terça-feira, 10 de outubro de 2017

Carne para canhão a em dos escudos nacionais

"O belga Fellaini lesionou-se e pode parar algumas semanas – é notícia dos jornais. Notícia muito desagradável para o jogador, para o clube e, naturalmente, para o seu treinador. É um caso, mas infelizmente não é único e levanta muitas questões.
A primeira é por que razão os jogadores não têm problemas nos clubes e nas selecções se lesionam uns quantos? A segunda é saber por que – como neste caso – há seleccionadores que, com as equipas qualificadas, não apostam nos menos utilizados nos clubes e insistem em ‘castigar’ os mais desgastados?
A razão principal para as lesões tem a ver com o treino. Nas selecções não são respeitados os devidos tempos de recuperação para que o jogador fique nas melhores condições. Ora, é impensável separar o processo de treino das selecções com o dos clubes. É impensável não se ter em consideração os tempos de paragem forçada, como com Fellaini, que por ter problemas físicos não jogou na Rússia para a Champions. Mas como voltou para a Premier… vá de atirá-lo lá para dentro num jogo a feijões.
Com a devida vénia às excepções – que as há! – a verdade é que várias selecções agem como se fossem ‘donas’ dos jogadores e desrespeitam os clubes, que é quem lhes paga. O pensamento é: se voltar ao clube lesionado, o problema não é meu. Importante é regressar depois bem.
Não é de admirar, por conseguinte, que cada vez mais haja jogadores ‘espertos’ – os que usam estratégias para não jogar – e haja menos ‘patriotas’ – os que continuam a ser carne para canhão. A bem dos escudos nacionais, pois claro!"

Os príncipes vermelhos da elegância

"A vitória pode ser, como dizia Mário Filho, uma doença que só a derrota cura. Mas, acreditem, por cima das derrotas e até por sobre as vitórias haverá sempre a forma inconfundível como cada homem aceita os ditames do Destino.

Mário Filho foi um dos maiores jornalistas da história do Brasil. O seu nome baptizou o Maracanã: Estádio Mário Filho.
Escreveu uma vez: 'A vitória é uma doença que só a derrota cura!'.
Tinha tanta razão.
A vitória é viciante, leva-nos ao topo do mundo, à visão idílica de que um deus qualquer, por mais pequeno e anónimo que seja, mandou que um anjo da fortuna pousasse no nosso ombro para não mais levantar voo.
Ah! Mas se Mário Filho tinha razão, e como a tinha!, se a vitória é mesmo uma doença que só a derrota cura, a derrota também pode ser uma doença que só a vitória cura.
Porque a derrota deprime, diminui, faz-nos ver os erros e os defeitos aumentados por uma lupa maligna que esconde as virtudes e as bondades.
Ser jornalista obriga a deixar de lado a paixão no momento de tentar perceber os acontecimentos, analisa-los pelo prisma de uma segurança que pode ser efémera mas nunca deve ser esquecida.
Tive a sorte de aprender com os grandes mestres do jornalismo em Portugal: Vítor Santos, Carlos Pinhão, Carlos Miranda, Alfredo Farinha, Aurélio Márcio. Estes foram os maiores de todos, e orgulho-me de ter trabalhado com eles na mesma antiga redacção da Travessa da Queimada, ali no Bairro Alto, e tentar perceber o seu rumo, os seus propósitos, a forma como se entregavam aos momentos parar tirar deles o que verdadeiramente importa para os leitores, porque é disso que trata o jornalismo, afinal!
Alfredo Farinha escreveu certa vez esta prosa magnífica: 'Quando comecei a escrever em jornais, o meu propósito, a minha ambição, o meu sonho, era ser jornalista da Grande Imprensa. Ir à procura da vida no meio da vida, ir ao encontro dos acontecimentos onde eles acontecessem, conhecer os problemas dos homens, devassar o segredo das coisas desconhecidas, saber as razões dos êxitos e dos fracassos da grande sociedade, ouvir os políticos falarem da política, os economistas de economia, os artistas de arte, descrever os contrastes entre os dramas da fome e os esplendores da opulência, contar as histórias verídicas da paz e da guerra - e analisar, comentar, criticar tudo o que visse e ouvisse, com lealdade, com verdade, com o desejo de esclarecer e de ser útil'.
Nunca li, em qualquer outro lado, uma tão bela declaração de amor a uma profissão que merecia não ter sido abastardada vilipendiada por dentro, suicidária.

