quinta-feira, 17 de maio de 2018

Agora é preciso salvar o Sporting

"Os últimos dias trouxeram-nos uma visão dantesca de tudo o que há de pior no mundo do desporto e tudo concentrado num único clube: o Sporting Clube de Portugal.
Na edição de hoje, de A Bola, o leitor pode tomar contacto directo com parte significativa da investigação que o Departamento de Investigação e Acção Penal do Porto, tem levado a cabo no que respeita a indícios de corrupção em jogos de futebol, na operação cash-ball, e que se junta ao processo já conhecido sobre indícios de corrupção que poderão ter atingido a verdade desportiva no andebol. Fazemo-lo na convicção profunda de que estamos a prestar um serviço público e que distingue o interesse público do simples interesse do público.
O conhecimento do escândalo dos mais graves indícios de corrupção no desporto sucede-se, em menos de 24 horas, ao acto de puro terrorismo, levado a cabo por cerca de cinquenta adeptos radicalizados do Sporting, que terminou com uma brutal agressão a treinadores e jogadores do clube, o que fez, enfim, disparar os sinais de alarme do poder politico, numa dimensão que A Bola, há muito, recomendava.
Os efeitos de tudo isto no Sporting, no seu nome, no seu prestígio, no seu património não são ainda conhecidos em toda a extensão, mas sabe-se que serão devastadoras. Tão devastadores que podem pôr em causa a sobrevivência do grande clube, pelo menos, na dimensão que merece e para a qual gerações e gerações de sportinguistas trabalharam durante mais de um século. Não vale a pena perder tempo com defuntos. E não perderemos. Agora é o momento em que todos devemos ajudar a salvar o Sporting."

Vítor Serpa, in A Bola

O futuro pós-BdC

"A questão já não é saber como nem quando Bruno de Carvalho deixará a presidência do Sporting. Os factos, gestos e palavras nos últimos tempos falam por si e seria até excessivo recordá-los face a uma tão consensual conclusão: a de que só mesmo o mais cego dos seus seguidores acha que ele tem condições para se manter à frente do clube e da SAD - que os há, atenção, que os há. Ainda...
A partir de agora a discussão será outra: como irá ser conduzido o clube a partir de agora. E quem deverá fazê-lo. Por enquanto é cedo para falar em candidatos, mas não a partir de segunda-feira, após a final da Taça de Portugal, frente ao Desportivo das Aves.
Com uma narrativa populista, o ainda presidente manteve-se no poder durante cinco anos, com uma ampla base de apoio, roçando os 90 por cento. O trauma de direcções anteriores incompetentes, permissivas e rotuladas de demasiado elitistas criaram uma enorme massa de contestatários à espera do novo messias, aquele que lutasse contra o mundo que há muitos, muitos anos tinha decidido conspirar contra o senhor leão.
Talvez o melhor presidente do Sporting para o futuro imediato fosse alguém que fugisse a essa dicotomia;que reunisse argumentos, imagem e background que dificilmente o associassem ao carvalhismo ou à turma do croquete.
Sinceramente, não vejo assim tantos putativos candidatos. O que sei (não tenho grandes dúvidas) e que quem vier terá menos dinheiro para gerir - e já nem falo de potenciais rescisões de jogadores por justa causa. E muito menos dinheiro, é também o futuro de Jorge Jesus que está em jogo - e o de muitos jogadores caros por causa da política de investimento recente. O próximo presidente terá de ser tudo o que não foi Bruno: um diplomata."

Fernando Urbano, in A Bola

Eu, Bruno, eu!

"Ignóbil violência - no balneário, 'coração' de equipa!!! Clareza: há quem não pode ficar na sombra...

Sismo! Com elevadíssimo grau e brutal erupção vulcânica jorrando lava sobre enorme Instituição do Desporto português. Devastadoramente terrível, ignóbil violência, o que se passou na Academia de Alcochete - com a extrema agravante de ter sido possível (!!!) acontecer tão no interior de amplas instalações que atingiu o coração de qualquer equipa: o seu balenário! - tem directíssimas culpados e também, haja clareza, outros responsáveis que, face aos antecedentes, não podem ficar na sombra. Não podem! Estamos perante factos, provadíssimos, impossíveis de camuflar, descambando no horrível!
Logo no dia seguinte, sismo agravado no mundo sportinguista: 4 detidos, incluindo braço direito do presidente, sob a forte suspeita de corrupção em jogos de andebol e de futebol. Aguarde-se o que a Justiça terá a dizer.

Nunca antes visto: jogadores e treinadores violentamente agredidos num balneário! Apogeu de limites ultrapassados!
Mais do que visto: sinais, ou certezas, de corrupção galopante no vale tudo para ganhar. Do Apito Dourado, fundamentalmente portista, a este caso sportinguista, passando pelos dos e-mails benfiquistas, todos os nossos três maiores clubes são angélicos, incapazes de tão vis acções. Atiram pedregulhos uns aos outros, mas juntam-se à mesma esquina, tocando concertina.


«Foi chato»... Eis quem é - ou o estado a que chegou - e presidente do Sporting. Degradante, a súmula do que teve a dizer sobre o caos de violência devastando plantel e treinadores. Primeiro, criticou o secretário de Estado! E chegou à síntese: «Foi chato, mas amanhã é outro dia». Isto é de presidente?!!!! Niquinho que fosse de responsabilidade dele? Qual quê!
E agora, atingindo o auge da desestabilização, do descontrolo, para não falar da maluquice que BdC, escassos dias antes, afirmara necessária para ter sucesso? Os sócios do Sporting, que duas vezes o elegeram por esmagadora maioria, dirão.
Os mais recentes dados sobre o perfil psicológico de BdC, ou o estado a que chegou, são estes:
- Queixa-se do mundo, e ataca-o, mas foi quem, ferozmente, se atirou a ex-presidentes, de Roquette a Godinho Lopes, passando por Dias da Cunha e Bettencourt.
- Em Fevereiro, Sporting taco a taco com o FC Porto pelo 1.º lugar, forçou AG para mudar Estatutos e criar Regulamento Disciplinar contra sócios discordantes (não podia esperar pelo fim da época...). Ampliando fissuras até crateras, divulgou lista de 50 sócios, renegando-os como sportingados!
- Cúmulo: público ataque aos jogadores. Como estes reagiram, «estes todos suspensos». Teve de ser Jorge Jesus a elevar-se a estadista, evitando que o Sporting alinhasse com a equipa B! E, aó, JJ assinou a sua condenação: BdC nunca lhe perdoaria ter ficado ao lado dos jogadores. Presidente incapaz de perceber que um líder tem de defender a sua equipa... líder não é!
- Saíndo BdC do Facebook, aí surgiu o seu pai. Com sibilino ataque ao treinador! Se este ainda tivesse dúvidas...
- Jogo no Funchal, decisivo para o 2.º lugar. Que fez o presidente? Na véspera, em longa entrevista, voltou a malhar nos jogadores e, claramente, acrescentou-lhes o treinador. Guerra total e sou eu o dono disto tudo. Não foi ao jogo decisivo!
- No dia seguinte, convocou reuniões com equipa técnica (informando de rescisão dos contratos) e com o plantel (todos saíram macambúzios). A dias da final da Taça, mas isso que tem?! À saída, na janela do carro: perda de 20 milhões, «que já estavam contabilizados». Como, se o Sporting, para entrar na fase de grupos, teria (como o Benfica terá) de passar por dois adversários e quatro jogos?!
- Pelo meio, guerra aberta com o plantel, vincadamente com Patrício e William ( se ficarem, deixarão de ser capitães) e, diz-se, estando outro prioritário alvo em... Bas Dost.
- Ele há coincidências... Ia começar Sporting - Benfica, tochas atiradas por claque sportinguista para a baliza de... Rui Patrício! (este evitaria a derrota do Sporting; e, no Funchal, não foi a sua fífia - única desde há largos anos - que, ao cair do pano, decidiu o 2.º lugar; empate daria o mesmo). No regresso do Funchal, adeptos quiseram agredir... quem?; Patrício e William. Conseguindo entrar no parque para jogadores... Daí para a violência consumada no balneário da Academia!
Quem semeou vendavais? Por regra, claques tornam-se braço armado de dirigentes que as utilizam quando entendem necessário, amiúde até dentro do próprio clube.
BdC e os dirigentes que não o controlam demitem-se? Obviamente, não! Fuga para a frente: pedido de outra AG. Têm a palavra o presidente da AG e os sócios."

Santos Neves, in A Bola

PS: O objectivo da campanha anti-Benfica foi conseguido, este cronista e muitos outros, nestes últimos dias metem os e-mails, no mesmo saco do Apito Dourado e das actuais Mãos Sujas!!! O facto, de nos e-mails, não existir um único indício de crime desportivo, nenhum indício de suborno de árbitros ou jogadores, coacção ou algo similar, é indiferente para esta gente... vai tudo para o mesmo saco!!!

