terça-feira, 3 de abril de 2018
Quando Coluna jogou boxe só para assustar Pelé...
"Recordo uma tarde de calor em Lisboa, já lá vão mais de quinze anos. Mário Coluna falando falando, como sempre, devagar, muito devagar. Contando histórias, episódios. Sorrindo por fora e rindo por dentro.
Outro dia falei aqui de Otto Glória. Otto Glória é uma das grandes figuras da história do Benfica e do futebol português. Seu Otaviano. Já o apelido, Glória, parece ter-lhe sido posto de propósito para vir a ser campeão em Lisboa, pelo Benfica, embora tenha treinado os outros grandes de Portugal.
Depois de escrever sobre Otto Glória, lembrei-me de uma tarde longa, longa, com Mário Coluna. Falámos de tudo um pouco. Da sua vida em Moçambique e em Lisboa, da sua carreira, da sua saída do Benfica para França, um pouco amarga, e de Otto Glória.
E da selecção nacional, claro!
Afinal, juntamente com Manuel da Luz Afonso, foi um dos maiores responsáveis por aquele terceiro lugar no Mundial de 1966, em Inglaterra.
E daquele jogo frente à Coreia do Norte, passando de 0-3 para 5-3, quatro golos de Eusébio.
Contava Coluna, o grande Mário Coluna: 'Nós quartos-de-final tivemos aquele jogo terrível frente à Coreia do Norte. Entrámos um bocado à confiança, começamos a ver todos aqueles 'chinas' a correrem como loucos, quando demos por ele já estávamos a perder por três a zero e eles continuavam a atacar sem descanso. Na cabina, ao intervalo, havia um silêncio tremendo. Não se ouviu uma palavra, toda a gente com cara de caso, o treinador, que era o Otto Glória, andava de um lado para o outro, nervosíssimo, nós nem tínhamos coragem de olhar para ele. De repente, deu um berro, mas que berro! Um berro que se deve ter ouvido na cabina dos coreanos: 'Porra!!! Contra o Brasil, que é campeão do mundo, vocês jogam à brava, ganham por três a um, e contra estes pobres diabos que nem se sabem calçar direito estão a perder! Como é possível!? Vão lá para dentro e ganhem a porcaria do jogo! E nós fomos. Acertámos as marcações reduzimos os espaços que lhes estávamos a dar e conseguimos virar o resultado. Nunca vi o Otto Glória tão zangado como dessa vez! E, se calhar, com razão'.
Sim, certamente com razão.
Tanta razão, que a vitória portuguesa foi de estalo! Perfeita e irretocável.
A embirração com Pelé
Eusébio ria-se sempre quando falava de Coluna e de Pelé: 'O Coluna tinha uma embirração especial com o Pelé. Fazia faísca. Em todos os jogos que houve entre Benfica e Santos, nos jogos entre Portugal e Brasil. Era inevitável'.
E ria-se. Ria-se muito.
Volto à conversa com Coluna.
É bom recordar um homem com a estrutura de Coluna. Um homem de fibra, uma pessoa de bem.
Falava devagar, muito devagar.
Foi devagar que me contou, nessa tarde quente de Lisboa, já lá vão mais de quinze anos: 'Estávamos no Brasil, jogávamos contra o Santos, no Maracanã, o Pelé estava endiabrado nessa noite, estava a dar um trabalho tremendo à nossa defesa, há um companheiro nosso, já não me lembro quem, que lhe faz uma falta dura, deve tê-lo magoado de verdade, ele queixou-se primeiro e, logo em seguida, levantou-se furioso, a esbracejar e a reclamar com esse colega. Eu, que até estava longe, fui meter-me ao barulho. Cheguei-lhe ao pé do Pelé e disse-lhe: «Ouve lá, rapaz, vê se tens calma senão sou obrigado a dar-te um murro. E toma atenção porque eu joguei boxe! Cuidado!» Ele ficou um bocado atrapalhado, lá se acalmou, esteve caladinho o resto do jogo todo, e eu, que nunca jogue boxe na vida, fiquei a rir-me por dentro'.
Coluna sorria contando a história.
Talvez se risse por dentro.
