Futebol como laboratório da sociedade

"O populismo é um dos maiores perigos para as democracias modernas. À escala, o trágico caso do Sporting deve servir de sério aviso.

A crise que assola o Sporting mereceu, em duas publicações de referência, fora da área desportiva, Expresso e Público, uma atenção particular, que contribuiu para enquadrar, na devida medida, o problema. Miguel Sousa Tavares e Vicente Jorge Silva, relacionaram a presente tragédia sportinguista com o fenómeno do populismo, um dos principais perigos para as democracias modernas. Disse, a propósito, em metáfora, Sousa Tavares que é «preciso matar os Brunos de Carvalho à nascença», ou seja, torna-se imperioso que a sociedade se proteja dos populistas demagogos. E se, em retrospectiva, há algo a recriminar à comunicação social no caso de Bruno de Carvalho, foi o escasso escrutínio a que foi sujeito quando apareceu na cena pública. Já Vicente Jorge Silva escreveu que «não podemos continuar a dormir se não queremos que os Brunos de Carvalho se reproduzam noutras espécies - sociais e políticas - e os bandos de arruaceiros das claques antecipam as brigadas fascistas e nazis de sinistra memória».
O Sporting entra hoje numa semana decisiva para o seu futuro e cada dia sem uma solução é um tiro na alma do leão. Se o rumo que o clube vai seguir for aquele que foi anunciado por Bruno de Carvalho - sessões de esclarecimento pelo país, à imagem do PREC, na convicção de que assim será possível blindar o presidente da contestação generalizada, a que se segue uma Assembleia Geral para decidir o que deve ser decidido na serenidade das urnas - o clube de Alvalade corre riscos muito profundos e persistentes. Repito o que escrevi há dois: uma instituição centenária, com milhões de adeptos, como o Sporting Clube de Portugal, mão correrá risco de existência. Mas o retrocesso pode ser dramático, com consequências que pendurarão por muitos anos. A resposta está nos sportinguistas, entre os quais incluo aqueles que vão suportando o quórum do Conselho Directivo. São eles que, mais dia menos dia, vão ser confrontados com a responsabilidade histórica pelo que estão a fazer. E, se parece evidente um certo afastamento da realidade de Bruno de Carvalho (a responsabilização dos jogadores pelo que aconteceu em Alcochete pareceu aquele culpabilização das vítimas que é feita noutros crimes igualmente hediondos), como explicar quem o mantém, ainda, no poder?

Ás
José Mota
Treinador da boa escola portuguesa, aprendeu com os grandes mestres do empirismo e reforçou valências com conhecimentos científicos. Representa bem uma geração de técnicos que sabem o que é um jogo de futebol só pela intuição, algo que não se ganha com carreiras de aviário. Merece ser feliz.

Ás
Quim
Aos 42 anos levantou a Taça de Portugal, no Jamor, após um jogo de tremenda intensidade emocional para avenses e leões. Assim, o palmarés deste internacional por Portugal em 32 ocasiões, ficou completo, já que sabia o que era ser campeão nacional e vencedor da Supertaça. Um ocaso de carreira em beleza.

Ás
Alexandre Guedes
O heróis do Jamor, formado no Sporting, tem um percurso sólido nas selecções jovens de Portugal, que representou dos sub-15 aos sub-20. Aos 24 anos, mostrou ao País, no dia mais importante da história do Desportivo das Aves, que é um avançado a ter em conta no panorama nacional. Foi protagonista na festa da Taça...

Quando se passa do ponto de não retorno
«Quem não vai continuar no Sporting é Bruno de Carvalho. A única coisa que existe é um morto-vivo»
Álvaro Sobrinho, segundo maior accionista da SAD do SCP
Bruno de Carvalho tem dinamitado, uma a uma, todas as pontes que o ligavam às várias sensibilidades do Sporting. A violência verbal do debate com aquele que foi o seu principal financiador, é mais uma prova disso mesmo. E com José Maria Ricciardi aconteceu o mesmo (se não pior...). Bruno de Carvalho, acossado, vê o chão fugir-lhe debaixo dos pés e escolhe a fuga para a frente.

Honra aos vencedores
O Desportivo das Aves inscreveu o nome na lista prestigiada de vencedores da Taça de Portugal, na sequência da vitória de ontem sobre o Sporting. Clube pequeno, de uma vila do concelho de Santo Tirso com 8500 habitantes (estariam todos no Jamor?), acabou de se libertar da lei da morte, graças a uma proeza para a eternidade. No Desportivo das Aves, que vive em paz na relação entre o clube e a SAD, de capitais chineses, encontra-se também um exemplo que podia ser seguido por outros emblemas. Façam a festa. Merecem-na bem.

Uma capa para memória futura
15 de Maio de 2018, dia da vergonha do desporto português. O assalto à academia do Sporting ficará para sempre como um momento de barbárie, impossível de esquecer. Por mais que a alucinação procure imputar responsabilidades indirectas às vítimas, estas só podem merecer solidariedade."

José Manuel Delgado, in A Bola

Vitória do Aves, vitória do futebol

"O Desportivo das Aves é, agora, o décimo terceiro clube a inscrever o seu nome na lista de vencedores na Taça de Portugal. Mérito indiscutível no sucesso e uma vitória que não foi, longe disso, apenas assente na fragilidade de um adversário que, tendo chegado como favorito, não conseguiu ser melhor.
Festa e alegria transbordantes na Vila das Aves, o que, mais uma vez, prova a força e a grandeza do futebol. Este é o futebol maior que nós desejamos. Este é o futebol maior que vence ódios e todas as ignomínias provocadas por gente menor, que o futebol pode e deve dispensar.
Depois de uma semana dramática, que pintou a negro as páginas da história do Sporting e do futebol nacional, temia-se que não houvesse espaço para uma final de festa. A verdade é que ainda maior do que a enorme vitória do Desportivo das Aves foi o esplendor da vitória dos verdadeiros adeptos do futebol, tanto os que souberam vencer com honra, como os que souberam perder com dignidade.
Foi cativante ver a forma exuberante como os heróis da Vila das Aves festejaram a improvável conquista da Taça de Portugal. E foi penoso ver todo o dramatismo estampado no rosto dos jogadores do Sporting. E, no entanto, também eles foram verdadeiros heróis. Depois de uma semana angustiante, em que passaram por horrores impensáveis numa equipa profissional de futebol de um grande clube europeu, treinadores e jogadores do Sporting tentaram o impossível para esquecer e ganhar a final. Não conseguiram. Para vencer este Aves teria sido necessário o melhor Sporting e, sobretudo, outro estado emocional."

Vítor Serpa, in A Bola

Acabou um pesadelo mas vêm aí outros

"A semana de pesadelo sportinguista terminou ontem, com uma exibição digna no Jamor, insuficiente, no entanto, para a conquista da Taça de Portugal. A missão era impossível, após tantos dias de martírio psicológico, de falta de preparação técnica, de intranquilidade e até de abandono por parte de quem devia apoiar a equipa e se colocou em posição de não o poder fazer. E novo insucesso se somou à "perda" da Champions.
A semana negra findou, mas hoje começou outra, talvez aquela em que várias cargas de cavalaria, pesadas e veremos até que ponto ruinosas para os leões – prometem responder à investida da infantaria acéfala. Novas noites sem sono aguardam os desiludidos adeptos do Sporting!
Mas foi bonita a festa, pá. Afinal, o Desportivo das Aves aproveitou as condições únicas que se lhe colocavam, e eu fico feliz pelo clube e por Quim, "assassinado" há uma década, na Selecção, com os seis golos do Brasil a Portugal, e que aos 42 anos (!) vê recompensada a sua inacreditável resistência. Não é para todos!
Voltando à vaca fria. Alguns comentadores ligados ao Sporting criticam o que consideram ser uma dualidade de critérios por parte dos tribunais: permitir que o arguido Paulo Gonçalves regressasse ao trabalho no Benfica e impedir o arguido André Geraldes de regressar ao seu posto em Alvalade. Percebo que cada um defenda a sua cartilha, mas o certo é que estamos perante casos de contornos diferentes que podem conduzir a diferentes medidas de coação. Mas não vou por aí, pois ainda que estivéssemos face a indícios semelhantes, a sorte dos arguidos depende, antes de tudo, da personalidade e do estado de espírito dos juízes. Estes são, ao contrário dos que por vezes se julga, cidadãos iguais aos outros, com idênticos defeitos e virtudes. São de direita ou de esquerda, do Benfica, do FC Porto ou do Sporting, católicos, muçulmanos ou ateus, realizados ou frustrados, optimistas ou pessimistas, tolerantes ou intolerantes. Os arguidos sujeitam-se, assim, a uma verdadeira lotaria. E os azares acontecem.
Quando fui director de um jornal tabloide e alvo de um novo processo a cada semana, pude verificar que se havia magistrados que encaravam com normalidade o jornalismo dito "popular" e procuravam apurar se teria existido realmente crime de abuso de liberdade de imprensa, outros havia que cedo mostravam a sua animosidade em relação aos tabloides e me tratavam, à partida, como criminoso. Mais tarde, verdade se diga, um "juiz de Berlim" surgia sempre para arquivar os processos ou para me absolver. Conto isto para que se entenda o que parece ser, nos casos de Paulo Gonçalves e de André Geraldes, uma ínvia aplicação da justiça.
O último parágrafo do dia vai para uma simples dúvida cá do escriba: aquele "empresário" que alegadamente tentava corromper jogadores adversários do Sporting – e que era de uma incompetência extrema, como já se percebeu – não será rapaz com perfil para ter ficado com o suposto dinheirinho todo para ele? Aguardo, inquieto, a primeira prova de um crime cometido por um desses jogadores… "comprados"."