Sporting

"O que se está a passar no Sporting para quem segue o futebol português com algum distanciamento, não sei se dá para rir ou chorar.
A recente vida do Sporting faz-me recordar algumas peças teatrais de William Shakespeare, que é considerado o maior escritor inglês e o mais influente dramaturgo do mundo. O seu género literário tinha que ver com drama, comédia e tragédia. É exactamente o que se está a passar no Sporting.
Uma das peças de Skakespeare, "Um sonho numa noite de Verão". Este amor entre Bruno Carvalho e Jorge Jesus, que tinha como sonho ser campeão nacional desvaneceu-se e acabou mal, como muita gente previa. O Sporting ao ser afastado da Liga Europa, não ser campeão e, ainda por cima, ser apeado do 2.ºlugar que dava a possibilidade de ir à Liga dos Campeões, precipitou uma crise brutal com um final imprevisível.
Ao longo do campeonato, ainda houve momentos para disfrutar, rir e ter esperança. Todavia nos momentos das grandes decisões o Sporting falhou em toda a linha.
Qualquer semelhança entre Bruno Carvalho e Jorge Jesus é pura coincidência e estavam cientes dos riscos que corriam. Bruno Carvalho primeiro polemizou com os jogadores, a seguir à derrota contra o Atlético de Madrid.
Depois, foi com o treinador e jogadores, chegando-se mesmo a vias de facto com agressões indecorosas. Tudo isto aconteceu pelo ambiente criado à volta da equipa de futebol.
É lamentável, o que se passa e já deveria ter havido uma intervenção do secretário de Estado do Desporto João Paulo Rebelo, assim como, do presidente da Liga de Clubes e do presidente da Federação Portuguesa de Futebol.
O Sporting parece que vive num mundo à parte, do que deve ser um clube de futebol, num Estado de Direito. Quando morrer alguém é que se vai tomar medidas drásticas. Já faltou mais.
O Sporting também me faz lembrar outra peça de Shakespeare "Hamlet" em que traça um mapa do curso de vida na loucura real e na loucura fingida — do sofrimento opressivo à raiva fervorosa — e explora temas como a traição, vingança, corrupção e moralidade. O Sporting também me faz lembrar outra peça de Shakespeare a "Comédia dos Erros" numa sucessão de mal-entendidos e confusões. Todo este enredo vai desaguar em quem menos culpa tem – os adeptos do Sporting. A massa associativa do Sporting é só a melhor que conheço, pois estão fartos de perder e sofrer, aguentam estoicamente sem deixar de apoiar o clube. Mas nunca lhes passou pela cabeça que se chegasse a este ponto.
Todavia não se podem queixar porque foram eles que votaram massivamente neste presidente.
Por fim, a peça de Shakespeare, "Otelo" centra-se num homem ciumento e cego, capaz de agir sem pensar que faz lembrar Bruno Carvalho. Uma peça onde a tragédia corre para um desfecho terrível e nada se pode fazer além de acompanhar tudo até o final.
Bruno Carvalho que tanto fala em defender o Sporting, ainda não percebeu que está a prejudicar seriamente o clube que representa.
Pelo que se pressente, vão-se ver à nora para o tirar de lá."

Controlo apertado da violência

"Ver a palavra terror associada a um desporto que aprendemos a viver com paixão, cor, alegria, emoção é algo que, confesso, me deixa profundamente indignada. O esforço de todos – repito, todos - os que trabalham pelo rigor e profissionalização do futebol, muitas vezes em prejuízo das vidas pessoais, não pode ser vandalizado por grupo de pessoas, cegos de ódio e irracionalidade.
A Liga Portugal sabe qual o caminho que deve seguir e tem apostado, sem hesitação e, por vezes, até em dessintonia com algumas Sociedades Desportivas, no melhoramento incondicional dos estádios de futebol. Queremos mais conforto, mais festa, mais espaço para a família e não podemos aceitar episódios de violência extrema em circunstância alguma, muito menos contra aqueles que são os verdadeiros protagonistas do futebol.
No dirigismo português, diria até na sociedade em geral, urge acabar com os discursos inflamados e atitudes raivosas, que infelizmente, muitas vezes, reflectem em comportamentos criminosos. Na Liga temos a porta aberta para quem quer colaborar, havendo cada vez mais espaço para o diálogo, troca de ideias e até para a discordância. Todos juntos, seremos mais fortes e podemos capitalizar essa união num futebol mais dinâmico e mais rico.
Os momentos de terror existiram. Estamos totalmente à disposição das autoridades no imediato, e da tutela em termos gerais, para um relacionamento de estreita colaboração no controlo apertado da violência, de forma a banir todo e qualquer comportamento criminoso no futebol. Medidas internacionais de controlo dos adeptos devem ser implementadas em Portugal. Inequívoca, porém, é a obrigatoriedade imediata de uma punição exemplar. Esta é, talvez, a única forma de apagar um perigoso rastilho, que pode causar danos irreversíveis num futebol, o nosso futebol, que queremos ver mais bem tratado."

O futuro do Sporting

"A crise do Sporting tem várias dimensões, desde logo porque ao miserável ataque de Alcochete se somam as graves suspeitas de suborno de jogadores e árbitros.
Convém anotar que se o primeiro caso, apesar da extrema gravidade, não é exactamente inesperado - à violência nos campos de futebol e imediações, que tem tido vários episódios, é preciso juntar um padrão no clube que conduziu a esta desgraça - já o segundo caso provocou o espanto e (em mim) a indignação: o Sporting de Bruno de Carvalho tem se apresentado como o grande defensor da verdade desportiva liderando mesmo as denúncias sobre más práticas, designadamente no Benfica.
Seria a suprema ironia e -pior - o sinal de que tudo está errado se o Sporting estivesse agora envolvido em casos em que a verdade desportiva é adulterada.
Estas são as duas questões macro e delas decorrem uma série de reflexões. Por partes:
Demissão sim ou não?
A linha chegou ao fim para Bruno de Carvalho, o pedido de uma assembleia geral extraordinária é um expediente. Mais um.
Se Bruno sair pelo seu pé presta um último bom serviço ao clube. Fui crítico severo da sua presidência no início, reconheço o enorme mérito da sua acção em muitas áreas e apoiei por isso a sua reeleição. Agi sempre de acordo com a minha consciência e é esse facto que me deixa liberto para, na condição adepto do Sporting, escrever agora que o seu tempo chegou ao fim.
Não o diabolizo, nem entro em julgamentos sumários. Já estão em marcha e outros se seguirão. O Sporting saberá regenerar se, e é normal que esse processo leve tempo. Que tenha custos.Que seja doloroso. É o preço a pagar.
No imediato é preciso bom senso. Entregar o poder, por exemplo a Carlos Vieira, num momento delicado em termos financeiros e com a preparação da nova época pode ser uma solução a considerar. Solução temporária. Mas é preciso que Bruno de Carvalho dê esse passo. E que Vieira aceite, claro.
O desfile de putativos candidatos que já começou nas televisões (apesar de eles dizerem que não...) não é nada de novo mas é tão triste como sempre.
Agressores e Claques
Os 23 detidos que estão para já entregues às autoridades devem ser julgados é exemplarmente punidos, não apenas no plano social.
Devem ser banidos dos estádios de futebol e dos recintos desportivos em geral. O que fizeram não tem perdão. O Sporting deve identificar esta gente e expulsa la.
Em relação às claques oficiais tem também a oportunidade de redefinir o território de actuação. Se for necessário acabar com o apoio isso deve ser feito sem a menor hesitação.
Política, Federação e Liga
Depois de dois secretários de estado a dizer banalidades, ontem o poder político apareceu em força. 
Entre vexados e chocados que fique claro que o ponto não são as palavras ou os estados de alma. Este Governo (e o Presidente, pela sua natureza) têm andado de braço dado com o futebol quando há festa, mas nunca sujaram as mãos. Chegou a hora. E não é preciso nenhuma nova Autoridade, basta ser rigoroso no cumprimento da Lei. E não ter medo.
Federação e Liga também se ficaram pelas palavras de circunstância num tempo que era de acção. Ouvir Pedro Proença a pedir "reflexão" é penoso.
Jogo, sim ou não?
Com certeza que o Aves nada tem a ver com a situação, mas cancelar e remarcar o jogo era uma decisão sensata - em termos de segurança - e que daria um sinal poderoso de que estamos perante uma situação excepcional que pede uma acção excepcional.
No domingo, e apesar do comunicado dos jogadores, o Sporting estará diminuído, a festa será sempre postiça, a segurança anormal e o ambiente pesado. Ora, nada disso é bom para o futebol nem sequer para a indústria do futebol.
Suspeitas
Neste caso como noutros a investigação jornalística fez se a par da investigação judicial e, vamos ser claros, o problema não está no jornalismo.
O Sporting no comunicado da noite de ontem deveria ter feito uma referência explícita a estes acontecimentos e, mais, deveria ter afastado até conclusão das investigações os dois colaboradores, um deles o líder da estrutura do futebol.
Se o que aí vem é um assunto sério ou não ainda é cedo para responder.
E agora?
Nestes dias de chumbo o mais difícil tem sido explicar ao meu filho pequeno o que está a acontecer. 
Eis aquilo todos temos que pensar - o Sporting e o futuro."


