sexta-feira, 15 de junho de 2018

Sabe quem é? Para a Luz foi de alcofa - Fernando Santos

"A mãe estava a ver o Benfica e por causa da neve não o amamentou mais; Rasgou as calças, mudou o destino

1. O pai era vendedor de acessórios de automóveis - e ele tinha 40 dias na primeira vez que foi ao futebol, a mãe levou-o dentro de uma alcofa à inauguração do Estádio da Luz, a 1 de Dezembro de 1954: «Os meus pais eram apaixonados pelo Benfica, sempre tiveram lugar cativo no estádio, íamos à bola quase todos os fins de semana». Também o contou: «Deixei de beber o leite materno com dois ou três meses porque o meu pai e a minha mãe foram ver o Benfica à Covilhã, estava a nevar - e, assim, ela deixou de me poder amamentar».

2. Cresceu na Penha de França com tudo a servir-lhe para fazer de bola, se bola não houvesse, entretanto: as meias da mãe, um jornal embrulhado, a bolinha dos matrecos. «Jogávamos nas sarjetas - ou de porta a porta, a rua tal contra a rua tal, na Praceta António Sardinha». Era-lhe quente o encanto, mas não: por essa altura não pensava, como os demais, ser jogador muito a sério.

3. O pai fora guarda-redes no Operário da Graça - e foi igualmente como guarda-redes que ele fez os primeiros desafios em torneios: «pedíamos uns trocos para pagar umas camisolas e, uma vez, até cheguei à final». Andava já na Escola Afonso Domingos quando, num jogo de rua, rasgou as calças. Ao voltar a casa, ralharam com ele, decidiu-se, num fogacho: «Não vou jogar mais à baliza, vou ser avançado».

4. Já avançado chegou à selecção da Escola Afonso Domingos, um dos seus companheiros era Augusto Inácio - e de lá saltitou para o Operário da Graça: «Treinávamos duas vezes por semana e só tinha a ideia ir para engenheiro».

5. Dois amigos que estavam nos juvenis do Benfica desafiaram-no a experiência na Luz. Acabara de fazer a admissão ao curso de Electrónica na ISEL: «Entrei à candonga, porque era preciso um postal qualquer, e eu não o tinha. Era trinta e tal miúdos e só via os outros a correr atrás da bola. Não estava para aquilo e pus-me a defesa central, eu que era médio. Defesa central é uma força de expressão, estava lá para trás, era tanta gente que eu sabia lá onde estava a jogar».

6. Ao fim de 20 minutos de teste, Ângelo, o Ângelo Martins que fora bicampeão europeu, chamou-o para saber a sua idade. Ao ouvir: «17 anos, senhor» - mandou-o tomar banho, com um aviso: «Depois vai ter comigo à sauna». Ainda lhe perguntou se jogava nalgum lado, ele disse que sim, na Graça - e mais: que acabara de entrar no curso de engenharia.

7. Ficou decidido na hora também davam-lhe 1000 escudos por mês (10 contos recebia Damas no Sporting) - e ainda lhe pagavam a universidade. Eufórico, correu a apanhar o eléctrico para dar a boa nova em casa e ao soltá-la: «Vou jogar no Benfica!» - o pai atirou-lhe água para a fervura: «Vais é estudar!» Fizeram, então, o acordo: mal apanhasse um chumbo deixava o futebol.

8. Durante toda a época foi titular indiscutível nos juniores. Nas meias-finais do campeonato o Sporting foi ganhar à Luz por 3-1: «Um dos golos foi todo culpa minha. Como perdemos, o senhor Ângelo pôs-me a treinar de manhã e de tarde e aquilo apanhou-me numa fase de exames. Disse-lhe: 'Não aguento, estudo a noite toda'. Mandou-me embora. Chamou-me para a segunda mão, em Alvalade, deu a constituição da equipa eu não estava no 11. Não estranhei, só estranhei quando disseram que era o guarda-redes suplente. Equipei-me, aguentei 20 minutos no banco e saí. Não estava para aquilo...»

9. Foi naquele instante que tomou resolução que julgava inabalável: «Dedicar-me só ao curso, jogar apenas na equipa do bairro. Por isso, estando de férias nas Gaeiras, pedi ao meu pai que fosse ao Benfica buscar a carta que me libertasse. Ele foi e, por acaso, encontrou o senhor Cabrita na secretaria que lhe perguntou: Então?! E o Fernando?! O meu pai explicou-lhe: O quê? Deixar o futebol? Agora, que o senhor Hagan me tem perguntado tanto por ele?!...»

10. Ao fazer 18 anos tirara a carta, o pai dera-lhe um Mini. Não deixou o futebol, acabou por deixar o Benfica - foi para o Estoril em meados de 1971. O resto é o que se sabe: que a eternidade não foi como jogador que ganhou, foi por ter ganho o Euro-2016 como ganhou."

António Simões, in A Bola

Que fiz eu para merecer isto?

"Consta que o próprio presidente do Sporting também pedirá a rescisão do contrato que Marta Soares o terá obrigado a manter

Notícia de última hora: Bruno de Carvalho também já enviou à Sporting SAD a carta com o pedido de rescisão. Ao que parece, o correio é que está atrasado. O presidente leonino alega naturalmente justa causa para rescindir com o clube e com a SAD do clube de Alvalade. Bruno de Carvalho, recordo, tinha contrato com o Sporting e com a SAD do Sporting até 2021 e uma cláusula de rescisão desconhecida até ao momento. Depois de Patrício, Podence, William, Gelson, Bruno Fernandes, Bas Dost, Rúben Ribeiro, Battaglia e Rafael Leão - até à hora em que escrevo estas linhas -, a carta de Bruno de Carvalho será a 10.ª a dar entrada nos serviços jurídicos da SAD do Sporting.
Alegam os adversários de Bruno de Carvalho que, à data, Bruno de Carvalho já não será presidente da SAD e do clube, mas, pelo sim pelo não, para Bruno de Carvalho, segundo apurámos, só mesmo com a carta de rescisão já enviada - mas ainda à espera que chegue - o mesmo Bruno de Carvalho se verá livre da referida SAD e do clube, que é exactamente o que Bruno de Carvalho mais deseja, cansado de tanto ataque, tanta difamação, tanta calúnia, tanta crítica injusta e esforço inglório.
A carta de rescisão de Bruno de Carvalho deixará assim o Sporting e a SAD do Sporting sem o grande líder, o que parece lamentar-se profundamente em diferentes círculos leoninos. Mas o presidente do Sporting e da SAD do Sporting alega ter mais do que justa causa para rescindir e fugir a sete pés do Sporting, e isso mesmo Bruno de Carvalho tem confidenciado em todos os círculos de amigos mais chegados.
Tudo indica que Bruno de Carvalho reconhece ter muito mais justa causa do que qualquer dos jogadores que, entretanto, pediram a rescisão, motivados, em boa parte, pelos conhecidos e lamentáveis acontecimentos de Alcochete. Segundo fontes próximas do líder leonino, se os jogadores confessam dificuldades em dormir, o que dirá o presidente, ao ver o nome todo o santo dia nas páginas dos jornais, nos noticiários televisivos, nas conversas de café ou de cabeleireiros de senhores que deixaram até de seguir as suas telenovelas preferidas para seguir a o que se passa no Sporting e os inteligentíssimos, coerentes, explicativos e claros discursos de um homem que tem sido, injustamente, obrigado a fazer no Sporting o que ele há muito deixou de querer fazer por sentir não ter condições nem ser suficientemente valorizado por quem devia tratá-lo bem, com carinho, reconhecimento, dignidade, elegância, respeito e luxo, como ele, aliás, sempre fez questão de tratar os outros.
Traumatizado por ficar sem jogadores, por não ter treinador, por gastar energias a fazer os tais discursos intermináveis, a constituir comissões, a ler despachos, a trocar mensagens, a escrever no facebook, a ver todos os canais de televisão que existem além da Sporting TV e a ler todos os jornais que ele sempre desejou não ter que ler, o presidente do Sporting e da SAD do Sporting estará farto de ver tanta gente fazer birra à sua volta, a pedir que continue a ser, por muitos e bons anos, o grande líder dos leões, prometendo-lhe - o que ele desconfia - não mais exigir qualquer comunicação à insuportável Comunicação Social e muito menos qualquer sessão de esclarecimento aos insuportáveis associados.
Pedida a legítima rescisão de contrato, os tribunais decidirão agora se Bruno de Carvalho terá ou não justa causa para se libertar assim sem mais nem menos do Sporting e da SAD do Sporting, e a todo o momento se saberá se o presidente leonino se vinculará ou não o outro emblema, nomeadamente a outra Sociedade Anónima Desportiva, o que parece pouco crível, tendo em conta que isso mudaria todo o paradigma do futebol.
Pode, no entanto, dar-se até o caso de vir o próprio Bruno de Carvalho a duvidar da justa causa que ele próprio invoca e, nesse caso, ter de recorrer a alguns dos maiores especialistas mundiais em directo desportivo para combater o Sporting e a SAD do Sporting e obrigá-los a aceitar a rescisão e a libertá-lo das amarras que o sacrificam desde 2013, ano em que, ingenuamente, se atirou de cabeça para uma piscina sem cuidar de saber se ela tinha água.
Bruno de Carvalho estará, por outro lado, a preparar um extenso e eloquente pedido de desculpas a todos aqueles - sobretudo os pobres e indefesos jornalistas como eu - que insultou, humilhou, gozou e despudoradamente atacou sob o efeito hipnotizante da presidência do Sporting, de que ele tanto lutou para se ver livre.
Por fim, promete Bruno de Carvalho nunca mais perdoar a Jaime Marta Soares, tido como principal responsável por manter durante tanto tempo Bruno de Carvalho prisioneiro do Conselho Directivo contra a sua própria vontade.
Queixar-se-á Bruno de Carvalho dos sucessivos erros cometidos pelo ex-amigo Marta Soares que o obrigaram a manter-se como presidente do Sporting quando Bruno de Carvalho, enquanto presidente forçado do Sporting, o que queria, há muito, era ver-se livre do lugar para o qual os sócios do Sporting maldosamente o empurraram, esquecendo-se que ele, Bruno de Carvalho e presidente à força, sempre quis apenas, e muito simplesmente, amar o Sporting, como, triste e ironicamente, nunca o deixaram.
O que é muito triste!

