terça-feira, 21 de março de 2017

Continuarão a jogar juntos num pedaço do céu

"Em Outubro de 1963, Eusébio estava em Londres. Jogou lado a lado com Di Stéfano, Pukkas, Yashin e Raymond Kopa, o Napoleão do Futebol, que ainda há tão pouco tempo partiu para a planície da eterna saudade...

Quinze homens formados em pose da equipa de futebol que são - dez em pé, cinco agachados; Eusébio está na primeira fila, é o segundo a contar da direita para a esquerda. Data: 23 de Outubro de 1963. Local: Estádio de Wembley, em Londres.
Os seleccionados da FIFA componentes da equipa do Resto do Mundo que defrontaram, em Wembley, a selecção de Inglaterra eram: Puskas (Espanha), Djalma (Brasil) Pluskal (Checoslováquia), Schnelinger (Alemanha), Soskic (Jugoslávia), Masopust (Checoslováquia), Eizaguirre (Chile) e Baxter (Escócia). Avançados: Kopa (França), Law (Escócia), Di Stéfano (Espanha), Eusébio (Portugal) e Gento (Espanha). Dos dezasseis jogadores utilizados, falava na fotografia apenas o alemão Seeler.
A Inglaterra venceu por 2-1. Pelé, Garrincha e Coluna, lesioandos não compareceram em Wembley.
Eusébio, também queixoso de uma pancada sofrida poucos dias antes, num jogo para a Taça de Portugal em Viana do Castelo, no qual marcara a bagatela de cinco golos na vitória por 8-1, esteve vai-não-vai para falhar a festa.
'Se estivesse em forma, marcaria um ou dois golos', reflectia Eusébio.
'Francamente, penso que não estive mal. Tenho, muita pena, porém, de não poder ter feito este jogo no máximo das minhas possibilidades normais. Levei uma pancada um pouco dura, caí sobre a perna, já tinha vindo com dores e apercebi-me logo de que não poderia continuar em jogo. Acho que tenho, pelo menos, para uma semana', lamentava-se Eusébio.
'Só para ver Dennis Law e Yashin e para travar conhecimento com eles tinha válido a pena vir a Londres', congratulava-se Eusébio.
'Contava muito especialmente com Eusébio para a tarefa de marcar golos', confessava Di Stéfano.
'É um jogador que conheço bem e que aprecio muito! Está, seguramente, entre os melhores do mundo!', elogiava Di Stéfano.
'Eusébio? Tomara eu tê-lo normalmente a meu lado... É magnífico!', suspirava Jimmy Greaves.
'É notável ter jogado ao lado de Puskas, Di Stéfano, Kopa, Gento e Eusébio. É algo que terei para contar aos meus netos!',entusiasmava-se Jimmy Greaves.
Os elogios do L'Équipe
Jean Cornu e Jacques Ferran, do L'Équipe, não falharam também o encontro de Wembley.
Jean Cornu: 'Os remates de Eusébio foram mais artísticos do que os de Greaves, e a multudão aplaudiu com entusiasmo o fino toque de bola do jogador português'.
Jacques Ferran: 'No meio-campo, jogando como interior-direito, Eusébio foi o melhor. Deu algumas boas bolas a Kopa e rematou por duas vezes com o perigo e a potência habituais, embora fosse visível que estava diminuído por uma lesão recente'.
Kopa, esse que se foi tão recentemente para o encantado mundo da eternidade. O Napoleão do Futebol...
Prémio de jogo para cada um dos convocados: 60 libras de prémio e 5 libras por dia de ajudas de custo. Tudo somado, 80 libras. Com a libra a 80$00, eram cerca de 6400$00. Bem bom...
Riera, era o treinador da Selecção do Mundo. Deu a táctica à equipa, indicando como cada um deveria jogar, dentro de um sistema de 4.2.4. Eusébio jogaria à frente, com Di Stéfano, mas mais atrasado, tentando penetrar na grande área.
Eusébio contava: 'O Sr. Riera anunciou-nos também que pedira licença para jogarem todos e que isso lhe tinha sido concedido. Desapareceu qualquer hipótese de rivalidade entre nós. Por mim, senti-me bem e, depois de treino, o sr. Riera disse-me que, se estivesse a cem por cento, jogaria os 90 minutos. Mais contente fiquei. Na véspera do jogo demos uma volta pela cidade, de manhã. De tarde recebi um telegrama do Simões a desejar-me sorte para o jogo. À noite fui ver o Arsenal-Staevnet para a 2.ª mão da Taça das Feiras. Gostei do Arsenal, na primeira parte e dos dinamarqueses na segunda. Os ingleses tinham ganho o jogo em Copenhaga por 7-1, de modo que, quando ao resultado, a eliminatória não tinham interesse. Voltámos ao hotel para jantar e um pouco de conversa, geralmente com o grupo espanhol formado por Di Stéfano, Puskas, Gento e pelo sr. Riera. Demo-nos bem, e Di Stéfano é um grande admirador do Benfica. Aliás, dei-me bem com toda a gente: o russo Yashin tem umas mãos enormes e está sempre a rir; o alemão Schnellinger é um brincalhão e fala italiano; o chileno Eizaguirre é um bom amigo com quem falei muito de futebol. Enchi-me de nervos à medida que se aproximava a hora do jogo. Tinha medo de falhar. Na cabina, equipei-me em silêncio. Era o menos experiente e o mais jovem de todos. Os meus colegas de equipa animaram-me, e eu fiquei mais calmo. Minutos depois de o jogo começar, já estava sereno e a jogar sem preocpações. Recebia a bola e entregava-a. Não a retinha muito nem driblava. Tentava passá-la sempre bem para ganhar confiança. E veio a primeira oportunidade de golo numa tabela com Di Stéfano. Arranquei, vi a baliza e o golo. Norman carregou-me com dureza, mas lealdade. Senti a perna direita presa e a dor a voltar. Rematei com o pé esquerdo, mas à figura de Banks. O sr. Riera gritou-me, e eu apontei para a perna. Veio outra oportunidade numa tabela com Kopa. Ele meteu-me a bola à frente, tentei arrancar, mas não consegui. Kopa olhou para mim e compreendeu. Entristeci-me, pois marcaria se estivesse bom. Dois golos. Estou convencido que sim.
Na cabine disse ao sr. Riera que estava outra vez com dores. E ele respondeu:
- Pode ir descansar.
Tomei banho, vesti-me e fui para o campo ver a segunda parte. Triste mas ao mesmo tempo satisfeito porque recebi muitas felicitações'.
Segui-se um banquete no Café Royal.
Desta equipa, são tantos os que já partiram. Jogarão de novo juntos lá nessa planície verde da eterna saudade."

