quarta-feira, 4 de julho de 2018

De volta à vida e o fim da festança política

"Nestas grandes equipas nota-se o relativo desinteresse por estas competições (...)

1. Começámos o Mundial como acabámos, ainda que, com resultados diferentes. Foram os melhores jogos da nossa selecção, com  a particularidade da decisiva importância de um jogador mais do que de um colectivo. No jogo inaugural o resultado foi Espanha 3, Ronaldo 3. No jogo que ditou a nossa eliminação foi Portugal 1, Cavani 2. Acontece que ganha quem é mais eficiente e, neste aspecto, os uruguaios foram letais. Portugal precisava de dez  ou mais toques e passes para rondar a baliza contrária, o Uruguai chegava lá em dois ou três passes. Foi assim no primeiro golo, dois toques no nosso meio-campo, Cavani-Suárez e Suárez-Cavani e três toques no estupendo e esteticamente perfeito segundo golo do uruguaio.
Estas primeiras quatro rondas tiveram um desfecho improvável: a eliminação do campeão e vice-campeão mundial, bem como do campeão europeu e da Espanha, ex-campeão do mundial e europeia. Ao mesmo tempo saem os dois melhores jogadores do planeta. Cristiano Ronaldo e Lionel Messi, únicos 'Bola de Ouro' nos últimos 10 anos. Provavelmente estamos no momento em que a obsessão da escolha entre eles, por vezes patética e estimulada mediaticamente, começará a dar lugar a outros jogadores mais jovens. Destas quatro selecções agora eliminadas, Portugal foi a que mais fez por isso não acontecer, ainda que jogando apenas medianamente. A Alemanha foi uma equipa triste, cansada, enfadonha que, no último jogo contra os coreanos, parecia estar a fazer um grande frete e a querer ir rapidamente para férias. Não me recordo de alguma vez ter visto a mannschaft tão abúlica e a renunciar a todo o seu brilhante passado. Nestas grandes equipas nota-se o relativo desinteresse por estas competições no fim de épocas desgastantes e com muito menor retorno financeiro que é a bitola dominante no futebol contemporâneo. A Argentina que ainda está para perceber como chegou aos oitavos de final foi de uma mediocridade a toda a prova. O que se poderia esperar de uma equipa treinada por um tal Sampaoli que mais parece um halterofilista falhado, com tatuagens em todo o corpo e um ar de burgesso futebolístico das pampas? Aliás, a Argentina tem uma federação de futebol que, de ora em vez, escolhe uns artistas para seleccionador, como antes já fora com esse magistral jogador Diego Maradona, mas que como treinador foi a imagem folclórica da degradação e da irresponsabilidade. Absolutamente inconcebível como o actual treinador não aproveitou o prodigioso Dybala e quase não utilizou Aguero e Higuain! A Espanha foi desesperante na frouxidão com que jogou contra uma medíocre Rússia e o incomparável Iniesta merecia bem mais na sua despedida...

2. Portugal não jogou bem, salvo nas excepções atrás referidas. No entanto, viu-se que os jogadores estiveram sempre com muita vontade e sentido profissional. De um modo esquemático, Portugal foi quase apenas Ronaldo + Rui Patrício + Pepe. Podemos juntar a este trio mais influente, Bernardo Silva, um bom jogador que não engana e Quaresma que, como regra, oscila o soberbo com o decepcionante. O resto foi demasiado mediano, com os laterais defensivos a deixar muito a desejar. Por isso, ainda me custa a perceber que Nélson Semedo não tenha sido convocado. Também acho de grande injustiça a não convocação de Éder, o herói da final de Paris. Além de ter feito uma boa época na própria Rússia, merecia esse prémio e o fetiche do golo da final europeia, até porque o escolhido André Silva, uma invenção mediática que muito rendeu ao FCP e que teve uma fraca época em Itália, lhe é inferior e nunca justificou, até ver, a escolha para ponta-de-lança, lugar onde há um evidente défice de talentos.
Portugal acabou, assim, por perder depois de uma notável série de 12 jogos sem derrotas nas fases finais de campeonatos mundiais e europeus. No entanto, não nos iludamos excessivamente. No Europeu 2016 e neste Mundial, nos 90 minutos de jogo e num total de 10 jogos antes do Uruguai, empatámos 8 vezes quase sempre com selecções inferiores (Áustria, Hungria, Islândia, Polónia, Croácia, Irão), para além da França e Espanha, e só ganhámos a Gales e Marrocos. Valeu-nos Ronaldo e... Éder!
Portugal está fora da competição, o que é frustrante para os nossos sonhos. Patriotismo à parte, apenas salientaria uma consequência positiva deste facto. O país vai voltar ao real, os media vão deixar de estar capturados por tudo e o seu contrário a propósito da bola, as televisões deixaram de ter matéria-prima para horas e horas sem fim, sobre o antes e o depois das partidas, acabaram as doses cavalares de patriotismo bacoco, de excitantes entrevistas no Terreiro do Paço e outras paragens e de historietas mais ou menos tontas que nos foram enviadas numa enxurrada inconsequente. Era o pequeno-almoço dos craques, o penteado do fulano ou beltrano (houve até uma reportagem numa barbearia por terem aumentado os «cortes à jogador da selecção»!), era a entrada ou saída excitante no autocarro, eram as insónias de alguém, era a qualidade do bife que os jogadores comiam ou a bavaroise a que aspiravam para o jantar, etc., etc.

A festança política do vaivém, em forma de carrossel entre o Estado-futebol e o futebol de estádio, dos mais altos dignitários da República Portuguesa, do ora agora vai tu, ora agora vai ele, ora agora vou eu, terminou. Nesse aspecto, o Presidente da República ganhou ao Primeiro-Ministro - a quem lhe telefonava antes dos jogos para dar sorte (?) - e ao presidente da Assembleia da República por 2 presenças contra uma. Nessas duas presenças, Marcelo Rebelo de Sousa, falou na flash interview, com um biombo por trás cheio de publicidades patrocinadas, o que, lamento dizer, não me parece adequado ao mais alto magistrado da Nação. Ah, e o ministro da Educação, pois claro, também andou por aquelas bandas da Federação Russa, não para tratar da séria questão das escolas e dos professores, mas para dar a táctica de como, por via do futebol de selecção, se pode procrastinar a resolução dos problemas que tem no seu gabinete ministerial. Acabou, assim, esta via verde de populimo-futebol, em que eram só sorrisos, afectos e optimismos a rodos e compita para ver quem mais endeusava os rapazes da selecção. Literalmente foi tudo entre xutos e pontapés. No Rock in Rio, com a copiosa chuva a proporcionar um ambiente etéreo, lá estava o trio de Estado (e de Estádio) tão amigo a cantar e dança-rolar, num acto de homenagem que - sem por em causa o talento do nosso compatriota falecido em Novembro - jamais vi para outros e bem ilustres portugueses. Um exagero acasalado com a exageração de trazer o futebol para o acervo político.

Contraluz
- Exemplar: Bem bonito e exemplar o gesto de Ronaldo amparando Cavani no seguimento da lesão do uruguaio. O futebol também se faz destes momentos que simbolizam valores inalienáveis do desporto.
- Saboroso: As crónicas de Gonçalo Guimarães em A Bola sugestivamente intituladas 'Salada Russa'. Deliciosos textos escritos com notável sentido de humor e um apurado sentido de observação da sociedade russa e de detalhes de atribulações saborosamente descritas.
- Melhor (I): O quarto golo da França contra a Argentina.
Para mim e até agora o melhor do Mundial, enquanto expressão de uma jogada eminentemente de equipa e finalizada pelo mais sério candidato a melhor jogador do torneio, o ainda menino Mbappé.
- Melhor (II): O Bélgica - Japão, até agora o quase único de futebol puro. Emocionante, rápido, com duas equipas a querer vencer, sem fitas e jogo de relógio. Confesso que tive pena de ver o Japão a perder no última jogada.
- Desrespeito: A FIFA acha bem cortar o hino do Brasil, só porque excede o tempo por ela considerado razoável. Ainda bem que jogadores e público o continuam a cantar até ao fim. Ponho-me a pensar se seria desde modo tão desrespeitoso que cortariam, por exemplo, o hino da Rússia ou de França...
- A bel-prazer: com o penálti assinalado contra a Espanha por mão de Piqué que estava completamente de costas, percebi finalmente que essa coisa antiga de 'mão na bola' é agora uma treta, ao sabor da conveniência e quem sabe de... Putin.
- Formidável: Grande final de Futsal.
Depois de termos sido este ano campeões europeus nesta modalidade, os dois eternos rivais defrontaram-se em 5 jogos, decididos in extremis na felicidade ou infelicidade dos penáltis. Ganhou o Sporting, como poderia ter ganho o Benfica. Aliás, no conjunto dos 5 jogos (com dois empates antes das penalidades) o Benfica venceu em golos 24-21. Ganhou também a modalidade e foi bom ver o desportivismo entre as duas equipas, o que é sempre de enaltecer.
- Categórico: Benfica campeão de futebol em Juvenis, como já o havia sido em Juniores, em ambos os casos sem margem para dúvidas. É o resultado de uma política de formação consequente e estável."

