terça-feira, 24 de julho de 2018

O violino macabro

"Em 1947, Rogério Lantres de Carvalho saiu do Benfica para tentar a sorte no Brasil, no Botafogo. Para sua infelicidade, chocou de frente com uma das figuras mais romanescas da história do futebol: um cavalheiro chamado Heleno de Freitas.

Se há figura curiosa na história do futebol, essa figura é Heleno de Freitas. Aliás, há uma extraordinária biografia sobre ele e que, pelo caminho, fala do Benfica. Mas já lá vou.
Heleno de Freitas foi, segundo Nelson Rodrigues, grande mestre da crónica, uma personagem romanesca. Já Marcos Eduardo Neves, o autor do livro Nunca Houve Um Homem como Heleno de Freitas, conta: 'Heleno é o tipo perfeito do grãfino. Ele dita modas. Veste-se com grande apuro. As roupas são impecáveis na confecção, e a sua colecção de gravatas causa inveja aos milionários. Dificilmente, no futebol actual, se pode apontar craques do gramado que também são craques no salão. Heleno reúne os dois predicados. E pode-se dizer que, dada a sua condição social, o artilheiro do Botafogo é craque apenas por esporte'.
Filho de boas famílias, Heleno de Freitas foi jogador do Botafogo entre 1940 e 1948. Indiscutível a sua qualidade técnica e a sua categoria, na altura talvez só comparável a Leónidas, o Diamante Negro do Flamengo, que se tornou famoso na Europa durante o Campeonato do Mundo de 1938, em França. Se fora de campo era um cavalheiro, sempre que se encontrava numa situação competitiva tornava-se insuportável. Discutia com os árbitros (as suas expulsões foram motivo para páginas inteiras de jornais), pegava-se à pancada com adversários e, às vezes, até com os próprios colegas, que tratava, como gosta de dizer o povo, abaixo de cão.
A embirração com Rogério
mais tarde se percebeu que a loucura de Heleno de Freitas estava umbilicalmente ligada à sua vida de galã. Conquistador inveterado, esbelto, rico, boa figura, rapidamente se viciou em éter (à época encharcavam-se lenços e inalavam-se para dar sensação de euforia) e chegou a abusar da cocaína. Boémio como era, contraiu a sífilis ainda jovem, e a doença levá-lo-ia a uma inconsciência dos seus próprios comportamentos e um estado permanente de megalomania.
Heleno de Freitas teria um fim triste, encarcerado num hospital psiquiátrico em Barbacena, abandonado pela fileira de amigos da classe alta que passaram os seus tempos de devassa acompanhando as suas presenças assíduas em boates e casinos, desfigurado e, finalmente, sem saber sequer a sua própria identidade.
Mas, antes disso, cruzou-se com uma grande figura benfiquista: Rogério Pipi.
Na verdade, Rogério sairia do Benfica para tentar uma aventura no estrangeiro, precisamente no Brasil e no Botafogo. Deixo-vos com a prosa de Marcos Eduardo Neves, o autor desse livro formidável: 'Em Julho, chegava ao Rio, contratado por seis meses, o ponteiro Rogério Lantres de Carvalho, craque da selecção de Portugal. O investimento alvinegro foi caro. Ídolo do Benfica e da Europa, Rogério fazia uma novidade na ponta: dava arranques para superar o marcador e, alacançado o fundo, centrava para a área. Primeiro português importado pelo futebol brasileiro, muitos da comunidade lusitana não saberiam para quem torcer num Botafogo-Vasco. Rogério, entretanto, não corresponderia às expectativas. Muito por causa de Heleno de Freitas. Era notório que o centroavante se invocava com pontas. Logo em seu primeiro contacto com o grupo, Rogério sofreu com a estrela do clube. Ao fazer um passe errado no treino, Heleno chegou junto do gringo e soltou: - Acho melhor você tirar as chuteiras e calçar tamancos... Segundo Juvenal, Rogério era um óptima pessoa, bastante calmo, se dava com todo o grupo. Menos com quem deveria: - Se o Rogério acertasse metade das bolas que tentou, o Heleno o colocaria nas nuvens; ia se consagrar no futebol brasileiro. Só que ele errava uma, duas, a pressão aumentava, o Heleno se descalibrava, humilhava, irritava, e o Rogério, só faltava chorar... Ávila pedia calma a Heleno. Em vão: - Que nada, Ávila! O cara tem de jogar! Esse sujeito veio para jogar futebol, chega aqui e não sabe jogar? Que volte a terra dele, então!'
Como vêem, o moço de boas famílias espinafrava como um carroceiro. No seu regresso a Portugal, Rogério refiria as dificuldades de relacionamento que teve com Heleno de Freitas, praticamente dono do clube por toda a sua influência desportiva e social.
Heleno acabaria por sair a mal do Botafogo e tentar a sua sorte no Boca Juniors, da Argentina, no Vasco da Gama e no Junior Barranquilla, na Colômbia. A sua personalidade destruí-o como jogador, a droga destruiu-o como atleta, a doença destruiu-o como homem.
Rogério não estava habituado a ser destratado no Benfica.
Rebelou-se. E fez bem.
De Heleno de Freitas dizia um médico seu amigo: 'É como um violino macabro. Os seus nervos estão todos esticados, que, a qualquer momento, podem rebentar'. Como rebentaram. O que fez dele uma personagem fascinante."

