terça-feira, 20 de março de 2018

Afirmava Otaviano

"Otto Glória gostava de discutir futebol. E escrevia sobre futebol. Chegou a ter ma coluna (na verdade o texto era a sua colunas) no Diário de Lisboa chamada precisamente 'Otto Glória diz...'.

Otaviano Martins Glória: seu Otto. Teve sempre uma palavra a dizer. Falada ou escrita. Deixou em jornais, longos textos em que explicava a sua filosofia de jogo, os seus princípios básicos de treino, as suas críticas em relação ao que considerava serem os problemas do futebol.
Afirmava Otaviano que se dedicavam em Portugal cuidados verdadeiramente abusivos à táctica futebolística. E que, em primeiro lugar, era necessário dar aos jogadores uma condição técnica aprimorada antes de entrar no campo das estratégias.
Irritava-se Otaviano com aqueles que se insurgiram contra essas assertações, taxando-as precipitadas, e consideravam absolutamente ilógicas as suas teorias.
Citava Otaviano a seu favor as opiniões de colegas seus tão ilustres como Henrique Fernandez, Otto Bumbel, Szabo e Yustrich. E ilustrava o que afirmava com um texto recolhido nas páginas de um jornal referindo-se ao avanço do futebol em Portugal como um avanço de caranguejo, ou seja, para trás.
Tudo isto se passou em Março de 1958.
No dia 1, o Benfica recolheu o Torriense e venceu de aflitos (1-0) ao mesmo tempo que via o Sporting aproximou-se do título.
Dissertou longamente Otaviano sobre o acontecimento.

Desagradável
Adjectivou Otaviano de desagradável muito do que aconteceu no jogo entre Benfica e Torriense.
Era um tempo em que os treinadores falavam livremente e não se reduziam a banalidades.
Começou por afirmar Otaviano que o adversário era aguerrido e que estava a fazer um campeonato interessante. E que o jogo tinha sido tão cinzento quanto a tarde cheia de nuvens de Lisboa.
Escreveu Otaviano tudo isto em duas colunas do extinto Diário de Lisboa.
Queixou-se com veemência Otaviano da arbitragem e considerou que perdeu a conta dos lances em que o Benfica foi claramente prejudicado. Acrescentou também Otaviano que o truncamento de um sem-número de jogadas junto à área adversária tinha impedido os encarnados de criarem mais oportunidades de golo.
Afirmou Otaviano que o quadro que dirigia não tinha, por seu lado, começado bem a partida com muitas peças a renderem muito menos do que o esperado. E que ficou definitivamente desagrado com a etapa inicial apesar do domínio territorial exercido.
Insistia Otaviano que o domínio exercido sobre o futebol português pelas teorias do 4.2.2, 4.3.3, 'ferrolhos' e 'betons', diagonais, turbilhões e outra manobras, estava a prejudicar claramente a evolução técnica dos praticantes.
Concluía Otaviano que as equipas que possuíam jogadores de grande categoria, desde que eles se encontrassem em perfeitas condições físicas, técnicas, psicológicas e morais, não precisavam de intrincados esquemas tácticos para serem sempre superiores e quaisquer outras que, mesmo possuindo estratégias revolucionárias, fossem integradas por jogadores sofríveis.
Otaviano gostava de filosofar a propósito do futebol.
Às vezes é importante escutarmos o que aqueles que ajudaram o futebol em Portugal a evoluir até àquilo que é nos dias de hoje tinham para dizer.
Otaviano foi campeão pelo Benfica três vezes e ganhou seis Taças de Portugal.
Também ganhou a Taça de Portugal pelo Belenenses e pelo Sporting.
Levou o Benfica a uma final da Taça dos Campeões Europeus.
Morreu em 1986, no início de Setembro com 69 anos.
Eu gosto de ler o que afirmava Otaviano.
E gosto de o trazer aqui a estas páginas. Porque a memória nunca prescreve."

Afonso de Melo, in O Benfica

D. Quixote e Sancho Pança

"Um jogo com o Real Madrid e uma curiosa lembrança.

