uma absoluta necessidade. Não é ironia, estou mesmo curioso por saber o que fará Sebá ao serviço do Chongqing Lifan, clube em que pontifica. Já estou a poupar dinheiro para subscrever todos os canais."

Ricardo Araújo Pereira

Venha o dérbi

"Os clubes portugueses ainda se movimentam em matéria de transferência de jogadores e, por causa disso, os plantéis ainda não ficaram concluídos para os meses iniciais da temporada. No entanto, o dérbi lisboeta, que se realiza amanhã na Luz, já tem qualquer coisa de convidativo, mesmo que Jonas possa vir a estar ausente e de a recuperação de Bas Dost ainda estar por confirmar.
Gedson é um dos novos elementos para a nova temporada. Tanto ele como João Félix e David Tavares, que se lesionou com gravidade no arranque dos trabalhos, eram há muito tempo projectados para, na época 2018/19, fazer a ponte do Seixal para a equipa principal. Felizmente para Rui Vitória, Gedson não desiludiu e tornou-se, nestas primeiras semanas, um caso sério de afirmação, com crescimento exibicional. Transporta, rompe, recupera e compreende bem os movimentos de cooperação com Fejsa, o sentinela que lhe guarda as costas, e Pizzi, o líder da zona média com quem o centrocampista são-tomense alterna as infiltrações na grande área adversária.
Contra o Sporting, Rui Vitória não deve mexer nessa estrutura de três médios, a tal que, mesmo não assegurando o jogo de criação com a mesma pinta de Krovinovic ou que não conte com os recuos de Jonas até à zona ofensiva, possibilita invasões-surpresa na área que dificultam imenso a acção defensiva do oponente. Se Ferreyra prender Mathieu ou Coates, e esse é um ponto forte do ex-Shakhtar, há espaço que o Benfica pode aproveitar com essas invasões em corrida, que são quase sempre potenciadas no corredor central por Gedson e, sobretudo, Pizzi.
Desde a International Champions Cup que Rui Vitória foi à procura da consolidação desse tipo de ataques, enquanto ‘Toto’ Salvio também se torna mais letal nas aproximações da direita para a zona de golo, algo que pode vir a confundir Jefferson. O lateral-esquerdo do Sporting gosta de avançar para efectuar cruzamentos, em particular para Bas Dost, mas não pode dar muito espaço ao extremo de Avellaneda. Em muitos momentos, teremos o Benfica a jogar propositadamente recuado, tendo Gedson, Fejsa e Pizzi a controlar bem a zona central à frente de Rúben Dias e Jardel. Essa é a melhor forma de afastar as combinações de Bruno Fernandes e de Nani perto da grande área benfiquista e também se torna a melhor maneira de esperar pelo erro dos centrocampistas do Sporting e de desenvolver raides em direcção à baliza leonina.
Cervi já é mais variado no posicionamento em ataque, trabalhando também em função da chegada de Grimaldo, o lateral com melhor resolução ofensiva quando entra na metade do campo adversária, seja junto à linha ou pelo meio. Quem sabe, até, se Grimaldo não vai apanhar Diaby pela frente, numa possível estreia do canhoto que veio da Bélgica.