A elegância
A elegância da prosa: eis algo a que dou valor.
O Carlos Pinhão dizia: 'O Benfica não ganha! O Benfica nunca ganha! O Benfica vence!'
E a gente entendia que 'caganha' era a pior das cacofonias.
O Benfica vence, portanto.
E também perde.
Vitórias e derrotas, doentias ou não fazem parte da vida dos grandes clubes, daqueles que vêm lá no fundo das brumas da memória.
O Benfica tem derrotas dolorisíssimas: cinco finais perdidas da Taça dos Campeões, por exemplo. Três finais perdidas da Taça UEFA/Liga Europa.
Tivesse, nessas noites que deveriam ter sido mágicas para os encarnados, a vitória substituído as derrotas, e o Museu Benfica - Cosme Damião teria quase tantas taças europeias como o do Real Madrid.
Mas a vitória pode depender muito da vontade de quem luta por ela, mas depende também do adversário, das contingências, até mesmo do humor desse anjo da fortuna que por vezes pousa no ombro daqueles que são abençoados por um qualquer deus menor.
Só que, acima da derrota - e mesmo por sobre a vitória -, há a elegância.
Elegância será, para sempre, a figura maior do Benfica, e o Benfica teve de aprender a vencer sem Eusébio como tinha sabido vencer sem ele a Taça Latina ou a primeira Taça dos Campeões.
Eusébio tinha com ele a elegância dos príncipes vermelhos.
E, como ele, Coluna e José Águas, Simões e José Augusto, Torres (que não venceu nenhuma Taça dos Campeões), Francisco Ferreira e Rogério Lantres de Carvalho. E depois ou outros, de Humberto Coelho e Chalana, de Nené a Shéu e mais e mais e mais.
Todos eles viveram o entusiasmo de vitórias inesquecíveis e a tristeza, profunda como o mar, de derrotas inesperadas.
Mas, para todo o sempre, haverá a verdade da elegância.
Acreditem: a grandeza dos homens está na elegância com que aceitam os ditames do Destino.
Mesmo que, no dia seguinte, pela manhã, se levantem como Hércules dispostos a mudar esse Destino."

Afonso de Melo, in O Benfica

"Nada contra o Ajax da Holanda! Mas gosto mais do Ajax de cá!"

"Semelhanças entre um clube de futebol e um detergente? Sim! SL Benfica e AFC Ajax tem no seu acervo taças que são prova disso.

O que é que a Holanda tem no futebol que Portugal tem em detergente? Isso mesmo, o Ajax! Nos dias 12 e 19 de Fevereiro de 1969, SL Benfica e AFC Ajax encontraram-se para disputar os quartos de final da Taça dos Clubes Campeões Europeus e a marca de detergentes não perdeu a oportunidade. A coincidência entre o seu nome e o do clube holandês revelou-se uma excelente ocasião para promover a sua autodenominada acção imbatível na lavagem da roupa, e não só.
O anúncio surgiu pela primeira vez no jornal A Bola dias antes do jogo da 1.ª mão e, em letras garrafais, informava: 'O Ajax «torce» pelo Benfica mas dá 2 Taças!'. Eram elas a Taça 'Cavaleiro Branco', popular personagem do seu anúncio televisivo, e a Taça 'O Mais Poderoso', slogan da marca. A primeira deveria ser entregue ao clube que marcasse mais golos no somatório dos dois encontros, e a segunda àquele que ficasse em segundo lugar no marcador. A dar a cara à campanha surgia Costa Pereira que, com uma Taça em cada mão, afirmava: 'Não tenho nada contra o Ajax da Holanda! Mas gosto mais do Ajax de cá!'.
Na 1.ª mão, no Estádio Olímpico de Amesterdão, os portugueses venceram por 3-1. Na 2.ª mão, no Estádio da Luz, como referiu o jornal O Benfica, o encontro 'foi uma autêntica chapa fotográfica em negativo (...) do jogo de Amesterdão, sob todos os aspectos, desde o rigor exacto dos números à paradoxal exibição das duas equipas'. Ao terminar com o resultado de 3-1 a favor dos visitantes, a decisão da eliminatória foi adiada para um terceiro jogo, que viria a realizar-se em Paris a 5 de Março.
O que não foi adiado foi a entrega das taças 'oferta do Super Detergente Ajax', até porque o Ajax de cá pensou em tudo e, em caso de empate, dizia o anúncio, 'a Taça «Cavaleiro Branco» será entregue ao que sofrer menos cantos e a Taça «O Mais Poderoso» ao que sofrer mais cantos'. No final do jogo, 'na impossibilidade de competência de Costa Pereira', foi o campeão europeu Mário João que desceu ao relvado da Luz para entregar as taças aos capitães de ambas as equipas. A Coluna coube a 'Cavaleiro Branco' e a Bals a 'O Mais Poderoso'.
A Taça 'Cavaleiro Branco' é um dos muitos objectos que constituem o acervo do Sport Lisboa e Benfica que, não integrando a exposição permanente do Museu Benfica - Cosme Damião, se encontram em reserva no Departamento de Reserva, Conservação e Restauro."

Mafalda Esturrenho, in O Benfica