quarta-feira, 28 de junho de 2017

Lama em vez de relva

"Da relva para a lama. Da ética normativa para o reino dos interesses sem regras. Da sensatez para a mais autofágica turbulência. Da exemplaridade para o mais reles nível. Da leal competição para a guerra total. Da decadência para a ausência de pudor. Da estabilidade para o arrivismo inconsequente. Da transparência para a mais ordinária delação. Da constatação do erro para a abusiva generalização do dolo. Da cooperação para a vendeta. Da verdade como atitude para a mentira e intriga como táctica. Eis como, com brandura, se pode classificar a patologia do nosso futebol. Transversal aos clubes, em que uns são mais iguais do que outros. E onde a memória se esboroa a cada esquina de oportunismo doentio. Onde uns acusam outros e vice-versa, não se vendo ao espelho e julgando-se imaculados. Onde tudo vale por nada valer. Tudo agora reforçado com a parva delegação de porta-vozes funcionários, sem que se ouçam as vozes que os sócios democraticamente elegeram. Com as crianças hoje, adultos amanhã, a respirarem este ar poluído e até venenoso, sem que haja coragem para dizer basta. Com programas nojentos em alguns canais de tv para os quais, em nome do totalitarismo das audiências, não há limites deontológicos e éticos e onde a prostituída regra é a de que qualquer fim (deles, claro) justifica qualquer meio. Um abandalhamento total com intervenientes que, por vã glória, colaboram no assassinato deste desporto.
Este não é o futebol da naturalidade de se ganhar e de se perder (e saber aceitar). Quem acode à sua reabilitação como (parafraseando António Gramsci) «um reino de lealdade jogado ao ar livre»? É uma utopia? Pois que seja."

Bagão Félix, in A Bola

De Pinheiro de Azevedo a Vasco Gonçalves: o PREC no futebol português

"Há não muito tempo nos serões televisivos discutiam-se palavrões. O presidente do Sporting tinha dito «bardamerda» para quem não era do seu clube e o tema rendeu de pano para mangas.
Bruno de Carvalho inspirou-se num termo aplicado num contexto absolutamente distinto e bem mais apropriado pelo seu tio-avô Pinheiro de Azevedo, almirante que em 1975 chegou a primeiro-ministro de Portugal durante o Período Revolucionário em Curso (PREC) no pós-25 de Abril.
Convenhamos: a afirmação é uma grosseria sem sentido, porém, não tem valor-notícia.
Serve este episódio para sublinhar que o futebol português vive em permanente discussão. Quando não há tema, arranja-se um e essa premência em fomentar o conflito prejudica a hierarquização sobre o que vale ou não a pena ser escrutinado.
No fundo, o exercício do jornalismo responsável até é simples: há que separar o trigo do joio e não publicar ou difundir o joio.
Em termos noticiosos, o denominado «caso dos e-mails» é boa parte dele «trigo». Se se provarem os indícios, as denúncias e acusações imputadas a pessoas ligadas ao Benfica são graves e abalam seriamente as estruturas do futebol português – por muito que haja uma recente tentativa do departamento de marketing encarnado em aligeirar o tema e abordá-lo sob uma perspectiva humorística.
O caso é de polícia (está entregue à Unidade de Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária) e, estando sob alçada da justiça desportiva e civil, é neste âmbito que se terão de apurar factos e responsabilidades.
Contudo, o meu ponto aqui não versa a justiça, mas sim o jornalismo.
Cabe então o quê ao jornalismo?
Na forma como concebo a profissão cabe a quem a exerce tentar apurar informação relevante sobre o processo, verificando-a através de diferentes fontes, relacionar dados e fazer todas as perguntas que têm de ser feitas aos visados até que as devidas respostas sejam dadas. Cumpre-se assim a missão de esclarecimento da opinião pública.
Mesmo que privilegiemos o espectáculo em detrimento da polémica, há que esclarecer os fundamentos de uma suspeição tão pesada que pode manchá-lo de forma insanável.
Defender o espectáculo é, antes de tudo, fazer luz sobre as sombras que pairam sobre o jogo e são o seu principal inimigo.
Há portanto que abordar casos como este com rigor, equilíbrio e espírito crítico. Aliás, sem espírito crítico um jornalista é pouco mais do que um dactilógrafo.
Essa abordagem implica também responsabilidade por parte da comunicação social, que se quiser dedicar-se a debater um tema de justiça consecutivamente deve promover debates sempre com pontos de vista diversos.
Deve de, por exemplo, quando difunde a opinião de um comentador independente ou de determinado especialista em arbitragem ou em direito desportivo, divulgando um parecer como se fosse o único possível, ter em conta se há alguma conotação do formador de opinião com uma das partes em conflito.
Cabe à comunicação social, no fundo, respeitar a inteligência da sua audiência. Ao fazê-lo está a defender-se, porque a batalha além de jurídica é também mediática.
Voltando ao início do texto, não é por culpa das alusões a Pinheiro de Azevedo que o clima de PREC se instalou no futebol português; mas sim da lógica gonçalvista de «estão connosco ou contra nós» que por estes dias se aplica a todos quantos abordam determinado assunto ou se calam sobre ele. 
Vasco Gonçalves, general antecessor de Pinheiro de Azevedo como primeiro-ministro no pós-revolução, quis a determinado período do seu (também) curto mandato separar as águas num célebre discurso perante os trabalhadores da Sorefame:
«Hoje, só há duas alternativas: ou se está com a revolução ou se está com a reacção. Não há terceiras vias, nem há neutros aqui. Não pode haver neutros!»
Contrariar o seguidismo que marcou os «tempos de brasa» da jovem democracia portuguesa é um dever do jornalismo, tal como da Justiça."

