"Baptismo de fogo.
Mile Svilar conseguiu, na passada semana, ser figura central na imprensa desportiva por dois motivos completamente antagónicos: ser o mais novo guarda redes a competir numa Liga dos Campeões e, paradoxalmente, ser “o” responsável pela derrota do Benfica.
A acção que o levou a pedir desculpas aos adeptos e a, manifestamente, demonstrar a sua frustração e descontentamento no final do jogo, enquanto, numa elevadíssima manifestação de fair-play, era confortado pelos colegas do Manchester, viria a ser capa de muitos jornais que, rapidamente, se apressaram a “crucificar” um “miúdo” de 18 anos e o treinador que escolheu apostar na sua integração.
Curiosamente, não me lembro de ver uma única capa a “crucificar” este ou aquele avançado do Benfica, dada a sua ineficiência em concretizar uma dada jogada de ataque (logo, a errar de igual forma).
Em boa verdade, a posição de guarda redes é, possivelmente, das mais ingratas e das menos valorizadas no contexto dos desportos colectivos (qualquer um deles) e o futebol não é excepção.
A título de exemplo, será de senso comum que, para sempre será recordado o golo do nosso avançado Eder como o grande protagonista da vitória no Euro 2016 e, dificilmente as pessoas recordarão, daqui a uns anos, o número de defesas que o nosso guarda-redes Rui Patrício efectuou, não só em contexto de grandes penalidades (contribuindo fortemente para o acesso à final) mas, na final propriamente dita, permitindo que a equipa pudesse continuar em condições de disputar uma vitória (recorda-se?), assegurando que o resultado fosse 1-0 e não 1-4/5/6.
Pode-me falhar a memória, mas não recordo que tenha sido dada especial visibilidade a este atleta (curiosamente, na imprensa internacional, surgiu um artigo sobre o seu perfil... em Portugal, nem por isso), que tenha sido entrevistado em exclusivo pela imprensa ou tenha sido convidado para ir à televisão.
E isto, não é de todo uma critica, é sim meramente uma constatação que resulta da consequência de se tratar de uma posição com menor visibilidade (comemora-se, tradicionalmente, os golos e não as defesas feitas...) onde, de facto, é muito mais difícil ser bem-sucedido e onde o insucesso é, muitas vezes, vivido de forma solitária, como se de uma modalidade individual se tratasse (como aconteceu com o “escrutínio” da imprensa e dos adeptos, que Svilar sofreu).
Paradoxalmente, e por estas mesmas razões, é a posição onde se encontram mais frequentemente os atletas mais robustos do ponto do vista mental pois, por todas as razões expressas (e algumas outras não discutidas), necessariamente, precisam “crescer” mais cedo, amadurecer mais rápido pois, o lado mental tem, certamente, um peso elevadíssimo na sua capacidade em lidar com o erro e o insucesso, com o qual tem que se confrontar vezes sem conta, bastando para o efeito, ligar a televisão.
Por esta razão, lidam diariamente com o “peso” das suas decisões (treinando “responsabilidade” numa base diária), são extraordinariamente orientados para o treino e para a optimização de todas as variáveis que potenciam a elevação dos seus níveis de eficiência, uma vez que, um erro seu, será visível a toda uma gigante audiência... de igual forma, vivem numa espécie de “fio da navalha” onde, entre a ansiedade de execução e a necessária calma para a eficiência do gesto técnico, precisam ser “mestres” no respeita à sua capacidade de regulação emocional e de “prontidão” para a acção.
A sua notoriedadeserá, invariavelmente, determinada pela sua capacidade em lidar com a pressão, com o sucesso, o insucesso e o erro... e pela forma como, consistentemente, após um erro, conseguem reagir no momento a seguir “como se” nada se tivesse passado e o resultado permanecesse a zero.
De facto, o que determina a grandeza de um atleta (independentemente da sua posição) não será a variável “erro” (se comete ou não erros... só não comete quem se encontra em frente à televisão), mas sim a forma como reage, no instante imediatamente a seguir, a este mesmo erro.
“É uma questão mental onde, a cada momento, independentemente do que se esteja a passar, estás no “momento zero” e permaneces calmo. Pura e simplesmente, não queres saber dos erros (em jogo)”. Neuer
Por todas estas razões, o grande obstáculo de um guarda-redes não é o avançado, a chuva/sol ou o colega (que, por vezes, compete anos a fio em busca do seu lugar)... é sim, ele próprio.
É a sua capacidade em lidar com as emoções que sente quando joga, com o medo de errar, de ser “culpado” da derrota da sua equipa (como se tal fosse possível... como se, vitoria ou derrota, não resultassem do esforço conjunto de todos...), de perder a titularidade, de se magoar fisicamente (ou de magoar seriamente um adversário), de se sentir envergonhado... e de tantos outros “de’s”...
Svilar é ainda um “miúdo”, um miúdo com uma coragem gigante que o impulsiona para aceitar um imenso desafio que, quem maioritariamente o critica, jamais ousaria aceitar e, partilha com tantos outros colegas de posição, daquela irrequieta insatisfação que o faz querer mais e melhor (ou, simplesmente, não estaria à altura do jogo seguinte)...
Por esta razão, e com os adequados recursos emocionais (que possuirá ou poderá vir a adquirir), rapidamente entenderá que, muito possivelmente, o episódio com o Manchester se poderá transformar no derradeiro “baptismo de ferro e fogo” que o alavancará para uma carreira de sucesso na próxima década...
Afinal, de inícios difíceis e contestados está a “história” desportiva repleta e, não tendo isso atrapalhado a carreira do nosso actual nº1 (igualmente contestado em 2007/8), pode até ser um bom indicador para Svilar, do que o futuro o possa aguardar.
Assim consiga usar este episódio para se centrar ainda mais em si, na sua capacidade de desenvolver esforço e, acima de tudo, e numa posição tão facilmente invisível ou criticável, permanecer consciente do que o leva a desfrutar do jogo (enfim, a ser Feliz)."