quarta-feira, 18 de julho de 2018

Vermelhão: em Terras de Sua Majestade...



Benfica 5 - 0 Swindon Town

Titulares: Varela, Ebuehi, Luisão, Lema, Yuri Ribeiro, Keaton Parks, Samaris, Alfa Semedo, Cervi, Salvio e Castillo
Entraram: Odysseas, Jardel, Conti, Grimaldo, Fejsa, Pizzi, Gedson, Rafa, Zivkovic, Ferreyra. Rúben Dias, Lisandro e Ola John 


PS: Os B's empataram com o Nacional 1-1 (os sub-23 também empatarem hoje com o Olímpico do Montijo com 1-1, golo marcado pelo Diogo Pinto)...
Titulares: Ivan Zlobin, Alex Pinto, David Zec, Ferro, Pedro Amaral, Guga, Ilija Vukotic, Tiago Dantas, Chris Willock, Ivan Saponjic e Daniel dos Anjos.
Acabaram: Fábio Duarte, Simón Ramírez, Gonçalo Loureiro, Pedro Álvaro, Nuno Tavares, Bernardo Dias, Diogo Mendes, Martin Chrien, Edi Semedo, Rodrigo Conceição e Anthony Carter.

Bigode

"1. Talvez eu não tenha sido claro na semana passada. Não rejeitava o cenário de Bruno de Carvalho e Carlos Vieira avançarem ambos para eleições (no caso de os deixarem...), mas sim a hipótese de estarem verdadeiramente de costas voltadas. Seria como separar Bud Spencer e Terence Hill (depois de tanta pancada que deram no Sporting...). Não tendo a certeza em relação à melhor estratégia, criaram duas com objectivo comum.
2. Por falar em grandes duplas, ver Elsa Judas e Bruno de Carvalho a trocarem acusações no Facebook é uma espécie de arrufo entre o Rato Mickey e a Minnie. Claro que podia ilustrar a minha ideia com outra figura animada, mas o Pateta não tem par.
3. Quem conduz um Ferrari durante muitos anos tem obrigação de não o confundir com um Fiat 500. Espero sinceramente que Ronaldo tenha a oportunidade de, pela Juventus, esfregar a Champions na cara de Florentino Pérez, pela simples razão de que não há nada que mais deteste no futebol do que presidentes (e treinadores) com egos maiores do que os verdadeiros artistas, os jogadores.
4. Dos 169 golos marcados no Mundial da Rússia, 72 foram de bola parada (42,6 por cento, quase metade, o registo mais alto de sempre com 32 selecções). A caça à bola parada é tal que um dia destes ainda vamos dizer que os lances de bola corrida fazem parte do futebol.
5. Foi também batido o recorde de penáltis (29). O último, na final, a beneficiar a França, foi uma aberração, digam o que disserem os árbitros e ex-árbitros, com todo o respeito. Perguntem a quem joga ou jogou à bola a sério.
6. William Carvalho diz que corta o bigode se ganhar a Liga Europa ou a Taça do Rei pelo Bétis. Se ele o conseguir, eu deixo crescer o bigode e ainda roubo o chapéu de chuva a Putin.
7. O Borussia estava interessado em Rafael Leão, mas esqueceu-se de avisar o Dortmund. Acontece."

Gonçalo Guimarães, in A Bola

O Mundial na era da estratégia

"Diz-se por aí que, depois das evoluções tácticas da última década, que se caracterizaram acima de tudo pelo advento da ideia de modelo de jogo (os jogadores passaram a comportar-se constantemente em função de uma ideia de jogo concreta, modelada em treino), entrámos agora na ‘era da estratégia’. A expressão visa assinalar uma mudança de paradigma: uma vez que, ao mais alto nível, já todas as equipas funcionam de acordo com um modelo trabalhado com rigor e já não há equipas desorganizadas, nas quais os jogadores se comportem como bem lhes apetece, a diferença far-se-á muitas vezes pela estratégia particular de cada jogo, sendo por isso mais competente a equipa que melhor trabalhar para contrariar o próximo adversário e, por isso, a equipa que melhor souber adaptar-se às circunstâncias específicas de cada jogo. Ter uma ideia de jogo muito bem definida, e ter os jogadores preparados para jogar de uma determinada maneira, sejam quais forem as circunstâncias, terá assim passado para segundo plano. Não deixando de ser importante, já não é aquilo que faz a diferença nesta nova era. De acordo com a doutrina da ‘era da estratégia’, aquilo que faz a diferença é a forma como a equipa se prepara para explorar as fraquezas específicas de cada adversário e a forma como tenta anular os pontos fortes desse adversário.
A principal implicação desta doutrina é a de que, para estar mais perto do sucesso, nenhuma equipa pode ser predominantemente ofensiva ou predominantemente defensiva. Se o que faz a diferença é a forma como, jogo a jogo, a equipa se adapta às circunstâncias, o sucesso estará necessariamente mais perto daquela equipa que ora se defende de adversários que gostam de assumir a iniciativa, ora ataca adversários que não se importam de cedê-la. Como não é possível optimizar duas maneiras de jogar completamente diferentes (são aliás pouquíssimas as equipas que conseguem optimizar uma única maneira de jogar), o que acontece é que as equipas que aceitam de algum modo a importância da estratégia no jogo nem são particularmente boas a defender-se de adversários predominantemente ofensivos, nem são particularmente boas a atacar adversários predominantemente defensivos. Não é aliás raro que muitas destas equipas consigam um resultado óptimo num fim-de-semana contra um adversário muito competente do ponto de vista ofensivo, o que parece validar a estratégia adoptada, e depois obtenham um péssimo resultado no fim-de-semana seguinte contra um adversário menos competente.
Estas equipas, na verdade, sempre existiram. Sempre houve quem desse mais importância à ‘estratégia’ do que a outra coisa qualquer. O que aconteceu sobretudo na última década é que, justamente pelo advento de ideia de modelo jogo, e pelo aparecimento de alguns modelos muito bem trabalhados, as equipas que faziam da ‘estratégia’ a sua única arma não tiveram grande sucesso. Com o aparecimento de várias equipas com uma ideia de jogo muito definida, com padrões de comportamento muito bem treinados, e com uma lógica de jogo concreta, aplicável a todos os desafios, as equipas que privilegiavam a adaptação às circunstâncias, que modificavam a sua maneira de jogar em função do desafio que tinham pela frente, deixaram de ter espaço para triunfar. A ‘estratégia’ é relevante, por isso, apenas quando o modelo de jogo não o é. A ideia de que, passada a era dourada dos modelos de jogo, se segue agora a era não menos reluzente da ‘estratégia’ é por isso falaciosa. Aquilo a que chamam ‘estratégia’ sempre existiu. Quando as equipas não têm ideias próprias, normalmente têm ‘estratégias’. Não se apresentam em campo para jogar o seu jogo, mas para jogar em função daquilo que, por antecipação, acreditam que vá ser o jogo do adversário. Sempre existiram equipas destas. E o sucesso destas equipas sempre foi maior quanto menos bem trabalhadas, e por isso mais dependentes da sua própria ‘estratégia’, eram as equipas adversárias. Como em qualquer jogo ou em qualquer confronto que oponha duas forças antagónicas, a estratégia tem a sua importância, mas nunca a expensas de um modelo ou de uma identidade própria.
Há um lado de verdade, no entanto, na ideia de que estamos a viver uma ‘era da estratégia’. Por razões que me escapam (posso apenas conjecturar que a importância desmedida que se dá hoje às intenções dos treinadores no que se passa dentro das quatro linhas tenha alguma coisa a ver com isso), há hoje em dia uma obsessão com a ‘estratégia’. Uma grande quantidade de treinadores considera que o sucesso da sua equipa passa em grande medida pela análise do adversário seguinte e pelo plano de jogo que decide adoptar em função dessa análise. E, convencidos de que os jogadores são marionetas que a todo o momento o marionetista espertalhão consegue manobrar a partir de fora, vão a jogo julgando que, se os jogadores fizerem o que prescrevem, a vitória não lhes escapa. O grande problema destes treinadores é não perceberem que o futebol é um jogo de circunstâncias atípicas. Ainda que consigam preparar os jogadores para três ou quatro aspectos, não os preparam para a atipicidade do próprio jogo. E ficam por isso muito mais à mercê dos imponderáveis.
O mundial de 2018 tornou evidente essa obsessão. A quantidade de equipas que abdicou literalmente da iniciativa e se resguardou num bloco baixo, muitas vezes com os onze jogadores enfiados nos últimos trinta metros, unicamente à espera de um erro em posse do adversário para sair numa transição que lhes garantisse a vantagem no marcador, foi assustadora. A ‘estratégia’, no caso destas equipas (por exemplo, Rússia, Uruguai, Irão, Portugal, França, Austrália, Islândia, Dinamarca, Suécia, Suíça, Panamá, Senegal), era óbvia: defender com muitos, para tornar mais difícil a aproximação dos adversários à baliza, e atacar apenas pela certa, para não dar ensejo a contra-ataques indesejados ou inferioridade numérica em momento defensivo. É claro que nem todas o fizeram com o mesmo compromisso e é claro que, em casos de desvantagem, algumas destas equipas adoptavam posturas diferentes. Mas a postura-padrão destas equipas foi este. Para todas elas, a iniciativa nunca foi importante. A não ser que precisassem mesmo de marcar. Se acrescentarmos a estas aquelas equipas que, em vantagem, não se incomodavam em baixar linhas e em dar a bola ao adversário, temos quase a totalidade dos participantes no mundial. À excepção da Espanha e da Alemanha (apesar de nunca abdicarem da iniciativa, nunca foram competentes a explorar a posse como noutras alturas e não foram capazes de vencer a própria soberba) e do Japão e do México (as duas melhores excepções deste campeonato), as restantes selecções não apresentaram uma identidade própria. Jogavam aquilo que o adversário deixava jogar, moldando-se consoante as necessidades: se por acaso precisavam de ir à procura de um golo, assumiam as rédeas do jogo e arriscavam um pouco mais; se não, atacavam só pela certa; e, em vantagem, assumiam que competia ao adversário impor-se e limitavam-se a esperar que o relógio andasse.
Este predomínio da ‘estratégia’ reflectiu-se de vários modos. Em primeiro lugar, na qualidade dos espectáculos. É preciso recuar a 2002 (justamente no apogeu da última ‘era da estratégia’), para encontrarmos tantos bocejos. À monotonia de grande parte dos desafios junta-se, por exemplo, a quase inexistência de momentos de génio ao longo de todo o torneio. À excepção de alguns bons golos, não se viram na Rússia grandes rasgos individuais ou combinações bem pensadas. Houve muitos momentos de vertigem, de entusiasmo junto às balizas e de superação atlética. Mas criatividade quase não se viu. E não se viu porque os criativos, inseridos numa ideia de jogo que privilegia a ‘estratégia’, foram quase sempre abandonados a si mesmos. A quantidade de grandes penalidades assinaladas e de autogolos (o maior número de sempre) também é um sintoma deste futebol das ‘estratégias’: quando se mete tanta gente atrás da linha da bola o tempo todo, quando se defende à molhada dentro da área, quando se convence os jogadores de que é boa ideia dar a vida apenas para evitar que um adversário ganhe vinte centímetros, é natural que a confusão seja maior, que as bolas divididas se sucedam, que as faltas se acumulem e que os alívios levem a direcção contrária à desejada. O enorme número de golos de bola parada, aliás, explicam-se da mesma maneira. Na ‘era da estratégia’, há menos jogo a meio-campo. Como tal, não só as zonas de pressão são mais próximas das áreas, o que faz com que naturalmente haja mais faltas nessas zonas, como o número de pontapés de canto tenderá a ser maior.
Sendo um jogo de pontuações baixas (quando comparado com outros desportos jogados com bola), o futebol é também o jogo em que os detalhes têm maior peso. Idealmente, o papel de um treinador deveria ser o de preparar a sua equipa para que esta dependesse o menos possível de todos os imponderáveis e para que os detalhes fossem o menos decisivos que pudessem ser. Além da fraca qualidade do futebol que praticam, as equipas que apostam tudo na ‘estratégia’ ficam assim também muito mais dependentes dos detalhes, de uma bola parada no último minuto, de uma mão involuntária na área, de uma abordagem deficiente a um cruzamento e que direcciona a bola para a própria baliza, etc.. E não será ‘estratégia’ também promover um futebol que procure reduzir a probabilidade de estas coisas acontecerem?
Quando se fala de ‘estratégia’, em futebol, pensa-se invariavelmente em equipas cínicas, com muito mais preocupações defensivas do que ofensivas, em equipas que sacrificam a sua maneira de jogar para se precaverem das principais armas do adversário, e em equipas que defendem com muitos e durante a maior parte do tempo, e que atacam cirurgicamente. Tendemos a achar que defender primeiro para atacar depois é ‘estratégico’ e, em contrapartida, nem sequer concebemos que atacar muito para ter de defender pouco conte como estratégia. Esta obsessão com a ‘estratégia’ não é senão cobardia. É mais fácil definir estratégias defensivas que consistam em amontoar jogadores atrás e esperar por um erro do adversário ou uma qualquer ajuda divina do que em definir estratégias ofensivas, e é mais fácil pedir aos jogadores para ficarem fechadinhos à espera do milagre das rosas do que trabalhar de modo continuado para que os jogadores saibam por si próprios o que fazer em cada situação de jogo. Na ‘era da estratégia’, os jogadores são mais tarefeiros do que artistas. Aquilo que se espera deles é que cumpram a sua missão em campo e mais nada, de modo a que a estrategiazinha do treinador supere a estrategiazinha do treinador adversário. É por isso natural que o espectáculo se ressinta. Na ‘era da estratégia’, não surpreende que o campeonato do mundo se tenha pautado pela mediocridade. Suponho que, tirando uma ou outra curiosidade, não vá deixar grandes saudades, e antevejo que muito pouco do que aconteceu na Rússia ao longo deste último mês fique na memória dos vindouros. A posteridade costuma ter o bom gosto de não dar assento a cobardes e de não convidar medíocres para jantar."

