quinta-feira, 20 de julho de 2017

'Cassanatas' e Carvalhadas

"A notícia deixou-me satisfeito: ver António Cassano decidir que afinal vai continuar a jogar é manter vivo o espírito do jogador malandro. Há cada vez menos assim. Talvez porque também no futebol (o europeu) os protagonistas estão reféns dos higienistas dos costumes de dedo em riste para debitar a sua indignação ao computador, no tablet ou no smartphone. Veja-se dois casos: o FC Porto decidiu retirar do programa de apresentação do jogo com o Corunha uma conhecida banda portuguesa (os D.A.M.A) depois de os adeptos mostrarem o seu desagrado pelo facto de alguns dos seus membros serem do Benfica; nos últimos dias, adeptos benfiquistas não calaram a revolta por verem nas redes sociais uma foto de Fábio Coentrão com adeptos do Sporting que exibiam um cachecol com uma inscrição ofensiva para o clube rival.
Não se relativizou no primeiro caso nem houve a capacidade de perceber, na situação de Coentrão, que o lateral-esquerdo provavelmente não só não leu o que estava escrito nem sequer viu a cara dos adeptos que seguravam o cachecol. É a consequência da jihad em curso no futebol português, onde poucos têm a capacidade de se rir e muito menos de se rirem de si próprios. O ódio tomou conta da bonomia.
Cassano conseguiu criar em Itália algo que está ao alcance de poucos - dar corpo a um neologismo: cassanata (o mesmo que brincadeira ou ironia; comportamento ou gesto típico do jogador António Cassano, assim se lê na Treccani, a enciclopédia italiana de ciências, arte e literatura). Foram muitos os episódios polémicos e divertidos de um rebelde puro. Em Portugal, o fenómeno Bruno de Carvalho é o mais parecido que encontro. Só que com metade da piada. Por uma razão: ele não marca golos. E esses é que devem estar sempre na primeira linha. Até dos dicionários."

Fernando Urbano, in A Bola

PS: Duas notas:
- meter no mesmo saco os D.A.M.A com o Coentrão não faz sentido! No caso dos D.A.M.A eles não tiveram nenhuma atitude desrespeitosa com os Corruptos, o crime deles é serem simples adeptos do Benfica; no caso do Coentrão, mesmo que involuntariamente, houve uma ofensa a um Clube que lhe deu praticamente tudo...!!!
- também não faz sentido, queixar-se do clima de ódio que se vive no Tugão, e depois 'elogiar' de forma encapotada o principal incendiário do futebol português! Carvalhadas, só pode significacar algo do género: verme...!

Atiçam os cães aos comentadores

"O futebol português, de ponto de vista social e de elemento gregário de um povo, está a atravessar um dos períodos mais negros da sua história. A verdade é que já nem se respeita a si próprio e instituições que têm o dever de ser pedagógicas e garantir relações de respeito e de dignidade na saudável diferença das opções clubísticas, como é o caso do Conselho de Disciplina, vem surpreender-nos com acórdãos que não apenas admitem uma inaceitável permissividade perversa de comportamentos antidesportivos e antiéticos, como nos deixa perplexos com os seus conceitos de uma justiça corporativa que absolve quem fustiga como destinatários os «comentadores desportivos», desde que não nomeados um a um.
Não sei se o luminoso argumento dos doutos conselheiros seria o mesmo se fossem eles os visados. Certamente não seria. O que parece ficar como perigoso precedente é que, seja quem for que exerça funções de dirigente dos clubes de futebol pode, a partir de agora, atiçar os cães aos «comentadores desportivos», desde que fique claro esse específico grupo destinatário, que os conselheiros não apenas desqualificam, como desconsideram e, pelos vistos, segregam.
Talvez que os conselheiros apenas tenham pensado naqueles comentadores desportivos que também a si próprios não se respeitam e, assim sendo, terão achado que não viria mal ao mundo desrespeitá-los também. Pois, mas eu tenho o direito e o dever de defender, por exemplo, quem de forma digna e responsável exerce o comentário em A Bola, sabendo que não se esgotam neles os que muito úteis têm sido ao futebol português."

Vítor Serpa, in A Bola