terça-feira, 19 de setembro de 2017

De Itapuã à Grande Maça...

"Esta crónica vem assim a modos como que a continuação da da semana passada. Benfica pelas Américas, primeiro no Brasil, depois nos Estados Unidos. Ano de 1955. Poucos clubes tinham essa ânsia de correr o mundo como os encarnados.

Ao fim de quatro jogos no Brasil, sobre os quais nos debruçamos aqui na última crónica, o Benfica procurava desesperadamente uma vitória. Surgiria dois dias depois, no Pacaembu, frente ao Palmeiras. Vitória segura, superior. Três golos de José Águas. O Última Hora reage: 'Com armas de futebol brasileiro, o Benfica venceu e deu 'show'!' E o Palmeiras tinha do seu lado Formiga, e sobretudo Mazzola, futuro campeão do mundo, que seguiria para Itália e teria de deixar a alcunha de Mazzola, por tanto se parecer com o outro Mazzola, do Torino, que também se cruzara com o Benfica. Passou a ser José Altafini, afinal o seu nome de baptismo. E foi como Altafini que reencontrou o Benfica naquela final de Wembley, em 1963. O mundo do grande futebol é assim mesmo, gente que se conhece e reconhece e se encontra e reencontra.
Mas é uma minoria de eleitos, de personagens que fazem desde sempre parte da história deste jogo apesar de tudo muito elitista, pouco disponível a deixar entrar pela porta dos convidados os arrivistas, os parvenus. O futebol dos nomes que jamais que esquecem não começou nos anos-80 ou 90. Começou no tempo da lendas. No tempo que os grandes clubes viajavam em redor do mundo para se defrontarem, para encherem estádios, para riscarem com ponta de chumbo a lousa do quadro preto com assinaturas indeléveis. Não era gente de ficar em casa, sem que um sonho no erguer de asa faça até mais rubra a brasa da lareira a abandonar, como dizia Pessoa. Altafini e Pelé estariam de novo no caminho do Benfica, uma e outra vez. É esse o destino dos eleitos - cruzaram-se no corredor dos mitos.
O Benfica prossegue o seu périplo. Voa para São Salvador da Bahia de Todos os Santos, primeira capital do Brasil, lá junto a Itapuã, onde o mar não tem tamanho, e inaugura um verde novinho em folha.
Os encarnados fazem dois jogos, um contra um misto de clubes da Bahia, ganho pelos soteropolitanos por 4-1, e outro contra o Sport Clube Bahia, vencendo por 2-1. Surge, agora a possibilidade de prolongar a digressão por mais uns dias. Há gente em Nova Iorque que quer ver jogar o Benfica. Algo absolutamente inédito nesse tempo em que os Estados Unidos não queriam saber de futebol. Os dirigentes encarnados aceitam: o cachet é compensador. A equipa já está longe de casa há quase um mês, mas pede-se-lhe o sacrifício. Entretanto mantém-se no Nordeste mas viaja até Recife para jogar com o Santa Cruz (1-1). Uma vitória frente à equipa da Tuna Luso-Comercial (3-1), de Belém do Pará, mas ainda em São Salvador marca a despedida de terras brasileiras. Uma despedida com muito de português, já que o adversário, hoje em dia conhecido por Tuna Luso, foi fundado pelo caixeiro Manoel Nunes da Silva que, do seu barco ancorado para amenizar as saudades de Portugal. Instalada de há uns anos a esta parte como terceira força do futebol paranaense, atrás do Remo e do Paysandu, a Tuna já não vence o campeonato estadual desde 1988, longe portanto dos bons anos 50, que aqui trazemos à liça, quando foi campeã por três vezes.