Sempre o melhor de sempre – parte V

"Esta é a 5.ª e última semana em que me debruço sobre os Mundiais de Futebol. Tenho escrito como quem faz radiografias ao torax do planeta, não para explicar uma doença, mas para explicar uma saúde. Estes campeonatos arrastam o mundo para períodos excepcionalmente saudáveis; nem ocidentalizado, nem orientalizado, trata-se dum sadio mundo futebolizado.

Talvez pouca gente compre esta ideia de que a vida é melhor durante a competição rainha da FIFA. A minha teoria do “ar mais respirável de 4 em 4 anos” é mesmo uma subjectividade difícil de encarar quando, por exemplo, se tem de engolir o monóxido de carbono da Av. da Liberdade em dia de jogo. Admito ainda que a tese de que se vive um “clima de armistício” durante o Mundial enfrenta novas dificuldades, e esta recente final entre a França e a Croácia bem o provou – nas redes sociais foi a politização do costume (às vezes boa, mas geralmente perversa); depois a intervenção do VAR parece ter desumanizado a justiça e a injustiça.
Não é fácil falar de “armistício” quando a tecnologia nos oferece uma infalibilidade opressiva – purga o erro como uma bactéria nos purga as entranhas, e passamos da justiça salomónica para a justiça salmonélica. Não alinho em revisionismos históricos, nem em negacionismos. Alguém que desminta a existência do Holocausto, por exemplo, não é bem-vinda a minha casa. Mas nisto do futebol encontro um regime de excepção. Sou um revisionista dos Mundiais, e digo que foram sempre os melhores independentemente de o terem sido ou não. Mesmo admitindo que nem todas as edições da competição contribuíram para uma existência melhor, forço-me a dizer que sim, que contribuíram. Não se trata tanto de analisar o passado, mas de disciplinar o futuro.
Mesmo que um honroso embate entre selecções seja insuficiente para tornar o mundo melhor, porque não haveríamos nós (o mundo) de aproveitar esse pretexto para nos melhorarmos? É por isso que o meu revisionismo não se resume à vontade de ver os Campeonatos com bons olhos; é mais a vontade de aguardá-los com bons corações. Se os Mundiais fossem o meu Museu dos Descobrimentos, não havia cá colonialismos sangrentos, nem culpas esclavagistas – retinha o bem para melhor fazer (mas, repito para que não haja equívocos, tenho no futebol um regime de excepção).
E assim de rajada, vou concluir o meu périplo pelos Campeonatos do Mundo dos últimos 30 e tal anos. 2006, 2010 e 2014 são, respectivamente, a melhor edição de sempre, a melhor edição de sempre e a melhor edição de sempre. Em cada um destes Verões, o ar estava mais respirável e vivia-se um clima de armistício.
Na Copa de 2006, o melhor futebolista duma geração acabou a carreira enquanto enterrava violentamente a careca no peito do melhor sarrafeiro duma geração – o primeiro foi expulso, o segundo foi campeão do mundo. Cristiano Ronaldo perdeu a corrida para Melhor Jovem Jogador da competição por ser considerado “batoteiro”. A partida entre Portugal e a Holanda bateu o record de cartões vermelhos num só jogo de Mundial, e igualou o record de cartões amarelos. O jogo que opôs Suíça e Ucrânia pode muito bem ter contido os 120 e tal minutos mais aborrecidos do séc. XXI. Então estamos a falar do pior Campeonato do Mundo de sempre, certo? Errado.
A Copa de 2006, decorrida na Alemanha, foi mesmo a melhor de sempre. Para já, tornou-se palco de justiça poética, e justiça com poesia de Pavese, Dante, Boccaccio, Petrarca ou Ariosto (pseudónimos de Buffon, Cannavaro, Gattuso, Zambrotta ou Pirlo). Mesmo que o futebol italiano não fosse o melhor (e mau não era de certeza - basta ver os nomes que acabei de recordar), a Squadra Azzurra merecia esta título nem que fosse pelos infortúnios e injustiças passadas: a tragédia de Roberto Baggio em 94 e a roubalheira frente à República da Coreia em 2002. O Campeonato do Mundo da Alemanha é recordado também pela mescla de gerações dentro das grandes potências - as que desvaneciam e as que se estabeleciam - apurando assim os paradigmas futebolísticos dos últimos 10 anos. Foi ainda um dos mundiais mais competitivos de que tenho memória, no sentido em que eram muitos, e muito fortes, os candidatos ao título (e talvez tenha esta noção vincada porque Portugal tinha um pé neste lote).
Já a edição do Campeonato de 2010 decorreu de forma diferente, embora neste ponto convergisse com as anteriores: será recordada como a melhor de sempre. E, acreditem, para um evento infestado de vuvuzelas ser o melhor de sempre é preciso ter muito a seu favor. Para começar, estamos a falar do primeiro mundial realizado no Continente Africano, mais propriamente na África do Sul. A localização do evento não é apenas o primeiro motivo que invoco, é mesmo o mote fulcral para termos uma boa memória do campeonato. É que, apesar dos grandes jogos e grandes jogadores que desfilaram nos relvados, e apesar de Maradona ter regressado a um Mundial, desta feita no comando técnico da Argentina (numa versão irrequieta de treinador, a lembrar um Paco Fortes da alta roda), apesar de todos estes factos, é no próprio país de Mandela que está a grande virtude da competição.
O que se passou na África do Sul em 2010 corrobora inteiramente os penosos, mas benfazejos, primeiros parágrafos desta crónica. O país com uma das mais aterradoras taxas de criminalidade, com cidades onde a violência extrema impera, foi o mesmo país que quis superar-se por intermédio do futebol. Respirou-se o ar melhor, viveu-se o armistício, e pouca importa se foi o espírito do Mundial quem levou a paz, ou se foi a paz quem se chegou à frente para acolhê-lo. Saudemos tal ideia: os mundiais favorecem o melhor do planeta, e o melhor do planeta favorece os mundiais. Esta cultura do “ser-se melhor” deu inolvidáveis frutos na África do Sul, e ainda melhores sementes plantou.
Vou fermentar por 4 anos a minha vontade de falar acerca do Rússia 2018, acerca de Modric, Coutinho e Hazard. Assim sendo, a última abordagem desta série recairá sobre o Campeonato do Mundo do Brasil em 2014 - aquele que, como devem suspeitar, foi o melhor de sempre. Tratou-se tanto duma competição quanto dum axioma, uma vez que valeu sempre o “11 contra 11 e no fim ganha a Alemanha”.
Há vários motivos celebráveis sobre este Brasil 2014, mas estou (com alguma mesquinhez, admito) tão apegado a só um deles que vou despromover os restantes para depois. Ora, toda a gente gosta de ver um charlatão desmascarado, e para mim foi isso que aconteceu no jogo em que o Brasil concedeu 7 golos à Alemanha. Lição dura para a canarinha, mas é o preço a pagar quando nos deixamos deslumbrar pelo carisma casmurro de Scolari. Felizmente, a tareia revelou-se pedagógica, e neste Mundial de 2018 os brasileiros já levaram para a competição um treinador a sério.