PS: Que azia vai por aqui...!!!

Cumpra-se a lei

"A fraqueza do nosso dispendioso Estado, quando se trata de atacar os tumores do futebol, fica evidente ao ouvirmos as palavras de Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa e Ferro Rodrigues sobre a violência que grassou no Sporting. As três principais figuras da nossa Democracia perdem-se em declarações toldadas pela emoção, quando uma simples frase contém a necessária solução: cumpra-se a Lei!
António Costa quer até criar mais uma instituição. Um grupo de trabalho. Uma alta autoridade, imagine-se. Mais uma alta autoridade. Uma alta oportunidade para empregar um punhado de boys com a missão de apresentar propostas novas sobre problemas velhos. Nada contra o combate ao desemprego qualificado. Mas, antes de tudo, o primeiro-ministro que faça o Governo cumprir as leis em vigor! As polícias que sejam polícias. Os magistrados, magistrados. As medidas de coação, penas de prisão.
Desde o início do século, Portugal tem normas suficientes e adequadas para atacar o problema da violência no futebol, ou noutros desportos. Também não será por falta de previsão legal que um dirigente instigador do ódio ou da agressividade ficará por punir. Que o Estado se empenhe em fazer cumprir as leis que dele emanam. Se for necessário agravar o quadro penal, agrave-se. É necessária alguma instituição nova para isso?
Que o Estado tenha finalmente vergonha de deixar crescer, escoradas por centenas de polícias, áreas que renegam as mais básicas regras sociais.
O problema, nestes textos já várias vezes apontado, é que sempre se tem olhado para o futebol como o circo necessário para disfarçar a carência de pão. O Estado olha para as hordas que medram em torno dos principais clubes com a complacência de um culpado. Será agora que o País ataca a sério este problema grave de criminalidade, que impede o futebol de evoluir para um espectáculo são e familiar? Será agora que o ambiente das bancadas se tornará compatível com a qualidade dos estádios que construímos para o Euro 2004? Infelizmente, não acredito. Mas seria uma grande felicidade estar enganado.
Para finalizar, olhemos para a cúpula do actual Sporting. Se alguém julga possível ver Bruno de Carvalho e seus sequazes entregarem o poder como gente civilizada, desengane-se. Veremos o que ainda há para sair da cartola deste, autodenominado, afamado maluco.
Bruno de Carvalho não tem um futuro risonho se os sportinguistas o fizerem sair da liderança do clube. E muito haverá para saber, sobre verbas, métodos e comissões, destes últimos anos de um Bruno alucinado, cada vez mais ditador.
Aos sportinguistas de bem vai ser exigida firmeza e coragem para reerguerem a imagem deste enorme e singular clube. Na defesa da sua posição, Bruno de Carvalho está a tornar-se perigoso. Cada vez mais perigoso."

Decisões urgentes

"O momento do Sporting obriga a ter cabeça fria mas também exige decisões. Compreende-se que o quadro crítico que o clube enfrenta deve condicionar o raciocínio lógico e ponderado. No entanto, o Sporting está a demorar muito tempo a agir e a tomar medidas que se impõem.
Mais de 24 horas depois da invasão a Alcochete e da divulgação de suspeitas de envolvimento da SAD em actos de corrupção, a direcção do clube pediu a convocação de uma assembleia geral extraordinária para "auscultar os sócios e dar todas as explicações necessárias". Não era esta a posição que os sportinguistas esperavam, a avaliar pelos testemunhos contínuos que se ouviram nas televisões, nas rádios, nos cafés, nas ruas.
Os acontecimentos que nas últimas horas têm atingido o bom-nome, a reputação e a dignidade do Sporting sucedem-se a um ritmo alucinante e reclamam decisões responsáveis. Face ao que está à vista de toda a gente, uma delas é inevitável: a demissão de Bruno de Carvalho e da direcção.
Outras medidas se impõem face à violência que grassa no futebol português. O primeiro-ministro António Costa falou na criação de uma autoridade nacional, proposta que o presidente da FPF levou precisamente à Assembleia da República em Novembro passado. É tempo de agir."

O Sporting é o novo BES?

"O Sporting já bateu no fundo? Não, ainda não, mas corre o risco de se transformar no novo BES. Mas, neste caso, não haverá um 'Bom Sporting' ou um 'Mau Sporting'. Simplesmente, não haverá Sporting.

Uma crise sem precedentes, um nível de violência que chocou o país, suspeitas de jogos comprados, indícios de corrupção. O Sporting bateu no fundo? Não, ainda não. Quando se vê um histórico do clube como José Maria Ricciardi, sem meias-palavras, a pedir a demissão imediata do presidente do clube, Bruno de Carvalho, a alertar para os riscos que o clube está a atravessar do ponto de vista económico e financeiro, rapidamente vem à memória o que aconteceu no BES, os seus avisos, à data isolados dentro da família, e depois a queda de um grupo que parecia indestrutível. O Sporting é o novo BES? Já estivemos mais longe.
O que se passa no Sporting nos últimos meses de forma pública e notória – e podemos imaginar hoje o que já se passava nos gabinetes – permite dizer sem arriscar muito que o que está em causa é mesmo a sobrevivência de um clube histórico. Para lá das dimensões judiciais na sequência do inacreditável ato de violência de que foram alvo os jogadores e o treinador do clube, há uma dimensão empresarial que é absolutamente crítica para o Sporting ultrapassar esta crise. E tendo em conta que Bruno de Carvalho continua agarrado ao poder – tal como estava Ricardo Salgado no BES -, parece que quer ser responsável por uma última decisão: a falência do Sporting. Recorde-se, o Sporting quer adiar um reembolso do empréstimo obrigacionista de 2015, no valor de 30 milhões de euros, previsto para de 25 de maio, para novembro, e tem uma assembleia geral de obrigacionistas no próximo dia 20… Se não for aprovado, o risco de ‘default’ é enorme. Talvez se perceba melhor, agora, porque é que o BCP e o Novo Banco decidiram ‘perdoar’ 94,5 milhões de euros de dívida. Para tentar receber algum a prazo, coisa que, agora, parece mais distante.
Agora, em vez de apresentar já a demissão ou, no mínimo, acelerar a convocatória de eleições, quer reunir a assembleia geral para discutir o estado do clube. Mesmo? Há dúvidas? Há dois riscos evidentes para uma ‘besização’ do Sporting, um primeiro imediato e outro a prazo, e cada dia que passa aproxima o clube do abismo:
1. Em primeiro lugar, a falência económica e financeira, na sequência de um possível (mais do que provável) pedido de rescisão dos contratos dos melhores jogadores por justa causa. Seria um rombo ingerível, e neste quadro, é no mínimo questionável perceber quem é que estará disponível para investir em obrigações da SAD do clube, desta vez são 15 milhões de euros, que vão ser emitidas nas próximas semanas. A NOS, o principal patrocinador, mantém para já os contratos, mas Miguel Almeida já deixou avisos.
2. Em segundo lugar, os casos judiciais conhecidos nos últimos dias sobre as suspeitas de compra de resultados nas modalidades ditas amadoras e também no futebol podem ter consequências desportivas gravíssimas, eventualmente até à descida de divisão.
O Sporting parece, por estes dias, bloqueado numa crise institucional, porque está refém de um presidente, mas poderá ultrapassar esta fase se Bruno de Carvalho sair já, antes que o clube caia na crise financeira. Esta é a linha vermelha para evitar uma catástrofe. É ‘só’ isto que está em causa. Mais do que procurar novos candidatos à presidência do clube, o Sporting e os seus órgãos sociais têm de demitir Bruno de Carvalho com caráter de urgência, sob pena de virem a lamentar o que não fizeram. Porque aqui não haverá um ‘Mau Sporting’ e um ‘Bom Sporting’. Nem vão aparecer fundos americanos ou asiáticos para tomarem conta do clube. Simplesmente, não haverá Sporting."