O jogo com o Real Madrid, realizado a 8 de Dezembro de 1954, inserido nas comemorações da inauguração do Estádio da Luz, faz parte de um festival de três dias. Depois dos encontros com o FC Porto e com o Belenenses nos dias 1 e 5 de Dezembro respectivamente, foi o jogo com o Real Madrid que mais espectadores trouxe ao novo recinto desportivo da capital. O encontro 'despertou interesse compreensível e a venda de bilhetes esgotou a lotação do belo recinto desportivo (...)'.
A presença dos 'merengues' em Portugal permitiu o reatamento das relações desportivas luso-espanholas 'depois de um longo interregno'. Assim, com o Estádio da Luz 'quase a transbordar', deu-se início ao grande jogo. 'Os jogadores madrilenos foram os primeiros a sair do túnel para o rectângulo, trazendo com eles as bandeiras de Portugal e do Benfica. O público dispensou-lhes, acto contínuo, calorosa ovação, que se tornou ainda mais entusiástica quando apareceram os encarnados conduzindo igualmente duas bandeiras: a de Espanha e a do Real Madrid'.
A equipa do Real Madrid, com 52 anos de história, era campeã espanhola e um dos melhores clubes da Europa. Em face da sua actuação, 'o numeroso público (...), deixou-se invadir pelo entusiasmo, alegrando-se com a vivacidade e a vontade postas na luta pelos jogadores benfiquistas e sublinhando, desportivamente, com aplausos, o virtuosismo dos futebolistas do Real Madrid, entre as quais Di Stefano feriu as atenções com a sua verdadeira classe internacional'.
O jogo terminou com a vitória dos 'merengues' por 2-0, mas para o Benfica ficou a honra de ter na inauguração do seu Estádio uma das melhores equipas da Europa que trouxe consigo um dos melhores jogadores de todos os tempos: Di Stéfano.
Como recordação deste momento foi oferecida ao Benfica uma lembrança, 'um bronze artístico, com as figuras de D. Quixote e Sancho Pança', que pode ser apreciado na exposição temporária Jornal O Benfica - 75 anos de Missão, patente no Museu Benfica - Cosme Damião."

Marisa Manana, in O Benfica

Rafa precisa de pensar tão rápido (e bem) quanto corre

"Cada um tem para si mesmo uma inabalável definição de craque. Construiu-a também de memória, a partir do que viu durante a adolescência e idade adulta, fosse em kinemacolor, technicolor ou na cor natural trazida pelas décadas seguintes. Formou referências, moldes, em que encaixam os jogadores, com maior ou menor dificuldade.
Não há, também por isso, definições erradas ou certas, nem uma mais verdadeira do que outra. Os craques, quando os reconhecemos entre os mortais, vivem sempre numa parte de nós, onde chegam mediante o que fazem em campo.
Sem contarmos com o topo, onde dois ou três se sentam a olhar para baixo, e sem a base, de onde uma multidão já não tem mais para onde cair, além de purgatório ou inferno, é fácil subir e descer degraus mediante o gosto de cada um.
Mais valorizados os mesmos gostos dos que interferem directamente com o jogo e os jogadores, absolutamente inúteis para alguém que não os autores os de quem se delicia entre montículos de restos mortais de tremoços e uma caneca também a perder vida por culpa das alterações climáticas. Nada é mais do que prazer, nem precisa de o ser.
O meu craque é feito de três qualidades fundamentais: a relação íntima e quase obsessiva que tem com a bola, a leveza com que lhe toca e a distribui; a capacidade de não ter de olhá-la nos olhos para que esta se sinta confortável e possa observar sempre à sua volta para decidir melhor o que fazer; e a clarividência para, na maior parte das vezes, tomar a decisão mais certa, entre outras menos certas e algumas completamente erradas, esteja perante pouca ou muita pressão, seja do momento ou do adversário.
Classe, postura e inteligência.
Há muito boa gente que se fica pela classe. Chega! Outros que não pensam em classe sem postura. Perfeito! Mas o que seriam classe e postura sem esse dom de tomar quase sempre a melhor decisão, seja a ocupar o espaço, a procurá-lo, a decidir-se pela assistência ou a escolher uma entre milhares de formas de marcar um golo?
Claro que decidir (quase sempre) bem é algo intrinsecamente mental, mas implica obviamente fazê-lo tendo por base técnicas de passe e remate sólidas. A definição é isso. De que vale tocar a bola com classe, jogar de cabeça levantada e ter visão periférica, se depois não se escolhe o melhor ângulo, a melhor linha de passe ou, simplesmente, se deixa passar o momento.
É aqui que entra Rafa, o velocista do Benfica. Embora pudessem entrar outros, inclusive de clubes rivais.
A diferença é que quanto mais alto se sobe em termos de grandeza das equipas maior a capacidade de definição dos seus jogadores. Aqui é que se traça a linha que separa os maiores dos demais.
Não consigo olhar para Rafa sem pensar que a classe e as características formidáveis que tem, sobretudo quando tem espaço e pode meter a sexta, não chegam para defini-lo como um fora de série. Faltam-lhe mais últimos passes, faltam-lhe mais golos. Falta-lhe definir melhor.
Rafa não tem tempo a perder. Terá uma equipa de alta competição tempo para que o treino, a repetição, lhe acrescentem mais armas ao talento? Provavelmente, não. Só que para chegar ao topo, terá de dar um salto grande, provavelmente maior do que o corpo. Precisa de pensar tão rápido quanto corre. Mas sobretudo precisa de pensar bem."