PS: Tanto paleio, para chegar a uma óbvia conclusão: o caso que envolve o Paulo Gonçalves, nada tem a ver com o Cashball, nada...
E em relação ao último parágrafo, eu também já pensei nisso, não seria o primeiro a fazê-lo no Tugão, o problema é que para o Sporting isso será indiferente... E já agora, parece que o Chaves foi informado pelo seu jogador do que estava a acontecer...!!!

A idade do populismo

"Desde há muitos anos que o Sporting se assemelha a uma guilhotina. Não era este "haraquíri" sucessivo que os adeptos ou os Cinco Violinos esperariam para o devir do clube.

Mas, de erro em erro, o Sporting deixou de ter tempo. Não tem nem vitórias e o dinheiro é emprestado ou perdoado. Tem agora uma assombração a vaguear pelos camarotes de Alvalade: um presidente que não se demite. Sabe-se que a história se repete sempre como farsa. E, se recordarmos, a carreira de Benito Mussolini começou em Itália quando conquistou os adeptos dos estádios de futebol. Berlusconi aprendeu a lição. E agora o Estado democrático defronta-se, pela primeira vez, com um populista a sério: Bruno de Carvalho. Isto porque o problema já deixou de ser clubístico: é político. As ameaças de Bruno de Carvalho (processar o presidente da Assembleia da República e criticar Marcelo) mostram o caminho minado por onde se corre. Sem nada a perder, tem uma estratégia: a culpa é dos outros, dos inimigos internos e dos políticos. Desde o início que o seu discurso era claramente populista, mas só se aplicava ao futebol. Agora chegou ao nível seguinte: ao disparar sobre os políticos, Carvalho está a criar o primeiro movimento populista de características futebolístico/políticas de que há memória em Portugal. Tem um exército atrás, que o venera, como já se viu.
A resposta do Estado democrático tem de ser célere. Tem para isso de cortar radicalmente a cumplicidade e promiscuidade que tem permitido aos dirigentes de clubes e claques agir impunemente. A violência latente nos estádios de futebol, e no ambiente mediático à sua volta, era visível mas o Estado esquecia-se de ver isso. Basta olhar para o número de políticos que têm saltitado pelas estruturas do futebol para se perceber esta vergonhosa promiscuidade. Agora o Estado defronta-se com um populista que pode partir para a conquista do coração de todos os que estão revoltados contra o Estado e o país. Cercado, com os seus fiéis, Bruno de Carvalho ainda tem muita força. O seu discurso soa a música em ouvidos carentes."

A pergunta dos milhões

"E agora, Sporting, o que vai acontecer? É uma pergunta que vale milhões. Literalmente. Isto porque admite-se como provável que muitos jogadores avancem com processos para a rescisão de contratos de forma unilateral. Teme-se que o clube perca os seus principais activos, ficando numa situação inimaginável.
Depois do "filme de terror", como classificou Jesus, seguiu-se a derrota no Jamor. Acreditar que seria possível vencer a Taça num quadro completamente anormal, que não só limitou a preparação do jogo a um treino ligeiro na véspera como deixou profundas marcas traumáticas nos atletas, era utópico. É verdade que o futebol tem uma enorme capacidade de nos surpreender, mas é muito difícil contrariar simultaneamente todas as leis da psicologia, da fisiologia e...da lógica.
Aguarda-se com expectativa o passo seguinte de Bruno de Carvalho. O presidente do Sporting confessou a pessoas próximas que se demitiria caso fossem marcadas eleições a realizar a curto prazo e sem a constituição de uma comissão de gestão. O líder da Assembleia Geral, Marta Soares, anunciou ser essa a sua intenção. As próximas horas poderão, pois, anunciar um processo eleitoral. Mas é melhor não dar nada por garantido. Em Alvalade, o que ontem era verdade hoje pode ser mentira."

Jamor dos heróis e dos mártires

"O futebol proporciona a utilização de uma linguagem apaixonada, às vezes romanceada, outras vezes dramática. Nos jogos da Taça de Portugal, expressões como heróis e gigantes são vulgares e aplicadas com todo o propósito de acordo com as proezas que amiúde acontecem.
Por isso mesmo, não há outra maneira de classificar os homens das Aves que foram ao Jamor protagonizar uma conquista histórica que de modo algum pode ser subvalorizada em função do contexto em que ela foi obtida, por via da ’semana negra’ que o adversário viveu.
Com a mesma coerência deverá evitar-se lançar uma carga negativa sobre os jogadores do Sporting. Noutro enquadramento, provavelmente falar-se-ia em vergonha e humilhação. Neste caso, é impossível fazê-lo. O facto de os jogadores leoninos terem tido a disponibilidade mental para marcar presença no Jamor, já foi uma vitória deles e do clube que representam.
Força física e equilíbrio emocional foi claramente o que faltou ao Sporting. A entrada forte no jogo tinha claras intenções: marcar primeiro era essencial para ajudar a criar uma estabilidade que decididamente a equipa não tinha.
Faltou o golo e quando Alexandre Guedes fez o primeiro do seu bis deixou imediatamente o leão à beira do KO.
O Aves soube jogar com o contexto e as circunstâncias. Primeiro, preparou-se com o cuidado que a ocasião impunha. Um jogo único, histórico e perante um adversário ferido de morte. Depois, protegeu-se no primeiro impacto e procurou aproveitar todas as pequenas falhas para construir o caminho da sua felicidade. O posicionamento rigoroso e agressivo, o controlo dos espaços, a proximidade das linhas num bloco que nunca foi muito baixo deram solidez a um jogo seguro e a uma ambição que cresceu à medida que o tempo passou.
À meia hora, o Sporting começou a dar sinais que poderia capitular cedo. Os movimentos eram mecânicos, faltava a cabeça fresca e inspirada. E as pernas começaram a fraquejar. O leão passou a arrastar-se penosamente. Estava paralisado.
O segundo golo originou a debandada (quase) geral dos adeptos do Sporting. Os que ficaram viram Bas Dost desperdiçar uma oportunidade de golo que só um jogador sem níveis de confiança é capaz de perder. Tivesse sido golo, e quem sabe o Sporting talvez fosse mais longe na ilusão de que poderia dar a volta ao jogo. Daria? A verdade é que o Sporting perdeu a final muito antes de a ter começado a jogar.
O Aves fez um jogo quase perfeito. Preparou-se muito bem. Aproveitou o momento. Foi inteligente, organizado, equilibrado e soube agarrar aquilo que o jogo lhe deu.
O assalto final dos leões fez-se com o coração que era aquilo que restava aos mártires de Alcochete. Não foi suficiente para abater a bravura do adversário. Sim, porque do outro lado estavam heróis.

Questões Laterais
Presidente Marcelo não podia faltar
Sem qualquer constrangimento, Marcelo Rebelo de Sousa decidiu mesmo aparecer no Jamor. Seria lamentável que o Presidente faltasse. À excepção de Ferro Rodrigues, as mais altas figuras do Estado estiveram na tribuna. Sem grandes sorrisos mas cumprindo o dever e deixando mensagem de confiança para o futuro. A ver vamos.

Duque de trunfo em época histórica
Figura relevante na vida sportinguista, Luís Duque está a trabalhar com o Aves desde 2016. Cruzar-se com o clube de coração no Jamor foi, obviamente, um momento particularmente simbólico. Orgulhoso pela proeza, contido no festejo, o nome de Luís Duque fica inevitavelmente associado a uma temporada brilhante do Aves que terminou com a conquista histórica da Taça de Portugal. É um regresso em grande!

A mancha das claques
Ainda a final não tinha começado e já havia 22 detidos, vários deles em resultado de incidentes entre membros da... mesma claque. É a vida excitante dos grupos organizados de adeptos. E é também o reflexo de que o Sporting está decididamente num processo fratricida. Basta de assobiar para o lado e pôr paninhos quentes. Haja mão pesada.