Mãos limpas no futebol

"Há uma cultura de violência no futebol em Portugal que vai da Liga dos Últimos aos maiores da Primeira Liga. Uma cultura que se vem agravando e grassa na impunidade de quem a instiga e na indiferença das entidades públicas. É toda uma pobreza de espírito que empobrece o desporto.

o contexto geral e os casos que o moldam. O do Sporting é o mais agudo. Bruno de Carvalho não está sozinho, mas é o expoente. É ele o instigador moral do ataque aos jogadores e à equipa técnica, o pai do monstro. Alcochete era um crime à espera de acontecer.
É incompreensível que Bruno de Carvalho possa manter-se no cargo depois do que aconteceu. Mais ainda que não surja um movimento para promover rapidamente a mudança. Por ser figura central na página mais negra da história de uma grande instituição como o Sporting , mas também pelo risco que os acontecimentos recentes implicam para a viabilidade financeira do clube. Os jogadores são o maior activo de uma SAD com capitais próprios frágeis e há agora dúvidas sobre se podem sair sem deixar um cêntimo nos cofres de Alvalade. A permanência ou não de Bruno de Carvalho pode fazer a diferença.
Como os homens, também as instituições não são eternas. Quando os líderes se confundem com as próprias instituições, aumenta o risco de estas caírem com eles. A instituição Sporting precisa de se autodefender. Está convocada uma assembleia-geral extraordinária que pode servir esse propósito.
As críticas de Bruno de Carvalho à falta de acção do Governo são uma tentativa de disfarçar as suas responsabilidades, mas são justas. Há um ano, um adepto italiano do Sporting morreu nas imediações do Estádio da Luz no que se suspeita ter sido um atropelamento intencional. Isto não é de ontem, nem só do Sporting. É do futebol português, que se junta à vergonha de outros. Responsabilidade daqueles que mandam no desporto – os dirigentes dos principais clubes – e da omissão dos responsáveis políticos que se dizem agora indignados.
À violência, soma-se a corrupção, endémica e transversal. Como aqui já se escreveu, tudo isto representa uma perda de valor para o desporto e os clubes. Ainda recentemente a Nos investiu numa campanha televisiva para limpar os ares e afirmar os valores do desporto e do futebol. Depois de Alcochete, alguém acredita? As notícias de que a empresa ameaçava rescindir o acordo com o Sporting foram desmentidas, mas são reveladoras do que pode ser o impacto.
O selvagem ataque aos jogadores e equipa técnica do Sporting em Alcochete podia ser o grau zero do futebol português. Mas nada garante que outros degraus possam ser descidos. Enquanto não houver uma operação mãos limpas capaz de afastar aqueles que o estão a destruir, todos têm as mãos sujas."

O Nero do Sporting

"Tal como Nero em Roma, Trump na Casa Branca, ou Bruno de Carvalho no Sporting, não se pode compactuar com quem não se relaciona com o seu semelhante de forma racional e educada, cordata e razoável.

Durante a noite de 18 de Julho de 64 ocorreu em Roma um incêndio que devastou a cidade. O fogo começou a sudeste do Circo Máximo, onde se localizavam uns postos que vendiam produtos inflamáveis.
Não está clara qual foi a causa do incêndio, se foi um acidente, ou se foi premeditado. Os historiadores Suetônio e Dião Cássio defendem a teoria de que foi o próprio Nero que causou fogo com o objectivo de reconstruir a cidade ao seu gosto. Tácito menciona que os cristãos foram declarados culpados do delito, embora não se saiba se esta confissão foi obtida sob tortura. Segundo ainda Suetônio e Dião Cássio, enquanto Roma ardia, Nero cantava o Iliupersis. Depois do incêndio, o imperador desenvolveu um novo plano urbanístico dentro do qual projectou a construção de um novo palácio, conhecido como a Casa Dourada.
Durante toda a minha vida adulta, defendi que preferia ser sócio de um clube que, mesmo não ganhando títulos, era composto e liderado por pessoas de bem. E continuo a defender. Eduquei os meus filhos nesse pressuposto. São eles, tal como eu, sócios do Sporting Clube de Portugal.
Nos últimos tempos, tentando tapar o sol com a peneira, dizia que – apesar de tudo – preferia um Presidente desbocado e disparatado, mas que não era acusado de trafulhices.
No entanto, tal como Nero em Roma, Trump na Casa Branca, ou Bruno de Carvalho no Sporting, não se pode compactuar com quem não se relaciona com o seu semelhante de forma racional e educada, cordata e razoável. Com quem demonstra um egocentrismo exacerbado. Com quem entende que é preciso arrasar, para construir de novo.
Não sei, nem quero saber, os pecados dos jogadores do Sporting. Essa é uma matéria para os dirigentes.
Não quero que os adeptos do meu clube se comportem de forma idêntica à dos outros. Não admito que os dirigentes do meu clube copiem os defeitos dos outros. Mesmo que tais defeitos tragam todos os títulos do mundo.
Não alinho em histórias pacóvias de clubes aristocratas. Mas exijo que o meu clube respeite a tradição e honre aqueles que, no passado, defenderam o Sporting.
Os energúmenos que praticaram os actos de selvajaria, têm que ser expulsos de sócio – duvido que o sejam – e proibidos de entrar em qualquer instalação do Sporting.
Os homens bons do Clube, têm que se chegar à frente. Alguns, a título de exemplo: Madeira Rodrigues, Nuno Fernandes Thomaz, Pedro Baltazar, Nuno Correia da Silva, João Pedro Gonçalves Pereira. Qualquer um deles merece o meu apoio.
Os meus filhos não merecem isto."

Ter ou não ter uma deficiência no desporto: eis a questão

"O Estado português - através da Secretaria de Estado da Juventude do Desporto e do instituto que tutela, IPDJ, da Secretaria do Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência e do Instituto Nacional para a Reabilitação (INR) que tutela -tem, e bem, assumido a inclusão no desporto como um desígnio nacional, integrando o desporto para pessoas com deficiência sob a responsabilidade organizativa das federações com Utilidade Pública Desportiva (UPD).
Como consequência desta correta política de inclusão faz-se referência ao Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo n.º CP/2/DDF/2018, celebrado entre IPDJ, INR e Comité Paralímpico de Portugal - Tóquio 2020 - que determina no regulamento de preparação que o praticante "é o definido a nível internacional pela respectiva federação como elegível para participar nos Paralímpicos".
Do exposto resulta que, para efeitos de integração no programa de preparação Tóquio 2020, à semelhança do passado, basta a certificação de cada uma das federações internacionais (IPC, WPS, WPA, UCI, FEI etc.), demitindo-se o Estado de qualquer responsabilidade nesta matéria, ao invés do que sucede nos demais domínios em que o acesso a medidas e benefícios a pessoas com deficiência está dependente da exibição do atestado médico de incapacidade multiuso (AMIM).
Com efeito, a lei portuguesa faz depender o reconhecimento de direitos/benefícios às pessoas com deficiência em função do grau de incapacidade definido pelo AMIM, emitido nos termos da lei (D-L n.º 202/96, de 23 de Outubro, alterado pelo D-L n.º 291/2009, de 12 de Outubro), a todos os que "por motivo de perda ou anomalia, congénita ou adquirida, de funções ou de estruturas do corpo, incluindo funções psicológicas, apresente dificuldades específicas susceptíveis de, em conjugação com os factores do meio, lhe limitar ou dificultar a actividade e a participação em condições de igualdade com as demais pessoas", nos termos do artigo 2.º da Lei n.º 38/2004, de 18 de Agosto (que define as bases gerais do regime jurídico da prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência).
Nos termos do referido diploma, o AMIM deve ser requerido junto do centro de saúde da área de residência, sendo o processo de avaliação da incapacidade da responsabilidade de juntas médicas constituídas no âmbito das administrações regionais de saúde e tem por base a tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças crónicas, aprovadas legalmente (D-L n.º 352/2007, de 23 de Outubro).
Sublinhe-se que o AMIM é o documento em que se indica expressamente a percentagem de incapacidade, sendo comprovativo do respectivo grau de deficiência e permitindo a pessoas com deficiência com mais de 60% de incapacidade obter diversos benefícios/direitos, dos quais destacamos: a isenção de taxas moderadoras; benefícios fiscais em sede de IRS; produtos de apoio; prestação social de inclusão; prioridade no atendimento nos serviços públicos e/ou privados; crédito à habitação; quotas de emprego na função pública, entre outros.
A questão que se coloca é saber o motivo pelo qual a apresentação do AMIM não é obrigatória para efeitos da atribuição do benefício do financiamento público na área do desporto paralímpico, credibilizando todos os que fazem parte, prevenindo-se fraudes, desencorajando-se a sua prática e assegurando-se que os mencionados benefícios/direitos são realmente atribuídos às pessoas que deles necessitam e que visam a efectiva promoção da igualdade de oportunidades de educação, formação, trabalho, desporto, cultura.
Esta questão é de extrema relevância, porquanto a história do movimento Paralímpico Mundial demonstra que existem deficiências, designadamente a intelectual, cuja avaliação é destituída do rigor que as devia caracterizar e como tal potencialmente geradoras de significativas injustiças mercê da facilidade de ludibriar o sistema.
O exemplo paradigmático ocorreu em Sydney 2000 com a selecção de basquetebol espanhola, em que apenas 10 dos 12 jogadores tinham deficiência, tendo por este motivo a deficiência intelectual sido banida dos Paralímpicos até Londres 2012.
Continuar este estado da situação em Portugal pode ter um sério revés, a confirmarem-se suspeitas de ilegalidades que em nada beneficiariam os atletas. Estando em causa o apoio do Estado português às pessoas com deficiência através de financiamento público e tendo em conta o estatuto de UPD, que atribui às federações desportivas a responsabilidade de velarem pela legalidade, desempenhando prerrogativas de autoridade, sob pena de perderem aquele estatuto, afigura-se-nos que a exibição do AMIM deveria ser condição sine qua non para um atleta com deficiência poder ser integrado no Programa de Preparação Paralímpica, por parte das federações desportivas e por parte do CPP.
A adopção desta medida contribuiria para maior credibilização do desporto paralímpico, afastando definitivamente suspeitas que recorrentemente recaem sobre atletas, treinadores e mesmo dirigentes de perpetuarem esta situação pelas implicações financeiras favoráveis, designadamente no que se refere ao pagamento de bolsas de preparação e de prémios pelo Estado, esquecendo que o desporto paralímpico se destina a assegurar a prática do desporto de alta competição pela pessoa com deficiência e que constitui obrigação do Estado de adoptar as medidas específicas necessárias para o efeito, nomeadamente, a criação de estruturas adequadas e de formas de apoio social financiadas pelo Orçamento do Estado.
Neste contexto torna-se relevante questionar:
1. Porque é que há resistências à certificação da deficiência na área do desporto por meio do AMIM?; 
2. A quem interessa? Alguém beneficia indevidamente dos apoios paralímpicos?;
3. Porque é que existem atletas que se manifestam contra a adopção desta medida? Não deveriam estes, enquanto pessoas com deficiência, ser detentores a priori do atestado para, no seu interesse, beneficiarem dos demais direitos decorrentes da condição de deficiência?;
4. Porque é que a administração pública desportiva se põe à margem desta problemática? Não deveria ser a primeira a exigir transparência? Está em causa o dinheiro dos contribuintes.
Numa época em que a palavra de ordem é a racionalização da gestão dos recursos, as federações desportivas não se podem alhear da problemática sob pena de serem cúmplices de um sistema que está longe de ser transparente e que, se vier a provar que estão a acolher atletas que fazem batota, poderão, por essa via, perder o estatuto de UPD."

