terça-feira, 25 de julho de 2017
Os valores do mercado
"Continua animado e em alta o mercado de verão no futebol europeu. O Mónaco lidera o ranking dos vendedores (Benfica em terceiro), enquanto que o Manchester City, que acaba de gastar 150 milhões de euros em laterais (Walker, Danilo e Mendy), é o big spender da saison. Mais tarde, quando chegar o tempo de saldos, pode ser que os clubes nacionais façam alguma gracinha, à imagem de que o Benfica fez há três anos quando, já em Setembro, foi buscar Jonas que estava com estatuto de desempregado.
Mas, como é fixado o preço dos direitos desportivos dos jogadores, haverá critérios minimamente objectivos nesta vertigem que é a feira do futebol? Ao que parece, as contas finais têm muito a ver com a envolvência do negócio, há clubes que são conhecidos por vender caro e outros que não olham a despesas. E, é claro, é preciso contar com quem faz a intermediação, há empresários com prestígio suficiente para aproximar vontades desavindas, muitas vezes com a perspectiva subjacente de negócios futuros. É nesta nebulosa, em que o preço-base varia ao sabor das corrrentes, que temos de nos procurar orientar, acreditando apenas no que, por cá, é comunicado à CMVM. E mesmo assim nunca se sabe se determinados negócios não são inflacionados ou deflacionados para fazer correcções noutros negócios, passados ou futuros. O que é certo é que nunca se gastou tanto como na presente temporada e com os modelos vigentes os ricos estão cada vez mais ricos e países como Portugal, essencialmente formadores, podem sonhar, é certo, com a conquista do Europeu de selecções mas ficam arredados do sonho de vencer a Liga dos Campeões."
José Manuel Delgado, in A Bola
Tão fácil como um domingo de manhã
"Era assim que Artur, o Ruço, corria. Despetalando flores à moda de Vinicius. No seu jeito agarotado de quem vai pela planície da relva da juventude colhendo papoilas encantadas...
Dizem que quando o corpo humano perde uma parte de si próprio há uma dor estranha que fica para sempre no lugar do membro amputado.
Artur Correia, o Ruço, não o confirmou: 'Antes de me tirarem a perna, sentia dores terríveis!'
A perna esquerda de Artur.
Ele que fugia pela direita como D'Artagnan, cabelo longo ondeando nas costas, um nunca mais acabar de energia, dezenas de pulmões respirando para trás e para a frente nos relvados de todo o mundo, parecia que a gente ouvia o seu arfar quando via o jogo ali, perto do campo, junto à linha lateral que era o risco onde media o seu inconformismo.
Na semana passada falei aqui da Minicopa, no Brasil, em 1972.
Artur estava lá, claro! Artur era o dono do lugar.
Defesa-direito. Depois passou a dizer-se lateral-direito.
Se calhar por causa dele, que se recusava a ser um simples defesa e partia, em desfilada, soldado sem medo no campo de batalha do inimigo.
Um dia, Stefan Kovács, treinador do Ajax, disse que ele era o melhor da Europa no seu lugar.
Não sei se Artur o terá ouvido. Ou se terá lido o que se dissera sobre ele.
Não precisava. Artur era ele e as suas próprias contingências.
Teria sido capaz, se quisesse, de continuar a correr resolutamente em direcção ao meio-campo contrário mesmo sem a sua perna esquerda. Como os mártires dos campos de batalha das guerras napoleónicas, espadachim da bola inquieta, também ele inquieto por dentro à maneira de um rapazinho que não quer voltar a casa ao fim da tarde quando a voz da mãe o chama do alto da janela da infância.
Não teve jeito para os livros
Foi do Benfica para Coimbra e voltou. Iria também para o Sporting, ele que sempre afirmou o encarnado da sua escolha, coração vermelho de camisola verde às riscas.
Não teve jeito para os livros, para a monotonia do estudo.
Chamava-o a liberdade da relva.
Vi-o uma vez marcar um golo à Noruega, quase de meio-campo, no Estádio Nacional, tarde morna num Jamor florido.