Não tenho embirração desmesurada com o Felipão. Nem tampouco é pessoal. O embuste Scolari até me parece ser mais fruto do desleixo e da credulidade em torno dele que das fracas qualidades técnicas do próprio. É que, por exemplo, enquanto cá andávamos a acenar bandeiras e a endeusar o sargentão por nos ter conduzido a uma final, quase ignorámos que a selecção derrotada tinha Figo, Ronaldo, Rui Costa, Deco e Ricardo Carvalho. Perdemos. Em casa. Contra a Grécia. Pode ter sido só um dia mau, mas foi mau o suficiente para justificar desconfiança eterna, e para não nos hipnotizarmos pelo encanto supersticioso e tacanho do Gene Hackman brasileiro.
Scolari tem, obviamente, os seus méritos. O mérito de transformar selecções em plantéis herméticos, vedando as equipas a experimentações desnecessárias (mas também vendando as equipas a craques com quem foi embirrando). O mérito de tornar o nosso país numa claque (ou melhor, numa torcida). O mérito de, nem ele, ter conseguido estragar a canarinha de 2002 – Ronaldo Nazário, Ronaldinho Gaúcho, Roberto Carlos ou Rivaldo transformaram o Brasil numa equipa de rainhas, e não era preciso ser-se um Garry Kasparov para movimentar razoavelmente tais peças.
Há mais méritos a reconhecer a Scolari, e mais justiças a serem-lhe feitas. Ainda assim, é impossível conter certa indignação quando um treinador destes – mediano, tecnicamente atamancado - granjeia estatuto e currículo que ultrapassam as suas reais capacidades. Já que passámos mais de uma década a bater continência ao sargentão, e a ser encandeados por aparições da Nossa Senhora do Carvaggio, estávamos mesmo a precisar de 7 golos alemães para abrir a pestana. É que tínhamos ignorado outros sinais: Felipão foi campeão do mundo no mesmo ano em que morreu Michael Young, o inventor do termo “meritocracia”.
Talvez esteja a acabar esta série com uma nota mesquinha. Que seja. O ar anda menos respirável e enfraqueceu-se o clima de armistício. O Mundial acabou há uns dias."

Com a morte na mão esquerda

"Enquanto Ernie Shaaf caía no ringue a caminho da morte, o público, empurrado pela raiva gritava: "You are a fake!"

Tinha 24 anos, mas o corpo, enorme, não passava de um invólucro. Pesava 95 quilos. Provavelmente, agora menos, sem a alma. Era um homem grande e tinha uma alma grande mas não faço ideia de quanto pesaria a sua alma. O comboio viajou com ele de Nova Iorque para Boston. Com ele, com a mãe e com as irmãs. Nenhum disse palavra.
O médico garantira que se tivesse sobrevivido ficaria aleijado para sempre, mais que provavelmente hemiplégico. Mas Shaaf não fez um esforço sequer para continuar vivo a partir do momento em que entrou em coma. O punho de Primo Carnera desabara sobre ele como uma avalancha dos Apeninos. Carnera tinha 1,97 de altura; 125 quilos de peso. A imprensa italiana foi cruel: «Il gigante dal destro che uccide».
Dia 10 de Fevereiro de 1933, Madison Square Garden em Nova Iorque, 13º assalto. Os jornais estavam errados: o golpe final de Carnera foi com a esquerda. Durante um, dois segundos, parece, pelas imagens do filme antigo, que Shaaf percebeu, de repente, o que lhe ia acontecer. A morte deve tê-lo olhado de frente com o seu olhar vítreo de quem não sabe o que é a indulgência. «Nem esquecimento nem perdão», como bradava o Conde de Monte Cristo. Ernie desapareceu no vazio. Tombou inerte no ringue, o árbitro começou a contar. E contava o quê? Os minutos que ainda teria de vida? Mais de 20 mil pessoas se levantaram, os pés impulsionados por molas de raiva, cuspilhando desprezo pelos cantos das bocas deformadas: «Fake! Fake! You are a fake!»
A malta de Carnera leva o vencedor em ombros nos festejos espúrios. Jack Sharkey, o amigo de Shaaf, seu camarada na Marinha, seu treinador, procura afastá-lo da confusão, esforça-se para que desperte, para que reaja, arrasta-o para o seu canto, vai ficando desesperado, uma angústia tremenda ocupa-lhe o peito, grita, pede auxílio. Nas bancadas, os loucos da cidade nada percebem do drama que se desenrola. Estão presos na sua fúria enlouquecida que nem sequer deixa perceber a chegada da Cavaleira do Apocalipse. Também eles cavalgam a morte.
Shaaf está longe.
É apenas um rapazinho perdido e sem regresso.
Testemunhas dizem que, quando chegou ao Polyclinic Hospital, Shaaf ainda balbuciou umas palavras. Depois caiu na apatia total. A seu lado, Jack Sharkey, ‘brother in arms’, campeão do mundo de pesos-pesados.
Carnera recebeu a notícia de morte de Shaaf como um tiro. Foi assoberbado por uma maré de emoções, desfez-se na consolação das lágrimas, jurou nunca mais erguer o seu punho assassino para quem quer que fosse. A sua carreira terminaria ao mesmo tempo da do homem que matara. Seria Lucy, mãe de Ernie, a impedi-lo. Escreveu-lhe: «Kindly be assured that I do not consider you in any way responsible for the death of my boy. I feel toward you like I would have wished your mother to have felt toward my Ernie if you had met with some misfortune during your bout with him».
Palavras embrulhadas numa elegância de dor.
O funeral de Shaaf, na sua cidade natal de Wrentham, foi invadido pelos seus companheiros dos ringues. Todos os boxeurs apareceram menos Carnera. A depressão tomara conta dos seus nervos.
Há páginas extraordinárias na história do desporto e esta é uma delas: quatro meses após a morte de Shaaf, Primo Carnera, o homem que o matou, disputou o título mundial com Jack Sharkey. 
Escreveram-se laudas de amor e vingança. As pessoas esqueceram-se de que se tratava simplesmente de um combate de boxe, tal como tinha sido o que opusera o experiente italiano Carnera ao jovem ambicioso americano Ernie Shaaf.
Ao sexto assalto, Primo Carnera desferiu um golpe inexorável. Shark foi ao tapete. Como uma baleia que dá à praia retorceu-se num estertor mas não voltou à luta. Desilusão por entre os espetadores que previam novo combate entre a vida e a morte. Rumores correram à disparada sobre a verdade do knock-out. Que a Mafia teria controlado ambos os adversários e acertardo o resultado. Jack apressou-se a desmentir: «Estava em perfeitas condições físicas e já tinha combatido o tipo antes. Mas algo não me deixou ir além. Havia sempre, em redor dele, uma imagem difusa de Ernie. Não há dor tão grande como a que sentimos em sonhos. Depois dei por mim envergonhado. Perdi»
O fim da vida de Primo Carnera foi melancólico. O antigo campeão de pesos pesados dispôs-se a figuras ridículas como wrestler e morreria atacado pela diabetes e por problemas de fígado. O dia 15 de Fevereiro de 1933 nasceu pleno de azul em Boston. Para Ernie Shaaf de pouco serviu. Estava envolto num repouso tão potente, de fazer parar o coração."