A sementeira de ventos e a colheita de tempestades

"Os acontecimentos de Alcochete são o epílogo expectável de meses de sucessivas sementeiras de ódio, de uma lógica de vale-tudo e de uma incomensurável passividade da tutela

A fama de país de “brandos costumes” faz com se abuse da sorte em demasiadas situações do funcionamento da nossa sociedade. É uma espécie de transe colectivo de confiança ou de resignação com o improviso, o acaso e os estereótipos. Ignoram-se os sinais, as tendências e as evidências para, depois de confrontados com a realidade, encetarmos laboriosas construções de narrativas desculpabilizantes e de justificações para o ocorrido.
Os acontecimentos de Alcochete são o epílogo expectável de meses de sucessivas sementeiras de ódio, de uma lógica de vale-tudo e de uma incomensurável passividade das entidades com responsabilidades de tutela de um dos maiores activos da economia nacional, a indústria do futebol, num país com a escala de Portugal. Era uma evidência que numa época em que a truculência verbal, o crime informático e a sucessão de casos no limiar das linhas vermelhas das mais elementares regras do funcionamento do Estado de direito democrático foram uma constante, o resultado só poderia ser a inaceitável violência. O inusitado é que a violência, inicialmente esboçada na invasão de um centro de estágio de árbitros, ao que se sabe sem consequências, tenha sido materializada por adeptos de um clube contra os seus próprios técnicos e atletas, num espaço de trabalho do clube desportivo em causa. É um invulgar caso de bumerangue do ódio destilado, neste caso suscitado por uma sucessão de induções de comportamento modeladas por quase duas dezenas de ausência de vitórias numa competição.
A verdade é que, no futebol como noutras actividades humanas, os estados de alma, as emoções e as circunstâncias determinam muitos comportamentos individuais e comunitários e as correspondentes consequências. Se se semeiam expectativas, colhem-se reivindicações ou frustrações. Se se semeiam ventos, a probabilidade de colherem tempestades, mesmo com as alterações climáticas, é grande. Entre a sementeira e os resultados existem factores que dominamos e outros que nos são alheios, mas a lucidez de aprender com os erros ou de simplesmente reconhecer a realidade nunca deve ser alienada. O que se passou em Alcochete é uma consequência de ensaios e de induções que foram sendo geradas ao longo de um determinado tempo. Pode ser um caso de polícia, mas é parte integrante de um processo e de um caminho que por vontade própria foi percorrido. Um caminho articulado com companheiros de viagem, integrado e sustentado, de dispersão de ódios que acabaram por ser destilados contra a própria casa. Houve interesse estratégico em induzir o caos e o vale-tudo, amiúde com conivência passiva ou activa com pontos nas autoridades judiciais e na comunicação social, tendo o bumerangue regressado à casa de partida. Não ao Hotel Altis, mas a outras dependências da convergência na dispersão do ódio destilado e da divulgação dos produtos receptados.
Chegados a este despertar tardio, mais do que revisitar frustrações de anos sem vitórias ou euforias de conquistas sucessivas, importa perceber se há vontade de mudar ou se é para persistir numa espiral que, podendo alternar o mote ou caldo de emoções, terá sempre a propensão para acabar em disparate. Os resultados estão à vista e existem sinais de que, mesmo nos mais empedernidos, há neurónios suficientes para se sobreporem ao coração ou aos ódios induzidos.
É verdade ou não que as mais radicais manifestações de adeptos nos estádios através de fumos, flashes ou petardos têm modelações em função das competições? Contidos nas provas da UEFA em que as sanções são a sério, efusivos e irresponsáveis nas provas nacionais em que as penalizações são do domínio da gargalhada?
É verdade ou não que os mecanismos jurisdicionais desportivos conseguem agregar o que de pior existe na justiça em Portugal, sendo ainda mais de geometria variável em função dos protagonistas em causa, independentemente do que é dito e feito?
O drama geral é que existem demasiadas sementeiras de ventos a serem feitas em Portugal para que não acabem em algumas tempestades, muito além de efémeras precipitações. Mesmo com um clima geral de confiança, são muitos os sinais de preocupação no PIB, que abranda no 1.o trimestre, no crédito ao consumo, que atinge o valor mais alto desde 2012, na carga fiscal, que subiu para o valor mais alto dos últimos 22 anos, e na sucessão de casos nos mais diversos sectores da actividade humana e do funcionamento do Estado. É uma sobrecarga de casos para um Estado de direito democrático, com evidentes sinais de fragilização do seu funcionamento. É uma sobredose de despudor, suspeita de ilegalidades e falta de sentido cívico e comunitário para a capacidade de processamento do cidadão que cumpre, paga impostos e contribui com o seu trabalho para o país.
Se não estamos preparados para os fenómenos meteorológicos extremos, como poderemos ser resilientes perante esta sucessão de escândalos, de chico-espertices e de esbaforidas expressões de sobrevivência, sem que se intervenha em tempo útil e no sentido adequado?
A grande questão está em saber, além do funcionamento da justiça e dos casos de polícia no estrito quadro do Estado de direito, se se nivela por cima ou se vamos continuar a permitir que nivelem por baixo o espetáculo do futebol, com os inevitáveis resultados negativos. Como sempre, está nas mãos de todos, mas sobretudo na cabeça, na voz e na iniciativa de alguns. Relativizar é meio caminho andado para mais Alcochetes. E não “foi chato”, foi mau demais.
(...)"