VAR no Mundial e no penálti...

"“Não é admissível que em 2018 todo o mundo, no estádio ou fora dele, saiba numa questão de segundos se o árbitro cometeu um erro grave, e que o árbitro não saiba, não porque não queira saber, mas sim porque o impedem de o fazer”. Foi com este argumento, entre outros, que Gianni Infantino, presidente da FIFA, justificou a tomada de decisão de aprovar a utilização do videoárbitro no Mundial da Rússia deste Verão.
Seguramente que, quando referiu que “o balanço da utilização da tecnologia até agora tem sido muito positivo”, não se baseava nas avaliações que alguns treinadores, adeptos e/ou comentadores afectos a clubes fazem no final de jogos em que a sua equipa perde ou no final de jogos em que os seus adversários directos ganham. No micro-clima do nosso campeonato o saldo não é positivo. As mais de 50 decisões que foram bem revertidas pelo VAR, foram-no para beneficiar os “nossos adversários” e as decisões em que o VAR não interveio foram “sempre para nos prejudicar” ... Na Rússia vamos ter videoárbitro e, provavelmente com algumas falhas que irão sempre existir, teremos mais verdade no Mundial de futebol do que se não houvesse VAR.
Por cá, após um fim-de-semana em que aconteceram arbitragens bastante razoáveis (com ajudas importantes dos VARs) e sem influência nos resultados, uma das discussões do momento prende-se com o “bi-toque” de Sérgio Oliveira na execução de um pontapé de penálti no jogo FC Porto-Boavista.
Vamos então escalpelizar este lance. Premissa inicial que importa relembrar: não cabe ao árbitro decidir se uma lei de jogo é justa ou injusta e, seguindo essa sua opinião, decidir se a aplica ou não. Existem entidades que fazem as leis - no caso do futebol é o International Board - e há quem tenha por missão aplicar essas leis – os árbitros.
A Lei 14 - O pontapé de penálti refere, na parte que explica o procedimento da sua execução, que “o executante não deve jogar (tocar) a bola uma segunda vez sem que esta tenha tocado noutro jogador”. Mais à frente na mesma lei, em que se analisam as infracções e sanções que podem surgir na sua execução define que “se, depois de efectuado o pontapé de penálti o executante toca a bola uma segunda vez antes que esta tenha sido tocada por outro jogador um pontapé-livre indirecto (ou pontapé-livre directo por mão na bola deliberada) é assinalado”. Parece ser bastante claro.
Com as imagens televisivas ficou também claro que Sérgio Oliveira tocou, mesmo que involuntariamente e desafortunadamente, duas vezes na bola. Infracção atacante à lei 14 que, por ter resultado em golo, foi revista pelo VAR. O golo foi correctamente invalidado e o jogo recomeçou com um pontapé-livre indirecto. Tudo certo.
A discussão posterior, a dos directores de comunicação, centrou-se nos vários jogadores que entraram indevidamente na área de pontapé de penálti antes da execução do respectivo pontapé. Simplificando, a lei diz que quando vários jogadores de ambas as equipas invadem a área antes da execução, o pontapé de penálti deve ser repetido. Se o árbitro tivesse detectado essa situação poderia ter mandado repetir o pontapé de penálti. Não detectou. Quanto ao VAR, para onde as críticas foram dirigidas, não falhou. Fez o que o protocolo diz que deve fazer. Vou apenas transcrever as duas situações em que o VAR deve intervir na execução de um penálti:
- infracção por parte do guarda-redes e/ou executante do penálti;
- violação da distância regulamentar por parte de um atacante ou defesa directamente envolvido na jogada se a bola ressaltar do poste, da barra ou do guarda-redes directamente de um pontapé de penálti.
É a assim que a Lei está neste momento. É assim que o VAR tem de actuar."

Quem financia a arbitragem no desporto?

"Não podemos ignorar, que num contexto crise financeira, quem se encontra a financiar o Tribunal Arbitral do Desporto somos também todos nós (os contribuintes).