O fim do Mundial não é o fim do mundo

"Como sempre, a FIFA declarou que este Mundial foi o melhor de todos os tempos. Disse o mesmo ao fechar o bailarico brasileiro em 2014. No próximo, o discurso não será diferente.

No fim, tudo faz sentido. E, se não faz sentido, é porque não chegou ao fim. O meu Tio Olavo não diria melhor.
Melhor. Como sempre, a FIFA declarou que este Mundial foi o melhor de todos os tempos. Disse o mesmo ao fechar o bailarico brasileiro em 2014. No próximo, o discurso não será diferente. Tais declarações têm pouco ou nada a ver com a verdade. São apenas palavras, nada mais do que palavras, para alimentar a fome de conteúdos da comunicação social.
Social. O que será que a sociedade russa achou da gastança? Não sou dos que gostam de misturar futebol com política (embora tenham lá a suas semelhanças; o escritor Nelson Rodrigues, por exemplo, observou: "Muitas vezes é a falta de carácter que decide um jogo. Não se faz política, literatura e futebol com bons sentimentos"). Mas, diferente do Brasil, onde os protestos foram tão ruidosos quanto inúteis, não creio que os vassalos de Putin tivessem muito espaço para alardear as suas insatisfações. Este foi o Mundial do come e cala. O próximo, no Qatar, não será diferente. 
Diferente. Algumas coisas foram distintas na narrativa. Tivemos um Mundial mais pudico. Os closes nos seios e nas nádegas das senhoras nas arquibancadas foram extintos. Repórteres mulheres que se sentiram assediadas por adeptos bêbados durante as transmissões revidaram em directo. Foi como se o #metoo chegasse à bola.
À bola. Daquilo que pôde ser visto dentro do campo, a tudo faltou uma certa dimensão. Não tivemos um grande herói como Zidane em 1998 ou Ronaldo, o fenómeno, em 2002. Tampouco ninguém assumiu o posto de grande vilão (vale lembrar Suárez, em 2014, o devorador de orelhas ou o drogado Maradona de 1994, com os olhos esbugalhados, a ameaçar comer uma câmara de TV, ou ainda a bola com vontade própria, a nefasta Jabulani, criada pela Adidas para atrapalhar os golos na África do Sul). O Mundial da Rússia vai entrar para história como um evento morno, nada de inesquecível. 
Inesquecível. Como esquecer o meme do Mundial? O quanto rimos com Neymar e as suas quedas espectaculares. Por mais que não concorde com boa parte da crítica (não foi Neymar a inventar a simulação nem o único a utilizar tal recurso nesse e em outros campeonatos), todos acompanhámos a gargalhada planetária a gozar o menino Ney. Futebol também é isso: humor grosseiro, porém engraçado. No futebol, assim como o choro, o riso é livre.
Livre. Ou livres. Assim estamos depois de um mês de emoções à flor da pele. Resta-nos esperar pelo regresso das actividades de ludopédio daqui a algumas semanas. Sem a bola não ficamos nem melhores, nem piores, apenas ficamos incompletos. Afinal, a bola é o nosso circo romano onde somos todos cristãos e no final ganha sempre o leão, digo, o alemão."

Minuta falsa e forjada

"Fomos esta manhã confrontados com a divulgação por parte do blogue “Mercado do Benfica” de uma pretensa minuta de contrato de trabalho desportivo do jogador Cristian Lema, em que numa montagem ridícula e falsa apagaram as assinaturas dos subscritores e colocaram dois xx na data com o claro intuito de induzir que a origem das fugas de informação não estavam nas entidades que rececionaram os contratos.
A Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD garante que essa minuta é forjada e não corresponde a qualquer documento interno existente no Clube, e reagirá a mais esta grosseira falsidade pelos meios e locais próprios."

Sabe quem é? O não a Pinto da Costa - Michel Preud'Homme

"Com Mlynarczick desaparecido, encontro no aeroporto de Mião deu em nada; Ideia de Mourinho no Benfica foi dele

1. Artur Jorge fora para Paris, Quinito passara a treinador - e Mlynarczick que ajudara o FC Porto a ganhar a Taça dos Campeões Europeus em Viena andava desaparecido das Antas. Foi então que, cruzando-se com ele no aeroporto de Milão, Pinto da Costa o desafiou a assinar pelo FC Porto, mas ele agradeceu e recusou. Continuou no Malines, no Malines acabara de ganhar ao Ajax a Taça das Taças - e estava a caminho de vencer também a Supertaça Europeia. Ao Malines chegara em 1985 - para lá fora do Standard de Liège, clube onde descobrira o seu destino ainda antes de fazer 10 anos.

2. Sucessor de Pfaff na baliza da Bélgica, no Mundial de Itália pedira à FIFA para usar óculos durante os jogos para, assim, evitar maus efeitos do sol - e, quatro anos depois, uma das imagens marcantes do Mundial dos Estados Unidos é dele a subir, desesperado, à área contraria na ânsia de evitar que a Alemanha roubasse à Bélgica o bilhete de passagem aos quartos de final. Não, não foi capaz de fazer o 3-3 ou ajudar a fazê-lo - mas saiu de lá a caminho da Luz, com mais história: as defesas que fizera valeram-lhe o Troféu Lev Yashin para Melhor Guarda-Redes do Campeonato do Mundo. (Outro belga, o Courtois largou o Rússia-2018 em igual façanha).

3. Antes dele, o Benfica não tivera nenhum guarda-redes estrangeiro - e, ele próprio o revelou, ao chegar à Luz a sensação que teve foi: «Tinha 35 anos e todos diziam: O gajo é bom, mas está velho! Era como se eu tivesse vindo para o Benfica apenas para preparar a reforma - e em cinco temporadas provei que não. Deixei de jogar aos 40 e por mim continuava muito anitos».

4. O seu primeiro treinador no Benfica foi Artur Jorge - e nas cinco primeiras jornadas do Campeonato de 94/95 ninguém conseguiu fazer-lhe golo. O primeiro que sofreu, marcou-o Yuran. Foi o jogo em que o FC Porto empatou 1-1 na Luz - e Artur Jorge não pôde estar no banco por via das complicações que o obrigaram a operação à cabeça.

5. Por várias vezes, o repetiu: «Tenha pena de não ter sido campeão no Benfica, não o fui porque o FC Porto era muito melhor». Ganhou apenas uma Taça de Portugal, a de 95/96 - a que ficou marcada pelo drama do very light: o Benfica de Mário Wilson bateu o Sporting de Octávio Machado por 3-1 - e quem lhe marcou o golo foi Carlos Xavier de penalty...

6. Para ele, o melhor jogo que fez pelo Benfica foi o que perdeu na Luz contra a Fiorentina de Rui Costa para a Taça das Taças, «Ganharam-nos por 2-0, Batistuta fez jogo extraordinário, deixou-me as mãos a arder». Na segunda mão o Benfica de Manuel José foi ganhar a Florença, o golo de Edgar não chegou para a passagem.

7. O seu último jogo para o campeonato foi à 31.ª jornada da edição de 98/99 no Bonfim - e melhor poderia ter sido esse seu fim: Toñito marcou-lhe o golo que deu a vitória ao Setúbal, no banco do Benfica estava Shéu, Souness fora despedido na sequência do empate do Campomaiorense na Luz, aí o golo que sofreu, sofreu-o de Wellington.

8. Em Agosto de 1999, o Benfica deu-lhe em honra jogo de despedida - contra o Bayern. Quando deixou a baliza e para o seu lugar foi Bossio, as bancadas agitaram-se em tremendo aplauso - e dando, em agradecimento, a volta de honra à Luz não havia entre os 80 mil espectadores quem não o visse como Saint Michel.

9. Vale e Azevedo deu-lhe lugar de director desportivo - e, a dado instante pediu-lhe que arranjasse um «grande treinador». Lembrou-se de um - com quem estivera em Barcelona num encontro que era para ser de uma hora e acabou em cinco: «a falar de futebol, tácticas, paixão - e lá pelo meio me disse que era adjunto e queria passar a principal». Era o José Mourinho.

10. Ao dizer ao presidente que tinha lista com vários perfis, mas que devia ser escolher um que nem sequer era treinador. Vale embasbacou-se: «Não é treinador e tu queres que ele seja treinador do Benfica?!» Falou-lhe, convicto, do seu feeling e convenceu-o: «Liguei para o Porto a pedir-lhe que viesse de pronto a Lisboa. Mourinho chegou às 10 da noite e as duas da manhã estava a assinar contrato no escritório de Vale e Azevedo...»"