PS: Pode o Sporting estar num beco. Mas está num beco com saída. Claro que está num beco com saída, era só o que faltava que não estivesse. Porque se estivesse num beco sem saída a saída só podia ser refundar o clube. E isso é necessário. Nunca será necessário. O Sporting é demasiado grande para precisar de se refundar. Poderia, quanto muito, ter de criar uma nova SAD. Mas nunca um novo clube. Um clube tão grande como o Sporting nunca cairá. Por muito que alguém possa vir a destruir a SAD. O que se espera, ainda, que não aconteça. Apesar das feridas!

Fez o presidente da Real Federação Espanhola de futebol o que deveria ter feito no «caso Julen Lopetegui»? Creio que sim, tendo em conta a deselegância com que o processo foi tratado e, sobretudo, a deselegância com que lhe foi comunicado. Dar a noticia ao presidente da federação cinco minutos antes de ela ser tornada oficial pelo próprio Real Madrid é qualquer coisa de grotesco. Luis Rubiales sentiu-se desrespeitado. E, o que é mais grave, sentiu desrespeitada a federação e respectiva selecção mesmo à porta do Campeonato do Mundo. Não se faz.
Parece-me, a mim e certamente à maioria, que o problema não esteve no compromisso de Lopetegui com o Real; esteve, sim, no anúncio desse compromisso. E na forma como ele foi comunicado à direcção da federação espanhola.
O que Florentino deve julgar que o Real está acima de tudo, até da selecção que representa o país, faz o que lhe dá na gana. E Lopetegui foi na conversa de Florentino. Ao contrário de Cristiano Ronaldo - e espero, agora, que todos melhor o compreendam - que já não vai na conversa do presidente do Real por muito que já não haja nada a fazer.
Diz Florentino que tratou como devia o assunto-Lopetegui. E que ao revelar o acordo com Lopetegui como revelou apenas quis transparência. Acrescenta ainda que foi tudo tão rápido que dificilmente poderia ter revelado a coisas de outra maneira. Esqueceu-se, porém, de contar por que razão não disse ao presidente da federação que iria negociar com Lopetegui. Teria feito toda a diferença.
Manda o bom senso que se compreenda que o Real não podia correr o risco de esperar eventualmente mais um mês para dar a conhecer o sucessor de Zidane.
Não devia ser Florentino ter feito o que fez. Ou melhor, como fez. E foi por ter feito o que fez e como fez que não restou ao presidente da federação outra cosia que não fosse prescindir de imediato dos serviços de Lopetegui. O que foi muito triste. Mas foi também uma questão de honra.
A honra que Florentino se esqueceu de ter. Como já tantas vezes se esqueceu de ter com Cristiano Ronaldo, com agora melhor se percebe. Infelizmente.

PS: O Portugal-Espanha é hoje. Para entrar com o pé direito no Mundial. Assim não tenhamos medo dos espanhóis. Força, rapazes!"

João Bonzinho, in A Bola

Vamos, Portugal!

"A selecção inicia hoje a participação no Mundial de futebol, defrontando um dos candidatos ao título, a Espanha. Jogo com tudo para ser emocionante, sem carácter decisivo, mas com a importância de se iniciar a competição a ganhar, podendo mesmo ser decisivo numa frase de grupos.
Portugal tem a quinta participação consecutiva na maior prova de selecções, algo que para um país europeu da nossa dimensão é de realçar. Nem a Holanda alguma vez conseguiu este feito. Apenas a Bélgica, com a sua melhor geração, esteve presente entre 1982 e 2002, portanto em 6 campeonatos consecutivos. Estreámo-nos em 1966, com a melhor classificação de sempre, um fantástico 3.º lugar que soube a pouco. Os dirigentes portugueses acederam a que a meia-final desse campeonato fosse disputada em Londres, e não em Liverpool como estava previsto, o que obrigou a equipa das quinas a ter mais uma viagem, nas condições que há 50 anos não era as de hoje. Naquele tempo respeitámos, por imposição governamental, a vontade do nosso mais velho aliado político. Se nos lembrarmos que o modelo de substituições não era o de hoje, juntando a isso o facto de o estádio em Liverpool já ser a nossa casa, depois da vitória sobre a Coreia do Norte, mudar para Wembley foi começar a perder antes de jogar. A equipa foi enorme, perdemos 2-1, vencemos depois a URSS para o 3.º lugar, mas ficou um amargo de boca em todos os jogadores. Portugal podia ter sido campeão do Mundo.
Na actual série, iniciada em 2002 no campeonato da Coreia/Japão, temos tido prestação diferenciadas, aliás como na participação de 1986, no México, tornada célebre pelos problemas em Saltillo. Hoje tudo é diferente, para muito melhor. A equipa tem as dificuldades desportivas inerentes a uma competição destas, mas Portugal afirmou-se definitivamente no futebol mundial. Não somos as maiores candidatos, deixo isso para Alemanha, Brasil, Argentina e Espanha, mas ninguém se esquece de nós. É um orgulho!"

José Couceiro, in A Bola

Coração na Rússia olhos em Alvalade

"Portugal inicia hoje a grande aventura que é disputar um Mundial de Futebol com a responsabilidade acrescida de ser campeão europeu. Esse facto, por si só, nada garante, a França, em 2002, chegou ao Coreia/Japão como campeã do Mundo e da Europa e nem um golo marcou; e a Espanha apresentou-se, há quatro anos no Brasil, como bicampeã europeia e campeã mundial e não só não passou na fase de grupos, como ainda encaixou uma manita da Holanda. Dito isto e valendo as previsões nos Mundiais o que valem (por isso é que os prognósticos estão a ser feitos por polvos, gatos e elefantes), há que reconhecer que Portugal possui argumentos válidos para realizar um bom torneio. E é com esse espírito que devemos encarar a presença lusa na Rússia, fazendo votos para que Fernando Santos continue fiel à filosofia que nos deu o título em França: é preciso jogar bem, mesmo que não se jogue bonito...
Na frente sportinguista, que continua a justificar a fatia de leão das atenções mediáticas, o dia de ontem foi fértil em novidades. Através de uma providência cautelar a que foi dado provimento, ficou claro que a legalidade está no lado de Marta Soares com todas as consequências que isso acarreta. Já vai sendo mais do que tempo de Bruno de Carvalho pensar nos superiores interesses do Sporting, acatando decisões legítimas e abrindo caminho para que seja dada voz aos sócios (nos termos dos estatutos) de forma a que esta ameaça intolerável ao futuro do clube conheça fim. Neste momento já não subsistem dúvidas quanto à legalidade da suspensão do CD e à legitimidade do Comissão de Gestão que conduzirá o clube até às eleições."

José Manuel Delgado, in A Bola

E o gato das Botas?

"A 5 de Abril Bruno de Carvalho arrasou os jogadores publicamente no Facebook. De então para cá, ameaçou suspendê-los a todos; recuou e foi vaiado em casa no jogo frente ao Paços de Ferreira; declarou a guerra ao presidente da Mesa da Assembleia Geral e ao (agora) ex-presidente do Conselho Fiscal e Disciplinar; voltou ao activo e antes do dérbi viu o capitão de equipa sofrer uma chuva de tochas antes de um dos jogos mais importantes da época sem uma palavra de condenação pública nos dias imediatos; voltou a criticar a equipa e o treinador antes de um jogo crucial tendo em vista a qualificação para Liga dos Campeões; viu a equipa ser enxovalhada na partida e à chegada aos adeptos; despediu de boca Jorge Jesus; viu a equipa ser atacada em pleno local de trabalho; não esteve na final da Taça de Portugal porque era difícil encontrar um sítio onde estar; assistiu a uma onda de rescisões dos principais activos do plantel; lidou com o treinador sair para essa potência futebolística chamada Arábia Saudita; os órgãos sociais demitirem-se em género de debandada; violou os estatutos ao nomear órgãos inexistentes; foi suspenso preventivamente das funções de presidente e viu o tribunal invalidar as assembleias gerais que tinham sido marcadas pelo órgão ilegal que ele - e os seus acólitos - criou.
No final disto tudo, a culpa é de Álvaro Sobrinho; dos jogadores, respectivos agentes e empresários; de Jaime Marta Soares; dos juízes; de José Maria Ricciardi e da comunicação social.
Pelo meio, podem ser também assacadas culpas a Rogério Alves, a Frederico Varandas e a todos os sportinguistas que não lhe abanam a cabeça em sinal de aprovação.