Tinha uma forma inconfundível de ser modesto, com algo de tímido.
E era enorme.
Também por dentro..."
Afonso de Melo, in O Benfica
Os gloriosos aventureiros das duas rodas
"Aventuras e percalços de uma prova mistério organizada pelo Sport Lisboa e Benfica
Nos finais dos anos 20, surgiu em Portugal um interesse generalizado pelos desportos motorizados. Era a época do culto da velocidade e da máquina, celebrada sobretudo com carros e motociclos numa simbiose perfeita. Um pouco por toda a parte surgiram provas de velocidade, perícia, resistência, iniciativas às quais o Benfica não ficou indiferente, tendo criado a sua secção de motorismo em 1932. Foi neste contexto que a secção de motociclismo do Clube desafiou os seus sócios a realizar, no dia 5 de Março de 1933, uma prova mistério com um percurso compreendido entre 100 a 120 quilómetros, nas redondezas de Lisboa. Os mais destemidos apenas teriam de se dirigir à Secretária do Clube, situada na Rua do Jardim do Regedor, e pagar 10 escudos de inscrição.
No dia da prova, foi larga a afluência de público ao Campo das Amoreiras, palco central desta inédita aventura desportiva em duas rodas. As partidas começaram a ser dadas às 13h45, prolongando-se até as 14h25. Aos 24 concorrentes, foi entregue uma carta contendo o itinerário e as médias a percorrer, que só poderia ser aberta já em pleno andamento.
Tendo por pano de fundo e triângulo Lisboa-Sintra-Cascais, a prova mistério contava com controlos obrigatórios em Carcavelos, Rio de Mouro, Sintra, Belas e Cascais e exigia perícia e um bom sentido de orientação. Porém, ao longo do caminho muitos foram aqueles que se enganaram no percurso, o que levou a inúmeras faltas por parte dos concorrentes. Peripécias não faltaram aos motociclistas, caso de Thomaz Quartim que seguiu por equívoco pela estrada das Azenhas do Mar e, por isso, foi altamente penalizado à chegada. Um dos concorrentes foi forçado a desistir da prova por avaria mecânica da sua moto. Em alguns casos, os motociclistas não souberam identificar os postos de controlo, passando por eles sem efectuar a devida validação.
Nos localidades onde estavam instalados os controlos, o público saudava de forma entusiástica todos os participantes em prova. Por volta das 17 horas, os concorrentes começaram a chegar à meta com pequenos intervalos de distância entre si. Depois de elaborados todos os cálculos e penalizações, a vitória foi atribuída a Cristiano Pais Soares, que efectuou uma média de cerca de 40-50 Km/h ao longo do percurso.
Pode conhecer mais sobre os desportos motorizados ao longo da história do Benfica na área 4 - Momentos Únicos do Museu Benfica - Cosme Damião."
Ricardo Ferreira, in O Benfica
Investigação
"Qualquer opinião que se teça hoje em Portugal tem na sua génese sempre um interesse subjacente. Na maioria das vezes, esse interesse é económico, mas por vezes antes desse interesse de natureza pessoal que também ele é mensurável financeiramente.
Os ditos crimes de natureza económica estão demasiado regulamentados, essencialmente na designada lei do branqueamento.
No entanto, todos os instrumentos que aí estão consignados e passíveis de serem utilizados foram de uma forma pouco competente executados pelo órgão de polícia criminal responsável pelo seu desenvolvimento.
A lei do branqueamento, que é de 2002, criou um mecanismo de comparação entre o rendimento lícito e o património que cada pessoa possui. Quando existe uma desconformidade substancial (sempre estes conceitos dúbios), pode ser aplicada uma liquidação do valor em discrepância que dará origem a um arresto de bens para garantir o valor em discrepância, a favor do Estado. Na verdade, esse valor presume-se que provém da prática do crime.
Até aqui está tudo certo. Agora é preciso é saber como na prática isso se calcula e a quem se vai aplicar! E pior ainda - se estão correctos os cálculos!
Esta coisa de analisar contas bancárias tem muito que se lhe diga, e a verdade é que, na prática, as coisas falham, vá-se lá saber porquê!