António Simões, in A Bola

Alterações à lei

"O International Board tem sabido acompanhar os novos tempos

O Mundial terminou e a atenção passará a estar, novamente, no início das competições nacionais, agora em plena pré-época. O habitualmente conservador International Board, responsável pelas alterações às regras do futebol, tem sabido acompanhar os novos tempos, introduzindo nos últimos anos significativas alterações às leis de jogo.
Uma das mudanças para 2018/19 terá sido pensada na dentada memorável que Suárez deu em Chiellini (em pleno Mundial do Brasil, repetida aí pela terceira vez na sua carreira): a partir de agora, mordidelas são punidas com pontapé livre directo (ou pontapé de penálti, se cometidas no interior da área defensiva).
Grosso modo, são catorze as novidades previstas nas novas leis. A lista tem alguns pontos interessantes e que já se aplicaram na Rússia, como o da 4.ª substituição no prolongamento (vista algumas vezes na prova) ou das substituições ilimitadas, mas estas apenas em jogos ou torneios das categorias de formação.
A utilização de equipamentos electrónicos na área técnica para fins específicos (por exemplo, para o contacto dos treinadores com seus observadores técnicos) passa também a ser permitida, embora com directrizes específicas. O mesmo acontece com o conjunto de procedimentos aprovado quanto à integração do árbitro do vídeo (VAR).
Nesta matéria, foi ainda legislada a regra que se refere à distância que os jogadores devem respeitar: durante a revisão de uma jogava, qualquer atleta/técnico que se aproxime com o objectivo de fazer pressão no sentido de obter determinada decisão, será advertido (cartão amarelo) e pode até mesmo ser expulso de jogo.
De uma forma geral e sem prejuízo de voltarmos, mais tarde, a este assunto, anote alguma das novidades para a época que agora inicia:
- Quarta substituição durante o prolongamento;
- Permitido o uso de electrónica na área técnica para auxiliar o treinador nas questões tácticas e aumentar a segurança dos jogadores, ou seja, verificar se as condições físicas estão adequadas a partir de medidores usados pelos atletas;
- Se um jogador sair para corrigir o seu equipamento e voltar sem autorização do árbitro, interferindo na partida, será punido com pontapé livre directo ou pontapé de penálti (se for dentro da sua área);
- Videoárbitro (VAR) já não está em fase de testes. Passou a ser oficial. O uso da tecnologia já está incorporada nas regras;
- Algumas situações de cartão vermelho podem ser revistas mesmo após o reinício da partida;
- Árbitros não podem carregar câmaras em campo;
- Jogador que entrar na área de revisão das jogadas, junto ao relvado, é advertido;
- Jogador que entrar na cabine em que o árbitro analisa as imagens será expulso;
- Paragem para hidratação não pode exceder 1 minuto;
- Tempo gasto para hidratação e nas alterações das decisões, após indicação do VAR, devem ser contabilizados no fim da partida;
- No fora de jogo, o que conta é o momento em que o jogador que faz o passe dá o primeiro toque na bola. Aquele em que acontece o primeiro contacto. Não o momento em que a bola sai do seu pé, não o fim do movimento. Com a linha tecnológica, esta questão pode ser determinante para aferir a legalidade das jogadas, visto que podem passar vários frames entre o primeiro e último momento do passe.
- Mordida foi, oficialmente, incluída como falta passível de pontapé livre directo ou penálti."

Duarte Gomes, in A Bola

Quem venceu o Mundial?

"A pergunta não é retórica e tem uma resposta que vai para além do relvado. Em campo, como tem acontecido nas últimas décadas, a vitória sorriu a uma equipa que combina qualidade individual com organização colectiva. Do ponto de vista táctico, a versatilidade compensou. Pese embora a justa valorização do ‘efeito Guardiola’, visível na forma como o melhor futebol, também de selecções, vive sob a influência do catalão, a verdade é que o Rússia’2018 serviu, também, para mostrar os limites do guardiolismo. Tornaram-se hegemónicas as equipas que atacam sem bola, pressionando alto, e saem em construção, a jogar desde trás, com todos os jogadores a participar no jogo e com muitos a marcarem golos (sintomaticamente, Giroud – que fez um óptimo Mundial – foi campeão do Mundo a jogar a 9, sem ter feito um único remate enquadrado). Contudo, nem sempre a posse de bola trouxe vitórias e, hoje, não faltam equipas capazes de anular o futebol tiki-taka. Mais, no Mundial como nas competições individuais, torna-se penoso assistir a equipas de fraca qualidade individual a jogar à Guardiola, enfatizando a "fidelidade às convicções", mas esquecendo o realismo que tem necessariamente de estar presente no modo como se apresentam em campo.
Tão relevante como a justa vitória da França é o predomínio crescente do futebol europeu no contexto dos Mundiais. Depois de há duas décadas muitos terem vaticinado que chegaria o dia em que uma selecção africana venceria – o que parece cada vez mais distante – e pese embora o maior número de praticantes estar na China e nos EUA, o domínio europeu é crescente, ao ponto de os últimos quatro campeões do Mundo serem do velho continente.
Há razões para isso. A Europa continua a ser a única região do globo onde as crianças crescem rodeadas por bons campos de futebol e com treinadores por perto. Como escreveu Simon Kuper de forma lapidar: "a social-democracia vence Campeonatos do Mundo". Ou seja, para vencer no futebol, há que investir, apostar na regulação, no planeamento e nos contratos colectivos como instrumento de coordenação. O acaso, a instabilidade e o improviso, mesmo que alicerçados em muito talento individual, traduzem-se em derrotas. O percurso desta França, assim como o caso notável da actual geração belga, bem como o da Alemanha e da Espanha das últimas duas décadas, prova isso mesmo. 
Finalmente, o campeão do Mundo é, uma vez mais, uma equipa repleta de jogadores com muitos títulos ao nível de clubes e que, num futebol globalizado, se concentram nos dois ou três campeonatos de topo – tendo muito deles feito a sua formação noutro país que não o de origem. Num mundo em que o nacionalismo bacoco está a regressar em força, o futebol de selecções é, hoje, um espaço de pluralismo e cosmopolitismo, fomentando a pertença nacional, mesmo em nações multilinguísticas e multiétnicas."

Não penses duas vezes nas raparigas a cavalo...

"Moscovo – Cantava o músico do Nobel na sua voz enrouquecida a whiskies “Goodbye’s too good a word, babe/ So I’ll just say fare thee well”.
Há sempre, no momento das despedidas, uma pequenina dor por dentro, mansa, quase vegetal, aquela dor à portuguesa de que falava Alexandre O’Neill e que todos nós trazemos mansamente pela mão.
Já é muito tarde na noite. Caminho ao longo da ulitsa Prokovka e observo as rapariguinhas que percorrem as esplanadas a cavalo com aquele orgulho equino de guarda republicano. Fachadas iluminadas a néon, flertes de ocasião, promessas por cumprir e ressacas que talvez nem esperem por amanhã. “You’re the reason I’m a-traveling on/ But don’t think twice, it’s all right”. Isso! O importante é não pensar duas vezes, nunca pensar duas vezes, seguir a vida para toda a parte, vivê-la até ao sangue, seja onde for, seja quando for.
Vinicius também: “Amigos meus está chegando a hora/ Em que a tristeza aproveita para entrar”. Bebo mais uma cerveja, adio o regresso ao quarto, adio o adeus a Moscovo e à Rússia. Há Rússias inteiras dentro de mim, do alto da escadaria potenkinizada de Odessa à estação de comboio de Naushki, onde um gigante obtuso me deu álcool puro a beber, dos bares ebulientes de Minsk à gelatina grossa do Intourist, em Tashkent, na hora do terramoto; dos gritos de Zica Polaroid no Registan de Samarcanda aos pequenos-almoços de carne de cavalo regados a champanhe de Almaty; das profundezas mafiosas de Tallin ao céu que estalava de sol sobre o kremlin de Kazan.
“La festa appena cominciata/ È già finita/ Il cielo non è più con noi”. Passou mais de um mês, entretanto? Não dei por isso, entretido a escrever, a analisar, a comentar, a criticar tudo o que vou vendo e ouvindo, na intenção de esclarecer e de ser útil para quem me lê, de ir, enfim, ao encontro do acontecimento onde ele aconteça, como é a obrigação do jornalista, procurar os homens no meio dos homens, saber a razão dos seus êxitos e dos seus fracassos. Por mim, continuarei sempre a escrever até ao infinito. Não sei fazer outra coisa, é a profissão que escolhi, é aquilo que sou, ritmos, imagens, ilusões, coisas de contar e de exprimir. E não, não precisei de pensar duas vezes.
“And it ain’t no use in turning on your light, babe/ I’m on the dark side of the road...” Não sei se estou do lado mais escuro, sei que vou pelo lado esquerdo. O lado do contra. Escrever é, até certo ponto, estar do contra. Contra o situacionismo, contra a preguiça.
Os cavalos vão e voltam com elegância, transportando as suas cavaleiras sorridentes; gargalhadas, conversas soltas como pássaros sem bandos; a malemolência, velha amante de tantas madrugadas. 
“Adeus, meu amigo, sem aperto de mão nem palavras” – começou assim Iassenine o seu último poema, escrito com sangue por falta de tinta. “Não lamentes e não haja dor nem pena/ Nesta vida morrer não é nada de novo”. Adeus não é uma palavra autêntica. Por isso digo até breve. Vou e volto. Ao sabor das marés que me amarram em correntes a um cais de cada vez até que largue novamente a âncora da errância. Ninguém me espera. Deixo-me estar ao sabor da rua dos sonhadores e dos poetas, as fachadas dos anos 50, a casa de Tolstoi, o palácio de Apraksin, onde Pushkin teve aulas de dança e se apaixonou pela princesa Golytsina, a Rainha de Espadas. Deixo-me ficar embalado pelo movimento quase juvenil, embalado pela humidade que me cola a camisa ao corpo, embalado pelo sabor azedo de uma cerveja escura, embalado pelo abrir e fechar de um par de olhos demasiadamente azuis. Parece que criei raízes no granito onde fixo os pés.
Não há pressa, não há pressa nenhuma. Regressar é uma inevitabilidade, embora nunca saiba ao certo os motivos dos meus regressos. Faço como o Mário-Henrique Leiria e limito-me a perguntar: ”Encontraram alguém que fosse eu? Se encontraram, tragam-no para casa que já são horas.”
E eu vou."