Será que no entender de Bruno de Carvalho o Gato das Botas não tem culpas nenhumas?"


Hugo Forte, in A Bola

Olé!

"Aqui ficam, a título gratuito, os nomes de 4 novos galácticos para a constelação castelhana: Andrés Fernández, José Ángel, Bueno e Adrián.

Como se não bastasse tudo o mais, desde os atrozes episódios que se abatem sobre o Sporting até ao diáfono manto que cobre de silêncio um escândalo de proporções quase bíblicas, eis que sucedeu isto, Isto é o que se desdobra em 4 fulminantes capítulos.

Madrid procura treinador
Após ter conquistado mais uma Champions, o Madrid ficou sem técnico. Apanhado de surpresa, sentiu urgência na resolução do problema. Olvidando que é por causa das pressas que existe a vagareza, o presidente madrileno agarrou-se à lista telefónica e desatou a ligar para este e aquele. Até que chegou ao fim. Só saltaram três nomes dessa lista: Guardiola, Mourinho e Low. O primeiro porque jamais aceitaria. O segundo porque o clube nunca o deixaria voltar. O terceiro porque já havia declinado conversar antes do fecho do mundial. Todos os demais foram peremptórios. «No, gracias».

Madrid encontra treinador
Incrédulo, fechou o caderninho dos contactos mais valiosos. Tocou o telefone e pensou: «Qual mudou de opinião?». Mas não, quem agora lhe ligava não era nenhum dos nomes que havia convidado. Era sim alguém muito especial, sempre com uma solução. Ou mais. Além da respectiva comissão simbólica, claro. «Tenho o homem ideal», disse-lhe logo de entrada. «Quem é?», quis saber. O outro respondeu-lhe só que era um «verdadeiro míssil». Mas «contra quem», insistiu. Tremeu com a revelação: «Contra la Roja»!

Madrid muda de seleccionador
Uma voz qualquer, vinda do fundo do bar do hotel, berrou: «Carvalho, sai um Nobel da Paz para os senhores Donald e Quim na mesa do canto!». Mas o homem não estava interessado na histórica cimeira entre os presidentes dos Estados Unidos e da Coreia do Norte. Tinha 5 minutos para avisar a Federação, antes do anúncio oficial de que ia mudar-se para o Madrid. Fez a chamada. A reacção, porém, não foi a que esperava.

Madrid, Portugal e reforços
É claro que é mau para Portugal, era muito melhor começar o mundial frente à Espanha com Lopetegui. Mas com ou sem ele temos de ganhar. E sem ressentimentos aqui ficam, a título gratuito, os nomes de 4 novos galácticos para a constelação castelhana: Andrés Fernandez, José Angel, Alberto Bueno e Adrián López."

Paulo Teixeira Pinto, in A Bola

À boleia de um(a) Guedes... Ducati

"Enquanto houver Mundial, a crónica é dedicada ao Mundial. A proposta foi do director António Magalhães e recebi a missiva com satisfação. Por poder fazer um interregno num dos momentos mais tristes da história do futebol português, por envolver, em planos diferentes, Benfica e Sporting, mas, particularmente, por poder escrever algumas ideias sobre futebol. Assim sendo, que Portugal se projecte no Mundial como no Europeu. Sim, desde que Fernando Santos acredite… eu acredito. Ficou-me de emenda o que se passou em França.
Desde Chicago (17 de Junho de 1994) a Brasília (26 de Junho de 2014) estive em seis Campeonatos do Mundo. Disso me orgulho e muito agradeço ao Manuel Tavares, meu director em ‘O Jogo’, e ao Vítor Serpa e ao Joaquim Rita, director e chefe de Redação, respectivamente, em ‘A Bola’, por me terem dado tão grandes oportunidades. São marcas inapagáveis na carreira de um jornalista, mas decidi no Brasil que tinha chegado a hora de colocar um ponto final.
A verdade é que nos quatro anos que separam aquele Portugal-Gana do início do Mundial russo, a minha vida profissional alterou-se por completo: deixei de ser um jornalista dos jornais, passei a ser um jornalista-comentador de televisão, que escreve crónicas no ‘Record’ e no ‘Correio da Manhã’. Se estou nostálgico? Nem pensar! Acho que fiz razoavelmente o que me foi solicitado e, afinal, ocupando este espaço com o tema… estou no Mundial. O tempo é dos bons jovens jornalistas e saberão honrar a profissão.
Para início de conversa... tive sorte. Portugal estreia-se hoje no Mundial. Frente à Espanha, já sem Julen Lopetegui, que teve mais olhos do que barriga e ‘foi de vela’. Só que o seu afastamento em nada muda a minha opinião: acredito que a Selecção conseguirá um bom desempenho e melhor resultado. Sim, considero que um empate é um bom desfecho, mas estou como Fernando Santos: é jogar para ganhar. Confiante, sem presunção, como muito bem defendeu o seleccionador.
E depois há um(a) Ducati, que até dá pelo nome de Gonçalo Guedes e tem tudo para ser uma das figuras da competição e muito importante na estratégia lusa. À boleia das suas arrancadas pode muito bem o seleccionado mostrar outros argumentos que beneficiem o melhor do Mundo. É evidente que CR7 é a nata, mas se tiver por perto parceiros que escrevam o jogo como ele – e há, felizmente, vários para lá de Guedes -, tudo se tornará mais fácil. Jogo a jogo… sem qualquer exigência.
A Rússia entrou a golear. Bom para eles, frente a um dos seleccionados como menos argumentos do Mundial onde em 2014 já sabia que não ia estar."

Eu acredito!

"A sétima presença de Portugal em fases finais do Campeonato do Mundo é, hoje, distinta de todas as anteriores. O título de campeã da Europa brilhantemente conquistado há dois anos confere à nossa Selecção um estatuto inato que lhe granjeia um maior respeito por parte dos adversários, mas simultaneamente lhe impõe responsabilidades acrescidas. O Mundo vê-nos hoje com outros olhos, mais atentos e mais perscrutadores. E nós deveremos encarar o Mundo não do alto da nossa soberba, mas olhos nos olhos, sem sobranceria, mas com o comprometimento, humildade, união, sacrifício, companheirismo e entreajuda que nos distinguiram no Europeu de França e nos guiaram ao êxito maior, justo e inteiramente merecido.
Portugal é hoje uma equipa mais forte do que aquela que fez história há dois anos, por ser mais equilibrada e com um mais variado leque de soluções, o que, legitimamente, nos confere ainda mais expectativas na concretização do sonho. Eu acredito! Porque ao grupo já de si coeso e de enorme qualidade acrescenta-se (entre outros que, não tenho dúvida, irão revelar-se) um Bernardo e um Gonçalo que emprestam ainda mais talento à nossa equipa. E, óbvia mente, ter o melhor jogador do Mundo é algo de que mais ninguém pode gabar-se. Cristiano Ronaldo – que nestes nove anos em Espanha foi absolutamente determinante na aproximação do Real Madrid ao até então hegemónico Barcelona, ninguém duvidando de que se não fosse ele (os seus golos, as suas assistências, a sua capacidade de decisão) o Real não teria conquistado os 15 títulos internos e uefeiros – é sempre os Ás de trunfo. No Real Madrid como na selecção portuguesa.
Somos orgulhosamente campeões europeus e será nesta condição que hoje, a abrir, teremos um apetecível duelo Ibérico, com elevado grau de dificuldade sim, mas um jogo que não será fácil nem para Portugal nem para Espanha. Não nos esqueçamos que La Roja foi, entre 2008 e 2012, duas vezes campeã da Europa e uma vez campeã do Mundo; não nos esqueçamos, ainda, que na era Julen Lopetegui a equipa espanhola não contabilizou nenhuma derrota em quase dois anos e 20 jogos disputados, tendo tido uma prestação quase perfeita na fase de qualificação para esta fase final, com nove vitórias e um empate. Significativo do seu apurado pedigree que, do meu ponto de vista, a coloca como uma das principais candidatas a ganhar este Mundial. Excluindo anormalidades, Portugal e Espanha são os candidatos naturais aos dois primeiros lugares do Grupo B de um Mundial que prevejo vá ser bastante competitivo em função da qualidade da generalidade das 32 selecções presentes."