Notas de Rodapé
5. Alexandre Guedes. Tem um enorme potencial – que não era desconhecido – e que expressou de forma arrasadora no Jamor. Fica na história do Aves e entra na montra. Os dois golos demonstram grande qualidade técnica e faro pelo essencial.
4. Nildo Petrolina. Há jogadores que se diferenciam pela capacidade de se oferecer ao jogo e não ter receio de ter bola. Petrolina junta-lhe talento e maturidade. Tudo isso foram qualidades essenciais para o Aves ser capaz de ferir o leão.
3. Acuña. Raça, vontade, querer e um fôlego que o manteve ‘em jogo’ em permanência. Tivesse a possibilidade de injetar ‘oxigénio’ a muitos dos seus companheiros, e provavelmente o leão teria outra capacidade física para enfrentar o desafio.
2. Gelson Martins. Entrou a toda a velocidade no jogo, dispôs de duas grandes oportunidades de golo que confirmaram a relação menos eficaz que tem com o golo. A maior crueldade foi ter ficado ligado ao 2-0 do Aves que sentenciou o jogo.
1. William Carvalho. Desde que regressou, após a lesão, o médio não foi o ‘plus’ habitual. A elegância e a vontade estiveram lá, mas a ordem, o critério, a dinâmica, a pujança e a visão não atingiram os níveis de qualidade que ele tem."

Aves voaram mais alto


"À alegria esfusiante dos avenses, contrapôs-se um estado de alma que as lágrimas de muitos deixaram ainda mais à vista.

Foi bonita a festa do Vale do Jamor onde a equipa tida como menos forte foi mais competente e por isso teve o justo prémio de poder levar a Taça de Portugal para a sua terra, uma pequena vila do concelho de Santo Tirso que viveu até altas horas da madrugada as todas as sensações de que só podem usufruir os verdadeiramente triunfadores.
Desportivo das Aves, um nome singelo que a partir de agora os portugueses vão habituar-se a decorar com maior facilidade, que vai entrar nas rotinas de todos, mas muito especialmente dos que gostam de futebol.
Em Agosto, chegará a primeira grande confirmação do seu sucesso com a disputa da Supertaça e, lá mais para a frente, este modesto clube terá igualmente direito a entrar no grande aéropago do futebol europeu.
Previam-se dificuldades ainda que perante um adversário tocado no seu lado mais sensível, o de poder confiar completamente em si próprio e nas faculdades que andou durante meses a espalhar pelos estádios deste país.
Porém, os acontecimentos lamentáveis de há uma semana deitaram tudo a perder e deles sobraram danos difíceis de reparar.
À medida que o jogo ia decorrendo, os leões deixavam à vista de forma cada vez mais acentuada debilidades de ordem psicológica que tornavam difícil resolver os problemas que uma equipa bem organizada e com a lição bem estudada lhes colocavam.
O resultado final não sofre, por isso contestação.
E, à alegria esfusiante dos avenses, contrapôs-se um estado de alma que as lágrimas de muitos deixaram ainda mais à vista. A força do leão deixou então pura e simplesmente de existir.
Por isso, as feridas que agora carrega não vão sarar nos tempos mais chegados. Pelo contrário, é até provável que outras feridas venham a abrir-se, comprometendo o futuro de um emblema nobre a que alguns atiraram lama e sujaram por muito tempo.
Esperam-se dias difíceis, o que recomenda muita serenidade para evitar estragos maiores."

Perguntinha para Bruno (e outra para os políticos)

"O Sporting fechou a época em lágrimas. Hoje, começa a pré-época mais dolorosa da sua história.

O Sporting fechou a época em lágrimas. Hoje, começa a pré-época mais dolorosa da sua história. 
Dolorosa porque se arrisca a começar com uma sangria. Depois da derrota com o Atlético de Madrid, Bruno de Carvalho quis pôr um processo à sua equipa. Agora, depois de todo este abismo, arrisca-se a ver toda ela a sair. Para além da qualidade, o clube pode perder milhões, no somatório do valor de cada um daqueles jogadores.
De saída deve estar também o treinador. Depois de três meses em que Jesus foi deixado na cruz, sozinho contra a fúria dos “ultras”, até os sete milhões de indemnização parecem curtos face à perda do único líder no clube que conseguiu acabar de pé uma época traumatizante.
A primeira pergunta para Bruno de Carvalho podia, assim, ser esta: quem é que aceita ir para o Sporting na próxima época? Ou, se quiser, que treinador e jogadores é que aceitam jogar num clube onde o seu presidente os atira aos leões nos piores momentos?
A segunda questão podia ser sobre o valor e a marca do Sporting: Bruno de Carvalho ficou sozinho e sem dinheiro. Ficou sem moral para construir uma equipa, sem os milhões da Champions que às vezes disfarçam vazios, sem o apoio dos investidores que tinha reunido à sua volta. E, pior, com uma investigação judicial pendente sobre a sua equipa. Assim, como tenciona o presidente relançar a sua presidência?
Na lista de perguntas, podiam juntar-se estas: terminada a época assim, quantos sócios já deixaram o clube? Quantos adeptos irão ao próximo treino? O que é que resta da marca Sporting?
Ontem, Bruno de Carvalho fugiu do último jogo da época. Hoje arrisca-se a ir para um estádio sem ninguém – a não ser os historiadores do desporto, que terão muito para registar nos livros de amanhã. Se não acha que é um líder sozinho e ainda tem amor pelo clube, a pergunta certa pode não ser se se demite, mas seguramente se convoca eleições e mede o apoio dos sócios. Ou achará Bruno que pode seguir em frente também sem eles?

P.S. Depois desta crise no Sporting, ao ponto em que a situação no futebol chegou, é bom que os poderes políticos pensem no que escreveu ontem Miguel Poiares Maduro, aqui no Público: o mundo do futebol nunca mais pode ser mais um mundo à parte, um cartel sem fiscalização. O problema não é Bruno de Carvalho, é tudo o que aconteceu até que isto chegasse aqui. O pior que podia acontecer era o mundo político fingir que, com uma saída dele, a crise estaria resolvida."

A magia e o veneno na mesma tarde

"O microfone dado a Bruno de Carvalho, por vários canais de televisão, na tarde de sábado, para que ele dissesse tudo o que lhe apetecia, ao longo de duas penosas horas, foi uma demissão do jornalismo. 

A primeira página do The Observer puxa para o topo um título que agarra o essencial, que será legítimo traduzir nesta frase: “Duas pessoas apaixonaram-se e nós estivemos lá todos”. O casamento em Windsor mostrou como a casa real britânica (há quem lhe chame “A Firma”) é uma marca que gere a comunicação com extraordinária competência e perfeição, capaz de suscitar fascínio e ilusão com o sonho que é exibido. As televisões portuguesas, tal como as de todo o mundo, passaram a manhã e entraram pela tarde de sábado a mostrar esse conto de fadas. Seguiu-se em vários dos canais portugueses um espectáculo degradante: o directo, ao longo de duas horas, com o palavreado boçal e rasca da criatura que desesperadamente se agarra à presidência do Sporting.
É sabido que o jornalismo de qualidade é um pilar da democracia. Contribuir para uma sociedade informada, dar os elementos que ajudam cada pessoa a entender o que de relevante se passa à sua volta, permitir perceber as mudanças, é uma responsabilidade principal dos jornalistas. A missão implica que o jornalista estude de modo aprofundado tudo o que está em causa na matéria que tem para contar, de modo a poder enquadrá-la.
Os casos que nos últimos dias envolvem o Sporting ultrapassam o habitual envenenamento que sai do futebol falado nas tertúlias nas televisões. A violência e os choques desencadeados tornaram, evidentemente, imperioso relatar e analisar o que está a acontecer. Mas, sem perder a devida atenção a outros assuntos de inquestionável relevância, e a semana foi fértil em notícias inquietantes, da inaceitável violência mortal sobre palestinianos à ameaça coreana de se escapar à cimeira nuclear, passando pelo pacto para governo em Roma que põe em causa o empenho da Itália na União Europeia.
O tratamento das várias vertentes do “caso Sporting” impõe-se, mas é preciso ter em conta os limites do razoável. O microfone dado a Bruno de Carvalho, por vários canais de televisão, na tarde de sábado, para que ele dissesse tudo o que lhe apetecia, ao longo de duas penosas horas, foi uma demissão do jornalismo. É facto que havia a expectativa de algum anúncio relevante, mas cedo se percebeu que Bruno de Carvalho não iria anunciar a retirada. Perante a evidência de ausência de notícia, não fez sentido que a transmissão em directo tenha continuado. É de desejar que este caso possa ser discutido nas redacções para que o relato jornalístico não fique assaltado por um demagogo que, com argumentação degradante e lastimável uso da língua portuguesa, consegue ocupar o espaço de reportagem com propaganda ridícula. Muitas vezes vemos ser cortada a palavra, em nome do tempo útil, a quem tem conhecimento com valor para dizer. Tudo o que Bruno de Carvalho disse naquelas duas horas caberia em dois minutos de relato de um repórter. Tempo mais do que suficiente para contar duas horas de envenenamento.
(...)"