Afonso de Melo, in O Benfica

Taça Repórter X

"'A lenda maior do jornalismo' no acervo do Sport Lisboa e Benfica

Nas primeiras décadas do século XX, Portugal conheceu uma das figuras mais controversas do jornalismo nacional: o Repórter X. Pseudónimo de Reinaldo d'Azevedo e Silva Ferreira (1897-1935), surgiu por 'lapso de um tipógrafo' e é, ainda hoje, sinónimo da 'lenda maior do jornalismo português'.
Reinaldo Ferreira deu os primeiros passos no jornalismo aos 17 anos, n'A Capital. Encarregue apenas da cobertura de pequenos casos que considerava desinteressantes, como incêndios e pequenos furtos, o seu espírito criativo começou a incluir alguns pormenores fictícios nas reportagens, 'abrindo uma via de dois sentidos entre a realidade e a ficção - para desespero de uns e gáudio de muitos'.
Dono de 'uma imaginação prodigiosa' e de uma particular 'propensão para o insólito', o Repórter X é 'uma figura ainda hoje embrulhada num misto de realidade e lenda'. Foi repórter, folhetinista, novelista, dramaturgo e realizador de cinema. Colaborou com periódicos como O Século, Domingo Ilustrado, A Manhã, Ilustração e ABC e trabalhou em Paris, Madrid, Barcelona e Bruxelas. Pioneiro no romance policial em Portugal, entre as suas obras estão O Mistério da Rua Saraiva de Carvalho, a sua primeira ficção publicada como se de uma notícia real se tratasse; O Táxi n.º 9297, folhetim do Janeiro posteriormente 'publicado em livro, levado ao palco e convertido em filme, que o próprio Reinaldo Ferreira' dirigiu; e A Virgem do Bristol Club. Esta última versa sobre uma papillon de um dos mais icónicos night clubs lisboetas, que, pouco tempo depois, daria lugar à secretaria do Sport Lisboa e Benfica (1933-1984), na Rua do Jardim do Regedor.
A 1 de Junho de 1931, uma taça com o nome desta mítica figura integrou o acervo do Clube: a Taça Repórter X. Taça por votos, foi disputada entre o público presente na festa de homenagem aos actores Fernando de Sousa e Alves da Costa, no Teatro da Trindade. Nos intervalos do espectáculo, os espectadores votaram 'a favor do seu club favorito' e, uma vez mais, o Benfica reuniu a preferência do colectivo.
Sendo um dos muitos objectos que constituem o acervo do Sport Lisboa e Benfica que não integram a exposição permanente do Museu Benfica - Cosme Damião, a Taça Repórter X encontra-se em reserva no Departamento de Reserva, Conservação e Restauro."