Futuro começa hoje

"Portugal arranca hoje a participação no Mundial’2018, uma prova em que temos tido medo de assumir grandes ambições, à excepção de Fernando Santos, que tem dado o peito às balas e mostrado que está na Rússia para tentar qualquer coisa. Será?
Um Mundial não é um Europeu. Mas deve esse facto limitar a ambição portuguesa? Não. O jogo com a Espanha será um indicador do que podemos esperar da equipa nacional, ainda que os nossos vizinhos de Península tenham resolvido arranjar um caso tão grave que nos leva a pensar o que virá dali.
Acredito que Hierro não vai fazer grandes mudanças e não será mais do que um complemento do trabalho de Lopetegui. Não só porque não teve tempo, espaço ou forma de injectar seja o que for, mas também porque a equipa espanhola estava bem e não precisa de grandes retoques.
De Jorge Mendes hoje nas páginas de Record a muitos outros um pouco por todo o lado, é opinião quase unânime de que esta equipa portuguesa é mais forte do que a que se sagrou campeã europeia. Confesso que tenho as minhas dúvidas. Não devido à valia dos craques. Mas porque uma equipa é muito mais do que o somatório dos seus jogadores. Espero que Mendes tenha razão. Comprava já mais uma alegria daquelas!"

A pior forma de começar

"O futebol nunca deixará de surpreender-nos. Por isso é tão fascinante. Nem a mais brilhante série da Netflix poderia ter um guião melhor do que tudo aquilo que ocorreu com a selecção espanhola nos últimos dias. Um argumento que roça o extravagante e o disparatado. Com tiques de tragicomédia. Um cúmulo de despropósitos (originado pelo comunicado oficial do Real Madrid anunciando a contratação de Lopetegui) que conduziu a uma decisão incrível e impactante: a destituição do seleccionador a poucas horas da estreia.
Toda a Espanha está perplexa e surpreendida. E também dividida (Espanha está sempre dividida) entre os que aprovam a fulminante decisão de Rubiales e os que acreditam que Julen deveria ter continuado. No que todos coincidem é que esta é a pior forma de começar um Mundial.
Mas a realidade é esta. E é inamovível. Julen está em Espanha (foi ontem apresentado pelo Real Madrid) e Fernando Hierro estará hoje sentado no banco para a estreia de Portugal.
Que selecção espanhola veremos frente aos nossos irmãos lusos? Pois esta é uma incógnita em que é impossível aventurarmo-nos. Estamos todos expectantes para comprovar de que forma terá afectado os jogadores todo este circo.
Também há interesse em saber que alterações pode efectuar Fernando Hierro, tendo em conta o sistema que usava Lopetegui: entendo que não haverá muitas, nem grandes variações. Mas... jogará só com um avançado? Diego Costa? Aspas? Rodrigo? Com um 4-4-2? Hoje tudo será novidade e imprevisível. Hierro teve apenas duas sessões de treino para trabalhar com a equipa. Os seus adjuntos chegaram ontem mesmo à Rússia.
A toda esta situação extradesportiva junta-se o poder do nosso rival. Existe muito respeito por Portugal, campeão da Europa vigente e também pelo seu líder, Cristiano Ronaldo. É um jogo explosivo que surge num momento muito delicado.
Espero que os jogadores espanhóis deixem na bilheteira todo o seu assombro pelos acontecimentos e que se centrem em espalhar o seu grande talento sobre o relvado.
Conseguir um resultado positivo mostra-se fundamental para acalmar as águas e recuperar a tranquilidade. Uma derrota só agravaria as consequências do terramoto."

A Selecção do 'Nós'

"Ainda bem que começou ontem o Mundial para, finalmente, se voltar a falar de futebol, do jogo, dos artistas e não de tribunais, figuras menores e picaretas falantes. Vladimir Putin quer que a sua organização seja um sucesso, que os mais de 400 mil visitantes esperados, que ali deixarão, segundo estudos, cerca de mil milhões de euros, vejam uma Rússia moderna, potência real, forte e orgulhosa na sua grandeza.
Os muitos milhões que verão o torneio pela televisão querem espectáculo, craques a brilhar, golos e as suas selecções a ganhar. Millôr Fernandes sentenciou que "o futebol é o ópio do povo", a substância que entra no sangue e consegue fazer esquecer os males do mundo durante 90 minutos. É de Cristiano Ronaldo, Messi, Pogba, Neymar, Kroos, Salah, Modric, Suárez, Iniesta, entre tantos, que desejamos que saia a inspiração para a pincelada de um quadro inesquecível.
"O artista nunca trabalha em condições ideais, pelo contrário, o artista existe porque o Mundo não é perfeito. A arte seria desnecessária se o Mundo fosse perfeito", o autor desta reflexão é um dos maiores cineastas de todos os tempos, Andrei Tarkovsky, russo, génio criativo, narrador de diversos universos, tão brilhante como todos os pormenores que dão a magia do futebol e assim será até 15 de Julho: um sublime confronto de deuses dos estádios que nos tirará por momentos da frente todos os obstáculos, disparates e horror do mundo.
E Portugal que hoje entra em campo? Devemos acreditar sempre mas não somos favoritos. Há uma plêiade de candidatos crónicos à nossa frente: Brasil, Alemanha, Espanha, Argentina, França. Aliás, é com os gauleses que parto para a nossa principal força. O presidente Emmanuel Macron, sobre a convocatória de Didier Deschamps e a ausência de Karim Benzema, foi taxativo: "até um jogador talentoso pode minar um grupo".
Ora, Portugal tem o melhor jogador do Mundo, mas pela sua humildade e bom relacionamento com os companheiros, todos sabemos que Cristiano Ronaldo é uma peça essencial na agregação e união dos 23 elementos e nunca uma bomba de neutrões no balneário. Além disso, temos ao leme um Marcelo Rebelo de Sousa dos relvados, Fernando Santos. Que muitas vezes parece rezingão mas é um homem bem humorado e de afectos, que soube diluir os múltiplos ‘Eus’ em prol de um conjunto sólido e solidário. Esta armada que partiu para a Rússia, para lá de ser a nossa Selecção, terá as suas debilidades, mas a sua armadura é o ‘Nós’. Que sejam felizes e nos façam felizes."

Venham todos, de cerveja na mão

"Como praticante de hóquei desde pequeno, tenho uma predilecção natural por desportos rápidos, modalidades de resultados rápidos, em que tudo muda num segundo.
Futebol? Nunca fui grande apreciador de futebol, mas sou um espectador atento e minimamente conhecedor. Gosto de bons dérbis e os típicos clássicos e, regra geral, estou sempre presente nos grandes eventos de futebol… também são uma bela desculpa para juntar amigos.
O futebol é o desporto rei, que move massas… mas um Mundial tem outra dimensão! Tem um impacto social a vários níveis, apela às nossas emoções, à união, ao patriotismo, à confraternização com amigos e familiares… tudo com um objectivo comum: vermos vencer o nosso país.
Os momentos que antecedem estes jogos são uma azáfama e agitação. A preparar os churrascos, as jantaradas, o ecrã bem posicionado, para que nada falhe e falte para ver o grande jogo. E venham todos, quantos mais melhor, e de cerveja na mão, a criticar, a gritar e a rir. Que é como gosto! Tudo cheio de emoção! O que fica são estes momentos, apesar de no final, uns chorarem pela derrota, outros chorarem de alegria… mas é assim o futebol, como tudo.
No último Europeu comecei a apoiar Espanha e acabei a celebrar com amigos e familiares aquele eterno golo do Eder. Na próxima sexta volto a pôr as minhas fichas no meu país, mas gostava realmente que os dois passassem esta fase e que se encontrassem novamente na final. A certeza é que vou sempre terminar a celebrar!"

Qual o verdadeiro nível da França?

"Os gauleses melhoraram gradualmente nas últimas semanas. Didier Deschamps elabora a equipa a pensar em Mbappé e na corrida que o avançado do PSG imprime no ataque. Em seu redor, Giroud, Dembélé, Griezmann ou Fekir aproximam-se e disponibilizam tabelas e combinações. Num aspecto Deschamps tem pensado bem: a estrutura de três médios, sobretudo quando são Matuidi e Tolisso a ajudar Kanté, favorece uma cobertura mais trabalhada e um auxílio mais garantido aos defesas-laterais Mendy e Sidibé. Perde-se em criação na zona média, mas ganha-se em resolução no terço atacante do campo porque os médios poupam trabalho de sapa aos avançados.
Deste modo, evita-se que os atacantes tenham de fazer piscinas a defender o flanco. O despertador aconteceu depois do descalabro da segunda parte do jogo de preparação com a Colômbia de Pekerman, quando a França ainda tinha a fórmula de 4-4-2. A partir daí, para o encontro preparatório contra a Rússia, os gauleses compuseram um 4-3-3, a base do equilíbrio táctico com prejuízo para Thomas Lemar. Uma das vantagens obtidas pela formulação em três atacantes é que inibe o oponente que jogue em quatro defesas de fazer avançar os laterais, por causa do risco de provocar um perigoso 3v3.
Já a partir do desafio inicial contra a Austrália, a França vai caracterizar-se pelo turbo dos ataques. Mbappé é a figura proeminente nesse registo, mas também Dembélé e Griezmann colaboram com eficácia nos contra-ataques velozes. Para além disso, a pedalada de Mendy e Sidibé contribui imenso para a resolução atacante. Uma das maiores incógnitas é a presença de Pogba na equipa. Ou, pelo menos, a sua frequência. Matuidi e Tolisso oferecem chegada à baliza, para além da cobertura, enquanto Pogba manobra e pisa a bola com mais qualidade na circulação.
A lesão de Koscielny não foi bemvinda. Porém, a evolução de Kimpembe e a utilidade de Rami, Umtiti e Varane garantem um bom eixo defensivo à frente do capitão Lloris na selecção de DD. Apesar das boas indicações da França, talvez seja arriscado colocá-los ao mesmo nível da Alemanha, Espanha e Brasil. Estas três selecções já têm um grau de consolidação superior, com mais meses de trabalho numa linha determinada linha orientadora. É por aí que a França ainda está um degrau abaixo, uma vez que este módulo táctico não está estabelecido há tanto tempo assim.
Deschamps foi o último capitão francês a levantar o troféu de campeão do mundo. Pode acontecer que celebre na final do Luzhniki e, em boa verdade, esse já foi um cenário mais difícil de imaginar."