A utilidade de Bruno de Carvalho

" "Por quem és?" "De que clube?" "Quem estás a defender?" O caso Bruno de Carvalho é só uma lente de aumentar da lógica de claque que triunfa no debate público.

Bruno de Carvalho permitiu-me uma experiência exemplar ao longo das últimas semanas. Ao escrever sobre o ainda presidente do Sporting no Twitter, fui sucessivamente acusada e insultada e festejada e aplaudida pela mesma claque, consoante me liam como apoiante ou inimiga. Tão depressa fui acusada de ser "lampiã" e contraditada com apreciações primorosas sobre o que concluíam ser o presidente do meu clube (Luís Filipe Vieira) como incensada por sportinguistas, e até acolhida como uma das suas, devido a uma série de tuites em que contextualizava a violência de Alcochete como um problema do meio futebolístico e portanto não exclusiva do Sporting e do consulado de Bruno de Carvalho.
Não me sendo conhecida publicamente qualquer filiação clubística, a primeira preocupação das pessoas perante o que eu ia dizendo era atribuir-me um lado. Estás por quem?, perguntaram-me várias vezes. Como se fosse impossível ler-me e dialogar comigo sem perceber primeiro como me situar e portanto como me ler - mais concretamente, que discurso imprimir ao meu.
É claro que este modus operandi, esta forma de ler o outro, está longe de se ater ao mundo do futebol; é apenas muito mais evidente neste caso porque não tendo qualquer simpatia clubística, e portanto não podendo suspeitar das minhas próprias motivações e partis pris - coisa que me pode suceder, e frequentemente sucede, noutras matérias - a observação é muito mais distanciada e as dinâmicas e perversidades das reacções muito mais transparentes. E o que se vê claramente assim é a capacidade deslumbrante que se tem, mesmo no caso de textos tão curtos e portanto, em princípio, prestando-se a tão pouca confusão como os do Twitter, de imputar a um discurso motivações e afirmações que não só não estão lá como, muitas vezes, são o exacto contrário do que está. Essa capacidade, que pode dever-se a muita coisa, inclusive iliteracia (uma forma de analfabetismo interpretativo muito mais comum do que se supõe e cuja forma mais extrema as caixas de comentários dos jornais evidenciam) é particularmente perversa quando a descodificação da mensagem de um discurso é determinada pelo receptor a partir da ideia que formou sobre o emissor. Numa actualização da famosa frase de Marshall McLuhan - "o meio é a mensagem" - o emissor torna-se assim a mensagem. Antes de sequer tentar perceber o que alguém está a dizer, já decidimos o que disse e se estamos a favor ou contra.
O que ocorreu no caso dos meus tuites a propósito de Bruno de Carvalho e do caso Alcochete é uma decorrência deste mecanismo perverso: ao ler-me, as pessoas enfeudadas a clubes queriam perceber primeiro quem eu era no seu sistema de valores para poderem interpretar o que eu estava a dizer à luz desse "prós e contras" e saber como lhe reagir. Esta forma de incomunicação é, naturalmente, velha como a linguagem e as relações humanas - nunca saímos de nós e da nossa perspectiva e decorrentemente só conseguimos interpretar os outros a partir quer da nossa própria experiência e referências quer do nosso posicionamento e daquele que lhes atribuímos --, mas tem graus. E o grau a que se assiste no mundo extremamente tribalizado do futebol, no qual não parece haver lugar a posicionamentos exteriores à lógica "és por nós ou contra nós", ilumina o perigo de que esse tipo de leitura fanática da realidade se universalize.
O perigo é ainda maior porque a visibilidade crescente que esta doença tem graças às redes sociais, nas quais aquilo que antes eram conversas de café ganhou foro de "o que as pessoas pensam", pode levar-nos a assumir que esta é a lógica triunfante e portanto inelutável. Que, resumindo, não há forma de elevar o debate e que as pessoas querem é "sangue", insultos, confronto de "lados". Que reflectir e contextualizar e procurar um ponto de observação racional a partir da apreciação de factos não faz doravante sentido, porque "não tem público". Que devemos conformar-nos com uma sociedade dividida em facções e com um debate em que a calúnia e a ordinarice são normais e aceitáveis e o incitamento ao ódio perfeitamente normal, e na qual isso a que se chama "verdade" deixou de ser relevante.
Sabermos que essa lógica triunfou nas últimas presidenciais americanas devia ter-nos, como comunidade, feito reflectir seriamente sobre. Mas não é decerto isso que está a suceder. Não seria infelizmente necessário recorrer à análise do caso de Bruno de Carvalho e da crise no Sporting para perceber que a linguagem truculenta, insultuosa e rasca do debate futebolístico está a ganhar cada vez mais adeptos nos protagonistas dos media. Que há colunistas que se especializaram em criar e acicatar facções, apelando a autos da fé e decretando, como no exemplo que dei do Twitter no início deste texto, que os discursos devem ser interpretados não em função do que é dito mas de quem diz e portanto dos seus alegados objectivos, numa atribuição de intuitos venais que desde logo o desqualificam. Que na própria cobertura noticiosa os discursos de ódio, a perspetiva despudoradamente persecutória e portanto a ausência absoluta de jornalismo e de procura da verdade triunfam (basta ver que produtos têm mais audiências). Lamento muito, mas Bruno de Carvalho e as paixões e perversões que suscita são só uma lente de aumentar daquilo que nos está a acontecer - assim nos servisse para alguma coisa."

Bruno e uma homenagem

"Deve ser a primeira vez que escrevo sobre a bola. Não gosto, não sigo, não sou "adepto". Mas, nos últimos dias, a bola irrompeu na vida pública por uma porta lateral escancarada vezes em conta. Um bando de energúmenos invadiu a "academia" do Sporting, e sovou metodicamente jogadores e equipas técnicas. O referido clube desportivo já andava a ferver por outros motivos. Suspeitas disto e daquilo, relações tensas entre os "donos" do clube, resultados aborrecidos, etc., etc., tudo desaguou na incursão criminosa de Alcochete. Proibir a existência de claques é uma decisão política que não depende da criação abstrusa de "autoridades" ou de "comissões", sempre tão ao gosto do PS, para prevenir a violência especialmente no futebol. Existe mais do que base legal penal para actuar e falar menos. A tagarelice, porém, tomou a dianteira e pretextou uma avalanche demencial acerca do Sporting, com o seu peculiar presidente lá bem no meio. O decurso do tempo transformou Bruno de Carvalho na coqueluche do clube de Alvalade, a quem não faltaram apoios para a reeleição albanesa de há escassos meses. A bola é muito parecida com a política. Não é por acaso que não há figura do regime, seja de que partido ou corporação for, que não faça uma "perninha" num clube desportivo. No Sporting isso nota-se mais que nos outros dois "grandes", mais "populares" e menos elitistas. Bruno foi olhado inicialmente com desconfiança pelos chamados "notáveis" que acabaram a arrastar-se a seus pés. Hoje, com a lamentável segunda figura do Estado à cabeça, estão todos "envergonhados", escrevem manifestos em mau português contra o homem e permitem que um tipo insuportável e soberbo como o sr. Marta Soares seja o rosto "sério" de um clube em polvorosa. A sério? A sério. Não admira que Bruno, impulsivo e acossado, estivesse uma tarde inteira a bater no ceguinho diante de uma comunicação social que o execra. Se foi ou não um "suicídio" em directo, só o tempo e os "adeptos" o dirão. Eu acho-lhe graça.
(...)"

Trabalhadores da bola

"Há cerca de ano e meio dediquei-me, nestas páginas, a pensar sobre qual poderia ser o motor do sucesso de Bruno de Carvalho. Estávamos à beira das eleições que viriam a conferir-lhe uma retumbante vitória e identifiquei na estratégia de criação do inimigo a sua grande força. O maior problema dessa estratégia seria a sua manutenção no tempo. Sem vitórias desportivas no futebol, escrevi que a sua única possibilidade de sobrevivência seria através de uma escalada de radicalização.