Isto não é futebol

"Há imagens da chegada em turba dos hooligans. Uns escassos segundos, subitamente terminados. Depois, imagens da destruição e dos jogadores atarantados, de um gigante incompreensivelmente ferido. Pelo meio, o silêncio imposto aos jornalistas.
O início da ameaça foi a exigência dessa mordaça: "Desliga isso", "se filmas alguma coisa ficas sem máquina", "se tiras fotos, parto-te a cara". A violência gratuita em estado puro, que se julga inimputável, que procura instilar o medo. Como chegámos aqui? E como sairemos desta encruzilhada?
O problema começa por ser desportivo. Quando um grupo de adeptos tenta espancar os jogadores e a equipa técnica do clube que diz apoiar ultrapassaram-se todos os limites. O repúdio do que aconteceu tem de ser consequente: a justiça deve ser exemplar. Quem tem estas práticas deve ser irradiado dos recintos desportivos.
E o que se fará quando se provar que estes hooligans fazem parte de grupos organizados de adeptos? Continuar-se-á a considerar normal que os clubes concedam privilégios a estes grupos organizados (descontos de bilhetes, autorização de revenda, utilização dos direitos de imagem, etc.) e não assumam nenhum tipo de responsabilidade pelas suas acções? Será aceitável que estes grupos de adeptos se portem como braço armado de presidentes ou direcções de clubes para criar um clima de coação sobre as equipas? E os discursos de ódio de dirigentes desportivos continuarão a ser tolerados?
Neste caso concreto, haverá alguma multa ao Sporting? Algum jogo à porta fechada? Existirá alguma consequência para o clube? A Liga ou a Federação Portuguesa de Futebol irão continuar a assobiar para o lado enquanto o clima de ódio vai alastrando?
É certo que o futebol não é apenas um desporto. Transformou-se num negócio de milhares de milhões de euros. Por isso mesmo a sua organização foi cada vez mais fechada na autorregulação dos clubes, afastando a acção e a intervenção públicas. O caminho trilhado não foi o da actividade desportiva, mas o da actividade comercial. É um negócio para os clubes, para meios de comunicação e patrocinadores. A visão da Liga Portugal traduz isso com clareza: "Mudar o paradigma actual, com a criação de um modelo de negócio mais rentável, com capacidade de despertar mais interesse dos media e atrair mais investidores." Apenas os adeptos ainda pensam este desporto com o coração.
Um jogo de futebol já não são apenas 90 minutos de bola corrida, com mais ou menos tempo de compensação. Transformou-se em horas de antecipação nos meios de comunicação, das imagens em direto dos insultos entre claques à chegada ao estádio, dos programas que se transformam em arenas de circo onde os argumentos se resumem a ofensas, das apostas ao minuto e dos milhões que precisam da corrupção para viciar os resultados.
O aumento do discurso de ódio, em que agora o alvo até pode ser a equipa de quem se gosta ou da qual se é presidente, é o ingrediente final que permite uma conclusão óbvia: o mundo do futebol português está em autofagia e, nesse processo, a atingir muito negativamente o país. Considerar que o negócio de futebol se tornou intocável é inaceitável perante os acontecimentos recentes. É essa a coragem que o governo tem de mostrar num momento tão delicado.
Os clubes parece que deixaram para trás as genuínas preocupações com o futebol no plano desportivo. Contudo, têm de perceber que o ódio e a violência são um mau negócio. Um dos poucos estudos sobre os efeitos económicos da violência no mundo do futebol analisou a década 1984-1994 no Reino Unido. Uma primeira conclusão é intrigante e até desconcertante, mas ajuda a compreender algumas motivações a que por vezes assistimos: no curto prazo, a violência até pode ter um efeito positivo no desempenho económico das equipas. Empiricamente podemos concluir que, por um lado, isso resulta numa pressão (ameaça) à equipa para responder às expectativas criadas pelos adeptos violentos. Por outro lado, é também motivo de ameaça a equipas adversárias ou a equipas de arbitragem que, mesmo que inconscientemente, podem sentir-se inibidas na sua liberdade.
A segunda conclusão do estudo é lapidar: no médio e longo prazo, a violência no desporto afasta as pessoas e leva o negócio à agonia. Desvia os adeptos, que temem pela sua segurança, ou as famílias, que não colocam as suas crianças em perigo, diminui as receitas publicitárias e cria uma conotação negativa sobre o desporto em causa.
Se o futebol quer ter um futuro, é indispensável mudar drasticamente o presente."

Bruno de Carvalho, o primeiro dos jagunços

"Se o caldo em que o desporto se foi movendo em Portugal abriu caminho à ascensão de Bruno de Carvalho, Bruno de Carvalho abriu caminho aos crimes de Alcochete. Eu não sei se, judicialmente, ele é passível de ser responsabilizado.

Uma das coisas mais penosas no futebol é a total ausência de racionalidade e isso não começou com Bruno de Carvalho.
O futebol é a coisa mais parecida com uma paixão cega e basta assistir, por dez minutos que seja, aos intragáveis programas de comentário desportivo para se entender isto. No passado, o “Domingo Desportivo” era um clássico de referência, um programa onde o jornalismo procurava introduzir alguma racionalidade na paixão. Agora, o jornalismo, ou espécie de, alimenta-se da irracionalidade. Um espectáculo televisivo em que casais desavindos lavassem a roupa suja em público seria mais ou menos igual aos programas que ocupam em permanência os três canais de informação.
Talvez o terreno estivesse há muito a ser preparado para a ascensão de um jagunço chamado Bruno de Carvalho, cujas intervenções públicas têm revelado, ao longo do tempo, total ausência de princípios – a comparação com o tio Pinheiro de Azevedo dá-lhe jeito, mas Pinheiro de Azevedo, honra seja feita à sua memória, nunca atingiu a baixaria do sobrinho.
Se o caldo em que o desporto se foi movendo em Portugal abriu caminho à ascensão de Bruno de Carvalho, Bruno de Carvalho abriu caminho aos crimes de Alcochete. Eu não sei se, judicialmente, ele é passível de ser responsabilizado.
Mas, em termos de prática desportiva, seguramente é corresponsável.
Agora é o tempo da justiça, mas também o tempo da sociedade e da política. Os criminosos devem ser julgados e punidos, mas toda a sociedade tem de reflectir sobre o estado de hooliganismo alargado que permitiu a eleição e reeleição de Bruno de Carvalho, dando força aos criminosos.
A autoridade para o desporto proposta ontem pelo primeiro-ministro pode ser uma boa ideia, se não se tratar de mais “uma comissão”, aquela coisa que recorrentemente se anuncia cada vez que há um problema. A demissão de Bruno de Carvalho é o primeiro passo para a desintoxicação social. Os sportinguistas, a quem cabe a decisão, vão ter de estar à altura."

Pancada e jogos de futebol

"Visto de fora, o futebol em Portugal não é um desporto, é uma doença. E é uma doença crónica e antiga. No início do milénio, em imagens que me ficaram na memória pelo seu absurdo, todos os três canais de televisão nacionais abriam com directos em frente a um restaurante. Lá dentro, a jantar, estariam - na altura os jornalistas ainda não tinham a con- firmação - o presidente do FC Porto com um treinador de futebol. A "notícia" era que o treinador poderia estar a negociar a sua entrada no clube do norte. Como era possível dar tanto e tão doentio destaque ao futebol? Como era possível toda a comunicação social pôr o futebol, uma contratação de um clube de futebol, à frente de tudo o resto que acontecia no país e no mundo?
Muitos anos depois, no início desta semana, outra grande "notícia" a abrir os principais blocos noticiosos nacionais - louvável excepção a RTP. Desta vez o presidente do Sporting estaria prestes a suspender, ou não, o treinador do clube.
Foi no dia em que morreram mais de meia centena de civis na Faixa de Gaza, Israel celebrava os seus 70 anos de existência, os EUA incendiavam o Médio Oriente com a inauguração da sua embaixada em Jerusalém, o Irão estabelecia um prazo de 60 dias para preservar o acordo nuclear, a Catalunha (com metade dos dirigentes independentistas na prisão) elegia finalmente um novo presidente. Mas as notícias em Portugal abriam com a notícia de um presidente de clube de futebol aborrecido com a vida.
Nesse dia, em frente à Assembleia da República em Lisboa, manifestavam-se centenas de imigrantes contra a prepotência do Estado português, no ensino público anunciava-se a redução de vagas para estudantes e mais um caso de burla de militares ao Estado marcava a agenda noticiosa. Mas para os editores de notícias nacionais o evento mais importante do planeta eram os achaques mentais de um dirigente desportivo da Segunda Circular.
Depois, anteontem, terça-feira, a derradeira notícia: hooligans portugueses atacam jogadores e um treinador, com a particularidade de não atacarem uma equipa adversária, mas a própria equipa do clube a que pertencem. A distinção é tão importante como a velha máxima do jornalismo: notícia não é o cão que morde o homem, mas o homem que morde o cão. Agora sim, havia mesmo matéria noticiosa. Só que, em qualquer país onde o futebol é um desporto e não uma obsessão, seria uma notícia para o final de um telejornal, não para a abertura.
Apesar de a Alemanha ser um país onde o futebol é o desporto-rei e um antigo jogador ser conhecido como Kaiser, "o Imperador" (Franz Becken-bauer), no dia em que os telejornais abrissem com o estado de alma de um presidente de um clube de futebol, os directores dos canais teriam de se demitir. O futebol é um tema habitualmente presente nos últimos minutos ou segundos dos noticiários. Em Portugal não. Se um canal de televisão passa mais de meia dúzia de dias sem dar destaque em primeiro plano ao futebol, aí sim, poderão rolar cabeças.
Em Portugal, muito mais do que no resto da Europa, o futebol funciona como distracção permanente da população. Enquanto os portugueses olham fixamente para os homens a correr atrás da bola no relvado, e para os negócios nos bastidores, ninguém liga realmente aos parlamentares nas bancadas da Assembleia da República e para os negócios dos deputados. Enquanto as pessoas se preocupam com os problemas de tesouraria de um clube de futebol, com os árbitros comprados e com os valores das transferências de jogadores, ninguém exige que se tirem consequências da venda ruinosa de sectores estratégicos da economia, da perda de nove mil milhões de euros de dinheiro do Estado no BPN ou dos outros negócios escuros do Estado que enriquecem ex-governantes.
Na época em que há menos futebol, as televisões concentram as suas atenções nos incêndios, nos crimes de caçadeira, nos directos das praias e nos festivais de música pelo país fora. O problema não é a saúde mental deste ou daquele presidente de clube de futebol ou treinador. Preocupante é a apatia e letargia de um país anestesiado pela clássica fórmula "pão e circo"."

