quarta-feira, 15 de novembro de 2017

O lado bom do nosso futebol

"É preciso repetir que não há clubes imaculados. Todos têm telhados de vidro, ainda que não feitos do mesmo material.

Bendito fim-de-semana, este que aconteceu. E tenho esperança que também o próximo, embora já haja jogos da Taça de Portugal. E porquê? Não houve fake golos, meios-golos, foras-de-jogo milimétricos, encostos e encostas, erros e desacertos, logo, menos matéria-prima para a discussão que alimenta e atormenta o nosso futebolzinho...
Neste domínio, é preciso repetir que não há clubes imaculados. Todos têm telhados de vidro, ainda que não feitos do mesmo material. A ideia pateta que o clube A dá lições ao clube B e vice-versa não resiste ao mínimo teste de coerência e sensatez. O que hoje se defende, amanhã se contraria. O que hoje se nega, amanhã se afirma. O que agora é notável, depois é reprovável. O que então se afastou, mais tarde se aproximou. Nunca como agora se sente que estamos mais perto do precipício. É imperativo afastar esse perigo, sem que tal anule ou esbata o elemento genético desportivo que é vencer e reduza o natural apego e defesa civilizada dos clubes.
Hoje, no meio de tanta poluição visual, sonora, campal e retórica, olho para o que, para mim, ainda há de bom no futebol cada vez mais autofágico, senão mesmo patológico. Eis fez exemplos:

1. Os pequenos clubes, mesmo na divisão principal, que, tantas vezes, lutam silenciosamente por não desistir, apesar de ignorados, marginalizados e condicionados. Para eles não há lugar a lamúrias de arbitragem, de marcações dos dias dos jogos. Ou se as houver, não chegam a lado nenhum, a não ser a um ignorado rodapé perdido na selva do totalitarismo dos maiores clubes.

2. A larga maioria dos jogadores de futebol profissional em Portugal que, abnegadamente, são dignos do ofício que sonharam e escolheram no apogeu da sua juventude, tantas vezes com atrasos no recebimento dos seus magros proventos quando comparados com as (poucas) dezenas de ordenados fabulosos. São estes atletas que correm tanto ou mais do que a elite, ora preocupada com a carteira, ora com a transferência, ora com a vida social, ora com as tatuagens, acessórios e penteados, sempre mimada e apaparicada.

3. A maioria dos árbitros portugueses que, com erros, como é inevitável, dão prova de serem muito mais sérios e profissionais do que a maioria dos dirigentes dos clubes. Elogio a sua coragem num tempo em que só o facto de se ser árbitro é motivo de desconfiança, insinuação e soezes ataques pessoais. Imagino o que sentirão, depois dos jogos, ouvindo entre críticas legítimas e serenas, a atoarda ininterrupta sem o mínimo de respeito e cautela.
Aliás, quando vejo jogos lá fora, observo erros por vezes muito mais gritantes e até difíceis de entender, como por exemplo nos campeonatos espanhol, italiano e até inglês. E nas provas europeias, o que se diria por cá se erros como os que prejudicaram o Benfica na final contra o Sevilha, numa eliminatória na Luz contra o Chelsea ou, está época, em Manchester ou contra o CSKA, ou contra o Sporting em Schalke e muitos outros fossem reproduzidos no nosso campeonato?

4. O presidente da Federação Portuguesa de Futebol que, contra ventos e marés, escolheu um itinerário sério para credibilizar o futebol nacional, infelizmente logo rasgado por quem se deveria preocupar mais com a sustentabilidade da actividade e o reforço ético do seu desenvolvimento do que com constantes atoardas para consumo mediático.

5. Os dois estádios mais bonitos de Portugal - a Luz e o Dragão - candidatos a acolherem finais europeias de clubes. Através deles, o nosso país futebolístico mostra ao mundo que não é por falta de infraestruturas bem concebidas, apetrechadas e seguras que atravessamos uma fase deprimente do ambiente em redor deste desporto.

6. A grande maioria de quem vai aos estádios que merece ser respeitada pelo seu desportivismo aliado a uma saudável militância clubista, isto apesar de uma sempre presente escassa minoria de energúmenos que espalham impropérios, insegurança e acirram os ânimos de uma maneira por demais desproporcionada.

7. Alguns poucos programas de televisão sobre o futebol português (sobretudo na televisão pública e em canais temáticos de desporto) que vão para além da semana, que são contidos sem amordaçarem o natural entusiasmo dos comentadores e têm jornalistas com a sageza da equidistância, e equilíbrio da contenção e a competência de nos porem a reflectir e a ver mais longe.

8. O Plano Nacional para o Ética no Desporto liderado por José Carlos Lima, que teima em, pedagogicamente, tomar iniciativas louváveis, fomentadoras de exemplaridade desportiva, e de boas práticas seriamente estudadas. Refiro-me, por exemplo, ao Cartão Branco Fair Play e, ao projecto Bandeira da Ética, apresentado na segunda-feira, como «um processo de certificação dos valores éticos no desporto, dirigido a clubes, escolas, projectos ou qualquer outro tipo de iniciativas e entidades que queiram ver reconhecido e certificado o seu trabalho no âmbito da promoção dos valores éticos através do desporto». Pena é que iniciativas destas tenham um milésimo da atenção dos media face a uma qualquer bojarda na oralidade futebolística.

9. A política de formação dos principais clubes, que tem proporcionado bons resultados desportivos e humanos, e que tem demonstrado cabalmente que esta aposta é, a prazo, retribuidora e ganhadora.

10. E, the last but not the least, o notável trabalho e resultados da selecção portuguesa de futebol, liderada por Fernando Santos, um senhor, um homem bom e eticamente irrepreensível, um português exemplar e um líder com elevado sentido humanista.

Não sei se o desporto, futebol em particular, está de pernas para o ar ou de cabeça perdida. Seja qual for o diagnóstico ajustado para o momento, uma coisa é certa. Precisa que quem tem responsabilidades directivas, técnicas, desportivas, mediáticas, associativas, cívicas não atire mais achas para a fogueira. É que haverá o dia em que já não há retorno e, com a esperteza do oportunismo, os causadores da desgraça desaparecerão como se nada tivesse sido com eles.