A radicalização foi feita a partir da criação de um discurso de exclusiva responsabilização da equipa técnica e jogadores de futebol pelo insucesso. Os “meninos mimados” e “bem pagos” não conseguiam os títulos que outros jogadores e técnicos conseguiam noutras modalidades. Esta foi uma retórica interna decisiva para o fortalecimento do poder na qual se lançaram adeptos contra trabalhadores e também trabalhadores contra trabalhadores. À medida que, no futebol, começava a ganhar forma uma unidade de acção para lidar com a sua entidade patronal, os trabalhadores de outras modalidades faziam questão de mostrar o seu apoio ao presidente-adepto - que até falhava o jogo decisivo da equipa de futebol para apoiar outras modalidades. Depois do que se passou em Alcochete, não deixa de ser triste assistir ao seu silêncio*.
Os chamados “apertões” de adeptos são reconhecíveis em todos os clubes. São vistos como comportamentos admissíveis e raramente punidos, quando não estimulados pelas respectivas lideranças dos clubes. Com o ambiente radicalizado contra a equipa de futebol, o que se passou em Alcochete não é anormal mas, felizmente, está muito além do que a sociedade considera admissível. Os “activos” voltaram a ser vistos como seres humanos e trabalhadores. A imagem da testa partida e a lágrima de Bas Dost recolocou a maioria, independentemente do clube do coração, a priorizar a dimensão humana e laboral do problema. Afinal, ainda não voltou a ser admissível bater em trabalhadores para que melhorem a sua performance.

* Silêncio que não se esgota em Alvalade, estendendo-se, fora do clube e por diferentes razões não menos criticáveis, à pouca solidariedade pública demonstrada pelos demais colegas de profissão. Honra seja feita a Sérgio Conceição, Casillas e todos os que não se mantiveram publicamente em silêncio por terem uma entidade patronal desportivamente rival."

A crise no Sporting e os políticos que temos

"Parece que agora é que é. Chegou o momento de acabar com a pouca-vergonha que rodeia o mundo do futebol. Não é mais tolerável este nível de violência. Na reação ao “choque” sportinguista, o discurso do “doa a quem doer” instalou-se na classe política. Mas o que vimos não foi bonito. Ferro Rodrigues parecia estar num mano a mano com Bruno Carvalho. António Costa em vez de areia, atirou-nos com mais uma entidade pública. Alguém acredita?
A política sempre se misturou com o futebol e raramente correu o risco de o hostilizar. Ninguém quer o papel do mau da fita. À luz deste quadro, o futebol ganhou um poder imenso, pouco ou nada escrutinado. O que vimos na Academia do Sporting choca-nos porque nos põe frente a frente com o que tem sido desvalorizado. Tirando Rui Rio que fechou as portas da câmara ao clube da cidade - é verdade que o fez também para capitalizar politicamente -, quantos tiveram a coragem de enfrentar o submundo da bola? Só me lembro da justiça.
Os acontecimentos de Alcochete puseram todos os políticos a falar. A declaração de Ferro Rodrigues foi a que mais me impressionou. No mau sentido. Ferro pôs-se ao nível de Bruno. Deixou que a raiva do adepto se sobrepusesse ao discurso institucional do Presidente da Assembleia da República. A segunda figura do Estado não soube separar as águas, deveria ter usado o seu peso institucional para se insurgir contra as continuadas omissões dos governos. Os políticos que tanto gostam de ser vistos na tribuna dos estádios têm de agarrar o problema como se fez noutros países. Em vez disso, atiram mais do mesmo para a praça pública: prometem-nos consequências e mais uma entidade. Afinal para que serve a Alta Autoridade para a Violência no Desporto? Ninguém sabe. Desconfio que nem mesmo o governo.
No Euro 2004 mostramos ao mundo como é possível organizar um campeonato ao mais alto nível e com gente de todas as paragens. Mas tirando essa medalha que trazemos ao peito, Portugal tropeça na violência que tomou conta do desporto. Podem dizer-me que lá fora é igual, mas não deixarei de me impressionar com a loucura em dia de jogo. Claques enfurecidas em “caixas” policiais. Estações de serviço que se não estiverem carregadas de polícia são vandalizadas. Agressões a árbitros, ameaças a jogadores, um adepto italiano morto em guerras de claques. E agora Alcochete. O mais incrível é que perante este cenário de guerra só 18 adeptos estão proibidos de entrar nos estádios portugueses. Dezoito!
A Associação Sindical dos Profissionais da Polícia perguntava como é possível que em alguns jogos estejam escalados mais de 600 agentes. De facto, só falta mesmo começar a convocar os snipers. O problema é que a pontaria não pode ser feita apenas às claques, os líderes dos clubes também têm de estar no alvo. Bruno Carvalho veio das claques e são elas que lhe alimentam o poder. Só assim se percebe a benevolência do (ainda) presidente sportinguista. Se processou tudo e todos, porque não o fez com os adeptos que lhe entraram em casa?"

A impunidade

"As lágrimas que lhe escorriam pelo rosto enrugado eram de medo. O "Manuel" - nome fictício - tinha acabado de "descarregar" em Espinho mais de 50 adeptos, de um clube grande, para assistirem a mais um jogo do campeonato com o clube local. Meia hora antes, ainda no Porto, tinha-se enganado na saída e isso valeu-lhe uma navalha encostada ao pescoço e ameaças várias à família.
O dia começara em Lisboa às 09.00 da manhã, à porta do estádio, o ponto de encontro habitual da claque em dia de jogo. Os autocarros perfilaram-se à espera das centenas de adeptos que iam chegando, agrupados de acordo com as várias amizades e tendências que existem dentro da mesma claque. A velha guarda, os mais jovens, os mais bêbados, os skinheads e os líderes da claque, sempre acompanhados por uma espécie de tropa de choque. Álcool, muito. Droga, à discrição. Armas brancas, de todo o tipo.
A viagem de mais de cinco horas até ao norte do país, sempre acompanhada pela polícia, teve de tudo. Áreas de serviço fechadas ao público porque "vêm aí as claques". Bolas de golfe atiradas aos carros que se cruzavam com eles na autoestrada. Elementos que subiam para cima do autocarro para exibir o seu surf a 90 km/hora em plena A1. Não houve um único detido. Não houve uma única queixa. Era tudo normal.
Em 2002, durante vários meses acompanhei, em reportagem, as claques dos três grandes em Portugal. Dentro e fora dos estádios. Durante a semana, nos encontros que têm, e ao fim de semana, nas viagens que fazem para ir aos estádios assistir aos jogos. Assistir é uma força de expressão porque, na realidade, nenhum daqueles adeptos está ali para ver um jogo de futebol. Ao colorido que as claques acrescentam aos jogos, há que juntar as cenas de pancadaria, o vandalismo, os impropérios que gritam contra todos e qualquer um que vá vestido com uma cor diferente. Seja quem for, membros de uma claque rival ou famílias com crianças pela mão, vai tudo à frente.
Na maior parte dos casos, a polícia actuou com inteligência. Fez as demonstrações de força necessárias, mas foi muitas vezes discreta quando era preciso actuar sem atirar ainda mais gasolina para uma fogueira que já estava muito quente. Vi vários adeptos a serem detidos. Não vi nenhum a ser julgado e punido. Já nem digo preso, mas pelo menos a ser impedido de voltar a entrar num estádio. Cheguei a ver alguns a saírem algemados de um estádio, para me reencontrar com eles, uma semana depois, no jogo seguinte.
Tudo isto - e o muito mais que já aconteceu no futebol em Portugal - leva-me aos verdadeiros culpados da chamada violência no desporto. E não são (apenas) as claques. São todos os que as mantêm e as alimentam. São os que permitem que esta violência perdure ao longo dos anos, para depois surgirem aos olhos da opinião pública - quando a gravidade é impossível de ignorar - chocados, indignados e a sacudir toda e qualquer responsabilidade. A começar pelos dirigentes desportivos.
As direcções dos clubes são as principais responsáveis. Pelo apoio, tantas vezes encapotado, que dão às claques, elas próprias tropas de choque dos presidentes. Pelo péssimo exemplo que dão todos os dias, cada vez que abrem a boca com discursos de ódio que fomentam a violência. E pelas responsabilidades que têm nas decisões - ou a falta delas - tomadas pela Liga de Clubes e pela Federação Portuguesa de Futebol.
A Liga e a Federação são meros verbos de encher, no que toca a combater a violência no desporto. Têm estatutos, regras, conselhos de disciplina, mas como a sua existência depende dos clubes e os clubes têm à sua frente os maiores culpados pela violência no desporto, está tudo dito. É por isso que nunca houve um estádio vazio como punição. É por isso que as multas são ridiculamente baixas e, na maior parte dos casos, nem sequer são cobradas porque batem na parede e voltam para trás. É por isso que, apesar dos inúmeros casos de violência, dos comportamentos antidesportivos, dos feridos, das mortes, nunca houve em Portugal um clube que fosse severamente punido pelo comportamento dos seus adeptos.
Bem sei que há quem encontre uma outra explicação. O futebol, que sempre foi um desporto de milhões, é hoje um desporto de biliões. E o dinheiro fala sempre mais alto. Podem a Liga ou a Federação arriscar-se a aplicar uma punição severa a um clube que o faça perder milhões de euros e arriscar-se a ter esse clube de fora? Ou já ninguém se lembra que um dia o Benfica chegou a admitir jogar o campeonato espanhol, como retaliação?
Por fim, o poder político, que sempre evitou meter-se com o futebol, a não ser para ir ver jogos às tribunas de honra. Quando a situação atinge uma gravidade e um mediatismo que é impossível de ignorar, a política responde, tipicamente, com a mesma receita de sempre: mais leis e mais entidades. O que, na prática, significa fingir que se está a fazer muita coisa para deixar tudo igual ou pior. A prometida Autoridade para a Violência no Desporto é a prova evidente disso. O mesmo António Costa que ajudou a acabar com ela promete agora ressuscitá-la, como resposta aos acontecimentos de Alcochete. Não o fez quando Fernando Gomes, presidente da Federação Portuguesa de Futebol, ficou a falar sozinho, há sete meses, sobre a urgência de se tomarem medidas para combater a violência crescente no desporto em Portugal. Foi agora que um grupo de vândalos entrou num recinto desportivo, onde vivem crianças, para agredir uma equipa de futebol profissional. Foi agora e porque o tempo mediático o obrigou a dizer alguma coisa.
As lágrimas já secaram na pele engelhada do "Manuel", que se prepara para esperar 90 minutos cá fora pelos clientes que ainda tem de transportar de volta para Lisboa. Sabe Deus em que estado vêm lá de dentro. Sabe-se lá de que forma é que o resultado do jogo pode influenciar os mais de 300 quilómetros que ainda lhe faltam fazer até acabar a jornada de trabalho.
"Se eu fosse a si, ia-me embora e deixava-os aí", disse-lhe eu.
"Está doido? Eles sabem onde eu trabalho e descobrem rapidamente onde eu moro. Deixe lá isso, vá é você embora que, se eles perdem, isto pode ficar feio." "