Bagão Félix, in A Bola

Sabe quem é? Ameaçado de morte - Alex Witsel

"Por causa do drama de Wasilewski teve polícia à porta (e não só); O Benfica, os milhões da China e os aviões

1. Filho de um imigrante de Martinica, nas Caraíbas, nasceu no Valónia a 12 de Janeiro de 1989. Aos quatro anos já andava no RRC, clube de Vottem, cidadezinha onde vivia. A escola fê-la em Herstal, com compincha também bom de bola, o Medhi Carcela.

2. Do RRC Votten, saltou para o RCS Vise. Uma vez, ao passar, pela mão do pai, à beira do Stade de Sclessin, disse-lhe, empolgado: «O que mais quero na vida é jogar ali dentro». O destino não tardou a fazer-lhe a vontade: acabara de fazer 10 anos quando o clube que já jogava o chamou para a sua equipa de infantis.

3. Como o pai era de Martinica tinha passaporte francês - pensou-se que o seu futuro talvez fosse ele jogar pela França. Zidane era o seu ídolo, também adorava Anelka.

4. Aos 16 anos, o Sandard deu-lhe o primeiro contrato profissional. Real, Arsenal e Feyenoord tinham pensado contratá-lo, ele achou que era cedo de mais para o salto. Preud'Homme abriu-lhe caminho para a equipa principal, foi campeão. Os golos que marcava, festejava-os à Anelka, a simular o voo de um colibri. Gerets pediu que lho pusessem no plantel do Marselha - o dinheiro pedido pelo passe, afastou-o de lá. E pelo caminho se soube que Manchester United, Manchester City, Inter, Arsenal e Chelsea o tentaram também, igualmente em vão.

5. Preud'Homme deixou Liège - e para o seu lugar foi Lazlo Boloni. O Everton foi lá buscar Fellaini - e, ele, que em 2008 ganhara a Bola de Ouro para Melhor Jogador Belga, foi ainda mais estrela do que já tinha. A Tifo Boys, claque do clube, começou a falar das Lendas de Scessin, uma das lendas era Defour, a outra era ele...

6. DJ continuou a ser com o hobby. O Standard de Boloni e Rolão Preto, em que também jogavam Mangala e Carcela, foi eliminado da Liga Europa 2008/2009 pela SC Braga de Jorge Jesus - e no campeonato desse ano, que o Standard voltou a ganhar, saiu-lhe um drama dos pés.

7. O drama que lhe saiu dos pés foi conta Anderlecht - ao entrar, com rispidez, a lance com Wasilewski fracturou-lhe tíbia e perónio. O incidente provocou escaramuças dentro e fora de campo, - e ao longo da viagem de Bruxelas para Liège o autocarro do Standard teve de ser escoltado por 20 carros de polícia. Não foi só: apesar das desculpas pedidas a Wasilewski, da visita que lhe fez ao hospital, recebeu ameaças de morte - de adeptos do Anderlecht e de fanáticos polacos. A polícia teve de lhe pôr guarda à porta de casa durante semanas. Para prestar declarações em inquérito aberto pela federação, 20 gendarmes foram destacados para lhe fazer guarda. Começaram por aplicar-lhe castigo de 11 jogos e multa de 2500 euros, acabaram por comutar-lhe a pena para 8 jogos, considerando que ele sempre afirmara (sem disfarçar emoção a retorcê-lo): que o que sucedeu a Wasilewski fora infeliz causalidade.

8. Em Julho de 2011 o Benfica deu por ele 8 milhões de euros. Na selecção era o que Marc Wilmots dissera: «O meu professor dentro do campo». E ao chegar à Luz, António Simões, o magriço, puxou mais lustro ao elogio: «Faz-me lembrar Jaime Graça que era o tipo de jogador que hoje se diz que é moderno: um médio que atacava e defendia e que nos últimos 20 anos foi desaparecendo». Por ser mesmo assim não fez do Benfica campeão, mas encheu-lhe os cofres - um ano depois foi vendido ao Zenit por 40 milhões de euros.

9. Deixou a Juventus de beiço caído, mas quando todos esperavam que para lá fosse, preferiu o Tianjin Quanjin de Fábio Cannavaro - colhendo só em salários 16 milhões de euros por ano. (A Juve ofereceura-lhe 4,5 milhões, 3 milhões era o que o Zenit lhe pagava). Correu a investir na compra de parte da LindSky, empresa de aviação: «Tenho intenção de a gerir, quando largar o futebol. Já estou a estudar para piloto - e seu piloto quero ser também».

10. Já na Rússia recordou a Luz no seu caminho: «Evolui muito graças ao Benfica, foi importante para chegar onde cheguei». E aventou adeus ao Quanjin: «A liga chinesa não é tão competitiva como na Europa.Tenho de fazer exercícios extra, após os treinos, para compensar a falta de intensidade. Sim, é possível que saia já de lá, tudo depende do que acontecer neste Mundial»."

António Simões, in A Bola

Inacreditável

"1. No dia em que Neymar conseguir ter mais tempo útil de pé, ao invés de o desperdiçar a rebolar-se no relvado, terá todas as condições para destronar Ronaldo e Messi.
2. No espaço de sete dias apenas, o Sporting conseguiu matar e ressuscitar Bruno de Carvalho. Se o primeiro acto foi longo e penoso, o segundo foi rápido e limpo, bastou contratar José Peseiro. Inacreditável. Haverá clube historicamente mais talhado para comer sopa com garfo e bife com colher?
3. «Não tenho medo», disse o novo treinador dos leões. Pois não, caro José Peseiro, mas o mesmo não se pode dizer dos sportinguistas.
4. Pior gestão só mesmo a de Sampaoli na selecção argentina: conseguiu deixar Icardi fora do Mundial e Higuain, Aguero e Dybala no banco no jogo dos quartos de final com a França. Não há Maradona que resista.
5. Se olharmos para as equipas ainda em prova no Mundial da Rússia, podemos perfeitamente confundir com um Mundialito de Futebol de Praia.
6. «Reparei que tenho um registo (de velocidade) próximo de Ronaldo, Bale, Messi e Aubameyang», disse João Amaral numa entrevista, pouco depois de assinar pelo Benfica. Tem tudo, portanto, para ser o novo Candeias ou Salvador Agra das águias.
7. Ou muito me engano ou a passagem de Jorge Jesus pela Arábia Saudita vai dar umas boas conferências de imprensa para o YouTube. É como colocar uma sombrinha de cocktail num copo de whisky.
8. Chateia-me ver recém-nascidos a deixarem o berço antes do tempo, muitas vezes com maus resultados porque o futebol também tem os seus estágios de Piaget. Dalot foi amamentado no FC Porto mas decidiu ir arrotar ao Man. United.
9. A relação com César Boaventura tem sido uma péssima aventura para o Benfica. Mais uma."

Gonçalo Guimarães, in A Bola

PS: Mal qual relação do Boaventura com o Benfica? A forma fácil como se propaga mitos falsos, é realmente extraordinária!!!