Mafalda Esturrenho, in O Benfica

Benfica: primeiras impressões

"Os jogos de preparação servem mais para expor debilidades das equipas do que, propriamente, para retirar ilações definitivas do que será a longa temporada que se avizinha. Ainda assim, do que já se viu do Benfica 2018/19, persistem incógnitas, mas há indícios positivos. Destacaria três: 
Estabilidade. Ao contrário do que aconteceu há um ano, o Benfica parte para a nova temporada com o essencial da espinha dorsal da época anterior e com a defesa praticamente intocada. O quarteto defensivo titular do ano passado (Grimaldo, Jardel, Rúben Dias e André Almeida) parte com grande vantagem no onze deste ano. Mais, há boas alternativas para as laterais (em particular Yuri Ribeiro, que cresceu muito depois da passagem pelo Rio Ave) e as primeiras indicações deixadas por Conti são também positivas. Na posição 6, Fejsa – estando em condições físicas – confere enorme equilíbrio à equipa. A incógnita continua a estar na baliza (Vlachodimos ainda não foi posto à prova) e nas alternativas aos titulares: Alfa Semedo tem um longo caminho a percorrer para poder substituir o sérvio e Ebuehi vem de uma realidade competitiva muito diferente (se bem que, por ser um jogador com um perfil diferente de André Almeida, possa oferecer uma alternativa mais vertical ao lateral titular). Na frente, para além das trocas de Jiménez e Seferovic por Ferreyra e Castillo (um tem um curriculum goleador que impressiona, outro tem revelado poder de choque e de fogo), tudo na mesma. A estabilidade é uma vantagem.
Versatilidade. A principal debilidade táctica do Benfica dos últimos nove anos tem sido alguma falta de versatilidade táctica. Com Jesus, primeiro, e depois com Rui Vitória, umas vezes por opção, outras para melhor acomodar as características de jogadores nevrálgicos, o Benfica privilegiou um 4x4x2 eficaz para dominar equipas mais fracas, mas que exige muito do meio-campo e diminui a capacidade de controlar o jogo em posse contra equipas mais fortes. No ano passado, iniciou-se o processo de mudança para um 4x3x3 que resolve parte dos problemas de organização. Agora, o Benfica parece estar apostado em ter dois sistemas, que pode ir alternando no decorrer dos próprios jogos. O plantel está, aliás, construído nesse sentido. Estas cambiantes oferecem uma versatilidade táctica que pode ser uma mais valia numa época que se deseja longa e com muitos jogos, de perfil diversificado. 
Leveza. Com um mês de Agosto que, se tudo correr bem, pode ter sete partidas, disputadas de quatro em quatro dias, uma parte significativa da equipa (por exemplo, Jardel, Grimaldo e Pizzi) apresenta índices físicos já muito interessantes, com leveza na forma como se apresenta em campo. Estar bem fisicamente pode ser meio caminho andado para um início de época que tem, necessariamente, de correr bem. Desde já, com o Fenerbahçe."

O núcleo sportinguista da Assembleia da República

"É preciso não ter nada na cabeça para achar que em 2018 o Parlamento é o lugar certo para promover núcleos futebolísticos e ouvir candidatos de clubes em campanha eleitoral.

O título da notícia dizia isto: “Bruno de Carvalho satisfeito com receptividade dos deputados leoninos”. Era um take da Lusa que nos informava que Bruno de Carvalho estivera reunido na quinta-feira com – e cito – o “núcleo de deputados sportinguistas na Assembleia da República”. Nem sequer fora o primeiro. “Depois de Frederico Varandas e Fernando Tavares Pereira, ambos na terça-feira, e Carlos Vieira, também esta quinta-feira, foi a vez do ex-líder leonino explanar as suas ideias aos deputados afectos ao clube de Alvalade, numa sessão de esclarecimento que durou perto de duas horas.”
Fiquei a olhar para aquilo com genuíno espanto – um “núcleo de deputados sportinguistas” a fazer audições no Parlamento aos candidatos do clube? Eu já conhecia o péssimo hábito de organizar uns repastos anuais entre deputados e presidentes do futebol. O jornal i até fez em Fevereiro um trabalho sobre esses jantares, procurando saber quem organizava e quem pagava a conta. Aprendi nesse artigo do jornalista Luís Claro que o jantar do FC Porto já se realiza há 20 anos no restaurante da Assembleia da República. Os deputados portistas assumem os custos – sendo o jantar no Parlamento, desconfio que parte deles assumimos nós – e Pinto da Costa ainda leva prendinha para casa (em 2018, “uma bandeja e um açucareiro de porcelana num valor a rondar os 80 euros”). O jantar do Sporting segue a mesma lógica: restaurante do Parlamento e deputados a fazer uma vaquinha para pagar a parte do seu presidente. O jantar anual dos deputados do Benfica realiza-se no restaurante Catedral da Cerveja, o que, sendo na mesma foleiro, sempre é um pouco mais digno.
Aquilo de que nunca tinha tomado consciência – embora, em bom rigor, tivesse sido aflorado no artigo – era que os deputados têm um núcleo formal de apoio aos seus clubes constituído na Assembleia da República. O Benfica formou o dele em 2016, juntando deputados actuais e antigos e funcionários do Parlamento. O Sporting deu o pontapé de saída em 2015, com o referido “núcleo sportinguista”, onde todos os partidos estão representados, excepto o Bloco de Esquerda e o PAN. 
Fascinado com isto, fui à procura desse gesto fundador. Encontrei notícias de Março de 2015 no Sapo Desporto e no DN: “Núcleo sportinguista formado na Assembleia da República”. Aí somos informados do regozijo de Ferro Rodrigues pela iniciativa (até assumiu a presidência da mesa da assembleia geral), e também que o presidente da nova agremiação, José Manuel Araújo, declarou orgulhosamente que aquele era o “primeiro núcleo criado num Parlamento na Europa”. Infelizmente, parece que nem Ferro Rodrigues, nem o senhor Araújo, terão perguntado aos seus botões: “Curioso, porque é que nenhum deputado europeu se terá lembrado disto antes?”
Atrevo-me a avançar com uma explicação: talvez por ser uma absoluta vergonha? Faz tanto sentido existir um núcleo sportinguista ou um núcleo benfiquista na Assembleia da República, como faz sentido existir o Núcleo de Deputados às Ordens da EDP ou o Núcleo de Deputados Amigos de Angola. Pergunto: os deputados lerão notícias? Será que desconhecem o estado do futebol nacional? Vão desculpar-me, mas é preciso não ter nada na cabeça para achar que em 2018 o Parlamento é o lugar certo para promover núcleos futebolísticos e ouvir candidatos de clubes em campanha eleitoral. Caros deputados: os senhores são representantes do povo português. Dêem-se ao respeito, por favor."