Bruno perderia sempre

"Quando Jorge Jesus se tornou treinador do Sporting, disse-me que Bruno de Carvalho era um homem “muito inteligente”. Se é, não parece.

Depois da derrota na Madeira escrevi que, se o Sporting perdesse a final da Taça de Portugal, iríamos assistir a uma guerra como jamais se viu no futebol português. Nunca me passou pela cabeça que essa guerra estalasse “antes” da final do Jamor. Mas foi o que aconteceu.
Nas vésperas do jogo mais importante da época para o Sporting, uma tropa de choque da claque invadiu o centro de treinos e bateu no treinador e nos jogadores. Quem pensaria que tal pudesse suceder?
Dir-se-á que Bruno de Carvalho não teve qualquer culpa pelas agressões – o que ainda está por apurar. Só que, na véspera do jogo, fez uma conferência de imprensa onde agrediu verbalmente os jogadores, “continuando” os ataques de Alcochete, chegando a culpá-los pelo que lá aconteceu! Caberia na cabeça de alguém responsabilizar os jogadores pelas agressões de que foram vítimas? E fazê-lo, ainda por cima, na véspera de uma final?
Mas não contente em culpar os jogadores “em geral”, Bruno de Carvalho culpou o guarda-redes Rui Patrício por, alegadamente, ter insultado adeptos. Espantoso! Um homem que ataca tudo e todos, que chama nomes às pessoas, que não respeita ninguém, vem indignar-se pelo facto de o guarda-redes ter insultado adeptos (que antes o tinham insultado a ele)?
Ouve-se e não se acredita.
Se Bruno de Carvalho fosse inteligente – ou não estivesse limitado nas suas capacidades mentais – teria feito uma conferência de imprensa exactamente ao contrário do que fez: defenderia a equipa, culparia os responsáveis pelas agressões em Alcochete, incitaria os jogadores à vitória no Jamor. Desse modo, ainda poderia partilhar alguns louros pela eventual conquista da Taça. Mas atacando mais uma vez a equipa, pôs-se de fora. Se a equipa tivesse ganhado, seria uma vitória “contra o presidente”.
Mas se o Sporting perdesse, como perdeu, Bruno de Carvalho também perderia.
Um presidente que ataca os jogadores na véspera de uma final assume a responsabilidade pela derrota, se ela acontecer.
Assim, Bruno de Carvalho perderia sempre ontem. Perderia se a equipa ganhasse, perderia se o Sporting perdesse.
Ora, um homem que se coloca nesta posição pode ser inteligente? Pode, se estiver mentalmente perturbado. E é esse o perigo. Bruno de Carvalho não parece estar bem. Um adepto que numa final da Taça não vai ao Jamor, que está de costas voltadas para a equipa, que perde quer a equipa ganhe ou perca, já nem sequer pode ser considerado adepto. Porque presidente deixou de ser há muito tempo."

Os sujadores de profissionais

"A carteira profissional é mais do que um diploma, não serve para pendurar numa parede. É para a levarmos sempre connosco porque a todo o momento podemos ser questionados, por nós próprios, se o somos, ou não. Profissionais. Aquilo que um homem ou uma mulher fazem para ganhar a vida. Profissional é estarmos sendo; não o que herdamos ou nos caiu na rifa sermos. A palavra profissional é um elogio. Aquele padeiro é um profissional, aquele futebolista é um profissional... Quim é um profissional: aos 42 anos chegou a vencedor da Taça, jogando pelo modesto Aves, vindo de uma freguesia cuja população mal enche meia bancada de um estádio. Bas Dost é um profissional, remata e falha um golo fácil mas volta a cabecear apesar de na testa já ter voado o penso lá posto porque alguns do seu clube, dias antes, lhe abriram um lanho. Um profissional insiste, corre e sua, arrisca-se a voltar a falhar, apesar de ferido na alma e com a inquietude do amanhã incerto. Profissional. Um profissional traz em si um abençoado orgulho. Nada que ver com os que tratam os outros pelo que sabem de si, e o que sabem de si é tremendo e sujo. Por exemplo, o mecânico que cobra mas não põe óleo nos travões. Por exemplo, ainda, o jornalista que acolhe um pulha confesso (pois é gajo que diz comprar jogadores), e, na base da palavra do pulha, ajuda-o a sujar o nome de profissionais. E sai nome do profissional na manchete, mais cara do profissional nas fotos! E as provas apresentadas são: o profissional, que era guarda-redes, atirou-se para a esquerda num penálti... Com essas provas, nome, cara e carreira de um homem atirados para o galheiro. Estamos assim. Repararam que não dei adjectivo, bom ou mau, ao profissional abusado? Foi de propósito, porque não sei nada dele. Nem eu, nem vocês, nem os jornais que o enlamearam. Só sei que um homem qualquer foi abusado. E sei mais: um dia há de calhar-vos, calhar-nos, um abuso igual. Merecido, aliás. É que talvez sejamos, muitos de nós, profissionais, bons ou assim-assim. Mas cidadãos, não. Somos distraídos, o que hoje pode ser pecado mortal."

Futebol, corrupção e violência

"Tal como na guerra, também no futebol existe um simbolismo e um léxico guerreiros, com as suas máscaras, os seus cânticos, os seus hinos e, sobretudo, as suas claques, sempre agressivas e tantas vezes violentas, a destilarem ódio e desprezo pelos inimigos