Política e futebol abraçaram-se no melhor Mundial. Mas, o melhor futebol foi em 1982

"A política andou de braço dado com o Mundial da Rússia. O país organizador foi exímio na organização, a Inglaterra do Brexit uniu-se à volta da selecção, a história voltou aos Balcãs, a França multiétnica tornou a vencer 20 anos depois, e a FIFA prepara politicamente a edição de 2022.

Ainda não é desta que o Mundial 1982, realizado em Espanha, deixa de ser, para mim, o melhor campeonato do mundo. Falo do ponto de vista desportivo e da sua envolvência. A equipa de sonho do Brasil, os escândalos que antecederam com a selecção italiana e o futebol transalpino (compra de resultados) que apimentaram a competição, sem esquecer a redenção de Paolo Rossi e a surpresa do outsider Camarões. Mas não só.
Recordo com nostalgia o espectáculo de Sandro Pertini, presidente italiano e uma das figuras da competição fora de campo. Ao lado, o hirto Rei Juan Carlos, monarca de Espanha, na tribuna presidencial do Estádio Santiago Bernabéu, em Madrid. À memória ocorre-me a espontaneidade dos festejos dos golos na final entre a Itália e a República Federal da Alemanha (RFA), quebrando a rigidez protocolar até então em voga.
Por mais que o actual presidente francês, Emmanuel Macron, de camisa e gravata, celebre de braço no ar; ou mesmo considerando as quebras de protocolo e sentidas lágrimas derramadas pela presidente da Croácia, Kolinda Grabar-Kitarović, camuflada como a nova pop star da política europeia, nada se assemelha aos festejos daquele senhor de provecta idade, numa Europa composta então por líderes eternos — François Mitterrand (França), Helmut Schmidt (RFA) e Margaret Thatcher (Reino Unido), entre outros que viriam a ocupar cargos nesse ano e seguinte, como sejam Felipe González, em Espanha e Helmut Kohl, na RFA e o italiano “Bettino” Craxi.
É claro que o Mundial da Rússia ganhou sem dúvida o título de melhor a nível organizativo. O próprio presidente da FIFA, Gianni Infantino, assim o caracterizou e, na qualidade de jornalista que esteve na Rússia, em duas cidades, Moscovo e Sochi, posso testemunhar a excelência da mesma. 
Nenhum detalhe escapou. Segurança, transportes, informação, o exército de voluntários, a magnificência dos estádios, os meios disponibilizados e tudo o mais a montante e a jusante. Nada falhou. Nada faltou. A Rússia de Putin mostrou-se ao mundo como uma “senhora” que tem a casa bem arrumada e que sabe receber. E durante um mês não se falou de gasodutos, Síria, diplomatas, nem de mão russa na divisão da Europa. Só de bola.

O triunfo do país do presidente Júpiter
E por falar em casa, o percurso da Inglaterra pode ter um alcance muito para além do relvado, provando que política e futebol andam de mãos dadas desde o início destas competições.
Com a primeira-ministra Teresa May (que andou mais por Bruxelas do que nos palcos futebolísticos) e o país a viver um drama político interno derivado do Brexit, a equipa de Gareth Soughate (já apresentado como o novo homem inglês) teve o condão de unir uma Nação dividida pela saída da União Europeia.
O povo britânico uniu-se à volta da camisola dos “três Leões” e dos 23 jogadores que disputaram o Mundial. E não parece ser apenas um acaso, uma explosão temporária de fervor patriótico. Há algo mais à volta de uma selecção que se virou para os quatro cantos da Ilha, contrariando o típico centralismo de Londres, e que é actualmente composta, por exemplo, por jogadores de herança afro-caribenha que mostram a realidade em que se tornou a Terra de Sua Majestade.
A herança de outros países numa selecção é um tema que surge, de forma repetida, em França. Foi assim em 1998, quando Jean-Marie Le Pen, então líder da extrema-direita se insurgiu contra as diversas nacionalidades, do “argelino” Zidane ao “senegalês” Patrick Vieira, que compunham os “Le Bleus” e que viriam a conquistar o título mundial.
A expressão multiétnico ganha novamente dimensão com a França a ser porto de abrigo de jogadores com sangue descendente de Espanha, Filipinas, Mali, Mauritânia, Senegal, República Democrática do Congo, Haiti, Angola, Camarões, Guiné, Marrocos, Togo, Martinica e Guadalupe. E tal como há 20 anos, a França ganha o título.
Numa era em que a Europa questiona o seu papel no mundo, Macron, o presidente jupiteriano que já antes se tinha empenhado pela “vitória” da França na organização dos Jogos Olímpicos 2024, irá, decerto, retirar dividendos desta conquista por parte da pátria de Chauvin, uma vitória que parecia estar escrita que iria mesmo acontecer.

“Os Balcãs produzem mais história que aquela que consomem”
As questões de políticas, sempre presentes, entraram, por duas vias, pela porta da selecção croata, recuperando a fórmula de Churchill: “os Balcãs produzem mais história que aquela que consomem”. 
À medida que avançava na competição e encantava o mundo, foi feita externamente uma revisitação do passado nazi, um tema recuperado das ligações à Alemanha durante a 2ª Guerra Mundial. A própria presidente, eleita pela União Democrática Cristã, partido de linha nacionalista, foi ela própria alvo deste revisionismo fascista e de ligação aos nacionalismos.
Por outro lado, a selecção deste pequeno país balcânico, é um espelho da história mais recente do país, com muitos dos jogadores a serem apresentados como “os filhos da guerra” ocorrida entre 1991 e 1995.
A FIFA, que também é ela mesmo muito dada a questões do politicamente correto decidiu, respondendo a solicitações durante o evento e preparando o terreno, aconselhar as operadoras de televisão a não fazerem grandes planos de “mulheres bonitas”, antecipando, com 4 anos de antecedência, a realidade do Qatar 2022.
Por último, duas notas. Como curiosidade, Croácia, finalista vencido, Bélgica (3º) e Inglaterra (4º) foram recebidos como heróis nos seus países, enquanto em França a desordem foi a palavra de ordem nas ruas. E Vladimir Putin, nem 24 horas depois do melhor Mundial, voltou ao exercício da sua realpolitik e das afinidades ideológicas, num encontro ao mais alto nível, com Donald Trump, em Helsínquia, Finlândia."

Seu juiz, logo nos quadris?

"Moscovo – Isto de a FIFA ter, agora, resolvido embirrar com as miúdas giras, meninas bonitas, gajas boas, fêmeas atractivas, senhoras com classe, ou o que quiserem, não atingi a largura da medida, de tal forma que fez uma solicitação aos repórteres de imagem para que parem de as filmar nas bancadas durante os jogos, parece-me um bocado pateta, mas talvez não seja por acaso que o presidente do organismo se chama Infantino. Para já, é sexista, algo que não cai nada bem nas sociedades ocidentais dos tempos que correm. Ainda se quisessem boicotar o mulheril inteligente, com teste de QI à porta dos estádios... Depois, francamente, estamos na Rússia! Isto é como uma Branca de Neve que discriminasse anões!
Lembrei-me de um episódio ocorrido lá pelos anos 70. Uma tal de Marta Rocha, candidata brasileira a miss mundo, foi desqualificada pelo júri por ter mais duas polegadas nas ancas do que permitia o regulamento (as brasileiras reboludas, como eles dizem, também são abrangidas pela FIFA?). No Brasil, por tudo e por nada se faz um samba. Por uma nota só ou por duas polegadas. Lá veio o samba da Marta Rocha: ”Por duas polegadas/Desclassificaram a baiana/Por duas polegadas/E logo nos quadris/Francamente seu juiz!”
Estão a ver onde é que eu queria chegar? Anseio por ver entrar em cena essa ASAE das fisionomias e dos físicos explicando-nos oficialmente quais as moças consideradas filmáveis que, tudo leva a crer, sejam estafermos infornicáveis. Mas não se esqueçam do que dizia, com razão, o velho Serge Gainsbourg: ”A fealdade é uma coisa superior à beleza. Pela simples razão de que dura para sempre!”"