A feira das vaidades

"Por um instante, acalentei a esperança de que, no seguimento da admirável votação de 23 de Junho, haveria a consciencialização colectiva de que o Sporting precisava radicalmente de mudar de vida. 
Parece elementar a constatação que, face às divisões alimentadas e induzidas no seio dos sportinguistas (já não falo de família sportinguista, porque entendo que Bruno de Carvalho desacreditou esse conceito), se impunha privilegiar determinadas prioridades, no ato eleitoral próximo.
Trocando por miúdos: quem vier a mandar no clube, deve ter um mandato claro dos sócios, traduzido numa votação expressiva. Ou seja, é mais do que desejável que a lista vencedora seja legitimada por mais de 50 por cento dos votos.
O actual e lastimável sistema eleitoral do clube permite que ganhe a lista apenas mais votada, o que pode significar que, em caso de multiplicação de candidatos e fragmentação consequente de votos, se ganhe com percentagens inferiores.
O mesmo é dizer que se pode ganhar, mesmo tendo uma maioria de votos contra. Já aconteceu, como sabemos.
De modo que não sei mesmo o que mais me indigna. Se o desajeitado perdoa-me do presidente destituído, que outro fito não tem que não seja branquear-se, para o deixarem participar nas eleições; se a passarela dos protocandidatos que todos os dias emergem na comunicação social, esticando-se o mais possível, para os seus cinco minutos de glória.
O Manuel João Vieira, dos Ena Pá 2000, quando se candidatava às eleições presidenciais, ao menos tinha graça; estes Vieiras (sem desprimor) do Sporting nem isso.
Com uma agravante: há gente que no Sporting já foi tudo e o seu contrário; mesmo assim, continua a alimentar fumos de candidatura, em puros exercícios de taticismo eleitoral, para não perder outros comboios. Sabem bem do que estou a falar.
Da mesma forma, não passa despercebida a rapidez com que o brunismo arrependido se reciclou e se posicionou.
Confesso que não me entusiasma particularmente o que me é dado ver. Não são as pessoas, é claro, todas estimáveis sportinguistas. É a mentalidade.
A transversalidade, a credibilidade, a solidez financeira, a competência, a equipa, a transparência, o desapego, a solidariedade geracional, a inclusão, a tolerância, o fair play, a esperança e sobretudo a coesão (não gosto da palavra unidade, que está estragada pela política), são estes os valores que nos devem reger no futuro.
Assim consigamos, a bem do Sporting. Afinal, não somos todos uns incorrigíveis optimistas?"

Correr e corromper: vícios do desporto rei

"Se, no plano da Administração Pública, a corrupção sobrepõe os interesses privados ao interesse público, na corrupção do desporto acresce a corrosão do puro prazer desportivo.

Por alturas de efervescência colectiva, estimulada pelo Campeonato Mundial de Futebol FIFA de 2018, que decorre por terras russas, adequado parece voltar ao tema dos fenómenos corruptivos, neste planeta vizinho que é o futebol.
Relembrar-se-á porventura o leitor, dos escândalos em que a organização deste evento, esteve envolvida, desde que em dezembro de 2010 a Rússia, por meios ainda ensombrados quanto à justiça, preteriu o Qatar e surge eleita para acolher o Mundial.
Este fenómeno de massas, como vulgarmente é designado, evoluiu, nas palavras de Álvaro Magalhães expressas num livro editado pela Assírio & Alvim em 2004, da “Idade do Prazer”, que corresponde à difusão internacional do jogo, passando pela “Idade da Razão”, que consistiu nas profissionalizações dos jogadores, até atingir aquela que é hoje a “Idade da Maturidade”, caracterizada pela inovadora textura empresarial das equipas de futebol.
Ao longo dos últimos anos, tem-se verificado um aumento exponencial da importância do futebol no produto interno bruto (PIB) dos países. Estima-se, aliás, que o futebol corresponde à sétima economia do mundo, constituindo cerca de 0,4% a 1% do PIB planetário. Em Portugal, este desporto contribui com 456 milhões de euros para o PIB e gera mais de 2 mil postos de trabalhos, considerando apenas os impactos directos da Liga Portugal e das Sociedades Desportivas que participam nas suas competições.
Este relvado onde aceleram e escorregam milhões floresce propício à acção criminosa. Impelidos por uma crescente moral de êxito, que consiste na constatação dos baixos custos que estas práticas criminosas importam, em causa se colocam os valores associados à prática desportiva. Se, no plano da Administração Pública, a corrupção sobrepõe os interesses privados ao interesse público, na corrupção do desporto acresce a corrosão do puro prazer desportivo.
Veja-se, contudo, que o apetite por viciar resultados, a fim de satisfazer o coração, remonta a tempos atrasados. Nos jogos olímpicos de 338 DC, Eupolos da Tessália não hesitou em subornar três adversários de modo a sair vitorioso dos seus combates.
O que eventualmente mudou de lá até aos dias de hoje, foi porventura a distorção da acção criminosa motivada pela análise de custo benefício, o que significa que as medidas de combate à corrupção no sector desportivo, devem assentar na diminuição dos benefícios e no aumento dos custos directos da acção, de forma a aumentar a probabilidade de se ser punido e diminuir a utilidade deste tipo de práticas para os seus perpretores.
A corrupção no futebol português é caracterizada por uma tendência comum no que respeita às ambições do agente activo. Dos diferentes casos ao longo das últimas décadas: “Calabote” em 1959, “Penafielgate” em 1990, “Bolsos Limpos” em 1993, “Apito Dourado” em 2003, “Colmeia” em 2009, “Jogo Duplo” em 2016, até aos mais recentes escândalos ainda na memória recente de todos, certo é que o futebol tem muitas outras dores de cabeça pelas quais não pode culpar ninguém além de si mesmo, por se ter tornado um alvo de uma cultura de ganância.
Repensemos de que forma poderemos mitigar a impunidade do capital e o eco que faz ressoar na gestão do agora e sempre, desporto rei, a bem do salutar autêntico sentimento desportivo."


PS: Acrescento que a ignorância é uma das principais causas deste estado de coisas, e a inclusão do caso Calabote neste embrulho, prova que a ignorância é generalizada...!!!

Mudança de turno no Mundial

"O tempo exercita a crueldade de uma forma absolutamente democrática. Passa para todos e nem sequer respeita os mais unânimes dos talentos. Cristiano Ronaldo e Lionel Messi vão continuar a ser os melhores do mundo durante mais algum tempo, mas o calendário já nos atira à cara o princípio do fim. E o primeiro choque com a realidade apareceu no final dos jogos que tiraram à Argentina e a Portugal o sonho da glória russa.
Daqui a quatro anos, quando o futebolisticamente irrelevante Catar receber o próximo Campeonato do Mundo, Ronaldo terá 37 anos e Messi andará nos 35. O horizonte competitivo ainda os coloca na rota desse torneio, mas a roda do tempo vai atirar outros nomes para o patamar mais alto do futebol. Por isso, terá sido na Rússia que vimos os dois melhores jogadores da actualidade ao mais alto nível num Mundial pela última vez.
A partida precoce das duas selecções surge em contextos diferente, por muito que o desfecho tenha sido idêntico e até encostado no tempo (Argentina e Portugal saíram do Campeonato do Mundo no mesmo dia).
A Argentina andou durante quatro jogos a tentar organizar um amontoado de jogadores que Jorge Sampaoli atirava para o campo, mas sempre desalinhados à volta da magia de Messi. Falhou em toda a linha. Não conseguiu potenciar na plenitude a genialidade do astro do Barcelona e acabou até por colocá-lo a rodar pelo campo, em funções diferentes nos vários jogos: mais longe da área, mais perto da linha ou como falso ponta de lança. Por outro lado, o seleccionador argentino pareceu sempre acreditar que alguns dos restantes talentos estariam melhor no banco do que em campo: Éver Banega demorou a entrar na equipa, Paulo Dybala jogou 23 minutos e Giovani Lo Celso nem sequer experimentou a relva russa. O seleccionador da Argentina não conseguiu encontrar a fórmula para juntar em campo a magia que poderia ter prolongado a vida da equipa sul-americana no Mundial. E também a inestimável presença de Messi.
O jogo que afastou o 10 argentino foi o mesmo que apresentou ao planeta futebolístico o próximo nome que este desporto vai tornar global. Kylian Mbappé desmontou a Argentina com uma guarda de honra de talento acima de qualquer suspeita: Pogba, Griezmann e Giroud estiveram todos juntos em campo, num exercício de coabitação pacífica e eficiente, que Didier Deschamps poderia usar para explicar a Sampaoli que sim, é possível juntar qualidade sem perder competências.
No Uruguai x Portugal não saiu da sombra nenhum talento, mas o hino à eficácia de Cavani e Suárez terá sido um castigo pouco merecido na melhor exibição portuguesa dos últimos tempos. No entanto, os franceses terão dito o mesmo do golo de Éder e da final do Europeu de há dois anos, porque no futebol a justiça (ou a injustiça) é mesmo cega.
Frente a um adversário que muitas vezes só quer a bola para a colocar depressa perto da baliza adversária, os campeões da Europa assumiram o jogo durante largos períodos, demonstrando que o caminho para o sucesso nem sempre se constrói com a oferta do controlo das operações ao adversário. A fórmula euro foi demasiado interessante para ser esquecida, mas era dificilmente repetível na passagem de França para a Rússia.
Portugal apareceu várias vezes no Campeonato da Europa com dois "falsos alas" que potenciavam o equilíbrio, um acelerador no centro do jogo e um companheiro de ataque de Cristiano Ronaldo com perfil diferente de André Silva e Gonçalo Guedes. A equipa que Fernando Santos levou ao Olimpo juntou várias vezes a disciplina táctica de André Gomes e João Mário, potenciando os desequilíbrios de Renato Sanches no coração do campo e a eficácia e experiência de um Nani que nunca tremeu. Deste quarteto apenas João Mário demonstrou ter nesta altura as condições suficientes para poder estar nas escolhas do Engenheiro do Euro, mas é muito provável que Fernando Santos não tivesse deixado de fora o André Gomes, o Nani e o Renato Sanches do verão de 2016. Só que as boas memórias não ganham jogos.
Cristiano Ronaldo e Lionel Messi saíram demasiado cedo do Mundial, mas deixaram na Rússia os dois galácticos que lhes vão disputar o trono. Senhoras e senhores, chegou a hora de Neymar e Mbappé. Que vença o melhor."