Contraluz
- Palavra I: Matematicamente
Embirro com este advérbio pouco matemático. Acho-o até depreciativo para quem o diz e para quem se dirige- «Enquanto for matematicamente possível...» está para as competições como as sondagens para os derrotados. Acontece que a suposta possibilidade da matemática é o modo não assumido da impossibilidade da realidade. Como alguém disse, «na matemática, para saborear com prazer o fruto é preciso conhecer bem as suas raízes». Mesmo que raízes quadradas...
- Palavra II: Toalha
«Ainda não atirámos a toalha ao chão» é a medida higiénica da não aparência de desistência. Não atirar a toalha ao chão, pressupõe, desde logo, que haja toalha. E que haja toalheiro. É uma frase para se evitarem outras formas de se atirar. Por exemplo, atirar a primeira pedra, ser atirado às feras, ou atirar à cara dos jogadores o insucesso, embora os adeptos não possam atirar o dinheiro à rua, mesmo que, às vezes, atirem com tudo ao ar (incluindo a toalha). No fundo, diferentes modos de atirar o barro à parece...
- Número I: Mais cinco!
Nada melhor que as Arábias (neste caso Saudita) para mais uma catrefada de neófitos internacionais. A (escrevi propositadamente A, porque me lembrei das antigas selecções B, onde muitos agora A nem a ela teriam chegado). Edgar Ié, Kevin Rodrigues (certamente por falta minha, não sabia da sua existência), entre outros, eis os novos A.
- Número II: 127
Segundo li no Público, chegámos aos 600 internacionais, dos quais 127 só o foram uma vez. É caso para se dizer, mais vale ser internacional A uma vez do que apenas nacional toda a vida. 127 jogadores dariam para constituir quase 12 selecções! É obra.
- Moda: Lesões (?) antes de jogos das diversas selecções...
... estão a fazer escola. Lesões tão aparatosas e oportunas no campo, como logo tão misteriosamente recuperáveis no ginásio"

Bagão Félix, in A Bola

PS: Duas notas:
- verdade não há clubes imaculados, mas cuidado com as comparações... passar uma estrada fora da passadeira é crime, mas não está, nem nunca estará, no mesmo patamar de um assassino!
- José Carlos Lima, pode ser muitas coisas (não o conheço pessoalmente), mas a sua participação como colunista neste jornal durante alguns anos, deixou um registo pejado de anti-Benfiquismo primário, ao nível de um qualquer Babalu...!!!

Os outros foram melhores...

Benfica 95 - 108 Bakken Bears
23-22, 25-31, 29-28, 18-27

Durante alguns momentos até jogámos bem, principalmente no ataque, quase sempre no tiro exterior, mas faltou consistência... principalmente na defesa!

O nosso destino nesta competição ficou decidido no 'Sorteio', independentemente dos nossos erros, hoje, por exemplo, foi claro que o adversário é superior... Com os bons resultados europeus da época anterior, as expectativas estavam provavelmente demasiado altas, vamos ter que concentrar tudo nas competições internas, onde temos tudo para triunfar... 

'Zapping'

"1. Ontem cheguei a casa e comecei a fazer zapping. Na RTP estava Bruno de Carvalho a atacar Paulo Pereira Cristóvão, na SIC estava BdC a criticar o IPDJ, na TVI estava BdC a reagir a António Salvador, na RTP3 estava BdC a disparar contra Luís Filipe Vieira, na SIC Notícias estava a BdC a responder a Ribeiro e Castro, na TVI24 estava BdC a desfazer a FPF, na CNN estava BdC revoltado com Donald Trump, na MTV estava BdC a dizer mal do último álbum de Ed Sheeran, no Travel Channel estava BdC a expresssar indignação pelos preços dos hotéis nas Caraíbas, no Canal Panda estava BdC a rasgar o Noddy, o Ruca e a Patrulha Pata. Refugiei-me na RTP Memória.

2. Duas notas sobre o Benfica. A primeira para destacar a dimensão de Jonas. No meio de uma guerra sem tréguas entre os três grandes, em que parece proibido assumir deméritos próprios ou reconhecer méritos alheios, o brasileiro disse, em entrevista à RTP, que o FC Porto é a equipa que está a praticar o futebol mais vistoso; as águias não só teimam em não legalizar as suas claques (ou sócios organizados, como lhes chama Vieira), como fazem o favor de permitir a presença de dois jogadores, no caso Svilar e Jardel, no aniversário dos Diabos Vermelhos. Provocação?

3. Duas notas sobre o FC Porto. O mal não está  no castigo a Fernando Madureira, líder dos Super Dragões, proibido de frequentar recintos desportivos por seis meses, o mal está nos outros (e de todos os clubes, sobretudo dos grandes) que também deviam ser punidos e não são; o FC Porto encontrou no caso dos emails uma forte arma arremesso contra o Benfica, mas, ao vestir o papel de virgem ofendida, não pode (ou não deve) esquecer-se que tem telhados de vidro. Independentemente do que a justiça desportiva e civil decidiram no Apito Dourado e do que venham a decidir em relação aos emails, há uma condenação incontornável: a condenação moral.

P.S. Gostava que Blatter tivesse apalpado o rabo de Evra em vez de o fazer a Hope Solo. Teria a merecida lição."

Gonçalo Guimarães, in A Bola

PS: Duas notas (também!):
- Aconselho o 'vizinho', a informar-se melhor sobre a questão da suposta legalização das claques... reler a Constituição Portuguesa poderá ser um bom começo... Ou será que eu, e o meu grupo de amigos e familiares, que normalmente vamos ver o Benfica, está ilegal?!!!
- Exigir 'moral' aos Corruptos, não faz qualquer sentido!!!