O doce sabor do fracasso

"Depois das críticas em avalanche – com a França e a Bélgica a jogarem como jogaram no Mundial justifica-se, pelo menos, um galicismo neste texto – da imprensa desportiva do Brasil à débâcle – só mais um - dos canarinhos na Rússia, acabou por ser um artigo na secção de “Inovação, Ideias e Empreendedorismo” do conservador O Estado de S. Paulo a estar mais próximo de captar o momento do futebol local.
Numa reportagem com nuances (o último) de livro de auto-ajuda, os jornalistas explicam como lidar com o fracasso. Afirmam que no Brasil os jovens empreendedores tendem a entrar em depressão sempre que um novo negócio não resulta e, por isso, a regressar aos antigos, e mais seguros, empregos. Pelo contrário, lê-se no texto, os seus equivalentes dos EUA adoptam o mantra do Silicon Valley - “falhe muito e falhe rápido” – corrigindo apenas o acessório e persistindo na substância das suas ideias, como aconteceu com Jeff Bezos, que viu falirem projetos em série antes do sucesso da Amazon.
Nas páginas da imprensa desportiva, a maioria dos comentadores, tal como os empreendedores locais, não resistiu à tentação de se deprimir. E de execrar tudo, Neymar e Tite, incluídos.
Como à segunda-feira toda a gente acerta no totobola, o treinador foi acusado de ser teimoso por deixar Gabriel Jesus no onze mesmo sem marcar golos (uma teimosia que o finalista Didier Deschamps repete com Giroud e que prova que no futebol o que é verdade nuns casos, é mentira noutros), de errar ao promover um rodízio de capitães em vez de eleger um só (mesmo tendo em conta que em 2014 Luiz Felipe Scolari foi apontado por ter responsabilizado em demasia Thiago Silva) e de demorar a colocar Renato Augusto, autor do “golo-canto do cisne” brasileiro com os belgas (mesmo depois de terem exigido a sua saída do onze por meses).
Tite não fez tudo errado. Aliás, fez quase tudo certo em dois anos de trabalho na selecção. E Neymar, marcou dois golos, inventou duas assistências e driblou e rematou mais que toda a gente, segundo as estatísticas oficiais, enquanto esteve em prova.
As quedas e gritos patéticos do camisa 10 devem ser corrigidos: mas sem excessos de severidade nem de complacência.
Assim como o seleccionador, especialista em ganhar provas de longo curso nos clubes, necessita entender as particularidades de um torneio de tiro curto e letal.
Os dois fazem, no entanto, parte do que precisa só de acabamentos. O essencial das mudanças deve estar na reforma do calendário competitivo nacional, na valorização do Brasileirão (https://bancada.pt/futebol/opiniao/a-nba-do-futebol) e na gestão de carreira dos seus maiores talentos (https://bancada.pt/futebol/opiniao/samba-do-desperdicio), problemas, esses sim, estruturais.
Doeu à mais exigente torcida do Mundo perder para a Bélgica, quando a sua selecção parecia em fase ascensional? Os também belgas sofreram choques parecidos ao cair para Argentina e Gales nas duas últimas grandes competições internacionais. Mas souberam trocar o que precisava de reforma – saiu o inexperiente Marc Wilmots e entrou o hábil estratega Roberto Martínez – mantendo inalterado o núcleo duro, liderado pelo ritmista De Bruyne (talvez o mais próximo de futebolista total desde Cruyff), pelo solista Hazard e pelo front man Lukaku.
Ao contrário do que os brasileiros tentam azer com Tite e Neymar agora, os franceses não guilhotinaram Deschamps em 2016, por causa do golo de Éder no prolongamento, nem Griezmann, por estar uns furos abaixo de Messi e Cristiano Ronaldo. Souberam compreender. E persistir. 
Também terá doído aos ingleses ver a geração de Terry, Ferdinand, Lampard, Gerrard, Beckham, Scholes, Rooney e outros ser eliminada às mãos de Ricardo em 2004 e 2006. Mudaram o ponteiro das prioridades para o futebol de formação e já começaram a colher frutos.
Por causa de outro Ricardo, o Quaresma, o estatuto de Modric e companhia não foi torpedeado na Cróacia após a amarga derrota de Lens para Portugal. O resultado, em forma de doces vitórias, está aí à vista.
O Brasil deve olhar para estes exemplos. E para o do hoje homem mais rico do mundo Jeff Bezos, se quiser protagonizar uma revanche (agora sim, o último galicismo)."

Hoje saio mais cedo

"Moscovo – José Sesinando (ou Palla e Carmo) era um daqueles artistas, e dos bons, que precisava de volta e meia fazer um biscate por causa de os meses terem fim. Por isso trabalhou num banco, emprego esse ao qual chegava sistematicamente atrasado. Vendo bem, nada de grave, porque ele garantia: “Sei que costumo chegar tarde, mas depois, para compensar, saio sempre mais cedo.”
Pelo meu lado, se não se importam, hoje também saio mais cedo. O jogo é a horas boas para o fecho, o material fica escrito e devidamente entregue, carrego com as tralhas e vou, por minha vez, despedir-me de Moscovo outra vez que ontem à noite não chegou e, com sinceridade, esta também não chegará.
Talvez coma uma sopa com beterrabas, pepinos e batatas, a puxar para o borsch, releia aquele conto maravilhoso de Daniil Harms no qual o sol está sempre a brilhar sobre as senhoras rechonchudas que cheiram maravilhosamente e fique pelo arredores do meu hotel, na Prokovka, onde toda a gente se deita tarde, e escute o seu conselho: “Não vás longe demais, senão verás coisas que não serás capaz de esquecer.”
Sim, não é um bom dia para esgaçar a memória. Não irei longe demais. É noite em que nem a mim mesmo era capaz de fazer mal. Serei ligeiramente russo. E direi: “Olhem, mais três vodcas como esta e fico sóbrio!”
Depois choveu como nunca até aqui. Em seguida, nevoeiro. A Rússia passou a ser tropical. Há cada coisa..."

Campeão chocho

"Já se sabe que os êxitos nem sempre são filhos do melhor futebol e não é preciso ser um cientista da bola para se perceber que da Rússia saiu premiada a selecção mais embusteira. Outra França mestiça, outro hino à integração, mas também uma selecção gaulesa muito mais capaz de oferecer exuberância física e cinismo do que futebol supimpa. E, em vez do deleite que se deve exigir a um campeão do mundo, não foi por acaso que os elogios às suas prestações ficaram quase sempre reduzidos à sua solidez defensiva, ao seu pragmatismo e à sua eficácia finalizadora (sendo que o primeiro destes atributos nem sequer se confirmou frente à Croácia). Poder-se-ia até acrescentar uma dose avantajada de fortuna ou até algo menos nobre, porque não foi razoável a forma como foi beneficiada nos momentos capitais na final com os croatas: o livre que deu origem ao primeiro golo foi falso como Judas e, no lance que originou o penálti que permitiu a Griezmann repor a vantagem, mais do que discutir se houve um ato deliberado de Perisic (e eu acho que não houve), gostava que me explicassem por que razão o VAR escolheu precisamente a final para intervir onde nunca se tinha querido imiscuir neste Mundial, deixando-nos ainda mais confusos sobre o que é uma questão arbitral puramente interpretativa ou um verdadeiro erro manifesto. E a perplexidade é ainda mais justificada porque vem de quem sempre foi (e continuará a ser) apologista do vídeo-árbitro.
Claro que a França jogou o suficiente para ultrapassar adversários como a Argentina, o Uruguai e até a Bélgica (que, já agora, nos entusiasmou bem mais). Mas do que se trata aqui não é tanto uma questão de justiça, antes de desencanto. Mesmo levando em conta a falta de um médio mais criativo, a França tinha o lote de 23 talvez de qualidade média mais elevada em prova, tendo ainda deixado de fora jogadores como Rabiot, Sissoko, Coman, Martial, Lacazette, Valbuena e Benzema. E a ideia com que se ficou é que teve sempre qualidade a mais para tão pouco treinador. Há quem defenda que Deschamps recorreu a uma postura mais poltrona como medida profilática para evitar um triste desfecho como o que sofreu frente a Portugal na final do Euro de há dois anos. Uma leitura duvidosa se levarmos em conta que nenhuma das equipas que treinou até hoje foi capaz de nos encantar. Mesmo os méritos da alteração no segundo jogo (entrada de Giroud para poder libertar Griezmann e potenciar Mbappé, a gazela que o France Football soube antecipar como o herdeiro de Pelé) são discutíveis, porque serviu essencialmente para remediar o evidente débito de processo ofensivo e dependência excessiva do individual. Em suma, na Rússia, a selecção francesa fez-nos sempre lembrar aqueles carros alemães capazes de debitar 400 e muitos cavalos, mas que saem da fábrica já com um limitador de potência que lhes reduzem substancialmente as prestações. Daí que esta França multicolor tenha de ser arquivada na gaveta mental onde colocamos os campeões chochos e que sabem a pouco, muito atrás dos franceses titulados e orientados por Aimé Jacquet em 98, com Blanc, Vieira, Djorkaeff e, claro, Zidane. Mas talvez Platini é que tenha razão: "Napoleão disse que para ganhar batalhas necessitas de bons soldados e sorte. Didier [Deschamps] sempre teve as duas coisas. Interrogo-me se quando nasceu não terá caído numa fonte…".
O sentimento relativamente à Croácia é diametralmente oposto. Ficará, para sempre, no mesmo compartimento em que devem ser guardados os vencidos que não foram vergados, onde também estão a Hungria de Ferenc Puskas (1954) e a Holanda de Cruyff (1974). Será para sempre a Croácia de Modric, esse herói silencioso que Valdano rotulou de "criador de milagres".