Soalheiro

"Escrevo-vos de uma estância de esqu em Sochi que não se encontra em funcionamento. Não é preciso ser um Anthímio de Azevedo para concluir que a neve não é a fruta da época. Quando voltar à noite para o hotel espero não trazer temperaturas negativas comigo. Nesta altura milhares de portugueses arrancam para o estádio com o coração quente (a vodka ajuda) – carteiros, pedreiros, ciclistas, informáticos, jornalistas, bombeiros, ex-jogadores do Sporting, etc.
Embora Lopetegui já não possa jogar a nosso favor, todos especulam que não nevará a seguir ao jogo. Chato para estância onde estou. Menos turistas significam poucas chances de praticar o inglês que não sabem. O inglês dos russos é como alemão dos portugueses. Valha-nos o nome de Ronaldo que é o único intervalo na comunicação via língua gestual. Vou agora à recepção pedir um transfer para a cidade e perguntar se devo levar fato de banho para o estádio. O bom tempo faz-se com golos. Deixem as malhinhas em casa."

"Bamos" lá, cambada!

"“Deixem-se de tretas, força nas canetas que o maior é Portugal!”

Começa hoje a caminhada lusitana no Mundial da Rússia. E bem que precisamos de nos juntar todos e deixarmos de lado a pouca-vergonha que foi o futebol português neste último ano. Estamos todos fartos desta telenovela ao melhor estilo “mexicano” que envolve esquemas de corrupção, estratégias de difamação, rescisões de jogadores, agressões bárbaras, roubo, extorsão, crime económico, violação de correspondência, malas de dinheiro, sacos azuis, aliciamento de jogadores e árbitros e compra de jogos relacionada com casas de apostas.
É tempo, por isso, de virar a página. Têm sido tempos muito cansativos, com os programas de televisão horas a fio a transmitir o mesmo, pseudocomentadores de futebol a divagarem sobre aspectos jurídicos e uma crescente escalada de violência, sobretudo verbal mas que já deu maus resultados. Amigos que se chateiam com outros, adeptos revoltados, facções dentro dos próprios clubes, braços armados nas claques e um ambiente de guerrilha permanente com linguagem imprópria e educação de baixo nível.
Precisamos de fechar este ciclo e abrir um novo, aquele que desde o Europeu de futebol que recebemos em Portugal nos fez vibrar unidos pela mesma camisola e sob uma bandeira que nos volta agora a unir. Com a chegada do verão, não há nada melhor do que voltarmos a puxar para o mesmo lado, vermelho e verde com amarelo, juntando-lhe o azul, o rosa, o laranja e todas as outras cores. O futebol em particular e o desporto no geral têm de ser alegria, paixão boa que nos faz emocionar e que nos puxa para sentimentos positivos de altruísmo, companheirismo, solidariedade e resiliência. 
Assume por isso particular importância esta campanha da nossa selecção. Não que eles sejam culpados deste clima hostil que se instalou no futebol português, mas acima de tudo porque uma caminhada triunfante que nos leve o mais longe possível pode efectivamente afastar, nem que seja por momentos, este mal-estar generalizado e estas conversas negativas, obscuras e muitas vezes sujas. E no meio de tanto negativismo, hoje em dia, a nossa selecção conseguiu conquistar esse tal espaço de concordância. Acho que ainda conseguimos entender que valores mais altos se levantam – e a selecção traz para as conversas e para a visualização dos jogos pessoas que não gostam de futebol mas gostam do nosso país, traz as crianças pintadas e as mulheres entusiasmadas, traz os jovens e os mais velhos. E isso acaba por afastar esta intoxicação pública de discursos inflamados e rasteiros. 
Vamos por isso dar as mãos, fazer regressar os abraços, vestir as camisolas e desfraldar as nossas bandeiras. Deixar aquele brilhozinho nos olhos irromper dentro de nós, os sorrisos e os beijos. Beber um copo ou dois ou três, mas que seja um de cada vez , animados e entusiasmados na casa de uns e de outros, no jardim ou numa esplanada qualquer. Juntos, porque juntos somos mais fortes e vamos mais longe. “Deixem-se de tretas, força nas canetas que o maior é Portugal!”"

José Paulo do Carmo, in i

Alcácer Quibir

"Hoje joga Marrocos! Em cinco participações, os Leões do Atlas apresentam como melhor classificação o 11.º lugar, no Mundial de 1986, em parte cortesia portuguesa de ‘Saltillo’.
O México acolheu as duas primeiras participações marroquinas e dois jogadores que ostentam números inigualáveis na selecção. Em 1970, revelou-se Ahmed Faras, o melhor marcador com 44 golos e futebolista africano do ano em 1975. Em 1986, despontou o centrocampista Abdelmajid Dolmy, com um recorde de 140 internacionalizações.
No jogo decisivo da primeira fase de 1986, Dolmy, o número seis, contribuiu para fazer Portugal num oito, numa vitória que lhes valeu o primeiro lugar do grupo (à frente da Inglaterra), ficando Portugal em… último (atrás da Polónia). Nesse jogo, um empate classificava Portugal, mas os marroquinos treinados pelo brasileiro José Maria deram uma ‘hora de samba’.
Aquando do momentâneo 3-0 marroquino e antes do golo de honra luso, a imprensa evocou a épica recuperação dos portugueses em 1966, com os cinco golos que viraram o resultado para 5-3 contra os norte-coreanos: "Calhou-nos esta ‘Coreia’, mas não tivemos Eusébio"! Em função do clima actual do futebol português apetece também recuperar o dito de Jaime Pacheco após o fatídico jogo de 1986: "Eu sirvo o meu país e não meia dúzia de pessoas que vegetam em redor do futebol!"
O jogo de Marrocos terá sido uma espécie de remake moderno de Alcácer Quibir: tal como o jovem rei D. Sebastião, ‘o Desejado’, D. Futre, um jovem príncipe, esvaneceu-se num jogo de nebuloso e do nevoeiro não chegou o triunfo desejado.
O rei Hassan II referiu que "Marrocos é um árvore com raízes em África, mas cujas folhas respiram ar europeu". Em 1986, o seu futebol expandiu-se na América e causou dano aos portugueses.
Agora vão defrontar-se dois lusos de outra diáspora: pelo Irão, Carlos Queiroz e, por Marrocos, um jovem internacional luso-marroquino que lhes deu, entretanto, à Costa (Manuel da). Seja como for, apesar de hoje também jogar Portugal, haverá muitos adeptos iranianos, pois os portugueses ver o jogo… irão!"