Mundial, balanço dos ‘oitavos’: Brasil cada vez mais favorito

"Com o treinador Tite, o grande reforço, a equipa do Brasil juntou a força à fantasia, colocou a organização a sustentar a classe do seu trio de luxo: Neymar, Coutinho, Willian. Ataca e defende. Não há maior candidato à vitória

Os oitavos-de-final do campeonato do Mundo de futebol mais equilibrado de sempre afastaram outros três (ex)candidatos (Portugal, Espanha e Argentina, que assim se juntaram à Alemanha) e confirmaram o Brasil como o maior dos favoritos a vencer a prova.
O Brasil tem tudo mas, acima de tudo, tem agora um treinador. Tite é o grande reforço. Não tem nada a ver com o folclórico Scolari, nem sequer com Dunga. É, claramente, um homem do futebol realista, de alta competição. Com ele, o Brasil ataca e defende. Se for preciso, como se vê, senta Marcelo no banco (joga Filipe Luís). Acabou com o equívoco de David Luis, um defesa que (além de chorar demasiado) defende mal. Tem hoje Casimiro a estabilizar e Paulinho a verticalizar no míolo, segurando a ala criativa – e, se for preciso, ainda há Fernandinho (que ficou muito marcado pelos 7-1 da Alemanha, há quatro anos). Com um esquema em que até Fágner (defesa-direito que o treinador conhece bem da passagem pelo Corinthians) suplanta o ex-portista Danilo e faz esquecer Dani Alves (lesionado antes da competição), o Brasil joga em bloco. Miranda, aos 34 anos, chegou finalmente à equipa numa grande prova e para ser um dos capitães, formando uma das melhores duplas de centrais do mundo com Thiago Silva. O guarda-redes Alisson tem muita qualidade e é soberbo a jogar com os pés. Com tudo isto, pode libertar-se o talento. E não é só a ‘estrela’ Neymar. Também Philippe Coutinho e Willian estão o jogar a um nível muito alto no apoio a Firmino, um dos três grandes do ataque do Liverpool (com Salah e Mané).
O Brasil é favorito mas tem dois ossos duros até chegar à final. O primeiro é a Bélgica, que se chegou a assustar com o Japão. O segundo será a França, se esta se desenvencilhar, como se espera, do Uruguai (que não deve ter Cavani recuperado). Gosto da França, pelo equilíbrio de Kanté, a força de Pogba e o ‘foguete espacial’ Mbappé. Falta-lhe, no entanto, fantasia. O jogo é muito linear, musculado e nem todas as equipas são adversários fracturados, como a Argentina. Vêm aí jogos que pedirão outra capacidade de circulação. Veremos… Até se há, ou não, Griezmann.
Do lado contrário do quadro, sem a Espanha, os maiores candidatos a chegar à final são agora a Croácia (que defrontará a Rússia) e a Inglaterra (jogará com a Suécia), que finalmente colocou um ponto final na ‘maldição’ das grandes penalidades e com Eric Dyer, grande jogador formado no Sporting, a cobrar a última, sem pressão.
A ronda em que Portugal saiu (jogando o seu melhor futebol no Mundial, sob a batuta de Bernardo Silva), gerou um grande desconforto na selecção espanhola. Independentemente de ter ficado por assinalar uma evidente grande penalidade sobre Piquet, que talvez desse outro resultado que não a qualificação da Rússia, a sina de Espanha foi cair de rendimento desde a estreia, mostrando como a saída de Lopetegui fragilizou a direção da equipa. Hierro não convenceu – e será substituído, falando-se já em nomes para a sucessão: Luis Enrique, Michel, o ex-benfiquista Quique Flores e até na possibilidade de Xavi Hernandez, jogador de Jesualdo Ferreira no Qatar e que nunca treinou qualquer equipa. Começará agora a última fase de saída dos sobreviventes das três grandes conquistas (dois Europeus e um Mundial). Piquet e Iniesta já o anunciaram, David Silva pode ser o próximo. Sobrará Sérgio Ramos, apenas.
Os grandes jogos desta fase foram dois: o França-Argentina, acima de todos, pela fantástica explosão de Mbappé e o Japão-Bélgica, pela recuperação dos pupilos do catalão Roberto Martinez, que estiveram a perder por 2-0 até mais ou menos um quarto de hora do fim. Para quem conhece o futebol japonês não houve surpresa. Eles jogam melhor a cada ano que passa, mas são sempre leais e demasiado generosos em todos os momentos. A jogada em que sofreram a derrota, nos últimos segundos, é uma amostra dessa generosidade e entrega ao jogo, às vezes demasiado juvenil, que no futuro vai ter de fazer uma parceria com o mundo real para a equipa aspirar a mais do que ser com regularidade a melhor da Ásia.
A competição vai, entretanto, formatando os seus destaques individuais. O Dinamarca-Suécia foi duelo de guarda-redes. Primeiro, brilhou Schmeichel, Kasper, filho de Peter. Tem a personalidade do pai. Mas Subasic, o homem de Leonardo Jardim, no Mónaco, fez-lhe companhia. Dois homens mentalmente fortes para situações extremas.
A Colômbia não anda com muita sorte em fases finais. Em 2014 não teve Falcão. Agora, no jogo mais importante, não teve James. Mas quase ia chegando, sob a liderança do central Mina, suplente de luxo do Barcelona. Três golos em três jogos.
E, depois, há Harry Kane, mesmo que dos seus seis golos três tenham sido marcados de grande penalidade. Entre ele, Mbappé e Neymar deverá sair o MVP desta prova.
Não se deve colocar a Croácia, batida por Portugal no último Europeu, de fora deste filme de suspense em que a maior prova do futebol se transformou na era VAR. Nem a Inglaterra, de futebol chato e previsível mas sempre intenso. De qualquer forma, como já antes da prova começar, o Brasil é o adversário a abater. A equipa mais preparada e melhor apetrechada. Bélgica e França terão a sua oportunidade agora. O jogo da final, visto à distância, parece ser sempre menos atractivo do que esses dois."

