terça-feira, 19 de junho de 2018

A opção do Buda

"Primeiro estrangeiro da história do Benfica, Jorge Gomes fez nessa noite de 3 de Outubro de 1979 uma bela exibição na Luz, ao lado de Reinaldo e Nené. Marcou um golo, mas não chegou...

Nas bancadas, a malta gritava: - Ó Buda, mete a opção! O Buda era Mário Wilson, todo ele no seu estilo redondo e filosofante dos Budas do nosso imaginário. A opção era Jorge Gomes, brasileiro vindo de Maceió, primeiro estrangeiro da história do Benfica.
De cada vez que perguntavam ao Buda, isto é, a Mário Wilson, pelas oportunidades que iria dar à nova coqueluche que chegara do Boavista, ele respondia:
- Jorge Gomes é mais uma opção...
E despachava desse modo calmo a curiosidade dos jornalistas.
E Jorge Gomes ficou a opção.
Os adeptos gostaram da caricatura:

- Ó Buda, mete a opção!
Mas a opção era apenas uma de muitas e não jogava tanto como isso.

A história fez-se em Julho de 1978, na Assembleia Geral que votou a abertura do Benfica à contratação de estrangeiros. o O filão africano estava praticamente esgotado, os dirigentes do clube sentiam que era esse o passo a dar para a modernidade e para não perder a corrida face aos adversários mais renhidos.
Veio a opção, ou seja, Jorge Gomes: alto, de ombros largos, vigoroso sem ser um primor de técnica.
Lembro-me dele no Benfica: 1979 a 1982.
Depois no Braga, onde foi mais do que uma opção e se fez estrela. E em Águeda, na Águeda da minha infância, já menos do que uma opção, jogando pouco, muito pouco, mais figura de café do que antigo craque.



Gregos no circo
Na noite de 3 de Outubro de 1979 eu estava no Estádio da Luz.
Noite frustrante, por acaso. O Benfica defrontava o Aris de Salonica, da Grécia, com aquelas camisolas à Beira-Mar, precisava de não sofrer golos para passar a eliminatória, mas sofreu um, aos oitenta minutos, por Smergidis, num pontapé longínquo, potente, que deixou Bento desesperado sem nada poder fazer.
Até aí tinha sido uma festa.
Umas setenta mil pessoas em redor da arena. Os gregos no circo, entregues à fúria das águias.
Chalana era sublime como só Chalana sabia ser.
Jorge Gomes fora opção inicial, ao lado de Reinaldo: dois monstros de ébano, refulgindo na noite escura.
E Nené, o plácido, nervos de aço.
Reinaldo e Jorge Gomes fizeram os golos necessários.
O Benfica massacrava o seu adversário com golpes profundos nos flancos, como se o toureasse.
Pietra e Alberto rompiam pelas laterais com o à-vontade dos que estão habituados a superiorizar-se a todos os momentos do jogo.
As oportunidades iam surgindo e sendo desperdiçadas.
Chalana tem um passe luminoso que deixa Jorge Gomes isolado frente ao guarda-redes Pautziaras: o pontapé sai meio na bola, meio na relva. O brasileiro ficou no chateado consigo próprio. E com a relva.
O golo repentino, quase absurdo, dos gregos fez cair sobre a Luz uma cascata de água gelada.
- Eles só fizeram um remate..., queixou-se o Buda no final.

Um remate mas que remate!
Golo tremendo.

- Não encontro explicação para o que aconteceu, lamentava-se o capitão Humberto Coelho.
Ninguém encontrava explicação.
A malta saiu da Luz cabisbaixa. O Benfica passara resvés a goleada e ficara pelo caminho.
A opção do Buda marcara um golo insuficiente. Mas tornava-se mais opção do que nunca."

Afonso de Melo, in O Benfica