O silêncio dos cobardes e dos ignorantes

"Há que desmistificar o futebol profissional como desporto, há que tratá-lo como espectáculo desportivo profissional

Coloquemos os pontos nos ii e explicitemos, desde já, o nosso entendimento e postura em relação à independência e isenção da nossa crítica, ou apoio, ou desapoio, em relação à “sociologia do desporto” que, diariamente, vai acontecendo em Portugal, incluindo ainda algum espectáculo desportivo, profissional, como o futebol, e não só. É que, à partida e a título definitivo, excluímo- -nos de qualquer colaboração que não esta, escrita em jornal.
Esta é a nossa forma de retorno à sociedade civil porque, em relação à militar, demos muito mais do que recebemos, ou melhor, recebemos, sim, ingratidão, indiferença, arrogância, etc., etc., apesar de termos ajudado a transformar, durante 40 anos, alguma gente um pouco boçal em “oficiais e cavalheiros”!
Mas vamos ao que interessa, já que o resto são “águas passadas”; quando nos impomos pelo conhecimento, pela honestidade intelectual, pela seriedade e isenção, a troco de nada, o que recebemos de certa sociedade civil, politizada, é o silêncio, cúmplice de compadrios partidários ou de “irmandades” organizadas à volta dos seus interesses, ambos como forma de proteger o seu estilo “fraterno” de viver numa sociedade que só é solidária para alguns, como aliás Luís de Camões já nos tinha avisado: “terra madrasta que trata uns como filhos e outros como enteados”...
Os que sabem o valor das coisas e não têm a coragem de o reconhecer, de forma pública, porque não estão autorizados, são o exemplo expresso da cobardia; os outros, coitados, são os idiotas úteis, os ignorantes, os pobres de espírito, como diz certa Igreja Católica, e que, por isso, não têm opinião. Ora estamos a falar da reconstrução nacional que se impõe para afastar o mau olhado do diabo que ameaça a solidariedade nacional, embora construída por forma antinatural e até à margem da contabilidade tradicional, apesar de se ter encontrado uma solução em que se juntaram os que, sozinhos, nunca poderão impor a sua vontade...
E agora o que temos é uma indefinição, fruto da incerteza, ou da certeza de que a solução encontrada é precária, durará pouco tempo, e o que vai gerar é apenas o fruto de uma reacção típica da criação de anticorpos como fórmula química natural que garante a imunidade, ou seja, rejeita o que não é natural e que o organismo considera uma doença, para não dizer uma aberração!
Mas então onde é que entra a análise sociológica do desporto? É aqui mesmo, na impreparação que grassa no sector, que apenas continua a gerir o que está, mostrando-se incapaz de alterar seja o que for, ou seja, está inoperacional, porque não tem qualquer ideia-programa para opor ao que existe, que é fruto do antes e depois do 25 de Abril, mas que está paralisado e com os seus efeitos bem visíveis, ou seja, estagnado.
Há que desmistificar o futebol profissional como desporto, há que tratá-lo como espectáculo desportivo profissional que é, como negócio, como indústria, mas não como desporto, que de facto não é. Há que ter a coragem de assumir que no desporto profissional não faz sentido controlar e combater o doping, mas sim controlar os jovens do secundário e das faculdades, que se drogam e consomem álcool, num crescendo permanente, mas que ninguém controla ou combate, e isto é que é importante porque é o futuro do país que está em causa.
Há que rever a fórmula da inspecção da actividade profissional, no Estado, dos docentes de Motricidade Humana, já que não são animadores de actividades desportivas, mas sim educadores através do movimento, com objectivos e finalidades bem expressos na lei.
Por fim, há que rever a forma de aconselhamento técnico-profissional junto daqueles que tomam decisões, para que não seja condição única e necessária o cartão partidário, mas sim a competência. 
Sabemos que é pedir muito, mas se pedimos pouco ficamos com pouco e, mesmo assim, se tivermos sorte."