E eis Nova Iorque!
Ergue-se à distância a 'Grande Maça'. É para lá que o Benfica viaja agora, engolindo quilómetros aos milhares. Em 1957, Nova Iorque ainda era destino de emigração em força mas não ia além dos 15 milhões de habitantes (na década seguinte chegaria aos 18 milhões). Nova Iorque para já ponto de passagem. A inédita digressão do Benfica aos Estados Unidos inicia-se em Fall River, Massachussetes 70 Km a sul de Boston, no centro da grande cadeia que alberga a colónia portuguesa e que se estende até Providence, Rhode Island e New Bedford.
Em Lisboa, Ricardo Ornellas, um dos nomes enormes do jornalismo português, não esconde o espanto pelo feito do Benfica que abre novas fronteiras ao futebol mundial. Assina no Diário Popular uma prosa intensa: 'Admirável! Simplesmente admirável aquilo que conseguiu o Sport Lisboa e Benfica!' Contra a Selecção da Nova Inglaterra, o Benfica marca 10 golos sem resposta. Quatro dias depois, agora, em Nova Iorque, no Downing Stadium, em Radalls Island, East River, o estádio onde Jesse Owens ganhara o direito de estar presente nos Jogos Olímpicos de Berlim e onde mais tarde jogaria o Cosmos de Pelé (e Seninho), perante mais de 20 mil espectadores, assistência digna de um jogo de futebol americano, o Benfica venceu uma selecção da Liga de Futebol Norte-Americana por 7-2, chegando tranquilamente aos 7-0 (Águas, 2, Cavém, 2, Azevedo, 2, Chipenda) antes de descansar, já talvez com o desejo colectivo de um regresso a casa."

Afonso de Melo, in O Benfica

As idiossincrasias de Ivic

"Quis receber o ordenado em dólares, falava com jogadores russos sem intérprete e 'emagreceu' o campo da Luz.

Estávamos no verão de 1984, Eriksson tinha saído do Benfica para treinar o AS Roma e Fernando Martins precisava de um novo técnico para orientar a equipa principal. O eleito foi o croata Tomislav Ivic. Considerado 'um dos grandes estrategas do futebol moderno', vinha do Galatasaray e já tinha sido campeão nacional pelo Ajax e levado o Anderlecht às meias-finais da Taça dos Clubes Campeões Europeus.
A 17 de Julho, aterra em Lisboa. Apresenta-se ao trabalho dia 19, dirige os primeiros treinos, dia 29 orienta a equipa no jogo de apresentação e uma semana depois enfia-se num avião e regressa a casa! Em causa estava uma cláusula do contrato que dizia que o treinador iria receber em escudos, quando o que lhe dava mesmo jeito era receber em dólares. Fernando Martins não aceitou e Ivic, apesar de já estar de contrato assinado, virou as costas a tudo e foi substituído por Toni. Dias depois o ex-técnico confessava-se arrependido e com esperança de um dia poder regressar. Esse dia chegou, 8 anos depois...
A 9 de Junho de 1992, Ivic chega novamente à capital portuguesa e as expectativas continuavam elevadíssimas, mas esta história não estava destinada a um final feliz. Primeiro pediu ao presidente que colocasse Shéu Han como adjunto em vez de Toni. Jorge de Brito não aceitou a exigência, mas o mal-estar na equipa técnica estava instalada; durante um estágio na Suécia tomou de ponta o russo Yuran, com quem insistia em conversar sem recurso a intérprete - convém lembrar que Yuran não falava português e que Ivic se expressava simultaneamente em espanhol e italiano; e um dia, já em Portugal, teve uma ideia brilhante: encurtar o campo do Estádio da Luz para ser mais fácil fazer pressão e chegar à baliza do adversário! Na 3.ª jornada os 'encarnados' receberam o Salgueiros e não só o desempenho da equipa foi sofrível como o súbito emagrecimento do campo não ajudou. O jogo terminou num empate a zero.
A 27 de Outubro, Jorge de Brito coloca um ponto final na era Ivic por 'manifesta falta de adaptação do treinador às características do futebol do Benfica'. Toni é, novamente, o homem chamado para a linha da frente e assim se manteve até 1993/94, época em que se sagrou campeão nacional.
Para saber mais sobre o percurso de Tomislav Ivic visite a área 25 - Mestres da Bola, no Museu Benfica - Cosme Damião."

Marisa Furtado, in O Benfica

Benfiquismo (DCI)

De azul?!!!
Só podia estar triste!!!