Duelo Ibérico que podemos ganhar

"A bola já rola na Rússia e hoje é a vez de Portugal se estrear naquele que será, provavelmente, o primeiro grande embate deste Mundial’2018. Todos esperamos que seja uma entrada com o pé direito para a nossa Selecção. O duelo ibérico com a nossa vizinha Espanha será uma partida de exigência máxima.
Portugal vai iniciar a 7.ª participação na fase final de um Campeonato do Mundo, sendo que se apresenta pela primeira vez na prova com o estatuto de campeão europeu. Mesmo não estando no lote de principais favoritos, temos uma equipa com atletas talentosos e um dos melhores jogadores do Planeta, argumentos que nos legitimam a ambição de chegar longe.
Pela frente teremos uma potência do futebol mundial. A Espanha tem um vasto leque de jogadores de topo e exibiu um enorme fulgor nos últimos jogos que a colocam no grupo de candidatos ao triunfo final. Nos últimos três confrontos oficiais com os espanhóis, Portugal só sorriu por uma vez, na vitória, por 1-0, no Euro’2004. Seguiu-se a derrota, por 1-0, no Mundial’2010 e a eliminação nas grandes penalidades no Euro’2012 após um empate (0-0). O histórico diz que são jogos disputados e de grande intensidade táctica.
Apesar do contratempo da saída do seleccionador Julen Lopetegui a 2 dias do início da prova, a selecção espanhola, agora comandada por Fernando Hierro, deverá manter a matriz. Trata-se de uma equipa muito pressionante, eficiente a nível defensivo, forte a circular a bola e que aproveita a enorme qualidade técnica dos seus médios para pressionar os adversários e levar o jogo para o último terço do terreno. A Espanha não perde há 20 jogos e faz do colectivo a sua maior força, causando enorme desgaste nos rivais.
Portugal terá de encontrar a fórmula certa para bloquear o estilo de jogo espanhol, tentando manter a bola em seu poder e fazendo com que ‘nuestros hermanos’ não se sintam confortáveis ao terem de jogar de modo diferente. E temos jogadores com a qualidade técnica necessária para fazer isso. A Selecção apresenta um grande nível de maturidade, competência e consistência táctica, algo que pode jogar a nosso favor, no sentido de sabermos explorar os pontos fracos deste rival. Não será fácil numa partida muito equilibrada, mas temos as nossas chances de ganhar.
Portugal e Espanha são os principais favoritos do Grupo B. Uma vitória no duelo ibérico abre ainda mais as possibilidades de apuramento para quem vencer e pode ser o tónico ideal para uma excelente caminhada na competição. São os grandes jogos que mais nos motivam e este será um belo teste às capacidades da equipa portuguesa."

Estamos todos com a selecção

"Um bom arranque com os espanhóis poderá constituir uma excelente alavanca para o resto do Campeonato do Mundo.

Por mais voltas que o presidente-suspenso do Sporting Clube de Portugal tente dar nesta sexta-feira chamando a si um protagonismo que nada justifica, a verdade é que os portugueses estão hoje virados apenas para sua selecção que em Sochi inicia uma caminhada que todos desejamos longa no Mundial de Futebol ontem inaugurado em Moscovo.
Defrontando a Espanha, um adversário de respeito e que começa a competição sustentado pela grande ambição de chegar ao fim como primeiro, a representação portuguesa também tem trunfos importantes para apresentar sobre o relvado, o maior dos quais é ter do seu lado o melhor jogador do mundo.
Porém, poder contar apenas com CR7 não basta. Todos terão de dar o seu contributo, desde o seleccionador aos jogadores, para assim começar a construir o sonho de poder realizar um mundial que dê ainda maior consistência ao seu título de actual campeão da Europa.
Do lado espanhol, há um lote de jogadores que contribuem para a edificação de um conjunto que alimenta justificadas as aspirações. E é, a partir, daí que devemos pensar nas nossas grandes dificuldades.
Mas também do lado lusitano há uma resposta cabal nesse aspecto: Fernando Santos dispõe de elementos capazes de formarem um onze de elevado nível, podendo até imaginar-se a sua constituição inicial logo à tarde não muito distante do que viemos ainda recentemente em jogo com a Argélia.
Um bom arranque com os espanhóis poderá constituir uma excelente alavanca para o resto do Campeonato.
Uma vitória? Sim, seria óptimo. Mas um empate, a verificar-se, não deixará de constituir uma marca importante para os compromissos seguintes.
Hoje estamos todos com a nossa selecção.
Fernando Santos e os seus jogadores têm o nosso crédito. Sem restrições."

Diário do Mundial: Big Show Fifa

"Até ao final do Mundial, Rogério Casanova vai publicar o "Diário do Mundial" na edição em papel e online do Diário de Notícias

Primeiro as boas notícias: o Mundial começou ontem e vai durar um mês inteiro. Um mês que foi preparado ao pormenor durante oito anos por vários administradores e burocratas do complexo futebolístico-industrial, muitos dos quais ainda não foram presos; que vai ocupar 736 futebolistas, muitos dos quais ainda não rescindiram o seu contrato de trabalho (mais 32 seleccionadores, muitos dos quais não foram despedidos ontem); e que vai prender as atenções de perto de mil milhões de espectadores, muitos dos quais nem sequer gostam de futebol, mas que vão ter de levar com tudo isto na mesma. O Mundial, aliás, permanece o índice mais saliente do triunfo total das pessoas que gostam de futebol sobre as pessoas que não gostam: vamos obrigar o Pacheco Pereira a saber quem é o Bernardo Silva. A vitória é nossa, é esmagadora, e estamos todos de parabéns.
Cabe-nos agora estimar esta vitória, compreendendo correctamente os limites precisos da nossa felicidade, e não dissipando os créditos que dela derivam em tentativas fúteis de deturpar emocionalmente o certame. Há uma tendência - que vem crescendo a galope em Portugal nos últimos anos, por motivos eminentemente compreensíveis - para agarrar com unhas e dentes qualquer oportunidade de nos concentrarmos no que o futebol "tem de bom", no "jogo jogado", no que se passa "dentro das quatro linhas": toda a retórica que costumamos investir no esforço de separar a festa do futebol dos afluentes insalubres que a alimentam e poluem.
Por muito nobre que o impulso seja (e é, mas também não é, portanto passemos à frente), um evento organizado pela FIFA seria sempre o pior dos palcos para depositar essa esperança. Os burlescos pormenores da operação-relâmpago da polícia suíça em Maio de 2015, onde catorze participantes no congresso anual da organização foram detidos, bem como a substância das acusações do FBI ("uma cultura enraizada de corrupção sistémica") limitaram-se a confirmar décadas de rumores. Essas suspeitas sobreviveram até às periódicas tentativas de Sepp Blatter, entretanto suspenso, para as refutar com firmeza: certa vez convocou uma conferência de imprensa para explicar a um regimento de jornalistas que deviam parar de escrever sobre corrupção na FIFA porque "não existe corrupção na FIFA. A FIFA definitivamente não é corrupta!". (Outra das suas brilhantes iniciativas foi convidar um trio de consultores anti-corrupção: Henry Kissinger, Johan Cruyff e Placido Domingo).
É hoje mais ou menos garantido que não houve um único Mundial nas últimas (e próximas) décadas que não tenha sido vendido por membros da Comissão Executiva a troco de "projectos de desenvolvimento", condecorações estrangeiras, ou prosaicos envelopes recheados com dinheiro. A única dúvida, curiosamente, é o deste ano. O relatório interno do Comité de Ética da FIFA, divulgado pelo Bild em 2017, ilibou a Rússia de acusações de suborno, após uma investigação exaustiva que comprovou que todos os computadores usados pela operação de candidatura tinham sido destruídos. Um azar, com certeza, mas que lhes concede o benefício da dúvida.
O Campeonato do Mundo, tal como o conhecemos, nasceu num jantar entre João Havelange e Horst Dassel, filho do fundador da Adidas, em 1974, que lançou as bases para o modelo de exploração comercial do evento (assente em patrocinadores oficiais e venda de direitos televisivos) e que transformou a FIFA do clube neo-vitoriano de Sir Stanley Rous - um Presidente não-remunerado liderando uma equipa de doze pessoas - no prostíbulo hemisférico de Havelange e Blatter, com quinhentos funcionários e receitas anuais na casa dos dois mil milhões de dólares.
Havelange chegou à Presidência da organização liderando uma espécie de insurgência populista com o apoio dos membros do terceiro mundo e implementou um projecto de redistribuição dupla: de estatuto e de capitais. A FIFA compensava as federações não-europeias com o acesso permitido pela expansão dos Mundiais a mais equipas e com ocasionais transferências de incentivos mais tangíveis; as federações retribuíam continuando a garantir os votos necessários para manter o status quo. Era mais ou menos inevitável que essa política culminasse nos mandatos de Blatter, onde o compromisso com a redistribuição começou a manifestar-se de forma cada vez mais descarada: redistribuições para bolsos, para hotéis, e para cofres nas Ilhas Caimão.
Este desfile de grotescos não serve para nos fazer sentir mal, mas apenas para reforçar a ideia de que o futebol é isto e sempre foi isto. Resgatá-lo às forças do mal ocludindo tudo o que não acontece na relva ou recuperar uma mítica e imaginária era dourada cujos valores foram contemporaneamente pervertidos são ilusões nostálgicas tão artificiais como as várias esquizofrenias com que tentamos racionalizar o amor que sentimos por uma modalidade tão bela e tão fundamentalmente disparatada. Por um lado queremos que o futebol seja igual a tudo o resto (daí a perene e popular ficção que tenta ver o xarope de neuroses, afectos, ódios, tribalismos, contratos milionários e carreiras curtas que é a ligação entre jogadores, clubes e adeptos como se fosse uma relação laboral igual às outras); por outro esta vontade muito grande de que o futebol exista milagrosamente blindado de tudo o que infiltra os restantes níveis da sociedade (fraude, corrupção, violência, populismo e irracionalidade). 
Apesar da retórica civilizante que continua a manter o seu apelo, o futebol nunca fez mais nem menos do que proporcionar-nos a melhor maneira possível de assistir a um combate entre dois conjuntos de inteligências e destrezas atléticas. Não está nem nunca esteve capacitado para cumprir a função de uma instituição liberal (que será qualquer coisa como diminuir a discrepância entre o que é e o que deveria ser); se essa função existe, pertence à memória de cada espectador, e da fiel transmissão das suas idiossincráticas hierarquias.
A memória, por exemplo, capaz de recordar que o Campeonato do Mundo é o festejo transcendente de Tardelli; mas também Tassotti a rachar o nariz a Luis Enrique. Romário a erguer a taça do primeiro "Tetra" no Rose Bowl em 1994; e Gianpiero Combi a erguer a Copa del Duce em 1934, mandada fazer de propósito por Mussolini (a quem o troféu Jules Rimet parecera "demasiado pequeno"). É o mítico golo de Bergkamp à Argentina em 1998; e também o facto de Bergkamp só o ter conseguido marcar porque não foi expulso no jogo anterior, apesar de ter pisado deliberadamente o defesa Mihajlovic quando este estava no chão.
E são os dois golos mais famosos do séc. XX, ambos marcados na mesma tarde, a 22 de Junho de 1986, no Estádio Azteca: um violou as leis da física, outro violou as leis do jogo.
Aceitar tudo isto como parte do mesmo pacote, e reconhecer que todos os que gostam de futebol estão indirectamente implicados nas suas várias dimensões - as boas, as más e as assim-assim - não obriga ninguém à vergonha, a culpas históricas, ou a uma abnegada amnésia parcial. As memórias são colectivas, mas a emoção que despertam é uma opção individual.
Será essa, aliás, a melhor forma de encarar as próximas quatro semanas: como um dispositivo para criar memórias partilhadas - factos e imagens que todos (e somos muitos) vamos continuar a recordar daqui a quatro ou cinco Mundiais. Apesar do esforço hercúleo para articular preventivamente narrativas de validação e continuidades dramáticas (se Messi ganhar um troféu sozinho poderá então ascender ao patamar de etc, etc) que constitui grande parte do comentário desportivo formal e informal nestas ocasiões, o melhor que poderemos fazer no fim do torneio é ratificar aquilo que por acaso aconteceu, explicando que tudo era inevitável a partir do momento em que o vimos acontecer. As histórias que contaremos para organizar as imagens dispersas serão menos importantes que as imagens em si, que por sua vez vão ser mais vívidas daqui a uns anos do que no momento em que acontecem.
O melhor momento de cada Mundial só pode ser vivido retrospectivamente: aquele instante inicial em que tudo começou, mas ainda não sabemos o que vai ser acrescentado ao nosso repositório comum. Em 2014, umas horas após o Brasil-Croácia, ainda não sabíamos do golo de Tim Cahill à Holanda nem da defesa de Keylor Navas contra o Uruguai; da dentada de Luis Suárez a Chiellini, ou do desmaio de Sabella na linha lateral; não sabíamos da extraordinária exibição de Neuer como líbero contra a Argélia, nem que James Rodriguez ia celebrar um golo com um gafanhoto do tamanho de um helicóptero pousado no braço; que a Holanda ia marcar cinco golos aos campeões em título, nem que a Alemanha ia marcar sete aos anfitriões. Hoje é o momento equivalente em 2018: todas as possibilidades estão em aberto, e desconhecemos as dez ou quinze coisas que nunca vamos esquecer. Aproveitemos enquanto dura, que já está perto de acabar."

