sexta-feira, 10 de agosto de 2018
Enquanto o sol se punha em Fall River...
"O Benfica foi a primeira equipa portuguesa a visitar os Estados Unidos. Em 7 de Agosto de 1957, defrontou uma frágil selecção da Nova Inglaterra, recheada de emigrantes lusos, e fez como nos jogos da escola: mudou aos cinco e acabou aos dez.
O Benfica está na América de Norte, a disputar mais um daqueles torneios que sempre fizeram parte da sua história. Por isso, nada como dar, hoje, uma vista de olhos sobre a primeira vez que o clube da águia viajou até aos Estados Unidos, em Agosto de 1957.
Festa em Fall River, pois claro. Cidade do estado de Massachusetts, com uma enorme colónia de emigrantes portugueses, na sua maioria originários dos Açores.
Terra que deu, igualmente, aos Estados Unidos alguns dos seus jogadores de futebol mais famosos, como John Souza e Ed Souza, irmãos, Billy Gonsalves (assim mesmo, com o nome truncado), considerado por muitos como o melhor de todos os tempos, ou Bert Patenaude, o autor do primeiro hat-trick numa fase final de um Campeonato do Mundo.
Nova Inglaterra: a divisão geográfica não é oficial, mas é o território que engloba os estados de Massachusets, Vermont, New Hampshire, Rhode Island e Connecticut. Como se constata, não foi por acaso que o Benfica defrontou nesse seu primeiro jogo nos EUA uma selecção da Nova Inglaterra. Uma selecção muito ad hoc, entenda-se: basicamente composta por luso-americanos, ansiosos por se medirem em campo frente ao campeão de Portugal.
A coisa resolveu-se com simplicidade: 10-0. Cinco na primeira parte e cinco na segunda, tal e qual os jogos da escola primária, só que com balizas a sério.
Pela primeira vez uma equipa portuguesa apresentava-se nos Estados Unidos. Pouco tempo antes tinha por lá passado o Vasco da Gama, do Brasil, com sucesso aceitável, diga-se de passagem.
Os norte-americanos podiam estar-se um bocado nas tintas para o 'football association', preferindo desportos como o futebol americano, o basebol ou o basquetebol, mas não deixavam de sentir uma forte curiosidade pelo jogo inventado pelos ingleses e que fascina todo o mundo.
Dez-a-zero!
Estavam 15 mil pessoas em redor do relvado. Queriam ver gente como Costa Pereira, Palmeiro, Coluna, Cavém ou José Águas. E viram.
Vamos e venhamos: os jogadores do Benfica souberam honrar briosamente as camisolas. Não olharam para as debilidades do adversário com sobranceria, nem pretenderam transformar o encontro num número circense com cada um a fazer o seu truque. Deitaram mãos à obra e desataram a acumular golos para gáudio dos muitos portugueses presentes.
Os seleccionadores da Nova Inglaterra pouco mais tinham para dar do que entusiasmo. Deram-no. Foram até ao fim da sua capacidade física.
Coluna foi o primeiro a marcar, logo aos 10 minutos, com um pontapé de longe, bem colocado. Seria ele a abrir o dique.
Oito minutos mais tarde, Caiado fez o 2-0 graças a um lance individual e, aos 27 minutos, Águas elevou-se lá no alto, como tantas vezes na sua elegância distinta, e cabeceou para o terceiro golo. Logo em seguida, repetiu a proeza. E um tal de Jorge Bernardo, atarantado por tudo o que via suceder na sua frente, atrapalhou-se ao ponto de meter a bola na sua própria baliza.
Era tempo de mudar de campo.
As redes de ambas as balizas seriam tratadas por igual.
Salvador entendeu que estava na altura de fintar meia equipa da Nova Inglaterra e foi o que fez. Depois do último drible, cara a cara com o guarda-redes Nogueira, disparou fulminante.
A goleada ganhava uma forma arredondada.
Pegado, Azevedo e Salvador puseram o marcador em 9-0.
E, à beirinha do final, Palmeiro apontou um golo soberbo, talvez o melhor do desafio.
A tarde do dia 7 de Agosto terminava em beleza.
Encantados por verem os seus campeões ao vivo, os membros da colónia lusitana cumularam-nos com gentilezas. O Benfica abria uma nova porta e passaria, desde aí, a ser vista frequente dos Estados Unidos, tal como hoje em dia se comprova. A América do Norte podia não ser um dos centros entusiásticos do futebol, mas sabia acolher os grandes nomes.
E, em 1957, já o Benfica era um dos maiores da Europa."
Afonso de Melo, in O Benfica