Afonso de Melo, in O Benfica

Dérbi sobre rodas

"Noite de enchente no 'velho rinque da Av.ª Gomes Pereira' termina com vitória acentuada sobre os 'leões'.

A 12 de Agosto de 1960, a noite foi de dérbi em Lisboa. Desta vez, sobre rodas. O Benfica recebeu, em casa, o Sporting para disputar a 17.ª jornada do Campeonato Regional de hóquei em patins e o rinque da sede 'encarnada' foi pequeno para tanto público. Se 'uma luta entre os velhos rivais de sempre' já justificaria a 'extraordinária enchente', o facto 'de se defrontarem duas das melhores equipas do momento', que ocupavam os dois primeiros lugares da classificação, aumentou ainda mais 'o interesse e o entusiasmo' em torno do jogo. 'O velho rinque da Av.ª Gomes Pereira registou uma das suas maiores enchentes de sempre e nem o Pavilhão dos Desportos seria suficiente para albergar os milhares de aficionados que a Benfica se deslocaram'. Entre os presentes, Roland Oliveira.
Na primeira volta, o Benfica havia vencido 'sem contestação', como referiu o Mundo Desportivo, por 3-2 e, apesar dos esforços dos 'leões', nessa noite a vitória seria ainda mais acentuada. Mal soou o apito inicial, o Sporting lançou-se rapidamente ao ataque. Mas, 'depressa se inverteram os papéis' e foi 'o Benfica que passou a assediar constantemente o último reduto dos «leões»'. 'Aos 4 minutos, o Benfica abriu o activo com um remate surpresa' e a falange benfiquista aplaudiu fortemente. 'Animados, os «encarnados» insistiram na ofensiva' e os jogadores do Sporting acusaram algum descontrolo. Daí em diante, entre as sucessivas suspensões do defesa 'verde e branco' Eugénio Reis e do benfiquismo Mário Lopes, foram várias as vezes que a bola deslizou até à baliza da equipa visitante. No final, o 9-3 no marcador assegurou o primeiro lugar ao Benfica e desceu o Sporting para o quarto posto da classificação.
Duas semanas depois, a 30 de Agosto, a equipa de hóquei em patins 'encarnada' conquistava o Campeonato Regional. Meses depois, a 23 de Dezembro, sagrar-se-ia igualmente campeã nacional num jogo frente ao Paços d'Arcos disputado no Pavilhão dos Desportos, em Lisboa.
A fotografia, em que Roland Oliveira registou este duelo entre 'águias' e 'leões', foi publicada no jornal O Benfica de 18 de Agosto e pode ser vista, entre outras fotografias da sua autoria, na exposição Roland Oliveira, em exibição na Rua do Jardim do Regedor, em Lisboa."