Vi-o muitas vezes, pela direita, ele que tinha algo de esquerdo, daquele esquerdo de quem é contra, de quem não obedece aos ditames das regras imprecisas, de quem ama a vontade de ser diferente, impossível de copiar.
Não houve nunca mais um Ruço como o Ruço.
Seria impossível um Ruço como o Ruço.
Lembrem-se da forma como galgava metros, insubordinado, intranquilo. A bola na sua frente, a vida na sua frente.
A bola que era também a vida.
O Destino, cruel e infame, roubou-lhe saúde desde miúdo. Pleurisia e o fim do Benfica para ele. O Benfica da camisola, não o Benfica da alma.
O sangue traiu-o- Diminui-o. Destroçou-o.
E ele, irónico, de peito aberto contra os ventos da desgraça.
Continuou a correr solto pela existência da rebeldia.
A injustiça canalha da doença: não devia ser permitido tirar uma perna ao cavalinho de raça que anseia pelo galope.
Artur era assim: galopava.
Continuar a galopar despetalando rosas à maneira de Vinicius.
No seu jeito agarotado de quem colhe papoilas encantadas e madressilvas mágicas.
Corre, Artur! Corre!!!
Corre nesse teu correr tão fácil como um domingo de manhã!"
Afonso de Melo, in O Benfica
Percalço a dobrar
"Nem só de recepções e jogos se constitui uma digressão. Na décima ida do SLB ao Brasil houve um atraso e uma... vacina.
No Verão de 1976, a equipa de futebol do Benfica viajou até ao Brasil para realizar dois desafios particulares. Um pequeno percalço à saída de Lisboa e um outro à chegada ao Rio de Janeiro iam colocando em risco a digressão.
A viagem de ida ocorreu na madrugada de dia 10 de Agosto. O primeiro contratempo também! Barros atrasou-se a chegar ao aeroporto e 'por um tris (sic) não perdeu o avião'. 'A sua ausência chegou a inquietar seriamente, com o receio de algum acidente'. Mas não, 'tinha perdido o carro - isto é, foi-lhe roubado'.
'Por fim todos embarcaram na aeronave da Varig'. A comitiva 'encarnada' estava completa! Entre jogadores, dirigentes, médico, massagista, treinador e técnico-adjunto, vinte e duas pessoas levantaram voo.
Aterraram no Rio de Janeiro às 6 horas e 40 minutos e, apesar da hora matutina, a recepção foi 'carinhosa. De muitos abraços e muitas palavras. (...) Tudo bem sentido, bem verdadeiro, bem de dentro do peito'.
Pouco depois, novo contratempo: Toni, Shéu, Pietra e José Luís foram barradas no aeroporto pois, 'contra tudo o que seria para aguardar, não se apresentaram munidos dos seus certificados de vacina contra a varíola'. Irrredutíveis, os funcionários alfandegários exigiram que os jogadores fossem vacinados. Já no poste médico, foi-lhes ordenado que arregaçassem as mangas. 'Nenhum deles, porém, se mostrava disposto a fazê-lo'. Intervieram os dirigentes do Benfica, da Associação Atlética Portuguesa - com quem seria o primeiro jogo -, membros da imprensa... O tempo foi passando e, depois de muito se negociar, 'conseguiu-se que apenas um dos quatro se submetesse à operação da vacinação'. A escolha recaiu sobre a mais recente contratação 'encarnada', Pietra, que, ao ver os colegas serem libertados, questionou: 'E eu? E eu? Não digam que... (...) Mas eu já fui vacinado. E se esse negócio me provoca uma reacção tal que eu não possa jogar? Logo eu!... Já é azar!...'
Imbróglio resolvido, a comitiva seguiu para o hotel. Dias depois, a 15 de Agosto, sem efeitos secundários da vacina, Pietra estreou-se de 'águia ao peito' no Recife, frente ao Santa Cruz.
O futebol do Sport Lisboa e Benfica já visitou dezenas de países. No Museu Benfica - Cosme Damião, a área 26 - Benfica Universal é-lhes dedicada."
Mafalda Esturrenho, in O Benfica