Tratamento (des)igual!

"Falta pouco para o arranque da temporada 2018/2019 e os clubes participantes nas competições profissionais vão fechando a composição dos respectivos plantéis. Infelizmente, a arrumação da casa para alguns dos competidores não significa o cumprimento escrupuloso das obrigações para com os jogadores. Basta!
Todos os anos chamo a atenção para a gravidade do problema, para o que representa para a imagem do futebol português e para o que pode e deve ser feito a este respeito. Apesar do caminho percorrido e das promessas de saneamento financeiro, há clubes que não pagaram as suas obrigações salariais. 
No futebol português tudo isto é possível e acontece, geralmente, com os atletas em final de contrato, impotentes perante a atitude irresponsável dos nossos dirigentes, que continuam a contratar novos praticantes como se nada fosse, recorrem ao PER para perpetuar no tempo a sua irresponsabilidade e conseguem subsistir sem limites nesta forma de gestão, temporada após temporada. Quando achava que este filme se tornaria com o tempo e o rigor dos pressupostos financeiros uma memória desagradável, eis que em 2018 vejo acontecer no nosso principal escalão, o que enquanto presidente do Sindicato não posso aceitar.
Qual o papel do Revisor Oficial de Contas e da Comissão de Auditoria da Liga? Exigimos a punição dos infractores, uma Comissão com poderes reforçados e a revisão da portaria que lhe dá cobertura legal garanta mão bem mais pesada para o incumprimento salarial, que o acesso à competição e o regime de inscrições e transferências sejam justos e traduzam um sancionamento efectivo dos clubes que não cumprem estas obrigações e que a nova geração de dirigentes aprenda, com dignidade, a arrumar a casa!"

Benfica com osso bem duro de roer

"Rui Vitória tinha, certamente, consciência de que o sorteio lhe poderia dar um adversário duro de roer nesta difícil passagem para a Champions. entre os quatro possíveis, dois melhorzinhos e dois manifestamente piores. Saiu um destes, o turco.
Não adianta perder tempo com a sorte e os azares de um sorteio. É o que é, o que tem de ser e pronto. É preciso pragmatismo e começar já a fazer um trabalho de casa que pode marcar a diferença, mas exige muita paciência e, sobretudo, muita competência.
O Fernerbahçe estará marcado pela inevitável mudança da chegada de um novo treinador. Philip Cocu, que foi grande jogador, internacional holandês, figura marcante no Barcelona, agora jovem treinador de 47 anos (apenas menos um do que Rui Vitória), com um currículo curto, mas muito promissor, com três títulos de campeão e seis troféus nas cinco épocas em que dirigiu, com assinalável sucesso, o PSV.
Vantagem, a confirmar, do Benfica, o facto de Cocu ter assinado em Junho, ter pouco tempo de adaptação ao futebol turco e à cultura turca. Porém, vale a pena lembrar que, tal como os portugueses, os holandeses são um povo que se adapta sem grandes problemas a novos lugares e a novas gentes, e que tem uma relação afável com todos os povos do mundo.
Primeira mão na Luz, logo na primeira semana de Agosto, ou seja, já está a chegar, a segunda mão em Istambul. Histórico (duas eliminatórias europeias) favorável ao Benfica, mas reconhecimento de que vai ser mesmo preciso um Benfica forte (será bom definir-se o mais rapidamente possível) para manter a ambição de chegar à prova rainha dos clubes europeus."