Num processo que não interessa dizer o número porque foi arquivado e no qual foi investigado um grande dirigente e que por esse facto de ser de um grande dirigente o MP mete em segredo de justiça - mesmo depois de ser arquivado -, foram relacionadas várias contas bancárias para serem analisadas.
Documentação referente à conta n.º 1568387/000/001, conta n.º 3299966100001, conta n.º 00516067310001, conta n.º 005340059100001, conta n.º 2243099810001 e muitas outras que por falta de espaço não as elenco.
No despacho de arquivamento foi escrito que:
'Entre 2003 e 2005, as contas bancárias nacionais, tituladas e co-tituladas, registaram entradas de valores, liquidas, significamente superiores aos rendimentos declarados, em sede de IRS, por este sujeito passivo, desconhecendo-se a existência de qualquer outra actividade que possa justificar esta diferença'.
No mesmo período, a principal conta aberta no estrangeiro registou entradas de valores, cujo motivo que esteve na sua génese não foi possível determinar, por insuficiência de informação.
Sobre este assunto, somente se pode concluir que estes fluxos financeiros não entraram no circuito bancário português.
Quanto a uma empresa imobiliária escreveu-se o seguinte:
'Porque é de facto uma forte evidência que resulta da análise ao financiamento do ciclo de exploração, demonstra-se, à saciedade, que uma grande parte do financiamento da actividade foi feita com recurso a suprimentos, os quais atingiram, no fim do período 1998/2008, o valor de 2556564,00€'.
E depois disto tudo escreveu-se isto:
'Não obstante a investigação ter sido inconclusiva em alguns aspectos, atentos os elementos recolhidos não se vislumbram quaisquer indícios dos factos denunciados, pelo que se determina o seu encerramento'.
Afinal havia muitas evidências mas depois foram classificadas como inconclusivas. Destino - Arquive-se!
Para quem anda nisto há muito tempo, já se aprendeu que, de facto, indagou-se que dois carros circulavam na mesma faixa de rodagem a uma distância de 500 metros, mantendo-se à mesma velocidade e à mesma distância. O MP retira a conclusão que o carro da esquerda bateu de frente no carro da direita! E pronto! É um despacho Deus!
Mas tudo isto porquê?
Porque teimamos em defender um conjunto de entidades a quem falta tanto de competência como de ousadia para analisaram as coisas como deve ser?
Havia um pessegueiro na ilha, plantado por um vizir de Odemira, mas também havia um fundo de gestão imobiliário, curiosamente pertencente ao BES, que ninguém quis saber dele nem de o investigar como deve ser!
Se tivesse existido interesse e a utilização das investigações em prol do que deveriam ser, não estaríamos nesta situação actual.
Nem sempre a perseguição desenfreada ao longo dos anos poderá trazer a promoção que se pretende, mesmo que nos casemos com a profissão que exercemos!"
Pragal Colaço, in O Benfica
De azul para vermelho
"De azul para vermelho: foi essa a mudança das cores do líder da classificação do campeonato, depois de cumprida a jornada número 28, ficando portanto seis para disputar.
No comando desde muito cedo, 10 de Setembro do ano passado, o Futebol Clube do Porto acaba agora de passar o testemunho ao Sport Lisboa e Benfica, que fica na frente com um ponto de avanço sobre os dragões, e seis pontos distanciado do seu vizinho da segunda circular. Pode-se dizer uma situação impensável há ainda poucas semanas atrás.
O prejuízo maior calhou aos comandados de Sérgio Conceição que, em três jornadas consecutivas, foram derrotados duas vezes. E, muito embora continuando a depender somente de si próprios, tornaram bem mais difícil a sua tarefa a partir de agora.
Como entender este abaixamento dos dragões, com desaires em Paços de Ferreira e no Restelo? Nota-se em alguns deles um razoável défice de frescura física, mas fica sobretudo confirmada a tese tantas vezes evocada e que referia a escassez de um plantel que foi disfarçando enquanto as forças lhe permitiram.