O cenário de caos e desconfiança em que se encontra a modalidade com mais projecção mediática e económica no plano desportivo nacional tem levado a que a discussão se centre na necessidade de conter o clima de “guerrilha” que se instalou (ou que sempre perdurou) no panorama do futebol em Portugal.
Sem prejuízo de um debate alargado – que parece faltar em Portugal – sobre a referida questão, entendo que não é este o único problema fulcral do sistema desportivo nacional.
Com efeito, não parece ser de ignorar que é também relevante ponderar uma reforma do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), a qual estranhamente parece tardar em começar. Atrevo-me a dizer que é um pensamento quase unânime, entre todos aqueles que buscam tutela jurisdicional no domínio do desporto, de que para o TAD só existem duas soluções: (i) a sua reforma ou (ii) o seu encerramento. 
A este respeito, um tema central que não pode ser ignorado encontra-se relacionado com o problema que envolve a existência de custas excessivamente onerosas no TAD. Neste contexto, convém recordar que me pronunciei diversas vezes sobre os efeitos perversos das elevadas custas do TAD, mas, acima de tudo, sobre sua provável inconstitucionalidade (com adesão doutrinal e jurisprudencial), havendo inclusivamente a aceitação destas premissas pelo associativismo desportivo, bem como pelos agentes desportivos. Existe, na verdade, uma insatisfação global com o regime jurídico que rege o TAD.
Ainda que voltemos a este problema muito particular noutra ocasião, existe um aspecto que é muito relevante escrutinar, nomeadamente o de saber quem financia a actividade do centro arbitral conhecido como TAD, uma vez que a questão tem quase permanecido ao sabor de um silêncio ensurdecedor.
É sabido que o TAD necessita de um certo número de processos para conseguir assumir-se com auto-suficiente em termos de financiamento, contudo o referido centro arbitral ainda não conseguiu, em quase três anos de funcionamento, alcançar esse número.
A dúvida que se poderia colocar era a de saber como se processaria o financiamento do TAD. Lê-se no plano de actividades e orçamento do Comité Olímpico de Portugal (COP) para 2018 que: “O financiamento público ao TAD tem sido viabilizado através de uma dotação específica no Contrato Programa de Desenvolvimento Desportivo às Actividades Regulares do COP celebrado entre o Instituto Português do Desporto e Juventude, I. P., e o Comité Olímpico de Portugal, através do qual se reserva uma dotação para o funcionamento do TAD cujos respectivos duodécimos o COP transfere para o TAD gerir no âmbito da independência que a lei consagra a esta entidade jurisdicional”.
Não se trata propriamente de uma novidade, uma vez que já era conhecido (inexistindo, porém, contas públicas) que o orçamento do TAD assumia um valor próximo de 180.000 € (perto de 80.000€ pagos pelo Instituto Português do Desporto e Juventude, I. P. (IPDJ) + COP e os restantes 100.000€ corresponderiam a receitas próprias).
Recordo de que, de acordo com a Lei n.º 74/2013, de 6 de Setembro, na redacção da Lei n.º 33/2014 (LTAD), o TAD dispõe de “autonomia (...) financeira” (artigo 1.º, n.º 1) e que as suas receitas consubstanciam “as custas processuais cobradas nos correspondentes processos e outras que possam ser geradas pela sua actividade, nomeadamente as receitas provenientes dos serviços consulta e de mediação na presente lei”.
Na sequência deste pequeno enquadramento jurídico cabe a perguntar: como justificar o apoio financeiro (público – IPDJ; privado – COP) à luz das regras acima referidas?
Mais importante é ainda verificar em que medida pode estar em causa a autonomia financeira do TAD. Não é só a potencial dependência económica em relação às partes – e que poderá ocorrer regularmente em relação a alguma delas –, mas também em relação ao Estado. Por outro lado, não podemos ignorar, que num contexto crise financeira, quem se encontra a financiar o TAD somos também todos nós (os contribuintes). Voltaremos ao tema nos seus mais diferentes contextos."