Vítor Serpa, in A Bola

Sorteio antipático

"O Benfica não pode sentir-se particularmente afortunado. O sorteio da 3.ª pré-eliminatória da Liga dos Campeões colocou pela frente, muito possivelmente, o obstáculo mais difícil de contornar, talvez a par do Spartak de Moscovo. Os turcos do Fenerbahçe têm, tal como o Benfica, justificadas ambições de passar à fase de grupos. Um plantel com Skrtel, Topal, Giuliano, Valbuena e Soldado, e a prometer reforçar-se, não quererá ficar-se pela Liga Europa.
O jogo da primeira mão avizinha-se, mas o Benfica, por outro lado, deu indicações satisfatórias nestes primeiros encontros da pré-temporada e parece preparado para uma batalha deste nível já nos próximos dias. A defesa será a mesma (Conti e Lema não parecem melhores do que Rúben Dias e Jardel) da época passada, o trio do miolo e os extremos também, apesar de poder acontecer uma ou outra pequena alteração. Falta perceber como funcionará o ataque. Castillo está na frente."

Eu, racista

"O presidente do Bayern Munique é da raça dos condenados por fraude fiscal. Sou a favor desse apartheid

1 - Uli Hoeness, presidente e antigo futebolista do Bayern Munique, esteve três anos e seis meses preso por fraude fiscal (aviso que os condenados por fraude fiscal são uma raça contra a qual tenho grandes preconceitos). Hoeness fez o comentário mais lido e partilhado ao recente anúncio, pelo internacional alemão Mesut Ozil, de que abandonava a seleção por estar a ser maltratado por racistas desde que posara para uma fotografia com Erdogan, ditador eleito da Turquia, país de onde são originários os pais de Ozil. A raça dos Erdogans (não dos turcos, atenção) também me cai mal na vesícula, mas não vem ao caso. O presidente/burlão fiscal ficou "feliz" com o abandono: "Há anos que Ozil joga uma merda." E é verdade. Ozil tem jogado uma merda, no Arsenal e na selecção alemã. Até pode ser verdade também que esteja a usar o episódio como escapatória para uma carreira em declínio precoce. Mas, aos olhos de muitos alemães, Ozil é turco e ser turco é defeito. O que Hoeness fez, com aquele "quero lá saber do próximo" tão teutónico, foi acicatar os racistas, primeiro contra Ozil, claro, mas depois contra o turco e a seguir contra os turcos. E, com certeza, acicatou pessoas mais lúcidas contra essa outra raça, cada vez mais duvidosa, dos dirigentes de futebol.
2 - O Conselho de Disciplina decidiu pôr a correr o processo contra o Santa Clara por ter utilizado como treinador principal uma pessoa sem a necessária qualificação. Neste preciso momento, há treinadores principais na I Liga exactamente na mesma condição e na época passada também houve. A eventual diferença está nisto: fingem que o treinador principal é outro. Ou seja, o Santa Clara pode ser castigado, apenas, por não fazer do CD e dos regulamentos palhaços. Era o que faltava."