Mafalda Esturrenho, in O Benfica

Estrutura: o que é e como contribui

"Tem mais ou menos peso que a liderança e o papel do treinador?

Muito se fala (apenas em Portugal?) da estrutura no sucesso da equipa de futebol. O que contribui e se afinal tem mais ou menos peso que a liderança e o papel do treinador. A discussão não é nova, mas cada vez que um treinador sai como campeão e o clube continua ou não continua como campeão, a discussão aparece de modo mais veemente.
Ou então, porque um clube consegue manter os títulos independentemente do treinador que está ou que sai. Um estudo elaborado analisou os campeonatos regulares (82) e destacou alguns indicadores interessantes para quem gosta de gestão desportiva, organizações, treinadores e lideranças. Convém relembrar os mais distraídos que em 40% dos campeonatos, os três denominados grandes não ocuparam as três primeiras posições. Às vezes esquecemo-nos de que há ‘vida’ para lá dos grandes. 
Mas voltando ao estudo, o que nos deram esses 82 campeonatos? Para quem gosta mesmo desta discussão da estrutura e o papel do treinador, os dados são muito explícitos: a estrutura contribui bastante mais para manter o sucesso (e neste estudo o sucesso era ser campeão) do que o treinador. Mais: um treinador que chega campeão a um clube, diminui as hipóteses desse clube ser campeão.
De modo mais simples: o que pressupõe é que esse treinador chega mais experiente (é verdade) mas traz consigo (supostamente) um conjunto de práticas que não são ou compatíveis ou alinhadas com o seu novo clube. Manter um treinador campeão aumenta consideravelmente as hipóteses de ser campeão, comparativamente a ir buscar uma outra qualquer solução.
Uma revisão rápida permite-nos confirmar que esta época o campeão será mais uma vez um treinador que será campeão ou pela primeira vez em Portugal ou por um treinador que foi a primeira vez campeão em Portugal pelo clube onde permanece. Desde da década de 1980 por exemplo, os treinadores campeões são treinadores que foram campeões em Portugal ou pelos clubes onde sempre estiveram como campeões ou foram uma única vez e sempre na primeira época.
O que é a estrutura? Discussão menos explícita, mas considerou-se e considera-se a estrutura a permanência das condições que permitem ou são necessárias para que uma equipa com aspirações a ser campeã necessita: organização, condições físicas, staff, apoio organizacional, o mesmo presidente, etc.
A discussão na praça pública é bem mais subjectiva do que estes dados vieram demonstrar. Há excepções? Claro. Poucas regras não apresentam excepções. Mas esta regra do peso da estrutura vs treinador deixa poucas margens de fundamentação. Pelo que considero bem mais pertinente tentarmos perceber o que é de facto uma estrutura campeã e que requisitos um treinador necessita para se adaptar à estrutura e conseguir aportar todo o seu conhecimento e experiência."