Um craque indiferente ao mercado

"Não corresponde aos anseios televisivos dos truques geniais ou de golpes de magia que fazem levantar as plateias: Manuel Fernandes limita-se a ser perfeito em tudo quanto pensa e executa. É um enorme jogador, que cumpre os requisitos da variedade exigida nas funções que desempenha em todos os postos do meio-campo e, em cada um deles, acrescenta-lhe soluções surpreendentes. Não comete erros por dispersão, por má avaliação da distância, por errar passes simples ou por fazer uma finta a mais – é um fabuloso centro-campista que resolve qualquer situação delicada por intuição mas também pela sensibilidade com que armazenou o conhecimento assimilado pelo tempo.
Era um miúdo e jogava como se fosse um homem feito; está a entrar na veterania e revela o entusiasmo juvenil de quem ainda sente paixão e prazer pelo futebol. Impõe-se por inteligência táctica superior; simplicidade de processos; sentido de segurança e uma técnica sublime na qual são evidentes os resíduos não tóxicos de uma habilidade fora do comum. Uma das suas vantagens é o talento superior revelado na forma como domina as chaves colectivas do jogo e o modo como corresponde aos três grandes valores que definem o seu conhecimento: o espaço, o tempo e a boa interpretação do engano.
Poucos como ele no futebol europeu são tão perfeitos e completos naquele serviço de apoio aos companheiros. Só um craque é capaz de acudir a todas as chamadas sem prejudicar a solidez do exército que representa; só um futebolista com ampla visão de jogo e capacidade para interpretá-lo consegue melhorar, a favor dos seus, o que se passa a defender e a atacar; à esquerda, à direita e no eixo central; com e sem bola. É um médio completíssimo, que orienta a manobra atrás, como avançado dos defesas, e à frente, como líbero dos avançados; inflexível a fazer cumprir a lei implacável no processo de recuperação da bola e brilhante no modo como tantas vezes ilumina os movimentos de aproximação à baliza – para quem tanto se empenha na luta por todo o espaço defensivo, as suas aparições em lances de golo chegam a ser fantasmagóricas.
MF tem a autoridade invisível de quem chega aos 31 anos sem recriminar os parcos favores da fortuna. Tomou as opções que quis (algumas incompreensíveis) e ninguém tem o direito de contestá-las; pelo caminho perdeu-se em labirintos de desilusão dos quais nunca foi (nem ele quis ser) resgatado. Fez uma carreira interessante mas dela não recebeu em troca o equivalente ao potencial revelado como um dos mais excepcionais jogadores da sua geração. É verdade que nunca se entregou a peregrinações menores mas também não atingiu, como devia, a grandeza dos colossos europeus e mundiais. Cumpriu a designação de "grande futebolista invisível às leis de mercado", seguindo as sábias palavras de Jorge Valdano, mas acrescentou-lhe, ele próprio, a incapacidade para alterar o perfil discreto que o caracteriza.
Ao fim de tantos anos longe dos holofotes, distante dos olhares de quem sempre o admirou, MF recuperou a esperança de ver reconhecido o talento pela via mais nobre: a presença na fase final de um Campeonato do Mundo. Vividas mágoas silenciosas, alimentadas por uma gestão de carreira infeliz, para não lhe chamar outra coisa, tem agora a certeza de que o brilho sem consequências obtido em clubes como Everton, Valencia e Besiktas constituiu indignidade não repetida como estrela maior do Lokomotiv Moscovo. MF não retirou da carreira a glória correspondente ao talento que possui – faltam-lhe títulos (só foi campeão pelo Benfica), presenças na Champions e nos palcos majestosos das grandes competições. A concorrência é fortíssima e até ao Mundial muito pode ainda acontecer. Certo é que a presença no Rússia’2018 reporia justiça sobre um jogador especial, que merecia mais do que obteve do futebol.

Quatro opções para dois lugares
Num abrir e fechar de olhos, o número de laterais-direitos candidatos à Selecção tornou-se quase obsceno. A Cédric, o campeão europeu, juntaram-se Nélson Semedo, João Cancelo e Ricardo Pereira. A tarefa tornou-se a mais concorrida de todas, dificuldade acrescida pela qualidade em causa. Se todos estiverem a 100 por cento na altura do Mundial, a escolha de dois entre quatro será missão complicadíssima.

Bas Dost é um fenómeno
Bas Dost criou expectativa exagerada para a presente época. Em 2016/17 fez 36 golos e o passo seguinte pareceu mais complicado, porque chegou a dividir a titularidade com Doumbia e não parecia capaz de repetir a eficácia do ano anterior. O ponto de situação, no final do primeiro terço da temporada, revela que, afinal, tudo está onde deve: com o especialista a confirmar que é um fenómeno – 10 golos em 17 jogos.

Herrera mudou: agora faz falta!...
Herrera foi sempre um jogador especial, à volta de quem recaiu injustificada desconfiança. Na época passada concedeu pontapé de canto bobo (não foi um penálti ou um autogolo…) com o Benfica e foi crucificado. Sérgio Conceição, homem de ideias fixas, mesmo que sejam contra a maré, recuperou-o. Tornou-se decisivo e mantém-se no centro das atenções. Mas agora é porque está lesionado e faz muita falta."

Rui Dias, in Record

Manuel Fernandes pode sonhar

"Esperava-se mais de Portugal neste jogo?
Dificilmente um grupo de jogadores que estava a actuar junto pela primeira vez poderia fazer algo de muito melhor. Percebeu-se, logo pela convocatória, que o objectivo principal não era o de conseguir desempenhos colectivos de grande nível, mas sim o de verificar o comportamento de alguns futebolistas com aspirações a ir ao Mundial’2018.

Algum jogador se destacou ao ponto de poder entrar nas contas de Fernando Santos?
Manuel Fernandes, sem dúvida, mostrou que dá ao meio-campo de Portugal algo de diferente. Não significa que esteja em posição de lutar por um lugar com João Moutinho, João Mário ou André Gomes, mas se Adrien (ou Renato Sanches) não conseguir, a partir de Janeiro, chegar ao patamar em que se encontrava há um ano, então o lugar pode muito bem ser disputado pelo médio do Lokomotiv Moscovo. Por outro lado, Beto mostrou que um dos lugares de guarda-redes deve ser dele.

O centro da defesa ‘promete’ ser um problema?
Pois... Ontem Ricardo Ferreira comprometeu várias vezes. Talvez tenha acusado a estreia, mas a verdade é que, por enquanto, Portugal continua muito dependente dos veteranos Pepe e José Fonte. Se até Março (novos jogos particulares) Rúben Dias continuar a mostrar maturidade, talvez possa ajudar a mitigar o problema."

Seleção: três nomes que saem reforçados dos particulares

"O que trouxeram de novo os jogos com Arábia Saudita e Estados Unidos.