As meias-finais de sonho

"Podem estar à vista umas meias finais de sonho na Liga dos Campeões, mesmo se no futebol, como em nenhum outro desporto, a surpresa espreita a cada ronda. Claro que Roma, Sevilha, Juventus e Liverpool têm capacidade para criar problemas a qualquer rival mas os favoritos estarão do outro lado da relva e, se se confirmarem como tal, podem permitir, por uma vez, ter nas meias finais aquelas que são porventura as quatro melhores equipas da actualidade: Barcelona, Bayern de Munique, Manchester City e Real Madrid.
Ainda no plano teórico, serão de Juventus e o Liverpool as maiores hipóteses de alterar esta lógica de probabilidades. É certo que o trauma da derrota clara na final de 2017 há-de ainda pairar em Turim mas também é verdade que os italianos ganharam as últimas quatro eliminatórias a duas mão frente aos merengues, a última das quais na meia-final da Liga dos Campeões de 2015. Ainda assim, todos já perceberam que o Real Madrid da Champions - quando a motivação de todos os seus craques está no limite máximo - é muito diferente daquele que tantas vezes parece à deriva na Liga espanhola. Já o futebol rock´n roll do Liverpool de Klopp contrasta claramente com a espécie de música erudita sem falhas na pauta que sai das botas dos homens do Manchester City e os reds foram mesmo a única equipa que ganhou ao City, e de goleada, na corrente Premier League. Ainda assim, os favoritos estarão equipados de azul celeste, que a organização de Guardiola é mais segura, além de que a ideia de jogo ofensiva se consolidou tornando exuberantes quer a qualidade do jogo posicional com bola quer a capacidade de gerir e alternar os ritmos.
Com maior ou menor dificuldade, é ainda mais provável o apuramento do Barcelona, ainda que os jogadores maduros da Roma saibam dar corpo à astúcia do treinador Di Francesco, como mostraram frente ao Shakthar, e do Bayern de Munique, que o Sevilha eliminou o Manchester United mas os homens de Mourinho estiveram longe do que poderiam (e deveriam) render. Se Barcelona, City, Bayern e Real se qualificarem, teremos, mais que o inevitável choque de titãs, um verdadeiro choque de ideias. É certo que três das quatro equipas apresentam a impressão digital de Guardiola, que passou a última década entre Barcelona, Munique e Manchester, mas há diferenças substantivas no jogar e na evolução que tiveram os modelos de Barça e Bayern.
O contraste absoluto mora em Madrid, na constelação extraordinária que Zidane vai gerindo, sempre com mais fogo ofensivo que segurança na retaguarda. Varia entre um meio campo pensador e que lhe valeu os maiores títulos, quando tem Kroos, Modric e Isco, e uma fórmula mais acelerada para os momentos de transição, quando aposta na BBC (Bale, Benzema e Cristiano) e na capacidade vertiginosa de aproveitar o espaço que o rival der. Se a Champions terminasse numa liga a quatro, decidida por pontos, acredito que o Real dificilmente ganharia. Acontece que é a eliminar e aí os madrilenos são demolidores, que fazem sempre golos mesmo quando parecem anestesiados no jogo. Para cúmulo, está aí de novo o melhor Ronaldo, a prometer mais um final de época em cheio, o que autoriza o Real a sonhar em tocar o céu novamente. O Bayern perdeu muito do jogo de posse com mobilidade permanente dos anos de Pep, que apostava na versatilidade dos jogadores e na capacidade para desempenharem mais que uma função mas, passado o ministério errante de Ancelotti, voltou aos trilhos do sucesso com o velho Jupp Heynckes. Num futebol mais rectilíneo, em que há especialistas assumidos de cada lugar, regressaram as acelerações nos corredores que resgataram os veteranos Robben e Ribéry, além de se multiplicarem as soluções a meio campo, com a contratação do geómetra Rudy, o regresso do criativo Thiago Alcãntara e a inclusão de um craque chamado Tolisso. Os bávaros recuperam hábitos que valeram a época inesquecível de 2013, devem festejar a vitória na Bundesliga ainda em Março e podem voltar a sonhar com a glória total, mesmo não sendo o principal favorito nesta Champions.
Do Manchester City pode dizer-se que tem menor pedigree internacional mas a experiência é sempre uma questão subjectiva e pesa bem menos que a qualidade de jogo. Quanto a esta última, não tenho grandes dúvidas: os azuis celestes de Manchester representam hoje o melhor projecto do continente, com um domínio raro dos vários momentos ofensivos e defensivos (excepção da bola parada defensiva, mas mesmo aí com um guarda-redes que aumentou as garantias) e um crescimento para níveis superlativos de unidades como De Bruyne, Leroy Sané e Otamendi. Além de que, com a Premier no bolso, Guardiola pode concentrar-se na luta por voltar a sentar-se no trono europeu. O Barcelona não é tão sufocante como o City mas reequilibrou-se tacticamente. A saída do genial Neymar acabou por permitir, agora em 1.4.4.2, que a equipa se sinta confortável no momento defensivo, protegendo-se mais à largura, e devolvesse Messi ao corredor central onde verdadeiramente pode reinar. O argentino é muito mais que o acelerador criativo de outrora, que quase sempre rompia para finalizar, é sobretudo o maestro que define como e por onde deve seguir cada posse de bola. E quem tem Messi também está sempre mais perto de ganhar."