Os donos da bola

"Vamos imaginar que trocam as camisolas aos jogadores ou que há uma interferência na transmissão de um jogo que não permite distinguir as duas equipas em campo. Se em acção estiver a selecção espanhola, nem tudo estará perdido. Pela simples forma de circularem a bola, pelos posicionamentos adoptados, pelas acções de pressão, um observador atento será capaz de perceber de que formação se trata. E o reconhecimento desta identidade é o melhor dos elogios que podem fazer-se à Espanha actual.
É verdade que esta versão de La Roja não é mais do que a evolução natural de uma ideia de jogo que redundou num título mundial e em dois títulos europeus na última década. Mas também não é menos verdade que, antes de Julen Lopetegui, esta fórmula começava a ser posta em causa face à saída de jogadores influentes (como Xavi Hernández) e ao rotundo falhanço no Campeonato do Mundo de 2014, em que a fase de grupos foi a última estação da viagem. A etapa de qualificação rumo à Rússia provou que o ADN do futebol espanhol não deve ser regateado.
Acima de tudo o resto, está a bola. Pode parecer uma evidência, mas não é uma obsessão ao alcance de todos - e muito poucos conseguem uma percentagem de posse tão esmagadora. A verdadeira questão é a forma como Espanha a rouba, a atrai, a circula. Uma arte na qual não recebe lições de ninguém e que deriva, em primeiro lugar, da qualidade tremenda dos intérpretes e, em segundo, de uma ideia de jogo tão arrojada quanto rigorosa.
Entre os princípios de jogo advogados por Lopetegui (e que serão seguramente prosseguidos por Fernando Hierro) destacam-se uma fortíssima reacção à perda da bola, facilmente detectável nos timings e nas zonas de pressão escolhidos. O normal é vermos, nesses momentos, a equipa disposta em 4x1x4x1, francamente subida e a condicionar a saída do adversário logo nas imediações da grande área. E aqui todos trabalham com alta intensidade, desde Iniesta a Isco, passando por Koke, David Silva e pelo avançado de serviço.
Este subtema, o do protagonista da posição nove, também tem sido alvo de intenso debate desde a retirada de David Villa, oscilando a equipa entre um avançado mais fixo e forte fisicamente, como Diego Costa, ou um falso nove que pode muitas vezes ser Asensio, Rodrigo e até David Silva. Seja qual for a escolha (que deve ainda levar em linha de conta Iago Aspas), na base deste exercício está uma das chaves deste quebra-cabeças — a mobilidade. É a permanente movimentação do trio do meio-campo, dos alas e dos laterais (que no 4x3x3 da Roja em organização ofensiva activam um constante vai e vem) que dificulta a acção dos adversários.
Jogando muitas vezes em cerca de 40 metros e instalada no meio-campo do rival, a selecção espanhola recorre como ninguém ao jogo do toca e foge, com futebol apoiado, de passe curto, sempre à procura de “paredes” para tabelar e sair a jogar de frente. E a estes predicados junta agora, mais do que nunca, também uma aptidão refinada para verticalizar o jogo a partir de trás, seja com o contributo de um passe de ruptura de um dos centrais ou de um dos talentosos médios de que dispõe, com Busquets e Thiago Alcântara à cabeça na primeira fase de construção.
Diante de Portugal, um adversário igualmente habituado a viver com bola, medir-se-á a natureza do risco que Espanha estará disposta a correr. Se optar por um bloco tão alto como aquele que tem utilizado, terá mais possibilidades de impedir que o rival construa de forma apoiada e em progressão a partir da zona central, mas será forçada a enfrentar o reverso da medalha e a acautelar a defesa da profundidade. E a ameaça que daí advém poderá levar Fernando Hierro a fazer baixar ligeiramente o posicionamento da linha defensiva.
De resto, nos recentes embates com a Suíça e com a Tunísia foi possível detectar que é possível encontrar alguns pontos de fuga na rede muito coesa montada pelos espanhóis. Ora superando a primeira linha de pressão, chegando às laterais com critério para explorar, já em vantagem ou igualdade numérica, as costas de Odriozola ou Jordi Alba; ora activando um futebol mais directo, com passes a média e longa distância à procura da velocidade dos extremos. E neste contexto a capacidade de explosão de talentos como Gonçalo Guedes, Bernardo Silva e até Gelson Martins poderá encontrar terreno fértil para dar frutos."

O empate contra-ataca

"Chegou o grande dia: o inédito campeão europeu vai defrontar o inesperado não-campeão. O jogo ainda nem começou e Espanha já está a ganhar: correr com Lopetegui é sempre uma vitória, venha quem vier. É Hierro mas podia até ser Rui Barros, que era suficiente para limparem a taça (desde que não viesse Peseiro entretanto). Quando ouvi falar em despedimento pensei que Florentino Pérez tinha caído em si e rasgado o contrato assim que viu a Torre de Lopetegui ser instalada no centro de treinos. Julen tem, definitivamente, péssimo timing: saiu tarde demais do FC Porto e entrou demasiado cedo no Real.
Este episódio fez-me lembrar o Euro 2008, quando Scolari, depois de exigir aos jogadores que não negociassem contratos, anunciou, descontraído, que ia para o Chelsea. Aliás, aposto que só não acumulou os dois cargos porque não quis. Se tivesse sugerido treinar Portugal nas férias da Premier League, e às terças e quintas a equipa de futsal dos Salesianos, tenho para mim que Madail não se opunha. Acredito que, tal como Felipão, Lopetegui acabe no Uzbequistão, vai é demorar mais a lá chegar, porque anda sempre para o lado e para trás. Fica a tristeza de não ver um embate entre Fernando Santos e Lopetegui: adorava saber qual empata melhor."