Dois jogos diferentes, de graus de dificuldade também desiguais.
A selecção dos Estados Unidos mais organizada e competente do que a da Arábia Saudita, um Portugal mais desgarrado e desligado também no segundo jogo, o de Leiria.
Do 4x4x2 para o 4x3x3, de um futebol mais apoiado e com mais critério na definição, com Bernardo Silva e João Mário nos flancos, para outro de roturas e vertigem a partir de Gelson Martins e Bruma. A mudança foi grande de um jogo para outro, e a vários níveis.
Entre os menos consolidados até aqui, há três nomes que ganham alguma força, na sequência dos dois encontros de preparação. Desde logo, Manuel Fernandes, num regresso cinco anos depois e já com 31 no cartão de cidadão. O médio do Lokomotiv Moscovo, apesar de aqui e ali parecer menos agressivo e menos reactivo à perda da bola, foi um farol de discernimento com esta nos pés, e mostrou ser opção válida para o que aí vem, caso Fernando Santos assim o entenda.
Gonçalo Guedes transpôs para o contexto Selecção o que de muito bom tem feito no Valência. É verdade que às vezes quer ser ainda mais rápido e mais irrequieto do que o jogo aconselha, mas, mesmo isolado na frente, num cenário que está longe de ser o que mais lhe convém, conseguiu provocar problemas aos defesas contrários. Quanto encontrar o equilíbrio que ainda procura será ainda mais determinante. Por ser um jogador diferente dos demais, não só pela dinâmica e potência de arranque, como também pela facilidade de remate a várias distâncias, o seu nome terá ganhado certamente força para a altura das decisões.
Naquela que, hoje em dia, parece ser a posição com maior concorrência da Selecção, a de lateral-direito, Ricardo Pereira aproveitou bem a oportunidade. O portista jogou os mesmos 45 minutos que Cancelo esteve em campo, e metade dos 90 de Nélson Semedo frente aos norte-americanos. Participou activamente e assistiu para o segundo golo frente aos sauditas e recuperou terreno para a concorrência: Cédric, que não foi chamado; Cancelo, que somou apenas 43 minutos pelo Inter esta temporada; e Nélson Semedo, ainda longe de conseguir replicar pelo seu país o muito que assinou pelo Benfica e mesmo já ao serviço do Barcelona.
O seleccionador garante que não foi um teste, e há muita mais qualidade do que aquela que estes três nomes encerram, mas para já o palco foi deles."

A potência dos 177 mil

"A eliminação da Itália do Mundial'2018 realça ainda mais a fase dourada que a Selecção Nacional portuguesa vive desde a viragem de século. Nesta altura, um país com pouco mais de 10 milhões de habitantes e cerca de 177 mil praticantes de futebol federados (incluindo femininos, futsal e futebol de praia) é um dos quatro na Europa que fazem o pleno em todas as fases finais de grandes competições. Os outros são Alemanha, Espanha e França.
Para se ter exacta noção do feito, basta comparar com os números da Alemanha. É um país com mais de 80 milhões de habitantes e quase 7 milhões de futebolistas registados na federação. Leu bem: quase tanto como dois terços da população do nosso país.
Estes dados mostram que há qualquer coisa de especial em Portugal. E não, não se trata de talento natural, porque bons jogadores podem nascer em qualquer parte do mundo. Trata-se de trabalho de base, muitas vezes invisível. Acima de tudo dos clubes, que cada vez melhor trabalham na formação, mas também da própria FPF, que criou competições e regulamentos que permitiram potenciar os bons jogadores que surgiram em Portugal.
Quem acha que os grupos de qualificação que têm saído a Portugal são todos fáceis e diante de adversários menos cotados, deve olhar para estes dados. Estamos a falar de 10 fases finais consecutivas. Ao ponto de nenhum adepto português achar normal haver um Europeu ou Mundial sem a nossa Selecção. Esta coisa de ter sorte costuma dar muitíssimo trabalho."

O cabo do medo e o cabo dos trabalhos

"Robert não perdia a oportunidade de desferir uns socos a cada arremedo de discussão. Algo muito dele. Um arruaceiro, pode dizer-se sem rebuço. Mas também não tinha medo de ser esmurrado, honra lhe seja feita.
Lembram-se de O Cabo do Medo? Muito provavelmente do que foi realizado por Martin Scorsese. Com outro Robert: Robert De Niro. É de 1991.
Já muitos não se lembrarão de O Cabo do Medo de 1962, realizado por J. Lee Thompson. Esse com o Robert dos socos: Robert Mitchum. O de Scorsese foi um remake do de Thompson. Quanto aos Roberts, Mitchum e De Niro, tiveram várias coisas em comum, sobretudo no que à pancadaria diz respeito. E ambos foram Max Cady na tela: «I got somethin’ planned for your wife and kid that they ain’t nevah gonna forget. They ain’t nevah gonna forget it…and neither will you, counselor. Nevah». Ah pois!
Diz a história do cinema que Robert Mitchum ficou com um olho negro quando, após ter sido confundido com Kirk Douglas por um chato qualquer, lhe rabiscou um autógrafo em nome de Douglas acrescido de uma sugestão bastante visual do local em que devia metê-lo. De Niro, por seu lado, ficou com vários olhos negros e um não mais acabar de hematomas em O Touro Enraivecido por ter resolvido experimentar ser realmente esmurrado em prol da autenticidade das filmagens.
De Jake La Motta, o Touro do Bronx, ou ‘O Touro Enraivecido’, muito se escreveu e se filmou. Aliás, ele próprio não fugiu ao apelo da sétima arte após o final de uma carreira que o levou ao título de campeão do mundo de pesos médios, ficando conhecido por ter sido o primeiro homem a vencer o formidável Sugar Ray Robinson. Infelizmente, apalhaçou-se. Tentou a comédia e tornou-se ridículo. Continuou a bater em toda a gente, inclusive na mulher. «I fought Sugar Ray so often, I almost got diabetes», terá sido a sua piada mais bem conseguida.
Sugar Ray Robinson defrontou várias vezes Jake La Motta, mas apenas uma vez Bernie Reynolds, do qual muito pouco se escreveu e se filmou.
No dia 7 de Novembro de 1951, Robert Mitchum estava em Colorado Springs, no lounge do Hotel Red Fox. Já adiantadamente alcoolizado, discutia qualquer coisa de somenos importância com Richard Egan, com o qual contracenava no filme em que estavam a trabalhar: One Minute to Zero. Egan combatera na II Grande Guerra, tendo passado à disponibilidade com o posto de capitão. E não bebera menos do que Robert.
Quando o soldado Bernard Reynolds surgiu no bar com a farda meio abandalhada de uma noite adiantada, o capitão não se conteve: «Abotoe esse uniforme!» Ao que Reynolds replicou: «Abotoe essa boca!».
Entornou-se o caldo.
O arruaceiro Mitchum perdeu as estribeiras. Agarrou Bernard Reynolds pelo colarinho e atirou-o de encontro ao balcão. Em seguida esborrachou-lhe a cara na superfície onde se acumulavam os copos já vazios. Finalmente, com o pobre diabo já no chão, aplicou-lhe um pontapé na cabeça.
Foi a pior derrota da carreira do boxeur Bernie Holmes, um peso pesado que contava com 19 KO aplicados até aí.
Na sua biografia, publicada vários anos mais tarde por Lee Server, Baby I Don’t Care, Mitchum recordou o episódio: «Não foi propriamente uma luta sob as regras da Marquesa de Queensberry. Enfiei-lhe um pé na cabeça e gritei - ‘See fucker! Se what I could do to you?’. Quando se anda à pancada com um gorila é preciso estar pronto para ir até ao limite».
Robert Mitchum não terá sido, com perdão de algumas senhoras mais entusiásticas, um canastrão de enorme talento. Às vezes, a sua inexpressividade podia dar muito jeito aos realizadores, mas provocava bocejos na plateia. Ainda assim, participou em mais de cem filmes.
O filme dessa noite de Novembro foi negro para ele. Reynolds foi parar ao hospital e o actor conduzido à esquadra e encerrado durante algumas horas. Ainda por cima tinha cadastro por posse de marijuana. Três anos antes a notícia dera brado. Estava acompanhado pela loiríssima Lila Leeds e pela sua amiga Vicki Evans quando a brigada de narcóticos lhes entrou pela casa dentro e os encontrou a enrolar umas dezenas de charros.
Mitchum esteve-se nas tintas: «Valeu a pena tudo isso. Não estou a falar de Lila, embora ele também tenha valido a pena, claro! Agora derrubar um bruto boxeur de pesos pesados, isso já é uma história valente! Boa para contar aos netos».
Ao ser libertado, olhou para os jornalistas que o esperavam com aquele seu olhar de carneiro mal morto e limitou-se a dizer: «Aquilo lá dentro é igualzinho a Beverly Hills. Só tem é menos delinquentes...»."