A velha aliança

"Comecemos com um pequeno exercício de memória: quando o actual presidente do Sporting Clube de Portugal conquistou nas urnas tão honrosa posição, cumprindo assim um sonho de criança, o primeiro alvo que seleccionou para sobre ele descarregar o seu viperino arsenal de setas, bem venenosas, diga-se, foi o presidente do Futebol Clube do Porto - chamou-lhe de tudo!
Estranho? Só para quem andar distraído sobre o vaivém das motivações do mundo da bola: ataca-se sempre aquele que se percepciona como a mais séria ameaça – e o FCP, tendo em conta o seu recente histórico, naquela altura, ainda era visto como o mais temível detentor de poder.
Ora, todos pudemos, entretanto, ver e acompanhar com ternurenta complacência, o namoro, um verdadeiro noivado, que culminou, há dias, com mediático casamento entre estas duas grandes instituições desportivas, casamento que ironicamente teve um convidado de honra, um convidado que, de tão odiado, se tornou omnipresente: o incontornável e obsidiante Benfica. Sim, o clube encarnado, com seu crescente e avassalador domínio, não foi só o sibilino e ínvio convidado, mas a única razão de tão espúrias núpcias. Aos consortes uni-os o ódio e o medo sob as ígneas cores do vermelho. Ontem, era cobras e lagartos do clube nortenho, aparentemente viciado nos sabores da vitória, para agora se engolirem todos os sapos de décadas. Em nome de quê? Do medo vermelho que conjunturalmente os une!
Uma certeza estatística: não há no país, nem, se calhar, no mundo uma única pessoa que não aponte o verdadeiro móbil de tão cálido enlace. Toda a minha gente sabe e o diz à boca cheia (vox populi, vox Dei): é um casamento de conveniência. E os casamentos de conveniência não são pautados pelo amor, mas pelo maquiavélico critério do mal menor.
Se, com Pierre Clastres, fizermos uma breve deambulação pela “arquelogia da violência”, rapidamente nos apercebemos do que verdadeiramente está na gênese de qualquer aliança: o sentimento de vulnerabilidade face a uma ameaça externa, percebida como capaz (credibilidade) de dissolver o núcleo identitário de qualquer um dos aliados. Ou seja, ela baseia-se num pacto segundo o qual cada um se reconhece ser, sozinho, incapaz de fazer frente ao inimigo eleito como ameaça preferencial e prioritária. Ou seja, uma aliança traduz, a fortiori, um aflito expediente de sobrevivência.
É por isso que este casamento de aflitos, com namoro à porta dos gabinetes de Gomes e de Proença, se precipitou com a vitoriosa cavalgada (ou voo?) do clube da Luz, confirmando de forma categórica uma hegemonia que se vinha configurando: foi um casamento de aflitos e à pressa...
Nos casamentos à séria (que os há cada vez menos!), os nubentes e os convidados se manifestam contentes e felizes: neste, só um conviva, porém, tinha verdadeiros motivos para sorrir e que, por ironia, foi o único que não recebeu convite – o Benfica!
Insisto na atitude desesperada de preservação da coesão interna face à imagem antitética de um inimigo, quase sempre imaginário, ou provocado, como aconteceu com o General Leopoldo Galtieri, que, a braços com grave crise interna, mandou, em 2 de Abril de 1982, as tropas argentinas ocuparem as Ilhas Malvinas, sobre as quais agitou um histórico direito de jurisdição, desviando, deste modo, o foco nacional para um inimigo, neste caso, a Inglaterra, que ocupa aqueles territórios desde 1833. 
Quando um líder enfrenta oposição interna, o truque clássico, conforme o demonstrou Musafer Sherif, é inventar ou provocar um inimigo externo. E, neste sentido, este recente casamento entre leões e dragões, além de gritar os quatro ventos a temida superioridade benfiquista, denuncia também, com flagrante nitidez, a actual tibieza das lideranças de cada um desses clubes. Cada um dos líderes em causa parece colocar num inimigo externo a verdadeira e única razão da sua força.
E isto entronca numa outra dolorosa verificação que é também uma profecia: verão fugir para a Águia tantos mais títulos quanto mais insistirem em disputá-los exclusivamente contra esse adversário, assim convertido em inimigo devorador.
A motivação traz sucesso sempre e quando ela se alimentar do íntimo de cada agente desportivo e não sacudida pelos ventos do circunstancialismo externo e conjuntural.
Já o afirmei diversas vezes: o que gera o sucesso é só uma motivação endógena, nunca uma motivação exógena.
Porque aos casamentos de conveniência espera-os um mesmo sim, sempre: o divórcio pela certa.
Este casamento em concreto durará só o tempo que demorar o poder a mudar de mãos.
Sim, mais de mãos do que de pés, apesar de ser sobretudo com estes que a bola se joga!"