Argentina: prazer e anticlímax

"No Rússia’2018 não mais jogará a Argentina e aproveitamos para lembrar Daniel Passarela, o melhor central argentino que capitaneou a selecção no primeiro título mundial. Em 1978, Daniel fez do torneio a sua passerelle e continuou a espalhar classe em 1982. Já no México’86, tornou-se no único argentino bicampeão e esteve ainda no França’98 como seleccionador.
Com 22 golos, o central argentino Passarella foi o mais jovem capitão a erguer uma Taça do Mundo. E se na selecção Daniel foi jogador e seleccionador, no seu River Plate seria três em um, tornando-se também presidente. Se as imperiais exibições de Passarella foram imaculadas até à conquista do título, tal não se poderá dizer do Mundial. A política do sanguinário general Videla entrou em campo e foi a jogo em clima intimidatório, condicionando árbitros e adversários. A ditadura ansiava por um sucesso que ocultasse as suas atrocidades.
Uma das polémicas envolveu o jogo que levou os argentinos à final. Precisando de vencer os peruanos por quatro golos para ficarem à frente do Brasil, venceram por 6-0! O Peru foi equipa mole perante a ditadura! Na final, ao som de ‘Argentina Corazón’, ouviu-se ‘Tango’ (nome dado à bola do Mundial) e os anfitriões venceram.
A poucos metros, operava a ‘Auschwitz de Buenos Aires’. Alexandre O’Neill dedicaria um escrito ao espaço de tortura, ao Mundial e aos que sancionavam a ditadura de Videla: "Em Buenos Aires, no River Plate, a seis campos de futebol (medidas máximas) do Centro onde, entre outros primores do jogo, se chutavam testículos, mamas e cabeças, a Taça do Mundo ferverá nas mãos de quem a ganhar, de quem a empunhar, de quem por ela beber a merda de ter lá ido."
Além do tom grave de O’Neill, o Mundial foi também rico noutros registos fisiológicos. Houve referência a urina alheia que, segundo o ‘Sunday Times’, foi usada para substituir a dos jogadores argentinos que estariam dopados (cenário nunca provado) ou às sensações de Passarella que, após levantar a Taça, não mais a largou, sentindo-se em "orgasmo permanente". Quarenta anos depois, 2018 foi… anticlímax!"

Cem Anos de Confusão

"Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o avançado Carlos Bacca havia de recordar aquela tarde remota em que o pai lhe garantira que a Inglaterra nunca ganha nos penáltis. Tempos houve em que tal crença fazia parte do nosso repositório colectivo de verdades eternas e incontestadas (e portanto bonitas). Mas isso foi antes deste tempo, do nosso tempo, a que os historiadores e místicos do futuro, se forem honestos, serão obrigados a chamar qualquer coisa como A Grande Tribulação de 2018. Há seis inocentes meses, um burocrata do Ministério da Agricultura Russo profetizou uma praga de gafanhotos durante o Mundial. Teve piada, na altura, antes de sermos submetidos ao equivalente futebolístico de um temporal de batráquios, rios contaminados com sangue, um genocídio de primogénitos.
Pode parecer uma reacção excessiva a uma noite que, no fim de contas, se limitou a assinalar a passagem da Inglaterra aos quartos-de-final depois de uma vitória no desempate por grandes penalidades. Mas nenhuma da tenebrosa informação contida na frase anterior devia ter lugar num universo racional. A terceira semana de um importante torneio internacional não serve para encarar a possibilidade de a selecção inglesa ter apenas a Suécia, a Croácia ou a Rússia entre si e uma final; serve, historicamente, para assassinatos de carácter em tablóides, para reportagens sobre os implantes capilares secretos de Wayne Rooney, para debates de duas horas na BBC subordinados ao tema "Podem Lampard e Gerrard Jogar Juntos No Meio-Campo?" ou para editoriais circunspectos no Telegraph com o título "Devemos Limitar o Número de Estrangeiros na Premier League Para Proteger A Integridade do Futebol Inglês?". Serve, em suma, para confirmar quais os protagonistas do próximo anúncio da Pizza Hut.
Até Novembro de 2016 (altura em que foi nomeado seleccionador pela Federação Inglesa) quando se introduzia o nome "Gareth Southgate" no google, uma das sugestões automáticas de pesquisa era "Gareth Southgate Pizza Hut", uma justíssima homenagem algorítmica a um anúncio que passou nas televisões inglesas em 1996, semanas depois de Southgate ter falhado o penálti decisivo nas meias-finais do Europeu. No anúncio, os ex-internacionais Stuart Pearce e Chris Waddle, também eles reputados mártires das grandes penalidades, sentados numa pizzaria, tentavam convencer um terceiro amigo a provar uma nova especialidade. O amigo tem um saco de papel enfiado na cabeça para não ser reconhecido. Antes de levar a fatia a boca ("uma base fofa, generosamente coberta"), retira o saco. É Southgate. Que, antes de o anúncio terminar, ainda é filmado a chocar de frente com uma coluna. E chocar de frente com uma coluna, na forma de um poste ou de uma trave, tornou-se a metáfora dominante para o percurso inglês no futebol internacional durante as gloriosas décadas de paz e tranquilidade que ontem chegaram ao fim.
Quanto ao jogo em si, só não desiludiu na medida em que foi a abominação esperada - conseguindo a proeza de ser em simultâneo tão caótico como o Argentina-França e tão aborrecido como o Croácia-Dinamarca. À excepção de uma impaciente fase de estudo inicial, em que a Colômbia, confrontada com um estereótipo anómalo, procedeu a constantes reajustamentos ideológicos (começou ingenuamente por apostar duas ou três vezes em transições rápidas, antes de perceber que a Inglaterra tinha pelo menos uma pessoa em cada sector capaz de correr mais depressa do que todos eles), a partida foi um espectáculo de gradual desintegração: quase duas horas que pareceram durar cem anos, recheados de incidente, acidente e peripécia - sem qualquer fio condutor. Comparado com os cerebrais duelos de tabuleiro em que alguns jogos decisivos tendem a transformar-se, o Colômbia-Inglaterra foi a Batalha de Estalinegrado: uma magnífica barafunda de empurrões, simulações, semi-agressões, acelerações, escaramuças de rua e combate corpo-a-corpo pela conquista de dez metros livres de terreno, onde pessoas jovens e cheias de saúde e vitalidade pudessem correr desalmadamente até esbarrarem na competência defensiva mais próxima. Quase era possível imaginar onze confortáveis suecos a esticarem-se em espreguiçadeiras na piscina de um hotel."

Ninguém como nós conhece o sol...

"Sochi – Sou um filho das madrugadas. Benjamin Costallat, poeta brasileiro, escreveu um dia: “Amo a noite e os bonecos horrendos que a povoam.”
No Prince of Wales, um pub inglês não muito longe do meu hotel, encontro muitos desses bonecos horrendos de Costallat: uma louca exasperantemente alta que discursa incongruências para uma plateia inapetente; atores baratos de uma peça sem protagonistas; braços, olhos e bocas por abrir; pernas finas, descaradas e descoloridas para lá do branco; os sexos volantes de Mário-Henrique Leiria; companhias brevemente lascivas ao sabor da corrente do rio do álcool.
Bêbados curvos cospem asneiras amarfanhadas. Não prestam atenção ao sinal de ferro forjado pregado no balcão: “Passengers are earnestly requested to absent from the dangerous and objectionable habit of spitting!” Toda a sala que eu sou neste momento está fora daquele tempo de um poema que me sinto capaz de começar – longo como o tédio, estreito como a solidão. Talvez pedisse ajuda a Sebastião Alba, o bardo abandonado dos bancos de jardim: “Ninguém meu amor/ Ninguém como nós conhece o sol...”
Ninguém como nós conhece o sol que nasce. E, quando ele espreita por cima das montanhas do Cáucaso, tomo o caminho curvilíneo que me conduz todas as noites a esta casa de faz-de-conta."

Sempre o melhor de sempre – parte III

"Eu estava consciente de que isto podia correr mal; consciente de que escrever sempre sobre o Mundial durante as semanas da competição podia afigurar-se como masoquismo. Estava consciente de que Portugal poderia sair da competição, e que manter o tema depois disso seria como escarafunchar numa ferida. Estava consciente da minha inconsciência.