Ciência, conhecimento e política

"Percebemos que os académicos gostem do poder político, não conseguimos é entender como aceitam uma subordinação absurda a alguns indivíduos sem grande preparação intelectual, moral e cívica

A lógica é a moral do pensamento, assim como a moral é a lógica da acção”, mesmo num Estado laico, concorde--se ou não com Piaget.
Para os menos avisados, convém aqui esclarecer que por moral se deve entender bons costumes.
Ora, faz impressão que o poder político defina uma política de ciência, do conhecimento, com programas estabelecidos para os vários níveis de ensino, de investigação científica, pura e aplicada, com metodologias próprias e terminologias associadas, que revelam já um estádio de desenvolvimento sustentado e avançado, para depois adoptar uma “praxis’’, desprezando tudo aquilo que ele próprio ajudou a programar, e deixando tudo sem lógica, revelando um pensamento pobre, desarticulado, e criando um caos no pensamento daqueles que se prepararam para servir o país, e não a política e alguns políticos que fizeram da política a sua profissão.
Parece, pois, que alguns profissionais da política não estão talhados para respeitar uma acção com lógica, devidamente programada, depois de estudada, experimentada, avaliada, ajustada às necessidades que vão surgindo, fruto da evolução e do progresso da sociedade. Talvez porque os melhores, os mais bem preparados não começaram uma carreira política nas jotas, ainda adolescentes, sem tempo para o estudo e para a meditação, que são essenciais para atingir a maturidade social e política e ainda uma filosofia de vida de acordo com as características sociológicas do povo português. Talvez por isso não compreendam muito bem o povo que os elegeu e que eles se comprometeram a servir.
Daqui, talvez, uma explicação lógica para o “choque” do governo com a reacção do Presidente da República em relação aos fogos e mortes, numerosas, de cidadãos, que teve até necessidade de acrescentar que o povo é que estava “chocado”.
Ora, de facto parece-nos difícil alterar esta equação, apesar de não ter qualquer lógica e, inclusive, ser uma das razões pelas quais os melhores não podem ser “recrutados” para o desempenho de funções políticas, já que não estão “talhados” para fazer papel de faz- -de-conta, como alguns políticos com algumas licenciaturas, afastados à pressa...
Enfim, percebemos que os académicos, alguns bem preparados, gostem do poder político, não conseguimos é entender como aceitam uma subordinação absurda a alguns indivíduos sem grande preparação intelectual, moral e cívica, e, ainda por cima, para serem miseravelmente remunerados.
A autoridade não deve advir apenas de uma nomeação no Diário da República; deve, sim, corresponder a um grande conhecimento acerca de determinada matéria, um grande rigor académico, aliado a uma grande honestidade intelectual.
É de pessoas assim que o país precisa como seus governantes, como seus condutores, pessoas que ajudam os outros a ter uma vida melhor e um futuro mais promissor e feliz.
O desporto, como ciência do movimento, como estudo do ser humano, no plano físico, psicológico, antropológico e sociológico, dá-nos uma dimensão espantosa do ser humano, acrescentando-lhe a faceta lúdica e humanizadora, dando ao homem a liberdade de acção, num plano de total igualdade, com respeito, com humildade, com coragem, com camaradagem, com partilha de bons e maus momentos, mas sobretudo com respeito pela dignidade do ser humano, que desta forma está mais bem preparado para viver em democracia.
Não se nasce democrata, é preciso trabalhar muito, no plano pessoal, no aperfeiçoamento de qualidades e de potencialidades e no combate ao egoísmo e à indiferença em relação ao nosso semelhante, e lutar por uma maior igualdade social, combatendo as injustiças e protegendo os que mais precisam.
Aqui descobrimos a felicidade que é a democracia, mas a verdadeira, não aquela apregoada pelos nossos políticos, porque essa é, sim, a mediocracia."