O Sporting saiu de Braga vergado ao peso de uma derrota que começou muito antes de na Pedreira o Sporting de Braga se manifestar superior. E a equipa repetiu erros que lhe foram fatais, ao mesmo tempo que ajudava a destapar repetidos erros de comando, susceptíveis de colocarem a equipa fora da órbita dos conquistadores. É uma situação reconhecida de forma quase unânime, muito embora a matemática recomende maior prudência.
Grande vencedor da ronda, o Benfica, que ganhou em três campos a começar pelo seu, e assim saltou para o posto de comando, donde agora passa a ver com mais nitidez a possibilidade de chegar ao penta. A possibilidade, convém acentuar.
Não foi fácil a vitória alcançada sobre os vimaranenses, como complicada são todas as tarefas que tem pela frente.
A partir de agora não adianta jogar nas apostas desportivas com base exclusiva na lógica.
À medida que o campeonato se encaminha para o fim cada vez mais as equipas da dianteira ficam à mercê do acaso, que só futebol bem jogado e eficaz será capaz de contrariar."
Guardiola já nasceu três vezes, e há quem ainda discuta justiça e injustiça
"O futebol nunca foi feito de uma só cor.
Nem foi sequer por uma vez monocromático.
Mesmo quando se reproduzia em pretos e brancos na Grundig de caixa castanha e arranque lento lá de casa, apresentou sempre demasiados cinzentos que definiam a sua complexidade. E de vez em quando alguma chuva.
Como a vida, aliás.
É por isso, ou também por isso, que o meu futebol, o que me deixa boquiaberto desde a tempestade dos papelinhos no Monumental de Nuñez em 78, e me entristeceu no Sarriá até poder voltar a sorrir na cauda de um cometa chamado Maradona, não é feito de verdades absolutas e muitas vezes até os clichés se apresentam menos Lapalicianos do que realmente são.
Justiça ou injustiça, jogar melhor ou jogar pior serão sempre meias-verdades ou mentiras relativas, porque implicam bem mais do que os conceitos com que estamos habituados a lidar.
Lembro-me de ouvir repetidamente gente com espírito crítico apurado a tentar desenterrar uma frase que resumisse todos os momentos de um jogo ou uma temporada inteira. Uma sentença. A absolvição, ou a condenação. Preto ou branco, e desenvolver a partir daí.
Não acho que o resultado seja conclusão em si mesmo porque não sou resultadista. Talvez seja, no entanto, o único facto. Os resultados, a classificação. Uma justiça que não precisa de jurados.
Não acredito que o 4x3x3 seja mais perfeito do que o 4x4x2 ou vice-versa, ou um contra-ataque mereça menos aplausos do que um golo com mais de 20 passes e 11 pais. Até posso jurar que já vimos nascer três Guardiolas diferentes e outros tantos Mourinhos, e que até dá pena que o português pareça ter parado de evoluir.
Desde que não seja desculpa para jogar mal – que será tudo o que fique abaixo das expectativas, seja estas quais forem –, acredito em todos os sistemas e em todos os estilos, e é precisamente pela diversidade que vos digo que isto continua a ter piada.
Por cá, a excelência ainda mora nos grandes, num ou noutro jogador aqui e ali, depois de tanta sangria milionária, e são estes, e mais um Sp. Braga a querer crescer, que sustentam a qualidade da Liga.
É neste terreno mais árido que crescem ideias novas. Em Vila do Conde, já florescem há mais tempo, em Chaves, em Portimão e no Restelo vêem a luz do sol os primeiros frutos.
Quem viu jogar Silas sabe que só podia ser assim, ou ainda melhor do que isto.
Face à qualidade que falta sabemos que nunca serão ideias poéticas, cheias de pontos de exclamação, declamadas por um Vítor Espadinha. Veremos frases curtas, vocabulário simples e imagens claras. Nítidas. Pontuadas com inteligência e sem fundamentalismos, acredito que possam aproximar os dois extremos da tabela. Certamente, enriquecerão o jogo.
Escrevo isto quando muda o líder da Liga, e irá começar-se novamente, talvez um pouco mais alto, a discutir justiça e injustiça. Entre o futebol objectivo e explosivo do FC Porto e a construção mais em apoio, a partir de trás, do Benfica, eu digo
A classificação que decida.
Uma ou outra. Qualquer uma das ideias está bem!"