'A Selecção do Mundial'
Courtois (Bélgica); Vrsaljko (Croácia), Varane (França), Lovren (Croácia) e Lucas Hernandez (França); Kanté (França), Modric (Croácia), De Bruyne (Bélgica); Mbappé (França), Harry Kane (Inglaterra) e Hazard (Bélgica).

Desafiantes e derrotados
A Espanha e a Argentina saíram pela porta pequena, mas a grande derrotada foi a Alemanha, até por ser o fracasso mais difícil de esclarecer (para além das implicações que a titularidade apressada do guarda-redes Neur possa ter tido no balneário, talvez se tenha cansado de ganhar). O Brasil trouxe outra cara, mas também um Neymar que foi mais falado pelas hilariantes simulações do que pelas 23 oportunidades de golos que criou. Até por ser evidente que as grandes provas têm um efeito de contágio, ainda bem que não se confirmou a predominância das equipas de tracção atrás, como a Polónia, a Tunísia e a Dinamarca. E, a partir dos "quartos", quem passou a dominar foram as equipas que, tendo uma organização defensiva competente, procuravam jogar no campo todo, como a Inglaterra, a Bélgica e, claro, a Croácia. Até por isso este foi o Mundial dos desafiantes, mais do que dos favoritos.

Bolas paradas e HxH
Valdano diz que este foi um "Mundial claustrofóbico", por tudo se passar nas grandes áreas. Foi, de facto, o Mundial dos golos de bola parada (atingiu-se o recorde de 69, quase 41% do total), o que pode não agradar ao argentino ("Fazer golos de estratégia é como dançar com a nossa irmã"), mas é uma aposta cada vez mais rentável. A Inglaterra marcou assim 12 tentos (superando os 8 de Portugal em 66) e a sua fileira de cinco homens na área adversária foi uma das imagens de marca deste Mundial (o que a França imitou na final). Mas as defesas com marcações HxH quase generalizadas também ajudaram à missa. Não houve golos em fora-de-jogo e viram-se menos agarrões na área e mais penáltis marcados, o que tem de ser relacionado com o VAR. E só houve um empate sem golos nos 62 jogos (França-Dinamarca).

A presidenta dos afectos e Putin
O Mundial serviu para maquilhar a imagem de Putin e para desmontar alguns estereótipos sobre uma Rússia que, nos últimos cinco anos, investiu 12 mil milhões de euros. Mas recebeu cinco milhões de turistas à conta da bola e teve receitas de quase 11 mil milhões. A assistência nos estádios foi de 98%. Mas a espectadora mais popular foi mesmo a croata Kolinda Kitarovic, a presidenta dos afectos."

Arrumar o Mundial com um campeão justo

"Já li e ouvi muita coisa acerca do Mundial ganho pela França, desde amantes do auto-apelidado “bom jogo” a queixarem-se de estarem perante o pior Mundial de sempre a defensores de um futebol mais sério e pragmático maravilhados com os despiques tácticos a que puderam assistir. Para mim, o Mundial foi bom, melhor do que os anteriores, até. E digo-o por várias razões, desde o facto de não termos assistido a tantas degolas de inocentes até à satisfação de termos coroado a melhor equipa como campeã. E isso pode até devolver-nos ao eterno debate entre o bom e o bonito, mas a questão a ter em conta é que o conceito de bonito não é universal.
Este Mundial teve de tudo. Teve golos em quase todos os jogos – a excepção foi aquele Franca-Dinamarca da primeira fase que já não contava para nada – e teve a mais baixa percentagem de resultados desequilibrados de toda a história da competição. Isso quer dizer duas coisas: que as equipas se apresentaram, regra geral, muito mais bem preparadas e capazes de entender e de anular os pontos fortes dos adversários, mas que mesmo assim chegaram quase sempre aos golos, muitas vezes através do aproveitamento dos lances de bola parada, que cresceram muito de influência em jogos que de outra forma seriam equilibrados. É verdade que custa ver duas equipas jogar durante hora e meia, bater-se em nuances tácticas e estratégicas, para depois tudo se decidir num canto ou num livre lateral, mas está para nascer o teórico capaz de me convencer de que isso é pior do que ver equipas incapazes sequer se compreender como é que o adversário lhes fazia mal.
Eu perceberia o desalento se, depois, este não tivesse sido um Mundial de proezas individuais. Mas foi. Tivemos a explosão de Kylian Mbappé, o primeiro adolescente a marcar numa final desde o Pelé de 1958 e protagonista de várias “cavalgadas” impressionantes de velocidade com a bola nos pés, como a que desbloqueou o França-Argentina. Tivemos a consagração de Luka Modric, gestor de ritmos com criatividade embutida no cérebro futebolístico, herói de momentos em que parecia entrar com bola no bloco adversário como que a caminhar sobre a água. Tivemos Kevin De Bruyne, outro tipo de gestor de jogos, mais científico e menos intuitivo, mas impressionante na capacidade para tomar sempre a decisão correta e mudar a cara a uma Bélgica que assumia os jogos mas era mais temível em contra-ataque. Tivemos Eden Hazard, Ivan Perisic, Antoine Griezmann, Paul Pogba, Thibault Courtois, uma jovem Inglaterra a prometer proezas já para daqui a dois anos... Tivemos até Ronaldo, ainda que apenas no jogo com a Espanha.
Depois, é certo que tivemos desilusões. Messi, Neymar, a Argentina, a Espanha, a Alemanha, o Brasil. Mas os Mundiais contam-nos sempre destas histórias. Quando não são uns, são ou outros. É só assim que se possibilita a renovação e se permite a consagração de um campeão com um onze base cheio de jogadores abaixo da chamada maturidade futebolística, geralmente apontada para os 27 anos. Esta França pode até nem ser uma equipa tão vistosa como a que perdeu o Europeu para Portugal, há dois anos, mas é uma equipa capaz de aliar fogosidade com capacidade para gerir os jogos como nenhuma outra na competição. Não gosta de ter a bola? E qual é problema? Não é bonito? Depende. Do ponto de vista do entretenimento sempre me satisfez mais o jogo esticado protagonizado nos últimos anos pelo Real Madrid do que o jogo de toque e retoque que tem sido a imagem de marca do FC Barcelona. Ambos têm as suas particularidades, as suas nuances de treino, as situações que os tornam admiráveis, mas depois se falamos de entretenimento, de bonito ou feio, isso já depende do gosto de cada um.
A mim, esta França satisfez-me a ponto de a considerar uma justíssima campeã do Mundo. Mais até do que há 20 anos, quando a final ficou marcada pelo efeito Ronaldo e o Brasil era mesmo a melhor equipa."

Cristiano, Mbappé e Modric

"Está visto o Mundial da Rússia e a França superou o amargo de boca com Portugal, de tão boa memória para nós. Apesar disso, foi impossível ao longo do último mês não simpatizar com esta equipa da Croácia, destemida e capaz de surpreender os oponentes com uma enorme entrega até ao último minuto de jogo.
Foi impressionante a força mental da Croácia e a forma como, prolongamento após prolongamento, chegaram a esta final. Esta geração croata ficou na história e não fosse o enormíssimo desejo que tenho em ver o nosso Cristiano Ronaldo levantar aquela Bola de Outro mais uma vez, por tudo o que conquistou este ano, daria a Modric o prémio de melhor do Mundo, pelo que joga e, sobretudo, pelo que faz jogar os seus companheiros. Espero vê-lo no pódio, pois é mais do que merecido.
Nesta França, de ouro, destaco o menino da formação monegasca que há alguns anos se inspirava no ídolo Cristano Ronaldo para ser profissional. Mbappé marcou e, mesmo para os que não recordam os feitos do rei Pelé, fica claro que tem o toque dos predestinados para escrever a história do futebol mundial na próxima década.
Por fim, seja por jogar ao lado de Modric, seja por inspirar Mbappé, tenho de mencionar o nosso capitão, envolvido na transferência do ano, para a Juventus. Um acto corajoso de alguém que bateu todos os recordes em Madrid e podia, simplesmente, continuar a brilhar sobre esse legado. Pois bem, 438 jogos e 450 golos depois, assistiremos à reinvenção do melhor do Mundo, em Itália e com a camisola da vecchia signora, sabendo que com o trabalho e capacidade de superação que o Cristiano coloca no exercício da sua profissão, nada é impossível. O meu amigo Damiano Tommassi, perguntava-me há umas semanas se o Cristiano iria para Itália! Disse-lhe que não tinha dúvidas! Agora, em nome dos jogadores italianos, resta-lhe dar as boas-vindas!"