No nevoeiro da solidão

"Bartram ficou sozinho, não via nada na sua frente e tentava escutar o público. Até que apareceu um polícia...

sempre, em redor dos guarda-redes uma espécie de fascínio, como se perguntássemos para nós próprios o que leva alguém a querer ficar ali, debaixo da trave e entre os postes, na solidão da grande área. Claro que a solidão da grande área é apenas um artifício estilístico, quantas vezes a grande área não está pejada de gente como uma taberna de Alfama ou como a Festa do Pau, em Assequins, com o pobre do guarda-redes aos papéis, doido por um segundo de repouso, com vontade de chutar todos dali para fora à mistura com a bola. Mas solidão é palavra que vai bem com guarda-redes. E angústia também.
Stefano Benni, jornalista e escritor italiano, tem um poema precisamente chamado La Solitudine del Portiere di Calcio:
«Solo quando c’è il rigore
vi ricordate di me
del vostro portiere
ditemi perché».
E eu pelo caminho desta crónica lembrei-me de Sam Bartram, guarda-redes do Charlton Athletic, clube do sudeste de Londres, e daquilo que lhe aconteceu no dia de Natal de 1937.
Caíra sobre a Mancha um daqueles nevoeiros de deixar o Continente isolado e, em Stanford Bridge, casa do Chelsea, os esperadores esforçavam os olhos para o terreno e viam tudo branco. Bartram escreveu nas suas memórias – Sam Bartram By Himself – que não via nada à sua frente a mais de dois metros de distância. Vislumbrava vultos, de quando em vez. A sua equipa atacava e os companheiros desapareciam na neblina como Sebastiões britânicos com ganas de Desejados. Depois de ter sofrido um golo, as coisas foram piorando, como se isso fosse possível. O árbitro chegou a interromper o jogo mas, logo em seguida, retomou-o.
Bartram sentiu-se sozinho mas feliz. «Estamos a atacar como nunca! Há que tempos que não vejo um dos nossos defesas», comentou para com os seus botões chegando-se o mais possível até à entrada da grande área e pondo uma mão em pala sobre os olhos na tentativa vã de ver através daquela parede fantasmagórica. Depois pôs-se à escuta: «Estava ansioso para ouvir o barulho que me indicasse que tínhamos marcado um golo. Mas o silêncio era estranho».
Armando Nogueira, o enorme cronista brasileiro que queria voltar ao mundo, noutra encarnação, transvestido de urubu - «não para viver comendo porcaria nem andar de luto fechado mas para poder voar - e bem» – tinha uma coluna no Jornal do Comercio chamada Grande Área e escrevia: «Minha tribuna é a solidão». Também tinha um fascínio por guarda-redes: «O goleiro sempre foi o filho enjeitado do futebol. Diz um velho ditado inglês que ‘um time se compõe de 10 jogadores e um goleiro’. A discriminação está na cara. O atacante que perde um gol feito e faz outro, logo depois, sai no lucro com a torcida. O goleiro que toma um gol aparentemente defensável será execrado se o jogo terminar um a zero».
Por seu lado, outro brasileiro, Lourenço Diaféria afirmava convicto: «O goleiro, normalmente, é o escalado pra ir buscar a bola toda vez que ela é chutada longe ou quando cai no córrego».
Não há de mais solitário do que um homem que é obrigado a ir buscar a bola: fora ou dentro da sua baliza.
Talvez a solidão do guarda-redes seja como a sua angústia. É ele que a sente e que a materializa. Transforma-se a si próprio numa figura digna de dó na altura em que sofre um golo e só é herói na defesa mais enlouquecida. De Sam Bartram dizia-se na imprensa inglesa: «Consegue fazer uma defesa fácil parecer boa, uma boa defesa parecer óptima e uma óptima defesa parecer um milagre»
Era um rapaz tão apreciado que acabaria por ter uma estátua à porta do The Valley, o estádio do Charlton. Exibe um sorriso misterioso de quem sabe algo que todos nós desconhecemos e esse algo será certamente do tamanho da sua solidão. Começara por tentar a sorte como médio-centro mas não havia treinador que o pusesse a jogar. Um dia ofereceu-se para ir à baliza. Ficou lá durante vinte e dois anos consecutivos.
Voltemos ao dia de Natal de 1937. Bartram sente-se só mas curioso. Havia um silêncio estranho e uma ausência de movimento pouco natural.
Depois surgiu uma figura. Um homem caminhava na sua direcção, primeiro mal definido, depois com contornos mais nítidos até que se materializou por completo na sua frente.
Era um polícia.
É Bartram que conta: «’What on earth are you doing here?’ he gasped. ‘The game was stopped a quarter of an hour ago. The field’s completely empty’. And when I groped my way to the dressing-room, the rest of the Charlton team, already out of the bath and in their civvies, were convulsed with laughter». Até no riso dos companheiros ficou sozinho."

O oculto jogo com Portugal

"A vertigem preside ao início do Campeonato do Mundo, uma esmagadora festa de futebol que ontem começou com um aperitivo medíocre - a Rússia esmagou a Arábia Saudita - e um banho de lisonja a Vladimir Putin, acompanhado no palco pelo rei da Arábia e por Gianni Infantino, presidente da FIFA, cujo gesto de satisfação transmitiu um ar entre perturbador e obsceno. Sentado entre os dois presidentes, Infantino era um homem feliz. Subordinado do sombrio Sepp Blatter durante anos, o sorridente advogado suíço aproveitou o seu grande momento. No palco do Estádio Luzhniki, presidiu ao seu primeiro Mundial. É assim que se escreve a história na FIFA: Blatter operou na sombra dos escritórios para suceder ao corrupto João Havelange e nos mesmos escritórios calculou Infantino a sua estratégia para a sucessão de Blatter. Histórias de traições e vassalos ambiciosos. Estas são as pessoas que governam o futebol.
Em Espanha, o Mundial é por agora um sonho ruim. O caso Lopetegui causou um choque gigantesco, sem possibilidade de acordo. Em condições normais, o duelo com Portugal causaria um tsunami de informação. Poucos jogos oferecem melhores ingredientes para os adeptos: a velha rivalidade de dois países vizinhos, o confronto com o actual campeão europeu, a presença de várias estrelas de renome mundial, com Cristiano Ronaldo à frente, e a tensão que sempre gera o primeiro jogo. No entanto, ninguém em Espanha fala desse jogo fundamental. O foco da informação não sai do triângulo Real Madrid-Lopetegui-Federação Espanhola de Futebol.
Um dia antes do Espanha-Portugal, o Real Madrid apresentou Julen Lopetegui como o novo treinador. O presidente Florentino Pérez, apoiado pelo seu impressionante regimento mediático, pretende transferir para a Federação Espanhola a responsabilidade da situação dolorosa que a equipa nacional vive na Rússia. A realidade é muito diferente. O Real Madrid contratou o seleccionador espanhol três dias antes do início do Campeonato do Mundo e anunciou-o imediatamente no seu seu site oficial. A Federação Espanhola respondeu da forma que se espera de uma empresa: agradeceu os serviços prestados a Lopetegui e substituiu-o por Fernando Hierro.
O conflito é de tal magnitude que "escondeu" o Mundial e todas as suas previsões informativas. Cristiano, por exemplo, tem sido uma personagem anónima nos últimos três dias. Pela primeira vez desde que chegou a Espanha, há nove anos, ninguém está preocupado com os seus problemas e reivindicações. As suas famosas declarações após a final da Liga dos Campeões - Cristiano insinuou que abandonaria o Real Madrid - deixaram entender uma estratégia de longo alcance. Cristiano é mestre na gestão mediática dos seus assuntos profissionais. Com a ajuda do seu fiel círculo de colaboradores, converte cada verão num fluxo constante de rumores e declarações evasivas. A partida com Espanha garantia-lhe os holofotes sob os quais se move tão bem e a atenção voraz da imprensa espanhola. Mas desta vez não o conseguiu. Foi-lhe negado pelo seu clube, o Real Madrid, com a contratação de Lopetegui.
A atenção em relação ao jogo tem sido escassa, mas no final falará o futebol. Espanha transformou-se numa incógnita. Ninguém sabe qual vai ser a resposta da equipa ao despedimento de Lopetegui e à nomeação apressada de Fernando Hierro como seleccionador. Ainda que não seja fácil gerir uma situação tão delicada, Espanha dispõe de uma esplêndida colecção de futebolistas. Uma equipa que pelo talento, versatilidade e experiência competitiva está muito próxima daquela que ganhou o Mundial 2010. O problema é que se sente abandonada, em autogestão. Não há pior maneira de começar o torneio mais importante do Mundo.
A visão espanhola da selecção portuguesa sempre foi dominada pelo mediatismo de Cristiano Ronaldo, um erro que agora ainda se agrava mais. Portugal é muito mais do que a sua grande estrela. Os dois últimos anos produziram uma brilhante geração de jogadores, a que se junta agora Bernardo Silva, o típico futebolista capaz de gerar caos na defesa espanhola. Portugal conquistou o último Europeu e agora já sabe o que é ganhar um grande torneio. E no futebol, já se sabe, o êxito é viciante."