O futebol deixou de ser uma mera competição desportiva. É hoje um negócio de muitos milhares de milhões, povoado por gente que o envenena, sobretudo fora das quatro linhas, mas também dentro delas. Instalou-se nele um sistema corrupto, criminoso e bem rodado que o inquina. Como é o caso, por exemplo, das redes de apostas clandestinas, com ramificações por todo o mundo onde há campeonatos de futebol profissional, redes essas que chegam a gerar ainda mais dinheiro do que o tráfico de droga. Paralelamente, a violência das claques, hooligans e ultras, cuja vida gira em torno dos clubes e são financiados sorrateiramente pelas suas direcções, é outro dos factores que envenenam o negócio da bola.
Curiosamente, neste comércio de “activos” e nesta indústria do “espectáculo” tão lucrativos, nem sequer são os clubes de futebol que enriquecem e acumulam as grandes fortunas, mas sim todos aqueles que, sobretudo nos bastidores do futebol, especulam e vivem à custa dos clubes. Refiro-me, por exemplo, ao mercado das transferências multimilionárias, que enriquecem muita gente dentro e fora das quatro linhas, mas não propriamente os clubes que deveriam beneficiar com elas. E assim se perceberá melhor a razão pela qual, na maioria dos casos, os clubes não compram jogadores idóneos, acumulando nos seus plantéis vários futebolistas medíocres e pernas-de-pau – como bem o demonstraram Simon Kuper e Stefan Szymanski, em 2010, no livro intitulado “Soccernomics” (da Nation Books), que é já um clássico em qualquer boa biblioteca sobre o futebol.
O fanatismo e a cegueira clubística da generalidade dos adeptos do pontapé- -na-bola – e não apenas das claques financiadas pelos próprios clubes –, acicatados e assanhados por dirigentes ignaros e irresponsáveis, são outros dos factores malignos que contribuem para infectar e inflamar o futebol, poluindo o ambiente que envolve o espectáculo e tornando tantas vezes perigoso estar sentado nas bancadas de qualquer estádio a fruir de um jogo que deveria proporcionar prazer, mas que acaba por alimentar o ódio entre clubes rivais, que há muito deixaram de se considerar adversários e passaram a agir publicamente como inimigos figadais.
Será que – parafraseando a célebre fórmula de Carl von Clausewitz no seu estudo clássico intitulado “Da Guerra” – “o futebol é a continuação da guerra por outros meios”? No início da década de 1960, o grande sociólogo e politólogo francês Raymond Aron comparou o futebol e a guerra numa famosa evocação – publicada nas páginas do semanário “L’Express”, de que ele era então o director político – da inesperada e surpreendente vitória da selecção de futebol da Alemanha sobre a admirável selecção da Hungria na final do Campeonato do Mundo de 1954. Para Aron, fino conhecedor do jogo de futebol e das suas regras, tratou-se de uma “vitória crucial, que ultrapassou o estrito quadro desportivo”, dado que, simbolicamente, o êxito da Mannschaft permitiu que a Alemanha regressasse ao “grande concerto das nações”, dez anos após a sua derrota total perante os Aliados.
De facto, tal como na guerra, também no futebol existe um simbolismo e um léxico guerreiros, com as suas máscaras, os seus cânticos, os seus hinos e, sobretudo, as suas claques, sempre agressivas e tantas vezes violentas, a destilarem ódio e desprezo pelos inimigos, e com nomes bárbaros com conotações fascistas e nazis. Paralelamente a estas guerras promovidas pelas claques, que chegam a provocar vítimas mortais, de-senvolve-se também a guerra das transferências, sobretudo as multimilionárias, que pesam de forma decisiva nos orçamentos anuais dos clubes e alimentam, inevitavelmente, os seus défices, que chegam a ser astronómicos. Há quem diga, e eu concordo, que o futebol é um espelho da sociedade em que se insere. Para ganhar, é preciso ter mérito e alguma sorte, mas também haver uma certa injustiça e, cada vez mais, bastante demagogia, corrupção e batota. 
Num célebre ensaio intitulado “Os jogos e os homens – A máscara e a vertigem”, publicado em França em 1958 e em Portugal em 1990 (pela Cotovia), o seu autor, Roger Caillois, referindo- -se à noção de “jogo” em geral, e não especificamente ao futebol, escreve que “há casos em que os limites se esfumam, em que a regra se dissolve” e as “concorrências ideais” se desfazem mergulhando num “real sempre problemático, equívoco, emaranhado e variado onde os interesses e as paixões não se deixam facilmente dominar, mas a violência e a traição são moedas correntes”. Aplica-se como uma luva ao futebol actual, que já não é competição desportiva e em que o “espírito do jogo” se desvanece para dar lugar a “jogos de imitação e de ilusão” que “prefiguram as religiões do espectáculo”.
Hoje há comportamentos e atitudes que deixaram de ser pensáveis no futebol, sobretudo no que respeita aos dirigentes dos clubes, às claques organizadas e financiadas por eles e ao fanatismo instilado nos adeptos em geral. Como afirma Caillois, o jogo pressupõe, obviamente, a vontade de ganhar através da utilização plena dos recursos à disposição e da exclusão das jogadas proibidas. Mas exige mais: a necessidade de ser cortês com o adversário e de o enfrentar sem animosidade. É preciso aceitar antecipadamente uma eventual derrota, o azar ou a fatalidade, admitindo-os sem cólera nem desespero, porque quem se zanga ou lamenta é quase certo que cai logo em descrédito. Ora, tudo isto é impensável no futebol actual, transformado num negócio em que se ganham e se perdem muitos milhares de milhões. Ninguém aceita que o que foi ganho pode ser perdido e que está mesmo, por natureza, destinado a ser perdido. E ainda menos se admite que a forma como se vence é mais importante do que a vitória em si. Para dirigentes, claques e adeptos fanáticos, está totalmente fora de causa aceitar a derrota como mero contratempo ou celebrar a vitória sem embriaguez nem vaidade. 
Há, finalmente, esse sentimento de impunidade segundo o qual não se toca num clube a não ser de mansinho e nunca se lhe deverão aplicar castigos exemplares ou radicais. Ora, tal sentimento de impunidade só é agravado pela promiscuidade escandalosa que existe entre dirigentes dos principais clubes de futebol e muitos dos principais dirigentes políticos. Confesso que é sempre com um sentimento de vergonha que constato, na TV, quão solenemente são recebidos num restaurante da Assembleia da República, para um almoço ou jantar de confraternização verdadeiramente patética, os presidentes dos principais clubes de futebol por deputados dos principais partidos, tão unidos no apoio incondicional aos clubes de futebol da sua predilecção. Acredito, muito sinceramente, num futuro radioso para a corrupção e a violência no futebol português. Tal como no futebol europeu e no futebol mundial."

As lágrimas de Patrício

"A semana já tinha começado com lágrimas. Nas fotografias do ataque à Academia de Alcochete, não foram apenas os cortes na cabeça de Bas Dost a chamar a atenção. Os olhos fechados e molhados traduziam de forma dolorosamente impressiva um momento que nunca deveria ter acontecido. No final do jogo de ontem, Rui Patrício chorou convulsivamente e a imagem de Bruno Fernandes cabisbaixo e agarrado à camisola dizia sem necessidade de legenda o que os jogadores estariam a sentir. Lágrimas de uma derrota que foi mais do que costuma ser. Muito mais do que um jogo.
O Sporting já tinha perdido, fora de campo. E até o vencedor Desportivo das Aves merecia ter jogado com outra atenção, sem uma semana em que não se falou de equipas, nem de tácticas, nem de futebol. O desporto já tinha perdido. Houve os habituais piqueniques no Jamor, houve cachecóis e gritos e os passes rápidos que deve haver no relvado. A festa, essa, estava manchada.
Já muito se escreveu sobre a violência no desporto. Sobre claques, promiscuidade entre dirigentes e grupos violentos, excessos de linguagem servidos em indigestos programas de comentário televisivo. Sobre e-mails e denúncias, corrupção e discussão de factos misturados com o que a paixão decide que vê. Porque o futebol quando se torna doença é isso mesmo, uma espécie de cegueira.
Já muito se escreveu sobre a crise no Sporting. Os capítulos seguem hoje, com previsíveis discussões legais em torno de rescisões. E com guerras para decidir o poder, num clube picado aos bocadinhos e de contas que podem vir a revelar-se difíceis, tendo em conta a época que se adivinha. Há quem continue convencido de que os últimos dias foram um pesadelo apenas para os sportinguistas, não conseguindo ver o caminho que permitiu que se chegasse aqui.
Não precisamos de mais leis, nem de mais organismos ministeriais para controlar a violência no desporto. Precisamos de fazer cumprir a legislação que existe. De ser implacáveis com tudo o que mina o futebol. Das contas sujas aos fenómenos de corrupção. Na Comunicação Social, podemos começar por não dar tempo de antena a comentadores que em directo oferecem porrada. Ou retirar-nos de salas de imprensa quando os Brunos de Carvalho desta vida ficam horas a falar sem espaço a perguntas. Se nem desta vez aprendermos alguma coisa, o futebol continuará a perder."

Solidão nos campos de futebol

"De como Bruno de Carvalho me fez recordar o dia em que o Sporting foi campeão depois de 18 anos e não tinha com quem festejar do outro lado do Atlântico. O futebol é desporto colectivo

