terça-feira, 5 de setembro de 2017

Como era Eusébio antes de ser Eusébio...

"Miúdo de 19 anos, lá em Lourenço Marques, já espantava aqueles que queriam conhecê-lo. As digressões dos clubes da Metrópole ajudavam a desenhar-lhe o perfil. E a fazer crescer a lenda de um fenómeno.

Às vezes ataca-me esta curiosidade como era Eusébio antes de o conhecermos? Como era Eusébio nos seus tempos de garoto, jogando aquele futebol inconfundível de Eusébio?
Não estranhem as questões. Hoje habituamo-nos a ver crescer os jovens jogadores desde os infantis, dos juvenis, dos juniores. Acompanhamos o seu crescimento quase passo a passo, assistimos às suas transferências multimilionárias...
Quando escrevi um livro chamado Viagem em Redor do Planeta Eusébio não deixei pedra por revirar na busca incessante da história da sua vida.
Conto aqui este episódio, então.
Leiam-no se sentirem que vale a pena.
Um Eusébio de antes. Lá longe no tempo...
Em Lisboa, a dúvida: mas quem é Eusébio, afinal? Que joga ele? Valerá a pena tanto caso, tanta confusão, tanta espera? E o Benfica precisa tão desesperadamente de um jovem de 19 anos quando tem uma das melhores equipas da Europa? Perguntas que iam ficando sem resposta...
Rui Martins: correspondente do jornal A Bola em Lourenço Marques.
É ele o primeiro a traçar para a generalidade dos adeptos portugueses o perfil do jogador Eusébio da Silva Ferreira. No final do ano de 1960, publica uma série de reportagens sobre o 'fenómeno da Mafalala'. E diz, para quem o queira ler: 'Não há dúvida de que Eusébio é um caso de invulgar intuição futebolística. Neste menino, que fará 19 anos no próximo mês de Janeiro, facilmente se percebe que o futebol nasceu com ele...
Estou a vê-lo na categoria de juniores do Sporting local. Já nessa altura ele 'enchia os olhos' ao mais exigente apreciador de bom futebol, tão requintada a sua técnica e tão poderoso o seu remate. (...)
Uma das virtudes que desde o primeiro dia mais me impressionou neste jovem que se 'evadiu' de Lourenço Marques, refere-se à sua personalidade em campo. É daqueles jogadores que, sobre a relva, se atenta desde logo. Sendo um menino - que o é, felizmente para ele - jamais patenteou o mais leve indício de acanhamento quando a jogar entre adultos. Inclusivamente nem o facto de ser 'colered' - o que a muitos acarreta complexos que não interessa estar a focar - o inibiu alguma vez de mostrar o que é: um futuro futebolista de eleição! Outro exemplo: quer contra o Belenenses, quer contra a Ferroviária de Araraquara, em jogos recentes, jamais se deixou impressionar com a retumbância de alguns nomes dessas equipas'.
Tempo de digressões
Rui Martins falava das digressões, claro está.
Dessas viagens, que as equipas da Metrópole faziam às colónias para espanto e curiosidade dos locais.
E felicidade, também.
Continuemos a lê-lo:
'(...) Eusébio já tem lances pessoalíssimos reveladores da sua personalidade. O mais flagrante (e espectacular) é aquele em que com o adversário à sua frente, a barrar-lhe a progressão, pica a bola magistralmente por cima da cabeça do antagonista.
(...) No capítulo do remate é primoroso. Qualquer dos pés tem dinamite, embora mais o direito do que o esquerdo. Aliás,, a sua capacidade rematadora pode-se constatar através da média superior a dois golos por jogo que fez no campeonato de Lourenço Marques - chegou a marcar quatro e cinco por jogo - e no facto de ter conseguido mais golos para a sua equipa do que todos os seus companheiros juntos!'
Os seus relatos entusiásticos fazem crescer a lenda. Fenómeno passa a ser um adjectivo comum sempre que Eusébio anda de boca em boca.
'É melhor do que o Matateu!', exclama-se com a voz embargada pela admiração. E havia quem o confirmasse. Como Vasco Pegado: 'Sem a mais pequena sombra de dúvida. O Matateu só joga dentro da grande área. Eusébio é um jogador que está à vontade em qualquer parte do campo!'
Melhor que Matateu! A frase parecia quase iconoclasta.
Mas era.
E não tardou a prová-lo."

Afonso de Melo, in O Benfica

"A saúde é boa... com «Iogurte Lisboa»"

"A história da taça instituída por uma marca de iogurtes que se tornou um ex-libris do Museu Benfica - Cosme Damião.

'Tome um alimento que lhe dará saúde e contribua para mais uma vitória do seu glorioso clube'. Assim foi promovido o passatempo que permitiu a incorporação da Taça Simpatia - Iogurte Lisboa no acervo do Sport Lisboa e Benfica. 'Uma jóia da ourivesaria portuguesa para consagração do clube mais querido de Portugal'.
Instituído pela Sociedade de Alimentação Estrela Lisbonense, Lda., o concurso pretendia premiar o clube mais votado pelos consumidores do Iogurte Lisboa com 'uma taça que honrará a sala de troféus de qualquer clube'. António Cruz, um dos sócios da empresa, foi o mentor da ideia: 'O meu pai gostava muito de publicidade e apostava em grandes campanhas. A Taça Simpatia resulta de uma delas', refere a sua filha Elisabete.
Iniciado em Junho de 1965, decorreu durante aproximadamente um ano. A fiscalização esteve a cargo da Associação de Futebol de Lisboa (AFL) e o sistema de votação consistia no preenchimento de uma caderneta com votas que se encontravam nos nos boiões de iogurte e que, quando completas, eram entregues no clube de eleição ou à AFL.
Competidores incorrigíveis, os clubes moveram esforços para vencer: 'Havia autênticas brigadas de miúdos, e graúdos, benfiquistas que rondavam os restaurantes e os cafés, sobretudo na zona da antiga secretaria do Benfica, para arrebanhar os votos que ficavam nas mesas. É que, por vezes, as pessoas comiam os iogurtes e nem ligavam ao passatempo. Os sócios do Benfica aproveitavam'.
Se a perspectiva da vitória seria já suficiente para aguçar o querer dos 'encarnados', o prémio em questão ainda mais o despoletou. Tratava-se de uma taça profusamente trabalhada em prata, com mais de um metro e meio de altura e um peso superior a trinta quilos, da autoria do renomado ourives Filipe José Bandeira.
Sportinguista assumido, o mentor da ideia chegou a acreditar que seria o seu clube o vencedor. Mas, 'em vésperas de acabar o período de entrega dos votos, apareceu um homem com três ou quatro sacos enormes cheios de cadernetas do Benfica'. E assim, no dia 27 de Novembro de 1966, António Cruz entregou-a, em pleno relvado do Estádio da Luz, ao capitão Mário Coluna.
'A saúde é boa... com «Iogurte Lisboa»' e a do Sport Lisboa e Benfica ficou decerto melhor ao integrar no seu acervo a Taça Simpatia - Iogurte Lisboa. Considerada um ex-libris da colecção, pode ser vista do Museu Benfica - Cosme Damião."

Mafalda Esturrenho, in O Benfica