É a 3.ª crónica onde argumento que todos os Mundiais (pelo menos os do meu tempo de vida) foram os melhores de sempre. Nesta empreitada, já sabia de antemão que teria de louvar aquelas edições da competição em que a nossa selecção foi menos louvável, ou mesmo aquelas em que Portugal nem sequer se apurou para a fase final. Pronto para essa infelicidade, acabo por ter felicidade com o calendário: calhou escrever sobre o Campeonato do Mundo que me foi mais penoso exactamente nesta penosa semana pós-eliminação dos nossos rapazes. A tristeza de 2018 serve de auxiliar de memória para outra tristeza no passado. Refiro-me a 1998, ano de Mundial com um preâmbulo terrível mas que, ainda assim, vou recordar como melhor de sempre.
Esse doloroso impacto que a Copa de 98 na França me trouxe aconteceu um ano antes, e na Alemanha. Já tive oportunidade de escrever aqui sobre o que ocorreu em Berlim a 9 de Setembro de 1997. Até esse dia fatídico, pensava que nada me causaria um maior nó na garganta do que ver a minha mãe a chorar; contudo, as lágrimas do Rui Costa lançaram-me sérias dúvidas na hierarquia das angústias. O não apuramento português e a vilania do árbitro Marc Batta são uma memória enervante, mas nada se compara à tristeza a que o choro do Rui Costa me transporta.
Não evito a auto-citação sobre o encanto invulgar do n.º 10 português: “À beleza do futebol de Costa juntava-se a subtileza, essa característica que nos grava na retina o que a retina mal registou. Muitas vezes já a bola estava no outro lado do campo quando conseguíamos processar a graciosidade do que acabáramos de assistir. Em jogadores contemporâneos, como Figo ou Zidane (só para recordar dois dos mais belos de sempre), cada finta, cada passe, cada livre, eram denunciados pelo tecnicismo óbvio; eles tomavam conta da bola e, com ela, do adversário. Em Costa era como se a beleza tomasse conta do executante, e não fosse um homem a brilhar no jogo, mas fosse a oportunidade para o jogo brilhar. A classe era superior ao génio, e não há nada mais genial que isso.”
O Campeonato do Mundo de 98 viu-se, portanto, tragicamente apartado de um jogador que elevava o jogo mais do que se elevava a si próprio. Ainda assim, foi um Mundial rico em jogadores elevados. Para termos ideia, este campeonato na França colocou na final, e em oposição, dois dos futebolistas que mais marcaram a transição de século, e seguramente dois que estarão numa curta lista dos melhores de todos os tempos: Ronaldo (o Fenómeno) e Zinedine Zidane.
Em 2000, enquanto militava no Inter de Milão, Ronaldo teria uma grave lesão no joelho que o condenaria a ser “apenas” um grande avançado até ao fim da carreira. Antes desse episódio ele era qualquer coisa mais: inacreditável, incomparável, um fenómeno, “o” Fenómeno. Surgia, portanto, como a estrela maior do Brasil e até do mundo naquele ano de 1998. Mas a estrela nem sempre cintilou, e até se eclipsou por momentos: durante o Mundial, Ronaldo sofreu uma lesão e originou polémica ao desaparecer temporariamente da convocatória brasileira para a final. Regressou em cima da hora num volte-face que até hoje confere certo mistério a esse fantástico campeonato. E regressou para se ver derrotado por 3-0 pela equipa gaulesa - que em casa, e a 2 dias da celebração da Tomada da Bastilha, ganhava o seu primeiro troféu mundial e lançava-se como a grande potência futebolística daquele período (Portugal viria prová-lo amargamente no Euro 2000).
Zidane – que fez pelos carecas o que Adrien Brody fez pelos narigudos – marcou dois dos golos da final e esteve em grande nível durante toda a competição. Mas este franco-argelino, um dos atletas que maior prazer futebolístico me proporcionou em toda a vida, na minha modesta opinião não foi sequer uma das figuras mais proeminentes daquele torneio. Vieri, Davids, Desailly, Bergkamp (a recepção de bola e consequente golo contra a Argentina vão sobreviver à destruição do mundo), Suker ou Thuram (daqueles defesas que nos fazem apaixonar por defesas daqueles) são nomes cuja prestação brilhante ofusca os pés (e a carequita santo-antonina) de Zidane nas recordações do Mundial.
Por cá, mais do que modernidade ou contemporaneidade, o ano de 98 trouxe aos cinzentões portugueses um agradável senso de futuro. Nós, que nos deliciávamos a passear pelo amanhã nas ruas da Expo lisboeta, talvez tenhamos usado a temática dos oceanos para diluir as lágrimas de Rui Costa. É que não consigo dissociar o Mundial de França desse sentimento esperançoso de fim de século. De todos os campeonatos de que tenho falado nestas semanas, este é o primeiro que não me parece “do passado” – e isto terá mais que ver com as características desse torneio do que com as características da minha experiência e do meu entendimento.
Não me recordo de um único pormenor rupestre ou tacanho relativamente ao França 98. Estádios luminosos, equipas luminosas, grandes golos, grandes jogadores, um enredo de nos colar à cadeira, um anfitrião que deslumbrou com mérito inquestionável. O futuro sentiu-se ali, e parecia perdurar - ainda que os mundiais dos presentes vindouros nem sempre tenham acompanhado tão digníssimo enlevo de porvires.
(continua)

Golos, de 98 para sempre:
Golaço de Ilie contra a Colômbia, após passe de calcanhar do “Maradona dos Cárpatos” Hagi. Recordar que, em 98, toda a equipa da Roménia podia figurar na primeira parte de um anúncio do Restaurador Olex.

Sand, contra a Nigéria, a coroar a cabeça de Taribo West com algo mais escandaloso do que o seu penteado.

Sunday Oliseh, contra a Espanha, a proporcionar um balúrdio em royalties a quem detém os direitos de autor da expressão “remate do meio da rua”.

O jovem Michael Owen, contra a Argentina, a passe do jovem Beckham. Os ingleses inventaram o futebol, mas em 98 quiserem acrescentar uma adenda de espectacularidade à patente.

Bergkamp, contra a Argentina. O passe longo de Frank de Boer é fantástico. A recepção de Dennis Bergkamp é matéria de lenda. A finta é notável. O remate é soberbo. Mas o que dizer do relato holandês?"

O regresso fortíssimo de Federer ao circuito

"O próprio Federer tinha sido gigante no ano passado quando voltou à competição em Janeiro e venceu sucessivamente o Open da Austrália, Indian Wells e Miami

O que Roger Federer fez antes de iniciar a defesa do seu título de Wimbledon é extraordinário. 
Depois de não ter competido entre as segundas semanas de Março e de Junho, alinhar duas finais seguidas, vencendo a primeira e soçobrando na segunda em três sets, quando poderia tê-la ganho em dois, só está ao alcance dos predestinados.
Não é o melhor regresso de sempre à competição por duas razões: em primeiro lugar porque não se lesionou. Apenas decidiu, pelo segundo ano seguido, faltar à época de terra batida. Se deu resultado em 2017, porque não em 2018?
Em segundo lugar porque dificilmente alguém repetirá o que fez Rafa Nadal em 2013, quando, após uma paragem de sete meses, somou final em Viña del Mar, vitórias em São Paulo, Acapulco e Indian Wells, final em Monte Carlo, vitórias em Barcelona, Madrid, Roma, Roland Garros, primeira ronda em Wimbledon, vitórias em Montereal, Cininnati e US Open. Impensável: apenas três encontros perdidos entre fevereiro e setembro, com dois Majors e cinco Masters 1000 conquistados!
O próprio Federer tinha sido gigante no ano passado quando voltou à competição em janeiro depois de um hiato de seis meses e venceu sucessivamente o Open da Austrália, Indian Wells e Miami, pelo que não deveria ser uma surpresa o que assistimos nas duas últimas semanas, mas, caramba, o homem está a um mês de completar 37 anos!
Mais, fora do court, ‘King Roger’ foi atacado por alguns antigos campeões por ‘esnobar’ Roland Garros, o que elevava a pressão no seu regresso, para provar-lhes que estava certo.
É forçoso reconhecer que não vimos ainda o campeoníssimo com as melhores exibições. No ano passado vimo-lo atingir um Nirvana tenístico na final de Halle frente a Sasha Zeverev duas semanas antes de conquistar Wimbledon pela oitava vez.
É mais fácil quando tudo flui e as sensações competitivas se recuperam automaticamente. Há um ano venceu em Halle pela nona vez sem perder qualquer set, mas não foi isso a que assistimos nas duas últimas semanas.
Pelo contrário, este ano houve exibições medianas. Precisou de três sets para bater Misha Zverev e Nick Kyrgios no caminho para o seu 98.º título ATP de carreira em Estugarda.
E em Halle teve de salvar dois match-points frente a Benoit Paire, antes de perder na final diante de Borna Coric, um croata de 21 anos que já tinha batido antes Andy Murray e Rafa Nadal!
Estou seguro de que, por isso mesmo, irá ainda mais forte mentalmente para Wimbledon, onde será justamente o primeiro cabeça de série, mesmo tendo perdido esta semana o n.º 1 mundial para Nadal."