Discurso sobre a Europa: Ozil e Mbappé

"Ozil, o bom futebolista alemão que jogou 92 vezes pela Alemanha, anunciou no domingo passado que nunca mais vestirá a camisola da sua selecção. A decisão deve-se, diz ele, porque se sentira vítima de "racismo" no seu país, meses antes, quando se fez fotografar junto do presidente turco Recep Erdogan, apoiando-o. Ozil é de origem turca e não admite que a sua situação dupla - a nacionalidade alemã e a origem turca - permita as críticas que lhe fizeram.
O tema é complexo e moderníssimo. Dias antes da decisão de Ozil, houve outra polémica internacional à volta do mesmo assunto. O comediante televisivo sul-africano Trevor Noah, no seu programa americano The Daily Show, aplaudiu os vitoriosos do último Mundial de futebol, assim: "Ganhou a África! Ganhou a África!" Para ele, havendo muitos jogadores negros na selecção francesa, ganharam os africanos. O embaixador francês em Washington discordou: a selecção era de franceses.
Começamos por ter aqui um padrão: a nacionalidade é algo menos monolítico do que se pensava. Os portugueses estão bem colocados para entender essas ambiguidades. Somos um povo de emigrantes, que é saudoso do sino da sua aldeia mas não deixa também de ser reconhecido pela lealdade com o país que o acolheu. Na segunda geração, o filho do imigrante luso, por hábito, faz gala da pertença ao novo país. Não sem razão, foi um português de Queluz, o príncipe Pedro, que lutou pela independência do Brasil e foi o seu primeiro Imperador.
Amin Maalouf, que nasceu libanês, árabe e cristão, e se tornou membro da Academia Francesa, ditou o essencial dos deveres de um imigrado no seu novo país: "Primeiro, aprender a cultura da terra de chegada; segundo, oferecer a esta, o melhor que trouxe da terra natal." Pelos vistos há muita gente de origem africana que ajuda a França a ter muito jeito numa antiga arte inglesa (o association football), coisa bem bonita. Mas da primeira parte da equação de Maalouf, no futebol, nem sempre se passou assim.
Há tempos, houve franceses de origem africana que jogavam na selecção francesa e não cantavam a Marselhesa. Tinham esse direito, a França pode preferir que lhe cantem o hino, mas não proíbe o não cantar. Ozil também pode fotografar-se com Erdogan, apesar deste defender uma forma de sociedade que não é a maioritária na Europa e apregoar, até em comícios eleitorais na Europa, que os imigrantes turcos devem lutar por esse modo de vida na Europa. Sorte a de Ozil por poder fazer essa escolha, porque a Europa permite que ele a faça. Azar meu, que não estou interessado no que ele pensa mas no que ele joga e agora resta-me só vê-lo no Arsenal.
Já do jovem francês Mbappé espero tudo, muito mais do que de Ozil. Ele representa todos que foram referidos na polémica "franceses ou africanos", o seu pai é origem camaronesa e a sua mãe de origem argelina, e o seu toque de bola faz-me lembrar muito o toque de bola dos africanos Peyroteo e José Aguas (para o caso pálidos, estes dois angolanos). Mas, para além do que Mbappé oferece ao país que acolheu os seus, reconheço-lhe a inteligência social e a contribuição cívica de fortalecer a identidade do seu país. Antes de ser campeão, Mbappé disse numa entrevista ao Le Monde: "Quero encarnar a França, representar a França e dar tudo pela França."
E ainda há quem não goste de futebol, um dos mais poderosos cimentos para fazer de nós o que somos, nós."

As raízes do ciclocrosse, o talento de Soler e… menos um dia para Paris

"Se fosse português, Julien Alaphilippe teria uma alma até Almeida pela forma como somou a segunda vitória de etapa neste Tour - com um ataque em subida num grupo de fugitivos e que garantiu na descida. Mas uma descida vertiginosa! De tal maneira que Adam Yates, que o precedia, se espalhou no asfalto num gancho à esquerda que o pequeno mas aguerrido francês negociou com mestria, tal como vários outros nos velozes nove quilómetros até Bagnères de Luchon, onde levantaria os braços depois de exibir toda a sua técnica em cima da máquina. A explicação é simples: as raízes de Alaphilippe estão no ciclocrosse, de que foi vice-campeão mundial júnior em 2010 e onde ganhou um domínio sobre a bicicleta que muitos corredores de estrada certamente invejam. Adam Yates, enquanto estiver a lamber as feridas da vitória perdida numa derrapagem da roda dianteira, certamente pensará nisto...
Numa etapa dura mas em que a Sky não se despenteou - se algo caracteriza a equipa britânica é a calma em (quase) todas as situações -, voltou a sobressair o talento e a abnegação de Marc Soler, o espanhol de quem dizem ser o próximo Indurain (nada mal para fasquia...) e cuja fisionomia evoca o grande campeão - 1,86 metros e 68 quilos que pesam a subir, tal como os enormes glúteos (vulgo "cu gordo") típicos de rolador potente, mas que nem por isso deixa de cumprir. Na subida final para o Col du Portillon, conseguiu "segurar-se"no grupo de fugitivos quando as coisas aqueceram, acabando por ser uma agradável excepção numa equipa Movistar cuja actuação tem sido decepcionante pela incapacidade de incomodarem Geraint Thomas e Chris Froome.
Falta menos um dia para Paris, mas o de amanhã poderá ser "o" dia. Duas contagens de primeira categoria e final em categoria especial, a mais de 2200 metros de altitude, em apenas... 65 quilómetros de extensão. Uma grande incógnita que promete espectáculo. Com a licença da Sky, é claro!"