O método hermenêutico do desporto

"O convite que recebi da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FL/UC) de proferir uma conferência, no passado dia 7 de Novembro, aos professores e alunos, sem exclusão dos doutorandos, do departamento de Filosofia e, finda a minha palestra, a proposta que me foi apresentada pelo Prof. Luís Umbelino (professor de Antropologia Filosófica) de leccionar um curso, em Fevereiro ou Março próximos, sobre “Filosofia da Motricidade Humana”, nesta mesma Faculdade, significou, para mim, uma honra que não poderei esquecer. A FL/UC conta, na sua história, com um friso ilustre de Mestres, que reuniam à coragem na defesa das suas convicções éticas e políticas o fundamento inapagável da cultura. António Garcia Ribeiro de Vasconcelos, Mendes dos Remédios, Carolina Michaelis de Vasconcelos, Joaquim de Carvalho, Gonçalves Cerejeira, Paiva Boléo, Costa Pimpão, Herculano de Carvalho, Sílvio Lima, Miranda Barbosa, Miguel Batista Pereira e tantos mais que, neste momento, não me ocorrem, foram universitários de incansável operosidade, mas de forte vigor pedagógico e científico. O Vitorino Nemésio (meu professor da disciplina de “Cultura Portuguesa”, no quarto ano da licenciatura) foi aluno em Coimbra, mas professor em Lisboa, sob proposta de Hernâni Cidade (deixo aqui, à memória do Prof. Nemésio, a flor recolhida de uma saudade). O Prof. Luís Umbelino ofereceu-me o texto da sua tese de doutoramento, que dá pelo nome de Somatologia Subjectiva: A percepção de si e Corpo em Maine de Biran (1766-1824). Luís Umbelino nasceu em Coimbra, vive em Coimbra e é professor auxiliar da FL/UC, mas binando, como professor convidado, na Faculdade de Ciências do Desporto da mesma universidade. É um jovem: quarenta anos, se tanto. Homem dotado de superior inteligência crítica e de um espírito que, infatigavelmente, não cessa de interrogar-se, a sua tese de doutoramento é, no meu pensar, um inesperado encontro de novos rumos, para a filosofia…
“Os filósofos parecem ignorar como o os homens são feitos, não conhecem o que eles comem, as casas que habitam, os fatos que usam, o modo como morrem, as mulheres que amam, o trabalho que fazem (…). Esta espantosa ignorância não perturba o curso preguiçoso da filosofia. Os filósofos não se sentem atraídos pela terra, são mais rápidos do que os anjos, não sentem qualquer preocupação com os vivos que amamos e nunca os tomou uma grande vontade de caminhar no meio de homens” (Paul Nizan, Les Chiens de Garde, Maspéro, p. 30). Considero “insensata” esta mania de fazer do filósofo um metafísico, indiferente ao “aqui e agora” de uma determinada vivência. A filosofia se, também ela, não reflecte e projecta um contexto cultural, um tempo, uma sociedade - para que serve? Julgo que deverá ter-se em conta a distinção entre filosofia e filosofar: a filosofia não tem pátria, pertence a todo o homem (ou mulher) que pensa, questiona e se questiona; filosofar, sim, tem pátria, tem escola e tem uma língua própria. No meu entender de “aprendiz da filosofia”, uma língua encontra-se inextrincavelmente associada a uma determinada mundividência, serve à compreensão de um tema, de uma problemática, sob nova luz, sob diferente forma de comunicar. Filósofos foram Platão e Aristóteles, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, Descartes e Espinosa, Locke e Rousseau, Kant e Hegel, Marx e Nietzsche, Sartre e Merleau-Ponty (e mais nomes poderia lembrar) e ninguém os pode acusar de uma luta obsidiante por qualquer assomo de “nefelibatismo”. Maine de Biran, que o Prof. Luís Umbelino traduziu (e pensou) para a língua portuguesa, já muito antes de nós recusou o dualismo antropológico racionalista e adiantou que o “facto interior” é ainda um facto e não uma ilusão.
Segundo o Prof. Luís Umbelino, “Biran reconhece o papel do corpo na génese da consciência” (p. 25). E diz ainda o autor desta tese, verdadeiramente inesperada: “uma somatologia, uma investigação da presença do corpo, em cada modo de existir, é bem, para BIran, o centro do estudo do propriamente humano do homem numa ciência do homem” (p. 29). Há duzentos anos, já Maine de Biran, sem poder beneficiar do desenvolvimento científico do nosso tempo, se aproximava do “eu sou meu corpo” de Merleau-Ponty e do nosso Vergílio Ferreira. E portanto já é antiga a interrogação: as ciências humanas podem construir-se recorrendo unicamente às ciências de paradigma físico-matemático? Recordo uma conferência que produzi, na Universidade Católica do Chile, sobre a Ciência da Motricidade Humana (CMH), observada como ciência hermenêutico-humana e o problema que me foi colocado por um doutorando: “não é verdade que o senhor professor, quando fala da CMH é mais subjectivo do que objectivo?”. Respondi-lhe como pude: “Mesmo que lhe respondesse em termos rigorosamente físico-matemáticos, a minha resposta seria sempre mais subjectiva do que objectiva, porque foi a minha subjectividade que a produziu. No entanto, não julgo ser de um subjectivismo pateta ao acrescentar que, porque a CMH é da motricidade humana de que se ocupa, são nela inevitáveis as referências a princípios, a valores, a objectivos e portanto um gesto desportivo jamais poderá estudar-se ao jeito das características de um objecto físico ou material”. E, se bem me lembro, disse-lhe ainda: “Aos fenómenos humanos não é lícito reduzi-los aos fenómenos mais elementares de natureza física. Uma verdadeira explicação da motricidade humana precisa de números, mas não se resolve com números tão-só”.
Eu sei que, à luz do critério metodológico explicação-compreensão, é difícil reconhecer estatuto científico às ciências humanas. Mas são simples coisas os fenómenos humanos? A vida humana (o Desporto é uma actividade humana) constituem-na razões, emoções e situações objectivas. António Damásio não esconde, desde o seu primeiro livro, O erro de Descartes, que “a emoção é uma componente integral da maquinaria da razão” e que portanto não há uma razão pura, porque não há razão sem emoção, sem sentimentos. A afectividade e a racionalidade são interatuantes e apresentam o mesmo suporte biológico. Mas, para mim (e assim penso, desde que me “apaixonei” pela epistemologia da motricidade humana) há necessidade inadiável de um “método compreensivo”, susceptível de revelar por que o “cogito ergo sum” de Descartes não pode definir, nem a heroicidade de um militar, nem os espantosos desempenhos de um campeão. Um método onde o natural se confunde com o integralmente humano e onde a linguagem se transforme no objecto fundamental da sua reflexão, da sua investigação. E que entende os dados científicos, a literatura, a arte, a filosofia, como “práticas significantes”. Por que no futebol há mais do que futebol e é a cultura (a aliança do saber e da vida) que atesta a cientificidade do que se faz. Mas que o humano nunca desapareça dos objectivos que se perseguem nem dos caminhos que se trilham. Deus morreu? O Homem morreu? Não pode morrer nada que dá sentido à vida, que dá sentido ao desporto. Sim, é verdade que cada época tem a sua “episteme”, a sua linguagem, as suas infra-estruturas de trabalho produtivo. Mas o Homem não sei se continua igual, mas continua vivo, com toda a certeza…
Se bem penso, dá-se demasiada importância à táctica. Ela é necessária, mas não é o elemento mais importante. Com as tácticas mais sofisticadas, mas sem Cristiano Ronaldo, a selecção portuguesa de futebol não chegaria, com toda a certeza, à fase final do Mundial da Rússia. Todos os jogadores são necessários, mas não há grandes equipas, sem um jogador genial. Está próximo o tempo em que perceberemos finalmente que não é de futebol que se fala, quando se fala de futebol. Porque não há futebol, há homens que praticam futebol. Não são as táticas que fazem golos… são homens!"