Com um ano de atraso

"É demasiado cedo para se saber qual será o destino do Benfica 2018/19. Em todo o caso, na preparação desta temporada está a ser feito o que devia ter sido feito há um ano: investimento em jogadores com o perfil adequado para colmatar lacunas evidentes no plantel.
A questão do perfil dos jogadores é central. Faz todo o sentido continuar a aposta estratégica no Seixal. Aliás, tendo em conta as notáveis campanhas dos juniores com João Tralhão e dos juvenis com Renato Paiva, há boas razões para estarmos optimistas quanto ao retorno desportivo e financeiro das próximas fornadas de talento vindas do Caixa Campus. Contudo, sem uma mão-cheia de jogadores no plantel que juntem qualidade e maturidade, dificilmente o João Félix, o Florentino ou o Gedson terão possibilidades de afirmação.
Uma equipa competitiva precisa de encontrar um justo equilíbrio entre aposta na formação e aposta em jogadores já feitos. Aliás, sem os últimos, por paradoxal que possa parecer, os jovens talentos terão menos oportunidades para se revelarem. Esse foi o primeiro equívoco da temporada passada, quando o penta estava claramente ao nosso alcance.
Por muito incertos que sejam os desfechos competitivos, no futebol há uma verdade insofismável: a melhor forma de vencer é pagar a jogadores de qualidade. Até porque perder tem custos financeiros significativos. É essa a lição de 2017/18: o Benfica não investiu e tem em sério risco a entrada numa Champions cada vez mais milionária.
Mas, para além da chegada de Castillo e Ferreyra, e até de Vlachodimos e Conti, representarem um investimento que tinha de ser feito, sobram também sinais de que podemos estar face à construção de um plantel que pode oferecer maior versatilidade táctica. Com estes jogadores, o desafio passará a ser combinar Zivkovic, Krovinovic, Jonas e Pizzi com Ferreyra, potenciando o jogo interior como complemento à profundidade nas alas que, por vezes, é de forma excessiva o ADN do Benfica dos últimos anos.

Nota – Já aqui o escrevi: sempre me pareceu má ideia contratar jogadores que rescindiram com o Sporting. Para além da questão ética (não podemos criticar o que foi feito por, sublinho, Sousa Cintra em 1993 e, agora, responder na mesma moeda), a debacle competitiva do Sporting traduzir-se-á num agudizar do empobrecimento do futebol português, que penaliza Benfica e Porto. Mas, para além disso, há a componente financeira. O Benfica, para contratar jogadores do Sporting, teria de pagar um prémio adicional para que permanecessem em Portugal, num contexto muito adverso. Foi, por isso, com satisfação que li, no ‘Negócios’, Domingos Soares de Oliveira a garantir que "não estudou o impacto de contratar ex-jogadores do Sporting". Como quero acreditar que o Benfica do século XXI não é dado nem a pequenas, nem a grandes loucuras, fico mais descansado."

A que horas é o próximo jogo?

"Hoje joga a Inglaterra e homenageamos Duncan Edwards, o inglês que podia ter sido o melhor de todos, mas a tragédia não deixou. Colaborando no apuramento para o Mundial de 1958, acabou, nesse ano, vencido pelo pior dos adversários: a morte.
Duncan foi talento precoce que expirou aos 21 anos, tornando-se permanente. Aos 16 anos, Edwards debutou pelo Manchester United de Matt Busby. Estreou-se em 1955 pela selecção e, aos 18 anos, antecipava-se jogador para vários Mundiais.
Ainda em 1955, jogou contra Portugal na primeira vitória portuguesa sobre os ‘Velhos Aliados’ (3-1). O seleccionador era Tavares da Silva, o mesmo que em 1947 dirigira a selecção contra os ingleses na mais desnivelada derrota lusitana (10-0).
Duncan fez todos os jogos do apuramento para a Suécia, marcando dois golos na vitória sobre a Dinamarca (5-2). O ano de 1958 previa grandeza para Edwards com a possível consagração em palco mundial. Infelizmente para Duncan e para o futebol, o seu ano teria apenas… 52 dias.
A 6 de Fevereiro, após jogo em Belgrado, o avião que transportava a sua equipa de regresso a Manchester fez escala em Munique. Em nova descolagem, incendiou-se...
No local da tragédia, morreram jogadores, treinadores, jornalistas, tripulantes e moradores. Outros sobreviveram, como Bobby Charlton, que se referiu a Duncan como o único jogador que o fez sentir-se inferior.
Apesar das numerosas lesões, Edwards decidiu entregar-se à luta com a mesma determinação com que se apresentava em campo. A jogar pela vida, interrogou Jimmy Murphy, um dos treinadores do clube: "A que horas é o próximo jogo?" Queria estar pronto!
Mas, a 21 de Fevereiro, a morte prontificou-se a fazer chegar a sua hora. Foi há 60 anos…. Mais tarde, o ex-seleccionador inglês Terry Venables arriscou que, se vivo, seria Duncan a receber o troféu do Mundial de 66.
Especulativo foi também o escocês Tommy Docherty, profetizando que Edwards teria sido o melhor do Mundo! Às vezes ainda nos esquecemos que o melhor do Mundo… é mesmo a vida! A que horas é o próximo jogo com a Colômbia? Prontos por Edwards?"