Crónica sobre dois silêncios vergonhosos

"Na senda da expiação estratégica do antes distraído PS, há muitos mais intervenientes que gostaríamos de ouvir. Mas o caso de silêncio do presidente do Sporting é, porventura, ainda mais ensurdecedor e faz temer o pior

O surto de “vergonhites” várias que varreu Portugal nos últimos dias – aliado às notícias recentes de mais governantes a serem investigados por actuações absolutamente condenáveis e que já eram, para quem quisesse ver, evidentemente lesivas dos interesses públicos, ligadas à proliferação indiscriminada e economicamente ruinosa de PPP contratadas pelo governo PS, e outras especialidades cá do burgo – convida a reflexões várias sobre alguns dos personagens deste enredo e a forma como chegámos onde chegámos.
Nesta parte, Maria João Marques, no “Observador”, relembra, e muito bem, que apesar do momento introspectivo a que o PS de uma maneira geral passou a dedicar-se, ainda não ouvimos de Jorge Sampaio a expiação da sua grande culpa por se ter farto do “gajo” que os portugueses haviam eleito e ter escancarado as portas de São Bento ao agora mal-amado e “envergonhante” ex-primeiro-ministro. 
Na senda de uma expiação estratégica que antevê o provável desastre do julgamento que passou de tema da justiça a óbvio engulho político do antes distraído PS, há muitos mais intervenientes a quem se gostaria de ouvir uma palavra sobre a criação da criatura da qual foram os criadores.
Sampaio é só um, mas há muitos mais.
Aliás, quem será que hoje, pondo em perspectiva casos tão semelhantes quanto díspares como Manuela Moura Guedes e a compra da TVI, ou o ataque ao jornal “Sol”, para falarmos um pouco de imprensa; da OPA da PT às rendas da EDP, Tagus Park, da REN e CP e outras no Face Oculta; da instrumentalização da Caixa e do BCP, da Parque Escolar e das PPP, da Cova da Beira, da licenciatura ao domingo e das interacções do governo e governantes com empresas privadas e seus grupos, consegue, sem dúvidas razoáveis, não acreditar agora naquilo que o MP de Aveiro deslindara já em 2009 e onde vislumbrara indícios do “crime de atentado ao Estado de direito”.
Quem se tenha dado ao trabalho de ler a entrevista do também ex-procurador- -geral da República conselheiro Pinto Monteiro não consegue deixar igualmente de se espantar com a candura com que este exibe o seu alegado desconhecimento e não pode deixar de perguntar-se de que forma o que o senhor magistrado de Aveiro já via, e hoje é cruelmente claro, lhe pode ter passado tão inacreditavelmente ao lado.
Mesmo que fosse só incompetência ou falta de jeito, de intuição ou de perspicácia, os factos, se vemos bem, aconselhariam o senhor ex-PGR a alguma vergonha também pelo resultado ou, no mínimo, pela falta de atenção.
Neste rol de notáveis que nos devem uma explicação ou um acto de contrição também cabe o conselheiro Noronha do Nascimento, celebrizado, muito mais do que pela argúcia e inteligência dos seus arestos, pela decisão de mandar destruir as escutas das intersecções em que o procurador de Aveiro encontrava já os fundamentos do que é hoje, em parte, a vasta acusação já conhecida do então primeiro-ministro, José Sócrates.
É difícil de acreditar, partindo do que se sabe hoje, e atendendo ao que o referido procurador logo intuiu, que as referidas escutas não contivessem, pelo menos, indícios mínimos, que um julgador avisado e experiente não vislumbrasse já, daquilo que hoje é claro e abundantemente vertido factualmente para a acusação da Operação Marquês.
Fica por explicar também – veremos o que os novos processos nos trarão – de que forma, de repente, naquele governo, só Sócrates, Pinho e parece que mais três podiam gerir, sem suspeitas, desconfianças, críticas ou cumplicidades, todos estes (muitos) assuntos.
O processo de expiação parece estar ainda pela rama, e é difícil conceber a catarse do nosso sistema político sem a expiação da culpa por acção ou omissão, mais ou menos negligente ou apenas incompetente, das pessoas que, podendo, nada fizeram para travar em tempo o que os seus deveres funcionais lhes impunham.
Pelo mau serviço que fizeram à nação, muitos pedidos de desculpas e uma admissão de culpa e vergonha estariam, se vejo bem, perfeitamente alinhados com a ordem do dia e, portanto, manifestamente em falta.
Mas não só.
O novo caso de silêncio, porventura mais ensurdecedor pelo imediatismo e histórico conhecidos, é o que se nota da parte do conselho directivo do Sporting Clube de Portugal e da administração da Sporting Futebol SAD na pessoa do seu presidente.
Depois de um enfadonho e, esse sim, “chato” monólogo que o presidente ofereceu aos sportinguistas na Sporting TV, onde falou sobre a “chatice” de Alcochete, e a enorme bondade dos avisos todos que deu aqui e ali – como quem nunca nada instigou nem incendiou o rastilho de que este fim era inevitável – relativamente ao estado do futebol português, uma parte muito importante dos valores que os sportinguistas identificavam como matriz da sua diferença relativamente a outros emblemas está a ser consumida no imediatismo da voragem das sucessivas notícias sobre corrupções, detenções e buscas.
Tudo sob o desaparecimento suspeito, cúmplice e ensurdecedor do aprendiz de feiticeiro, antigo costumado incendiário e paladino das virtudes, que entretanto emudeceu e desapareceu, remetendo-se ao estranho e invulgar silêncio das últimas horas e que só pode fazer temer o pior.
De notar, não obstante, que no meio da sua última comunicação pública à Sporting TV (onde se esqueceu de uma palavra de conforto aos trabalhadores do clube que não defendeu e de quem se esqueceu, para falar apenas das virtudes das suas anteriores intervenções em vários fóruns), Bruno de Carvalho profere a estranha afirmação de que o crime veio para ficar na vida dos sportinguistas, que a ele devem habituar-se. Esperam os sportinguistas que não fosse isto aquilo a que se referia…"

Querem acabar com a violência no desporto? É fácil

"Qualquer incidente com claques nos estádios ou nas proximidades deveria custar a perda de pontos aos clubes, fosse em que modalidade fosse.

Este é o momento de travar a escalada”, afirmou, e bem, o Presidente da República sobre o incidente grave na Academia do Sporting, acrescentando que “não pode haver um estado dentro do Estado”.
A acção criminosa grave de Alcochete levada a cabo supostamente por adeptos de uma claque do Sporting é mais um dos muitos nesta época desportiva 2017/18 e nas anteriores. Recordo que, no ano passado, foi morto um adepto do Sporting praticamente à porta do estádio da Luz, supostamente por elementos de uma claque do Benfica. Para já não falar de outros incidentes gravíssimos que se repetiram semana atrás de semana.
Após o crime de Alcochete, como em outras ocasiões, agentes políticos e desportivos, no quente da polémica, rasgaram vestes; prometeram alterações de lei; garantiram lei e ordem no desporto no futuro e castigos “doa a quem doer”. Dizem-nos os casos do passado que nada de sério vai ser feito e que, muito em breve, presidentes de clubes e ministros vão continuar a conviver alegremente em almoços e jantaradas antes e depois de partidas de futebol que muitos assistem com bilhetes cravados.
Fora e dentro dos estádios vão continuar as agressões gratuitas, a entrada de material pirotécnico nos estádios, o cânticos a saudar a morte, a utilização das claques por organizações nazis e fascistas, o tráfico de droga, a violação de mulheres, os roubos em bombas de gasolina, e todo o tipo de criminalidade que todos sabem existir e a que todos, políticos e agentes desportivos, fecham os olhos de forma cúmplice. Até que aconteça outro caso mais grave e todos voltem a rasgar as vestes com conversa fiada.
Mas havia uma forma muito fácil de resolver a violência no desporto, assim houvesse vontade. Bastava que o Governo e os partidos políticos se sentassem a uma mesa e acordassem que qualquer incidente com claques nos estádios ou nas proximidades custasse a perda de pontos aos clubes, fosse em que modalidade fosse.
Por exemplo, entrada de material pirotécnico nos estádios, cânticos a apelar à morte ou à violência, perda imediata de um ponto. Incidentes graves, como confrontos entre claques, ataque a agentes da autoridade, crimes contra o património ou algo parecido como o que aconteceu em Alcochete, perda imediata de três pontos. Qualquer cidadão envolvido nesses incidentes e identificado pelas autoridades ficaria proibido de entrar em qualquer competição desportiva para o resto da vida. Repito, perda imediata de pontos e proibição de entrar em recintos desportivos estabelecida por lei de forma clara e sem contemplações, discussões ou criação de comissões de investigação.
Alguém tem dúvidas que, ao cabo de meia dúzia de casos de perdas de pontos efectivas e imediatas, os clubes tratariam eles próprios de afastar os criminosos dos estádios e do desporto e terminar de vez a violência? Querem acabar com a violência no futebol? Parem com a conversa fiada e ajam a sério."