O problema do futebol

"Não sei se leram a entrevista de Ruben Amorim ao ‘Expresso’ deste fim-de-semana. Se não o fizeram, nunca é tarde: uma conversa inteligente, relatos de bons episódios sobre futebol e uma explicação exacta do motivo para o panorama mediático desportivo colocar tão poucas vezes os principais protagonistas no centro: "só se pode dizer aquilo que os clubes querem. Hoje em dia, se dizes uma palavra mal, tens logo um problema, e os jogadores tentam fugir disso. Como só podem dizer três frases numa entrevista, ficam muito limitados, e as pessoas não veem o outro lado do jogador".
Enquanto ninguém vê o outro lado do jogador, todos os dias somos inundados com notícias do outro lado do futebol. Um lado bem funesto. Para além da omnipresença dessa figura insólita que é o ‘director de comunicação’ (haverá mais algum país onde se dê tanto protagonismo a estas personagens?), na comunicação social desportiva, temos líderes de claques mais ou menos organizadas, posts de facebook de pós-dirigentes, debates intermináveis sobre arbitragens assentes em repetições ad infinitum, trocas de acusações entre dirigentes, sempre condimentadas por ameaças de processos judiciais. Lê-se, vê-se e ouve-se e fica a dúvida: como é possível continuar a gostar de futebol?
É uma evidência que é preciso colocar cobro a este desvario que tomou conta do futebol português. Se as instâncias regulatórias não o fazem e se os clubes continuam empenhados em destruir o seu próprio negócio, é altura de a comunicação social fazer, ela própria, alguma coisa. Se nada mais, por instinto de autopreservação.
Faz, por exemplo, algum sentido que personagens marginais vejam os seus grunhidos, vindos do submundo das redes sociais, amplificados e reproduzidos em notícias? Não devemos ser todos preservados e não conhecer os líderes registados das claques legalizadas? É que se a comunicação social tradicional se transformar num prolongamento das redes socais soçobrará às próprias redes sociais.
Bem sei que o ciclo noticioso de 24 horas e o horror ao vazio são muito exigentes – particularmente nas paragens para jogos particulares das selecções. Mas o que precisamos na comunicação social é de menos directores de comunicação, menos anatomias de arbitragens, menos protagonismo aos dirigentes e mais voz aos protagonistas. Se os media derem o seu contributo, o ar em redor do futebol tornar-se-á mais respirável.
Sugestões? Mais espaço para a análise tática, como as do blog Lateral Esquerdo e do podcast Linha Lateral; mais interpretação estatística, à imagem do GoalPoint.pt; mais entrevistas como as do Rúben Amorim ao ‘Expresso’, do Jonas à RTP ou do Battaglia ao Record (para ficarmos pelos últimos dias) e mais episódios nostálgicos, como aqueles que o Carlos Manuel e o Miguel Prates nos trazem, todas as semanas, no extraordinário ‘Bar da SportTV’."

Televisões pagam e liquidam a tradição

"Entrámos no site da Premier e dedicámos algum tempo a analisar o calendário que ‘calhou’ aos clubes ingleses, nomeadamente aos mais importantes e envolvidos na luta pela conquista do título neste final de ano. A maior surpresa foi verificar que o ‘Boxing Day’ não é para todos, pois já prevíamos que, nesta calendarização, iria haver uns mais prejudicados do que outros.
O Leicester, por exemplo, tem de disputar 4 jogos em apenas 213 horas e encabeça a lista dos ‘azarados’, na qual o Manchester United é quinto, com 215,5 horas de intervalo entre os mesmos jogos, enquanto o Arsenal tem 289,75, ou seja, mais 3 dias de descanso, e o Chelsea mais 2 dias e meio. São os mais ‘sortudos’, certamente, por acaso.
Voltando ao ‘Boxing Day’, que como saberão é, quero dizer, era quase uma instituição na Grã Bretanha – no dia 26 de Dezembro, famílias inteiras rumavam aos estádios para verem actuar a equipa do seu coração. Porém, este ano não será assim, pois o Manchester City só irá a Newcastle no dia 27 e o Arsenal visita o Crystal Palace apenas a 28. O poderio financeiro das televisões sobrepôs-se à tradição e a liga de clubes cedeu, sem sequer ter em conta o que estas alterações podem significar no comportamento desportivo das equipas envolvidas nas competições europeias.
Olhando para a tal calendarização, em que, para além do campeonato, há ainda a Taça de Inglaterra e a Taça da Liga, mais as jornadas das selecções nacionais e as provas europeias, o que se verifica é que, nestes próximos meses, enquanto na Inglaterra há futebol no duro, em Espanha, Itália, Alemanha e França, só para referir alguns, os jogadores beneficiam de uma pausa extra por força dos interregnos de Inverno. Não me admirarei por isso se, em Fevereiro, quando regressar a Champions League, as facturas a pagar pelos clubes ingleses forem tão pesadas como aquelas que o país vai pagar pelo Brexit."

(...) só há um português já convocado para o Mundial: Manélélé, o nosso Edward Snowden futebolístico

"Qualquer futebolista nascido na década de 80 tem por adquirido que a relva é para se comer. E se é verdade que o futebol português nos tem dado muitos herbívoros, poucos são os centrocampistas que vemos comer a relva e, no âmbito dessa actividade metafórica, recorrer a talheres.
Manuel Fernandes é um desses casos raríssimos em que a rua, a genética, alguns treinadores atentos e outros tantos distraídos se uniram para produzir um senhor futebolista: inapelavelmente possante, tecnicamente evoluído, esteticamente cuidado, um bruto dum metrossexual, ainda assim pragmático quanto baste para fazer aquilo que se espera de um centrocampista: garantir a resolução dos mais diversos problemas físicos e cognitivos colocados por colegas ou adversários ao longo de 90 minutos com a magia dos predestinados e a estabilidade emocional de quem está apenas a fazer o seu trabalho.
Manuel Fernandes podia fazer tudo isto e depois desdobrar-se em entrevistas, o primeiro reduto da maioria: flash, na zona mista, de vida, de fofoca. Já lá vão 31 anos e muitas histórias por contar. Manuel Fernandes tem sabido resistir a essa tentação. De vez em quando, dá uma ou outra entrevista, não sabemos se para satisfazer a nossa curiosidade se para avisar amigos e familiares que está bem de saúde. O facto é que a emoção nunca se apodera dele, muito menos qualquer ressabiamento por ser o futebolista português mais injustamente ignorado da sua geração. Queria ver se fossem vocês.
Esta manhã lia um texto algures num site progressista sobre uma nova condição clínica observada nos EUA. Estão preparados? Então é assim: estas pessoas conseguem sentir o estado de espírito dos outros. Conseguem colocar-se no lugar do outro. Alguém chamou a estas criaturas iluminadas... “empaths”, de empathy. Bem vindos a 2017, o ano em que a intolerância deu mais umas voltas de avanço ao bom senso e a empatia passou a ser considerada um super poder. Talvez isso explique que, para a maioria de nós, seja difícil compreender a condição do nosso Edward Snowden futebolístico, um tipo adoptado pela Rússia, com quem, nos últimos anos, pouco ou nada quisemos ter a ver. Talvez seja difícil percebermos que não foi ele que nos traiu. A traição é nossa. Felizmente não nos guarda rancores. No seu regresso, foi como se nunca nos tivesse deixado.
Talvez um dia, com outro distanciamento, consigamos perceber o que se passou. Agora não há tempo. Pés à obra, meu caro Manélélé. Por mim, está convocado. Daqui a poucos meses, quando regressar da Rússia já campeão mundial, ouvirá Daniel Oliveira perguntar-lhe: “Manuel, o que dizem os teus olhos?” A resposta, a que invariavelmente sai redondinha dos seus pés, é que Manuel Fernandes é só mais um. Mas nós sabemos que não é bem assim."