Falso paradoxo

"A participação da Selecção no Mundial criou um paradoxo: a convicção, mais ou menos generalizada, de que Portugal ainda estaria em prova se tivesse continuado a jogar de forma sofrível, ou nem isso, em vez de ter tido uma performance bem mais conseguida frente ao Uruguai.
Trata-se, obviamente, de uma tolice, como tantas outras que, por vezes, se eternizam no circo futebolístico. E a melhor forma de contrariar a blasfémia é contrapor que Portugal estaria, isso sim, presumivelmente a preparar-se agora para disputar os quartos-de-final se tivesse sido capaz de mostrar todo o seu reportório logo nos três jogos da fase de grupos. Dessa forma, teria muito provavelmente evitado o empate com o Irão e a vitória magra e sofrida frente a Marrocos, cenário que nos teria garantido o primeiro lugar no grupo, evitado o confronto com a diabólica dupla de ataque do Uruguai e estacionar na ramada ‘boa’ da árvore do Mundial. Ou seja: é sempre possível perder quando se joga razoavelmente bem e claramente mais do que o adversário, mas o inverso é sempre mais comprometedor e muito mais perigoso.
Claro que a irracionalidade de querer jogar mal para conseguir a vitória caída do céu resulta, em muito, da forma pouco estética como foi garantido, há dois anos em França, o maior feito da história do futebol português. Mas convém não baralhar as coisas. Porque uma coisa é assentar o jogo numa organização defensiva sacrossanta (que hoje já não é possível da mesma forma, porque José Fonte e Bruno Alves já não dão as mesmas garantias e porque Danilo se lesionou) e na exploração inteligente do contragolpe (atributos que nos permitiram mascarar insuficiências próprias), e outra, bem diferente, é perder totalmente o controlo dos acontecimentos (como aconteceu em diversos momentos frente à Espanha e a Marrocos) e não ser capaz de optimizar recursos que não se tinham ainda revelado ou afirmado há dois anos.
Como é habitual, Fernando Santos foi transparente e autêntico quando reconheceu que Portugal se limitou a cumprir o objectivo mínimo. Uma espécie de suficiente menos que não satisfaz plenamente. Mas não nos pode fazer esquecer que, sob o seu comando, Portugal sofreu apenas duas derrotas em 34 jogos oficiais e não perdia há quase 22 meses, tendo somado 17 jogos consecutivos em fases finais (contando com a Taça das Confederações) sem conhecer a derrota. Ou seja, mais do que martirizar um seleccionador que é indubitavelmente competente e experimentado, importa fazer o diagnóstico correto e traçar os planos para melhor atacar a Liga das Nações, que começa já em Setembro e onde teremos de nos bater com a Polónia e a Itália. Nessa altura, Bruno Fernandes e Gelson, por exemplo, já deverão ter normalizado a sua relação patronal. E cito estes dois jogadores porque ficou evidente que ambos acusaram a realidade que lhes foi criada pelos desatinos de Bruno de Carvalho e pelo inenarrável episódio em Alcochete. E essa circunstância ajuda a perceber por que razão Fernando Santos priorizou as escolhas que já vinham do Europeu, quando os desempenhos durante a época recomendavam algumas opções diferentes.
Mesmo assim, ficou por perceber por que motivo conseguiu João Mário manter o estatuto até ao fim, o que deve ter contribuído para que Manuel Fernandes tivesse entrado com vontade de usar a Telstar 18 como armamento antiaéreo, descomedimento compreensível a quem só foram oferecidos cinco minutos em campo. Neste âmbito, acaba por ser mais entendível o adiamento da aposta em Rúben Dias, cuja lesão na parte final da época atrasou a sua afirmação na Selecção. Mas se houve algo que este Mundial mostrou, foi que Portugal continua muito condicionado por Ronaldo, para o bem e para o mal. Ninguém de bom senso pode abdicar do melhor jogador do Mundo, mas, por outro lado, convém ter noção de que ele é um avançado com características muito próprias: precisa de uma equipa que o liberte do trabalho defensivo e que potencie as dinâmicas de quem, mais do que estar na área, gosta de aparecer lá – e, para isso, precisa de uma ‘muleta’ que o ajude a criar os espaços necessários.
Ora, esta realidade choca com o surgimento de novos valores de muita qualidade que permitiriam jogar de forma mais combinativa e com outra segurança no controlo da bola e do jogo. A segunda parte frente ao Uruguai, com Bernardo nas costas de CR7 e os laterais projectados, provou que o futuro não está numa equipa de tracção atrás (mas a boa organização defensiva vai ser sempre imperiosa), mesmo que para isso seja necessário trabalhar novas soluções (e convencer Ronaldo da bondade delas). O modelo e a ideia de jogo não podem ser coisas improgressivas, até porque, no futebol, tudo o que repousa demasiado no tempo acaba por murchar. É sempre necessário procurar novos caminhos e evitar que a equipa perca decibéis…

Pepe e Patrício à frente de todos
Pepe e Patrício foram dois dos seis totalistas (os restantes foram Fonte, William, Raphaël Guerreiro Ronaldo) e foram claramente quem mais justificou o estatuto. Não ficaram isentos de erros, mas somaram um conjunto de exibições globalmente positivas. Cristiano Ronaldo arrancou a todo o gás, mas frente ao Uruguai insistiu em entrar (e rematar) por onde não podia nem devia.

A lâmpada de Bernardo
Bernardo Silva chegou a ser atacado injustamente por quem não percebe que o seu jogo precisa de sócios próximos. Mas iluminou o jogo de Portugal frente ao Uruguai, principalmente no segundo tempo, quando jogou sempre por dentro. As suas tomadas de decisão são um compêndio de bem jogar, como que a provar que a intensidade pode ser técnica e táctica, mais do que física. A Selecção vai continuar a ter CR7 como porta-bandeira, mas terá de crescer cada vez mais em torno do pequeno génio. Temos de confiar na sua lâmpada.

Útil como um guarda-sol
Num Mundial em que André Silva acusou a falta de confiança, Gonçalo Guedes não confirmou a magnífica segunda volta em Valência. Acabou por ser tão útil como um guarda-sol num furacão. Esteve sempre demasiado sôfrego. Uma enorme desilusão. Com sublinhado a vermelho estão também João Mário, na linha da época sofrível que teve, e Raphaël Guerreiro, como se ambos fossem cópias baças dos jogadores que brilharam no Euro.

Entradas e saídas
José Fonte foi titular, mas, tal como Bruno Alves, parece no fim da linha, o que faz retornar a discussão da falta de alternativas credíveis para fazer dupla com Pepe. Falta também, claro, um ponta-de-lança de craveira. Mas não se justifica uma revolução. Rúben Neves e Ronny Lopes estão prontos, Nélson Semedo e Cancelo também e talvez Rafael Leão, daqui a uns tempos, possa vir a ser o avançado que nos tem faltado."

De cabeça erguida

"A nossa Selecção disse adeus ao Mundial num jogo impróprio para cardíacos. Quero valorizar o trabalho dos jogadores, equipa técnica e direcção da FPF ao longo da campanha de qualificação e em particular neste torneio. Honraram o nosso país e fizeram-nos acreditar a cada jogo no talento desta Selecção. Saímos demasiado cedo, num jogo apesar de tudo bem conseguido. Custa, mas não nos impede de sair de cabeça erguida, confiantes no futuro.
A vitória do Uruguai sobre Portugal, assim como a da Rússia sobre a Espanha, reacenderam uma questão que me parece importante realçar na participação das principais selecções europeias. Faltou frescura física em jogadores que decidem e houve dificuldades em impor a qualidade do jogo, no confronto com adversários teoricamente menos capacitados.
Um dos factores que, indiscutivelmente, contribui para essas dificuldades físicas é o elevado número de jogos a que os jogadores estão sujeitos ao longo da época. O calendário, nacional e internacional, numa altura em que estão projectadas novas competições, como a Liga das Nações, é um tema central, que deve ser debatido pelas organizações que tutelam o fenómeno.
A competição não pode ser pensada apenas numa lógica de exploração do mercado, mas antes com uma preocupação em conseguir um equilíbrio entre a satisfação do adepto, investidor ou patrocinador e a sustentabilidade que começa na garantia das condições de saúde e bem-estar dos praticantes.
De volta, a delegação portuguesa, deixo uma mensagem de força à geração que teve a sua primeira experiência num Mundial. Acreditamos em vocês, no vosso talento e naquilo que certamente ainda conquistarão pelo vosso país. Por agora, bom descanso e um grande regresso às quatro linhas!"

Alfa Semedo

No final da época anterior, 'pedi' dois regressos: Pelé e o Alfa! Pelo menos um dos 'pedidos' foi concretizado!!!

Quando jogou nos Juniores, não convenceu, chegou como ponta-de-lança, fez alguns jogos a médio... notava-se muita vontade, mas muita ingenuidade! O que até é normal, porque enquanto hoje em Portugal os putos nas escolinhas, já ficam com noções tácticas e de posicionamento, um miúdo que chega da Guiné sem esse tipo de 'escola' parece jogar 'perdido'! Além disso como quase todos os Guineenses que chegam a Portugal para a formação dos grandes, fica sempre a dúvida se é ou não 'catanado', e depois ainda 'ocupa' o lugar de um outro qualquer jovem, que o 'pessoal' já conhece desde das escolinhas!!!

Acabou por ir para o Vilafranquense, onde fez um boa época, com destaque para o trajecto na Taça, o que lhe deu 'entrada' no Moreirense, onde começou como Trinco e acabou a Central... com excelentes exibições...

Está diferente, ganhou 'leitura' de jogo, passa a bola com critério, e defensivamente usa do físico, sempre com muita velocidade... Além disso, tem uma excelente leitura nas bolas paradas defensivas, onde domina!

Creio que será aposta para Trinco, como opção ao Fejsa, alguns pensam que terá poucos minutos, eu acho que será mesmo aposta a 'sério'!!! E se no caso de não 'resultar', este tipo de jogar tem sempre mercado... Portanto, parece-me ter sido uma opção acertada...