O Sporting na Netflix

"Nunca escrevi neste espaço sobre futebol, salvo nos textos do final de ano, em que invariavelmente desejava a conquista do campeonato pelo clube do meu coração e que tive a honra de representar. 
Nem tenciono escrever mas, face à novela que tem sido o futebol português nos últimos anos, durante os quais conseguimos o feito de ser campeões europeus, desta vez não me contive.
Ontem, em amena cavaqueira com um amigo com o qual partilho várias afinidades, entre as quais não sermos adeptos de séries televisivas, descobrimos porque existe tanta gente viciada nesse fenómeno. Sim, séries televisivas como “A Guerra dos Tronos”, “A Casa de Papel”, “24 Horas” e por aí fora. E a razão é simples, muito embora não estivesse ao nosso alcance. É que mesmo quando tudo aponta para que as coisas estabilizem, o enredo amoleça e se torne enfadonho, aparece sempre algo que nos agarra ao televisor e nos faz ficar viciados.
E é esta a sensação que eu tenho em relação ao que vem acontecendo no Sporting! É uma série! Uma série que vai na quarta temporada e, seguindo à letra os moldes em que as séries são escritas, os últimos episódios desta temporada deixam-nos já com água na boca para o início da nova.
Seria hilariante se não fosse dramático tudo o que se está a passar. Qualquer desporto é para ser vivido com paixão! Com fervor e até, eventualmente, de forma irracional! Mas dentro do campo! Aquilo a que se vem assistindo nos últimos anos em torno das modalidades desportivas (não apenas no futebol) é deprimente e totalmente inaceitável.
E sejamos claros: nos últimos anos houve um foco de grande instabilidade no ecossistema desportivo nacional. Esse foco foi o presidente do Sporting que, em virtude das incompreensíveis atitudes que foi tendo em catadupa, acabou por arrastar consigo outros dirigentes e pessoas ligadas ao mundo do desporto.
Se fizermos a analogia do Sporting a uma série televisiva, Bruno de Carvalho é o ator principal e os fiéis seguidores da série já sabem que podem contar com a personagem para desencadear novos e inesperados acontecimentos.
O que se passou em Alcochete está ao nível das melhores séries televisivas, mas o problema é que aconteceu na vida real! Foram pessoas e não atores que foram lesadas e que levaram a cabo toda aquela barbárie.
E o mais aberrante e preocupante em todo este enredo é que ainda se levantam vozes apontando o dedo aos governantes. Aos responsáveis políticos, como se tivessem sido eles que, ao longo dos últimos anos, acicataram, extremaram e agudizaram as rivalidades entre clubes, dirigentes e, mais grave, adeptos e atletas.
E das duas uma: ou está tudo cego ou a loucura é um estado permanente em todo este ecossistema. Vivemos numa democracia e, como tal, todos podem e têm o direito de se manifestar livremente, mas quando o resultado das suas manifestações e atitudes desafiantes sai fora de controlo, não podemos vir a correr apontar o dedo ao Estado!
Tal como nas séries televisivas, os episódios dos últimos tempos no Sporting alimentam toda uma máquina mediática e económica em seu torno mas, neste caso concreto, desconfio que apenas o Sporting não lucra com nada disto.
Qualquer responsável máximo de qualquer instituição deve ter bem presentes as suas responsabilidades e, sobretudo, o alcance das suas decisões e intervenções. No caso concreto do Sporting, acho sinceramente que se perdeu essa noção. A sensação que agora transparece é a de total desnorte e incapacidade de controlar os danos que, temo, sejam bem mais severos do que aqueles a que assistimos nos últimos dias!
Perdoem-me o sarcasmo, mas registar e realizar a série “Sporting” e vendê-la à Netflix pode bem ser a tábua de salvação para um clube que, no curto prazo, pode ver-se a braços com um prejuízo financeiro incalculável. Aguardemos a próxima temporada!"

De que é nome Bruno de Carvalho?

"É indispensável que se intervenha no modo como a indústria do futebol em geral se governa, sendo um dos objectivos de tal intervenção simples de enunciar: é preciso dar mais poder aos futebolistas. 

Parece ser hoje consensual que é preciso pôr termo às crescentes manifestações de ódio protagonizadas pelos principais dirigentes desportivos portugueses, mais o seu cortejo de adeptos ultras e outros tantos assessores de comunicação. E, todavia, a possibilidade de empreendermos mais mecanismos policiais e judiciais de combate a essas mesmas manifestações não é ilimitada. Num estado de direito democrático, não é simplesmente possível eliminarmos a liberdade de expressão de personagens como Pedro Guerra, interditarmos o direito de associação que assiste à formação de uma claque como os Superdragões ou destituirmos Bruno de Carvalho do lugar em que os sócios do Sporting em má hora o colocaram. Por sua vez, medidas preventivas tributárias do princípio do “Estado de excepção” – às quais, por exemplo, o governo grego recentemente recorreu, suspendendo o campeonato profissional por algum tempo, em nome da segurança pública – têm, por definição, uma duração limitada.
Entretanto, há seguramente iniciativas importantes que um governo pode e deve tomar em resposta aos acontecimentos que tiveram lugar na Academia do Sporting, em Alcochete. O que se passou nessa ocasião deixou à vista de todos nós qual é o elo mais fraco da cadeia de poderes que hoje comanda e por que se governa o futebol profissional em Portugal: o jogador de futebol. E o facto de o conflito em questão ser interno a um clube sugere-nos que o problema que temos pela frente é mais do que o resultado de um simples exacerbamento de rivalidades clubísticas, não bastando ao governo intervir no modo como os dirigentes dos diferentes clubes entre si se relacionam. É indispensável que se intervenha, também, no modo como a indústria do futebol se governa e que tal intervenção cumpra um objectivo simples: dar mais poder aos futebolistas.
A concretização de tal objectivo implicará medidas de fundo que garantam aos futebolistas os mesmos direitos que assistem à generalidade dos trabalhadores, nomeadamente o direito à liberdade de mudar de emprego. É na negação deste direito que radica o despotismo e violência que os dirigentes reservam aos jogadores. Com efeito, na história e na actualidade do futebol português, abundam os exemplos do autoritarismo que os presidentes exercem sobre os “seus” jogadores. Exemplos que vão desde o condicionamento da liberdade de expressão, forçando os atletas a um silêncio ou a um laconismo que contrasta com a verborreia dirigente, até ao recurso à coerção física, praticada por claques milicianas que ora se dedicam à vigilância do comportamento pós-laboral dos jogadores ora tratam de prescrever “correctivos” que penalizem a sua performance laboral.
Ou seja, o que se passou no Sporting ao longo destas últimas semanas, desde a censura que se abateu sobre os jogadores quando estes redigiram um texto colectivo até às agressões da passada terça-feira, na sequência da derrota com o Marítimo, é senão um exemplo extremo de uma cultura de poder vigente em boa parte do sistema futebolístico profissional português e que um Estado democrático não pode admitir. Bruno de Carvalho é, seguramente, um caso monstruoso, mas melhor faremos em intervir igualmente sobre a realidade que o tornou possível.
A favor de uma tal intervenção é possível contarmos com a argumentação sustentada de não poucos juristas que têm questionado a legalidade de mecanismos como as célebres “cláusulas de rescisão” ou o próprio princípio do “passe do jogador”. De resto, em Portugal, o consenso político para uma mudança destas pode ser garantido a partir de perspectivas jurídicas inspiradas tanto no quadro constitucional português, e de pendor mais social-democratizante, como em concepções de inclinação mais liberal, ancoradas no direito europeu. Mais do que palavras pueris sobre a putativa amabilidade do desporto e a sua “essência” pacífica ou do que medidas repressivas que punam este e aquele comportamento criminal e outros tantos “excessos”, uma mudança na cultura futebolística em Portugal ou passará por intervenções nas relações de poder que fazem a sua economia ou não acontecerá."