Ali estava eu, com tudo acontecendo e sem ter com quem partilhar o acontecido. Falto de cumplicidade e sorrisos entendidos, uma que outra lágrima, se fosse o caso. Por vezes, a felicidade irrompe sacros lacrimais adentro e uma pessoa chora quando antes mesmo ria. Os meus olhos estendiam braços em vão. A solidão no futebol é cruel mesmo na alegria.
Na minha existência só sentira conscientemente aquele júbilo numa ocasião – e daí para cá, apenas outra. Dizer-me desamparado é pouco, caminhava como que contido por um casulo, qualquer manifestação pública cerceada pela narrativa que mais ninguém entendia. Era um homem que palmilhava ruas de Buenos Aires atascado de ventura.
Tinham sido 18 longuíssimos anos de espera, como quem aguarda na praia que as correntes tragam a garrafa com a mensagem. E naquele momento em que a mensagem chegava, em bom estado e com grandes novas, engasgava-se-me na garganta e ali permanecia. Espirro ameaçando sem se concretizar. A tristeza pede solidão, a alegria é multidão.
Habituei-me cedo ao abraço anónimo do golo. Mesmo que fosse o pai a receber o primeiro, seguiam-se-lhe sempre outros à volta, a humildes desconhecidos da família clubística. O nosso confluir no cumprimento, a falta de estranheza no gesto íntimo do amplexo, a dispensabilidade de explicações derivavam da linguagem tácita da paixão clubística. O futebol não é caso de vida ou de morte, mas o amor a um clube acompanha-nos até à morte como a trivialidade de respirar.
O futebol é desporto colectivo – na relva, na bancada, em casa, no emprego, no café. E em nenhum outro momento da vida o entendi melhor que nesse dia na capital argentina, em que vira pela televisão o Salgueiros ser vergado, o Sporting sagrar-se campeão e aquele café de Coimbra poder, finalmente, actualizar o preço da bica. O futebol também é isto: ser um bom adepto e um mau negociante.
Ao fim de 216 intermináveis meses, ali estava eu a querer falar uma linguagem estranha para seres que não entendiam Sporting (fluentes em Boca, em River, em San Lorenzo), sem possibilidade de partilhar com ouvidos conhecedores – a internet ainda era arcaica e os telefonemas caros, mais ainda para um universitário com bolsa. Parecia o começo de Dickens: o melhor dos tempos, o pior dos tempos. Fosse eu menos tímido e teria interpelado pessoas na rua para lhes contar a grande notícia (confesso que entrei num café para pedir uma cerveja e confidenciar a quem ma entregava o que estava a festejar).
O futebol não se conjuga com experiências solitárias. Dos jogadores aos gabinetes. Nem sequer é coisa só do presente, comunga-se com todos do passado e passa-se como legado ao futuro. Estar orgulhosamente só nada tem a ver com a experiência do adepto e traz apenas ecos de outros passados que não se devem partilhar.
O futebol não é a vida. É um jogo. Colectivo. Menos de oito numa equipa e acaba nesse momento. E volta tudo ao balneário. Nem as grandes estrelas jogam sozinhas. Maradona ganhou um Mundial quase sem ajuda, mas todos sabemos da sua qualidade divina e Deus é omnipresente – logo, tem nele uma equipa.
Vicente del Bosque, que ganhou um Mundial e um Europeu como seleccionador espanhol, afirmava que não acreditava em prémios individuais porque o futebol é colectivo, e Xavi Hernández, o médio do Barcelona e da selecção, reiterava que o seu futebol não fazia sentido sem os companheiros. Tirem a um jogador a equipa e, por mais talentoso que seja, fica reduzido ao papel de brinca-na-areia.
Se assim é no campo, mais ainda fora dele. Um treinador, um dirigente, qualquer um está ao serviço do colectivo. Quem acredita no contrário engana-se. Eu sou Sporting, mas o Sporting não sou eu. Quando confundimos, invertemos, alteramos esta ideia perdemos o rumo, somos como aqueles presidentes que mudam a Constituição para superar o limite de mandatos e ficar mais tempo no poder. Tão imprescindíveis se julgam que sem hesitações exclamam: “O poder sou eu!”
Num clube com 3,5 milhões de adeptos ou noutro com 50, importa o que se comunga, não a experiência particular. No momento em que estamos sozinhos nas alegrias e tristezas do clube que adoramos, pode ser mera questão geográfica e aí apenas nos resta buscar alguém que possa perceber ou ser iniciado na secreta arte de amar um emblema. Caso contrário, temos de chegar à conclusão de que o problema não são os outros, principalmente quando já são tantos a merecer comentários, farpas, insultos, ameaças de processos. O meu tio, uma vez, entrou numa autoestrada em sentido contrário e chamou nomes a vários automobilistas com quem se cruzou até perceber que era ele quem avançava em contramão e atirar o carro para a berma, para evitar um acidente. Bruno de Carvalho parece o meu tio."

Bruno de Carvalho "foi o instigador moral da violência de Alcochete" e a "sua saída é uma questão de dias"

"Bruno de Carvalho de saída?
1. Acabou o ciclo de Bruno de carvalho. A sua saída é uma questão de dias. E ele é o único culpado de tudo isto. Até terá feito coisas positivas: a regeneração financeira do Sporting; o reforço da sua projecção desportiva; a construção de infraestruturas para as actividades amadoras.
2. Só que nos últimos tempos cometeu alguns pecados fatais:
a) Primeiro: quis ser o Pinto da Costa do Sporting e falhou. Deslumbrou-se com o poder, abusou do poder e quis ser o dono do clube. Isto foi-lhe fatal.
b) Segundo: teve uma síndrome napoleónica e quis controlar tudo, quis mandar em todos e disparou em todas as direcções. Outro erro fatal.
c) Terceiro: não percebeu que num clube de futebol o mais importante não é o presidente, nem são os directores, nem os treinadores. São os jogadores. Afrontar os jogadores é o suicídio para qualquer um.
d) Finalmente: foi o instigador moral da violência de Alcochete. Foi o seu discurso irresponsável que criou a atmosfera que levou aos acontecimentos desta semana. Só isto implicava a sua saída. 
3. Finalmente: o risco do populismo. Uma grande parte dos sócios do Sporting só agora se apercebeu dos vícios do seu presidente. Já há anos tinha sucedido o mesmo fenómeno no Benfica com Vale e Azevedo. Convinha, no futuro, haver mais atenção! É com estas desatenções que se vai deixando medrar o populismo. Hoje no futebol. Amanhã na política. Depois não se queixem!

Violência do Futebol - De quem é a culpa?
1. De quem é a culpa da violência no futebol? Primeiro, dos clubes, porque estão nas mãos das claques; depois, da Liga que está nas mãos dos clubes; e, finalmente, dos governos, que são fracos, incompetentes e têm medo de agir. A FPF é a única que tem alertado e batido o pé.
2. Vejamos alguns exemplos:
a) Primeiro: os políticos passam a vida de braço dado com os dirigentes do futebol. Depois não têm autoridade nem independência para agir. Fazem vista grossa a tudo.
b) Segundo: não há coragem de aplicar sanções. Olhemos para o caso de Alcochete:
- A justiça e a política agiram, e bem.
- Do lado desportivo, todos falharam, e mal.
- Algum dos prevaricadores foi expulso de sócio do Sporting? Algum dos prevaricadores foi inibido de entrar nos estádios de futebol? Algum inquérito disciplinar? O Sporting, a Liga ou os organismos do Estado tomaram alguma decisão? Nada. Hoje é no Sporting. No passado foi no FC Porto ou no Benfica. A história repete-se e ninguém actua.
c) Terceiro: não há coragem de controlar as claques e sancionar os clubes quando as claques prevaricam. Se o futebol é um mundo à parte, as claques são verdadeiros Estados dentro do Estado. 
- São escolas de crime e ninguém lhes vai à mão.
- São guardas pretorianas dos presidentes dos clubes e acabam a mandar nos presidentes, sem que ninguém ponha ordem na casa. É assim no Sporting.
- É assim no FC Porto e é assim no Benfica. Alguém agiu? Nem os clubes. Nem a Liga. Nem os governos. Todos fazem vista grossa.
d) Quarto: além de fraqueza, só se vê incompetência. Toda a gente diz que temos as melhores leis do mundo. É mentira. A nossa lei contra a violência no desporto só permite aplicar sanções acessórias (tipo interdições) no âmbito dos espectáculos desportivos. E fora destes, como é o caso de Alcochete? Como não havia espectáculo desportivo, a lei não se aplica. Como é possível? Por que é que não se corrigiu e alterou a lei? Isto é incompetência à solta.
3. Apelo ao Presidente da República – O PR tem falado muito, e bem, dos riscos do populismo. Ora, o populismo também se alimenta disto: do medo; da insegurança; do extremismo; da fragilidade das instituições. Pois bem. Gostaria de ver o PR a "obrigar" o Governo a tomar medidas e a aplicar sanções a sério para combater a violência no desporto. Porque os clubes nunca aplicarão uma única sanção. Se o fizer, o PR dará uma boa ajuda para combater o populismo. É que o populismo combate-se agindo e não só falando. No futebol e na política.

Os Devedores aos Bancos
1. Há muito que reclamo – tal como outros – que os bancos que tiveram ajudas do Estado devem divulgar a lista dos seus principais devedores. Os banqueiros, a começar no Banco de Portugal, normalmente opõem-se.
2. Esta semana, tivemos esta coisa curiosa: um dos mais prestigiados banqueiros do mundo – Horta Osório, Presidente do Lloyds Bank em Inglaterra – veio dizer o seguinte:
- Se há lucros, os accionistas dos bancos beneficiam.
- Se há perdas, os accionistas têm de assumir as suas responsabilidades e injectar capital.
- Se não o podem fazer e o Estado tem de intervir, então é da mais elementar justiça que o país saiba ao menos quem foram os grandes devedores dos bancos que originaram prejuízos, buracos e imparidades.
3. Foi preciso ser um banqueiro vindo de fora – e um dos mais influentes do mundo – a dizer o que nenhum banqueiro em Portugal ousa dizer, apesar de ser de meridiana clareza e transparência. Afinal, ainda somos muito provincianos.
4. Esperemos, agora, que o Parlamento mude a lei para que a transparência se afirme em definitivo.
(...)"