Diaby dará mais mobilidade à frente leonina durante a temporada e tanto pode jogar em vez de Bas Dost no centro do ataque, como a partir do flanco direito, fazendo diagonais. Mas se Bas Dost, por acaso, vier a estar indisponível para a deslocação à Luz, este até pode ser um bom jogo para Montero, avançado que conecta bem com os colegas em apoios curtos, algo que o Sporting também vai precisar em muitos momentos para transportar a bola até à grande área de Vlachodimos.
Bruno Fernandes não vai estar tão amarrado como esteve no jogo contra o Vitória FC, em que Semedo lhe fez uma marcação impiedosa. É a unidade ofensiva mais preponderante dos leões em termos de armação de jogo e será curioso saber em que flancos vão jogar mais tempo Acuña e Nani, duas unidades que são fundamentais no trabalho de cooperação para Bruno Fernandes sobressair. 
Tanto Acuña como Nani rendem mais no lado esquerdo. O argentino encontra nesse flanco o espaço mais conveniente para cavalgadas com a bola ou para desferir cruzamentos por alto à procura de Bas Dost, mas Nani também entrar ligeiramente melhor para o espaço interior a partir da esquerda. Talvez a solução passe por ir fazendo ambos permutar de flanco, mas Acuña é o que normalmente fica mais prejudicado quando vai para a direita, entendendo que Jovane deve começar no banco e tornar-se uma carta importante para os sprints da ponta final do jogo. Curiosamente, quando Acuña estiver mais inclinado para a direita até pode tirar partido da presença mais aproximada de Montero, caso seja o colombiano a jogar.
Um dos aspectos que mais tem fragilizado o Sporting é a insuficiência na elaboração ofensiva na zona média e na posterior movimentação dos médios para desajustar o sistema defensivo adversário. Isso ficou particularmente explícito em alguns momentos do jogo em Alvalade contra os sadinos, quando, ao lado de Battaglia, Misic não assumia ou não conseguia fazer correctamente o passe para engrenar a ligação. Irá Petrovic voltar à titularidade, como em Moreira de Cónegos?
Por outro lado, apesar de uma ou duas tentativas de Battaglia e de Misic em se desmarcarem na frente, a frequência não foi a desejada e, por isso, os ataques do Sporting foram mais encravados. É nesse parâmetro que a aquisição de Gudelj pode tornar-se uma mais-valia, para espevitar o meio-campo com melhor raciocínio e movimento. Contra o Vitória, foi Acuña, a meio da segunda parte, a fazê-lo numa posição-base mais central (esteve na génese do segundo golo), com um arranque corajoso, mas Peseiro sabe que essa foi uma cartada de improviso e que não deve ser utilizada com continuidade, julgamos.
Sem Jonas, o dérbi perde génio e classe, mas Ferreyra poderá ser importante para reforçar a dinâmica de desmarcações que Gedson, Pizzi e Salvio gostam de praticar em direcção à zona de remate. Por outro lado, para José Peseiro seria bom ter Bas Dost para um recurso mais directo. É verdade que o holandês não precisa de tantas ocasiões para fazer golo, mas Montero também teria as suas mais-valias para se integrar na troca de bola com os médios-ofensivos do Sporting que poderão ter alguns problemas para definir situações de golo quando esbarrarem na zona defensiva benfiquista."