Sem medo da verdade

"Há cinco/seis anos que paira na Luz o receio de o correio electrónico do Benfica chegar ao conhecimento do FC Porto

Sem grande rigor cronológico, tudo parece ter começado a 1 de Abril (jornada 27), esse, o dia das mentiras, quando os jogadores do FC Porto se abraçaram em bizarra comemoração pelo empate no Estádio da Luz, mesmo não tendo chegado à liderança nem relevado competência bastante para lá chegarem em oportunidades futuras.
Qual o motivo, então, de misterioso festejo? Depositar todas as esperanças na parceira com o Sporting, na altura ainda meio clandestina, mas confirmada mais tarde através de curtas missivas entre presidentes, depois de os directores de comunicação dos dois clubes terem sido apanhados em encontro que se admitia protegido da curiosidade jornalística, dada a experiência de quem nele participou, por denunciar a arquitectura de uma aliança contra o Benfica.
Em vésperas da jornada 29, desenrolou-se a novidade número um, a da relevação da existência de uma cartilha entre os comentadores associados ao Benfica e logo a seguir a número dois com a divulgação de nomes a quem seria endereçada. Nessa jornada 29 (15 de Abril), porém, o FC Porto não conseguiu ganhar em Braga e o efeito da mensagem esvaiu-se.
Na seguinte, a 30.ª (22 de Abril), o Sporting não foi suficientemente competente para justificar o acordo de conveniência com o amigo nortenho e o Benfica ficou com o caminho livre para o título. Apostaram-se, então, todas as fichas na viagem do Vitória SC (13 de Maio) à Luz. Outra desilusão: além de um Benfica super inspirado, na altura os jogadores vimaranenses tinham a cabeça já na final da Taça de Portugal.

Campeão a uma jornada do fim, Luís Filipe Vieira libertou o entusiasmo e apontou a patamar mais elevado: o penta!
Soaram os alarmes no Dragão. O Sporting revelara-se aliado de fraca influência, obrigando a uma estratégia mais agressiva com dois objectivos imediatos: desviar as atenções da demorada substituição de treinador e, principalmente, do furacão previsto na torre das Antas, mas ainda ignorado da opinião pública e que teve a ver com a intervenção da UEFA por incumprimento do fair-play financeiro.
A venda de André Silva foi a primeira medida. Claro que o FC Porto tinha de vender jogadores, esclareceu o administrador Fernando Gomes, à margem de uma sessão especial de mercado na Euronext (7 de Junho), salientando, no entanto, que o clube procurará «encontrar soluções no mercado e continuar a ter uma equipa muito competitiva».
Em concomitância, na sua briosa empreitada, o director de comunicação portista continuou a mostrar trabalho bem feito. De tal modo que foi capaz de erguer uma cortina que tem escondido da curiosidade alheia os problemas que a sua Administração enfrenta. Alguém questiona as entradas e saídas no FC Porto ou como vai respeitar-se a ordem superior sem fragilizar a capacidade competitiva do plantel? Não, o foco, como é moda dizer-se, está nos mails, nos sms relacionados com o Benfica e em tudo quanto deles derivará.