Aos gurus da comunicação (e da gestão) um conselho: sigam o Paços

"Conduzo uns 30 quilómetros para o interior do distrito do Porto e é como se recuasse 20 anos no futebol português: sócios antigos junto ao bar do clube apreciando ao longe um treino da equipa principal, os craques ali à distância de um «boa tarde» e um aperto de mão… Posso até espreitar entre as bancadas, até que volto dar por mim e já estou ali sozinho, em pleno estádio, a tocar no relvado. 
Bem-vindos a Paços de Ferreira, esse lugar de liberdade no nosso futebol.
Em Portugal, o futebol é talvez a única actividade em que os seus agentes desprezam a projecção mediática que lhes é oferecida numa bandeja. Ao longo dos últimos anos, os três grandes têm progressivamente privilegiado a comunicação em circuito fechado (quando não codificado) através dos seus canais próprios.
O canal do clube faz invariavelmente a primeira pergunta, queimando tempo precioso em conferências de imprensa cronometradas quase ao segundo. O canal do clube faz todas as perguntas, menos as difíceis, sempre que o presidente do clube quer passar a sua mensagem à nação. O canal do clube tem todos os exclusivos com os jogadores.
Tudo isso é legítimo. Não tem, porém, é equidistância e independência para ser considerado jornalismo – mesmo que o que é publicado ou difundido em órgãos de comunicação externos nem sempre o seja.
Se os grandes fazem assim, os restantes cada vez mais fazem parecido. Mesmo com queixas fundadas sobre a falta de cobertura em treinos e conferências de imprensa de antevisão (já que as redacções não esticam), cada vez mais não-grandes levantam barreiras ao trabalho jornalístico: umas vezes por retaliação, outras porque há que alimentar uma complexidade supérflua para salientar a importância do departamento de comunicação.
Neste contexto, criou-se ao longo dos tempos uma percepção infundada de que alguma liberdade na comunicação possa ter efeitos desportivos negativos. E, no entanto, existe o Paços de Ferreira, não único, mas raro exemplo de abertura aos jornalistas época após época.
O Paços é um clube tão descomplexado que há uns anos até abriu portas a um programa de televisão sobre publicidade, que lhes sugeriu desde um novo hino até um novo emblema.
O Paços não amordaça os protagonistas: aceita praticamente todos os pedidos de entrevista sem reservas, deixa os seus futebolistas falarem na zona mista após os jogos e, mesmo assim, imaginem, está há 13 épocas consecutivas na Liga e já conseguiu um inimaginável 3.º lugar em 2012/13, que lhe valeu a disputa do play-off de acesso à Liga dos Campeões.
No fundo, o Paços já entendeu há muito que não perde pontos no campo por cada entrevista que concede. Pelo contrário, ganha-os no terreno mediático. E com os jornalistas estabelece uma relação de respeito que é retribuída em rigor e responsabilidade dobrados.
No entanto, aquilo que este clube consegue em termos financeiros é ainda mais notável do que permite em termos de comunicação.
Volto ao início: àquele momento entre o final do treino e a entrevista a Mabil (cuja história contámos aqui). Nesse intervalo fui convidado a conhecer o novo espaço do futebol profissional pacense (balneários, ginásio, spa, salas polivalentes), que será inaugurado na recepção ao Sporting no final deste mês.
Fica por baixo da bancada nova do topo – a mais recente das duas novas construídas recentemente. As obras fizeram-se aos poucos porque o clube fê-las sem recorrer crédito bancário, preferindo usar recursos próprios.
«Esta bancada foi construída com a receita da transferência do Diogo Jota», informam-me. E eu registo que num país que tem das maiores dívidas externas do mundo e num futebol como o nosso, cujas principais SAD têm passivos astronómicos há quem faça ponto de honra em ter contas equilibradas e pés assentes na terra.
Por achar este exemplo notável a vários níveis, permitam-me um conselho, caros gurus comunicação e da gestão desportiva do futebol português: sigam o Paços. Estaríamos todos bem melhor se o fizessem."

A profissão seguinte

"As carreiras duais são uma preocupação central da política europeia para o desporto. Pessoalmente, acredito que a preparação dos jogadores para o desempenho de outra actividade é indispensável para minimizar as dificuldades de reintegração no mercado de trabalho, finda a carreira desportiva. O projecto de educação e formação do Sindicato tem, por isso, uma matriz de promoção da carreira dual que procuramos, agora, efectivar.
Um estudo realizado pelo Sindicato de Jogadores em 2016 indica que cerca de 48% dos jogadores da 1.ª Liga e 34% dos jogadores da 2.ª liga aspiram tornar-se treinadores. Com efeito, no programa nacional de formação de treinadores é absolutamente indispensável a integração do conceito da carreira dual.
De que forma a carreira desportiva pode ser valorizada? O Sindicato defende a flexibilização do actual modelo de formação, valorizando a experiência profissional dos jogadores, em especial dos ex-internacionais e dos que apresentam experiência profissional regular ao nível da 1.ª Liga. Por outro lado, o regime de faltas deve considerar as exigências próprias da competição desportiva. Para os jogadores no activo, que não têm condições para realizar o estágio, defendemos a possibilidade de progressão de grau, sem prejuízo da sua realização em momento posterior. Estas e outras propostas pretendem efectivar a promoção da carreira dual no futebol, tendo sido apresentadas ao IPDJ para ponderação na revisão do actual modelo de formação de treinadores.
Estamos ao lado dos inúmeros jogadores em final de carreira que nos manifestam o seu descontentamento por um sistema que não valoriza o percurso desportivo.
Termino com uma chamada para Leiria! Todos juntos no apoio à Selecção e na angariação de fundos para aqueles que ainda sofrem em consequência dos incêndios florestais."