Sabe quem é? A mordidela e o açaimo - Joaquim Teixeira

"Os quatro golos ao Sporting e o prémio de campeão que não dava para a gabardina; Da bofetada do treinador à fome

1. Estava a caminho dos 22 anos quando, em 1939, Vicente de Melo o trouxe do Angústias (clube de que fora presidente quando andou como médico e gestor pelos Açores) - e o Benfica deu por ele 2500 escudos. (seriam, agora, 2275 euros - e a Casa Africana vendia, então, fatos de banho desde 22 escudos e 50 centavos - que ainda podiam ser como depois deixaram de poder ser: terem pernas nuas e mais e tecido, a tapá-las, a menos...)
2. Estreou-se contra o Belenenses num jogo que o Benfica perdeu nas Amoreiras por 4-2 (um dos golos foi dele). Tratavam-no por Semilhas ou Marreco - ficou a ganhar o que ganhava quem estivesse na primeira categoria: 300 escudos por mês e mais 80 escudos por vitória (e um rádio Garod custava 1750 escudos).
3. O primeiro título de campeão conquistou-o em 1941/42 - sobretudo, graças a vitória no Lumiar ante o Sporting. (Fez um golo, um golo fez Nelo Barros - e os outros dois couberam a Francisco Rodrigues que o Benfica fora buscar ao V. Setúbal para o lugar de Espírito Santo - que, doente, continuava impedido de jogar).
4. O seu segundo campeonato foi o de 1942/43 - e valeu a cada jogador do Benfica bónus de 500 escudos. (500 escudos equivaleriam hoje a 300 euros - não chegavam para comprar gabardina de lã que os Armazéns do Chiado pusera em saldo a 850 escudos). Nesse ano, um golo seu ao Sporting pôs o Benfica na final da Taça - venceu-a por 5-1 ao V. Setúbal (na primeira vez que o clube da II Divisão lá chegou).
5. Chamaram-lhe Gasogénio - o cognome deram-lhe porque, quando os outros já não o tinham - nele ainda havia fôlego para espalhar pelo campo.
6. Do campeonato de Lisboa de 1943/44 levou o jogo que lhe deu a imortalidade: de cada vez que o Sporting fazia um golo, ele arranjava forma de fazer mais um - fez quatro (e o Benfica venceu por 5-4).
7. Nessa época da Taça ganha ao Estoril com 8-0 na final, campeão foi o Sporting - em Coimbra viveu peripécia com história: Faustino parou-o com patada que o deixou de cangalhas. Não se levantou de pronto, como era hábito, deixou-se ficar no pelado a contorcer-se. José Maria Antunes pegou nele pelos pés., Faustino ergue-o pelos braços - e tentaram levá-lo de arrasto para a linha de cabeceira. De súbito, ouviu-se um grito, o árbitro expulsou-o a ele e ao Faustino - e o caminho do balneário, o jogador da Académica mostrou já a arroxearem-se, as marcas da mordidela que ele lhe dera. (Manuel da Costa contou-o: «Eu bem vi como o Faustino lhe torcia os pés... Se não lhe mordesse ficava com os calcanhares para a frente»). Dias depois chegou de Coimbra à sede do Benfica encomenda postal em seu nome. Entregaram-lha, abria-a e dentro da caixa estava, provocador, um açaimo. Por causa do castigo, não fez os três últimos jogos do campeonato, sem ele o Benfica perdeu com o Sporting e o Olhanense, foi-se o título.
8. A campeão voltou em 1944/45. O melhor marcador do Benfica foi ele. Pediu aumento, abriu-se a confusão e Biri o esbofeteou-o em público. Exigiu reparação - a direcção de Félix Bermudes limitou-se a repreender o treinador. Reagiu acre - e de castigo deixaram-no sem dinheiro para comida e quarto - com o argumento de que... «não sabia assinar os recibos».
9. Vicente de Melo, que já fundara A Bola, não permitiu mais humilhações - e procurou negociá-lo para Braga. Bermudes replicou que também ele, o dr. Vicente, o deixara, uma vez, a pão e água - e negou-o: «De facto, quando era tesoureiro do Benfica, multei-o em 1000 escudos por ter faltado às aulas de professor que arranjara para ensinar jogadores do Benfica a ler e escrever - e esses 1000 escudos não incidiram sobre os salários, mas sim sobre o prémio de vitória da Taça de Portugal».
10. Essa Taça fora a que o Benfica ganhara ao Belenenses em 1940, a primeira da história do clube, a sua primeira. A quezília fechou-se com o Benfica a aceitar os 1500 escudos mensais que o SC Braga lhe oferecera - mas Biri atirou-o, vingativo, para as reservas e, em meados de 1946, foi para V. Guimarães. Passou pelo Elvas - e voltou a Lisboa, empregando-se como fiel de armazém."

António Simões, in A Bola

Sabe quem é? O capitão sem a Taça... - José Águas

"Com Benfica campeão europeu, não viu Ângelo à beira da morte; O chapéu queimado e o medo dos 'pitons' e da relva