Na trincheira benfiquista, o silêncio tornou-se incomodativo para os adeptos e a sua primeira reacção pública teve-a António Simões, a 8 de Junho, no programa Aquecimento da BTV. Proclamou o antigo campeão europeu não se rever «nesta gente a representar o Benfica», clube que, sublinhou, além de maior, «tem de ser o melhor».
Do ponto de vista jurídico, poderá haver matéria para recorrer aos tribunais com dúzias de acções, mas o que família benfiquista quer saber é se os mails e os sms existem e se os conteúdos revelados são verdadeiros e no que isso poderá prejudicar a imagem do emblema. O resto é conversa para entreter.
Dizer-se que o director de comunicação portista a partir de agora estará impedido de dar publicidade ao caso é igual à zero. Nada impede que outros o façam e lhe peçam para comentar, como já deu para perceber. Além de, há cinco/seis anos, pairar na Luz o receio de o correio electrónico do Benfica, pelo menos em determinado período, ou até determinado período, chegar ao conhecimento do FC Porto.
Que se saiba, o risco nunca foi assumido. Por isso, não há volta a dar. É o efeito de convidar para casa ou andar de braço dado com pessoas que comeram sopa nas mesmas malgas dos adversários e da tolice de outras que falam de mais e estimulam amizades que não se recomendam.

Assiste-se a um ataque ao Benfica com origem conhecida. À justiça cabe apurar se há culpas, de acusadores, de acusados, ou de ambos. A Filipe Vieira compete retirar as ilações que a situação recomenda.
O Benfica não deve deixar-se comer de cebolada, como alertou Rui Vitória, mas também não deve o presidente tolerar que gente que o rodeia manche o nome da instituição. Sem medo da verdade, nem das consequências. Só assim o Benfica, além de maior, será o melhor, como preconiza António Simões. "

Fernando Guerra, in A Bola

A galinha dos ovos de ouro

"Benfica e Porto foram os clubes que mais dinheiro fizeram na última década em transferências. Isto é uma boa notícia. Mas é possível fazer uma leitura negativa...

Os números impressionantes: num ranking de transferências da última década, o Benfica lidera com 727 milhões de euros de vendas, logo seguido pelo Porto com 722 e, nos restantes dez primeiras lugares, só constam clubes ingleses, espanhóis e italianos.
Apesar de assolados pela dívida, os clubes portugueses podem ter encontrado um modelo de negócio sustentável: apostar na formação e no scouting valorizar jogadores e vendê-los muito bem. Se olharmos para outros países da nossa dimensão, ninguém parece ter ido tão longe nesta estratégia. O futebol português encontrou a sua galinha dos ovos de ouro, resta saber se não está também a matá-la.
Colocam-se, a este propósito, dois problemas interligados: a competitividade do futebol português pode ficar ameaçada do médio prazo e a generalização das vendas pode tornar difícil manter o valor do jogador português.
Um dos equívocos muitas vezes repetidos é que a importância das vendas de jogadores no modelo de negócio dos três grandes vai aumentar irremediavelmente o fosso competitivo com os outros clubes.
Na verdade, o campeonato português - como aliás quase todas as ligas - sempre foi desequilibrado, com vendedores crónicos. O problema para Portugal não é a desigualdade interna, mas, sim, o risco de, vendendo cedo de mais, os clubes nacionais perderam competitividade na Europa. Sem presença assídua na Champions e sem passarem a fase de grupos, os clubes portugueses deixarão de ser capazes de vender como agora, pois a percepção positiva sobre o futebol português piorará.
Para já, coloca-se um outro problema. Enquanto até há pouco tempo, Benfica e Porto e, em menor medida, também o Sporting, vendiam jogadores já maduros, hoje, a aposta passa por vender jogadores acabados de sair das academias, com grande potencial, mas longe de terem maturado. Como se não bastasse, estes jogadores são vendidos por valores exorbitantes a clubes de topo, onde a probabilidade de não se afirmarem é grande, por chegarem demasiado cedo.
Enquanto jogadores cada vez mais jovens são promovidos aos plantéis principais dos clubes grandes - o que os tornará menos competitivos na Europa -, estes jogadores são vendidos ainda numa fase muito inicial das sua carreira. O efeito conjugado destas duas tendências tem tudo para correr mal: a competitividade do futebol português diminui, enquanto a probabilidade de jogadores com muito potencial falharem na sua afirmação externa aumenta. Com consequências: os clubes que hoje pagam tanto por jogadores portugueses, poderão deixar de o fazer e o futebol português poderá iniciar uma trajectória de 'holandização'. Clubes menos competitivos na Europa, selecção com dificuldades de afirmação e desvalorização relativa do jogador nacional (basta pensar no valor de venda de jovens talentos portugueses hoje quando comparado com jovens talentos holandeses)."