1. Raúl, o pai, fora de Lisboa para Luanda - e, no boxe, notoriedade por lá ganhara: «Batia-se bem, até com estrangeiros». Morreu cedo, porém - por uma crueldade do destino: na festa de anos da fábrica de açúcar onde trabalhava fez-se competição de jogo da corda - e excedendo-se mais do que devia foi parar ao hospital. Dias depois, hemorragia interna que sofrera na luta matou-o. Zeca, o filho que lhe nascera em Luanda, ainda não tinha quatro anos - e para o criar (a ele e aos três irmãos) a mãe passou a lavar roupa que, arranjava a rol nos navios que ancoravam no Lobito. (Disso fez negócio, pelo caminho abriu casa que recebia hóspedes, servia refeições).
2. Na escola depressa se percebeu no Zeca o tino para os estudos - e o jeito com que ele, de bola no pé, deixava o recreio em frenesim. Quem o viesse nos seus malabarismos (no recreio ou no areal da praia...) corria a desafiá-lo para «coisa mais séria» - e ele não ia, a razão revelou-a assim: «A minha mãe achava-me fraco para tais andanças - não queria que a má sorte voltasse a atacar-nos, era o que mais temia. Por isso, só aos 15 anos me deixou calçar pela primeira vez botas de futebol».
3. Pelos 15 anos tivera de atirar-se ao trabalho para dar ajuda à casa. Como dactilógrafo se empregou na Robson Hudson, empresa de vendas da Ford - e foi na equipa da firma que começou a jogar. Mas não só: «O meu chefe era vice-presidente do Lusitano Sports e passou a exigir-me que jogasse pelo seu clube também. Às vezes, fazia-me de cábula - e dos 16 jogos do campeonato não alinhava em mais de seis. Às segundas-feiras, o chefe ralhava-me, eu voltava a faltar...»
4. O destino não deixou de atacar, terrível, a família: meningite matou-lhe Aníbal, o irmão: «Jogava muito melhor do que eu». A caminho dos 17 anos, morreu-lhe a mãe: «de coração cansado». Tinha dois ídolos: Rogério e Julinho, após vitória do Benfica na Taça Latina, jornal angolano publicou poster com a equipa - ele correu a colá-lo na parede do seu quarto. Achou que não bastava, comprou outro - e pendurou-o no escritório onde trabalhava. Dias depois, digressão de mês e meio que o Benfica fez por Angola, Moçambique, Transcaal e Congo Belga, passou pelo Lobito - e mudou-lhe o destino...
5. Com o Zeca primeiro a avançado centro e depois a extremo direito, a selecção do Lobito ganhou ao Benfica da Taça Latina por 3-1, com dois golos dele. O primeiro foi deslumbre: «Fugi ao Jacinto, recebi a bola pelo ar, parei-a com o peito - e zás: o Contreiras nada pôde fazer». No fim do desafio, Ted Smith pediu-lhe que passasse essa noite pelo hotel do Benfica, passou...
6. O FC Porto convidara-o a teste na Constituição - e já nem lhe respondeu: Para que ficasse vincado que se tornara ali jogador do Benfica - Smith deu-lhe o seu próprio casaco (por ser fracalhote ficou a nadar dentro dele - assim segui o caminho do futuro...)
7. O Benfica regressou de África, ele veio também. Mal chegou a Lisboa, os companheiros notaram-lhe gosto que criara em Angola: ir para os jogos, de chapéu de aba larga - na tradicional partida de caloiro, queimaram-no. Foi antes do jogo com o Sporting que abriu o campeonato de 1950/51 - nessa tarde Smith ainda o deixou a suplente (e o Benfica perdeu na Luz por 3-1).
8. Oito dias após, coube ao Benfica o Atlético - foi a sua estreia: «Quando me deram as botas com pitons foi uma surpresa. Nunca tinha visto tal. Só com travessas. Mais surpreendente foi jogar na relva. Senti-me desorientado, tive vontade de chorar e pedir que me mandassem de volta ao Lobito».
9. Oito dias após o 2-2 na Tapadinha, abriu-se-lhe, enfim, a eternidade aos pés: nos 8-2 ao SC Braga marcou quatro golos - e, nessa época, conquistou o seu primeiro título: a Taça à Académica (na vitória por 5-1 em que José Maria Antunes pôs, ao intervalo, os seus pupilos a receberem oxigénio - e o truque de nada lhe serviu...)
10. (O resto é o que se sabe...) Com ele a capitão, o Benfica ganhou duas Taças dos Campeões. A segunda não a pôde receber porque com o campo invadido por adeptos em frenesim, o presidente da UEFA atirou-a, de escantilhão, para as mãos de Costa Pereira (Seguiu a festa - e virou drama para Ângelo: nas escadas de acesso aos vestiários foi derrubado por eufóricos benfiquistas. Pisado, desmaiou. Polícia apercebeu-se dele inerte na vala, retirou-o de lá, embrulhou-o num cobertor e abriu à cacetada o caminho para o balneário)."

António Simões, in A Bola