A lei 12, poventura a mais importante de todas as regras

"A Lei 12 é, porventura, a mais importante de todas as regras do Guia Universal.
Explica quase tudo o que é técnico e disciplinar: pontapés livres directo e indirecto, motivos para exibir amarelos/vermelhos e um conjunto de outras faltas e incorrecções.
Por ser importante e vasta, seguirá em duas rubricas separadas. Na de hoje iremos centrar a atenção na parte mais técnica.
Venham daí. Vamos iniciar a análise simplificada da...
Lei 12 - Faltas e incorrecções - (Parte - I)
Primeira regra. Para que um árbitro assinale um pontapé livre directo, indirecto ou até um pontapé de penálti, a bola tem que estar em jogo. Se, por qualquer razão, o jogo estiver interrompido, isso não pode acontecer.
Pontapé Livre Directo - Pune infracções que impliquem contacto físico entre dois adversários. Se a infiltração não envolver contacto, não há lugar a livre directo.
As infracções que se seguem não pressupõem intenção. Ela não é relevante nestes casos.
São concedidos à equipa que sofra uma infracção, bastando que ela seja cometida por imprudência, negligência ou força excessiva:
Carregar, empurrar ou saltar sobre um adversário;
Pontapear ou tentar pontapear/agredir ou tentar agredir/rasteirar ou tentar rasteirar um adversário; 
Entrar em tackle ou "entrar" sobre um adversário.
O que é isso da imprudência?
Dá-se quando um jogador mostra falta de atenção/consideração ou actua sem precaução (em faltas sobre adversários).Não é punida disciplinarmente.
E a negligência?
Acontece quando um jogador atua sem ter em conta o perigo ou as consequências do seu ato sobre o adversário. É punida com cartão amarelo (advertência).
E a força excessiva?
Significa que um jogador faz uso de uma força excessiva (e desnecessária) num determinado lance, colocando em perigo a integridade física do adversário. É sempre punida com cartão vermelho (expulsão).
Agora vamos às infracções que são punidas com livre directo (que já pressupõem intenção para que possam ser punidas):
Tocar deliberadamente a bola com as mãos (sem ser o GR na sua área de penálti);
Agarrar um adversário (ninguém agarra sem ser de propósito);
Impedir o movimento do adversário, com contacto (outra que só acontece quando é deliberada); 
Cuspir sobre um adversário (ninguém cospe sem querer, pois não)?
Vamos especificar, em traços gerais, a questão das "mãos", que por ser muito subjectiva, torna-se mais polémica.
O que diz a lei? De um modo geral, refere que, para decidir bem, o árbitro deve:
Ter em conta o facto da mão ir em direcção à bola (e não o oposto);
A distância a que está o adversário quando a bola lhe toca (na queima, bola inesperada, etc);
O facto do contacto ser feito com um objecto que o jogador tenha na mão (por exemplo, se um defesa, na sua área, tocar a bola com uma caneleira que esteja a agarrar, é punido com penálti, porque considera-se que ela é a extensão "ilegal" da sua mão);
Claro que a posição da mão não pressupõe infracção: se ela estiver ao longo do seu corpo, a cobri-lo de um remate violento, se estiver fora do corpo mas em posição normal para aquela jogada em que intervém ou se não estiver a ganhar volumetria anormal e injustificada, não deve nunca ser punida. 
Mas imaginem o que é somar todas estas "dicas", raciocinar e decidir (em pleno relvado, rodeado de jogadores e numa fração de segundos)...
Pontapé Livre Indirecto - Pune infracções em que nunca existe contacto físico entre dois adversários. 
Exemplos: jogo perigoso (como o pé em riste, mas só se não tocar no adversário), obstrução (sem contacto), impedir o GR de soltar a bola com as mãos após a controlar sem lhe tocar (estorvando a sua acção, impedindo-o de pontapear a bola ou perturbando-o).
Não se esqueçam: sempre que em alguma das faltas acima mencionadas exista contacto físico entre jogadores, as infracções passam a ser punidas com pontapé livre directo (ou pontapé de penálti, se cometidas por defensores na sua área de penálti).
Percebido?
Será também concedido um livre indirecto por qualquer outra infracção não mencionada na lei 12, pela qual o árbitro tenha que interromper o jogo para advertir ou expulsar um jogador (por exemplo, um jogador será punido com amarelo ao abrigo da Lei 4 se, depois de sair do terreno para regularizar o seu equipamento, regressar sem autorização e interferir no jogo).
Livres Indirectos (LI) Por Faltas Cometidas Pelos Guarda-Redes (GR)
A equipa adversária beneficiará de um LI se o GR:
Mantiver a bola em sua posse mais de 6 segundos;
Tocar a bola com as mãos depois de a ter soltado, sem que ninguém a tenha tocado entretanto (ou seja, quando dá dois toques consecutivos);
Tocar a bola com as mãos recebida directamente de um lançamento lateral executado por um colega; 
Tocar a bola com as mãos se ela for deliberadamente pontapeada para si por um colega (do joelho para baixo, é considerado atraso).
Diz-se que um GR tem em bola em sua posse quando:
- A detenha nas mãos e ela se encontre entre as suas mãos/corpo e o solo;
- Quando lhe toque com os braços/mãos (excesso de for ressalto casual ou defesa);
- Quando a detiver com a palma aberta ou a fizer ressaltar para o ar ou solo.
Em qualquer um destes momentos, nenhum adversário a pode disputar.
Quase a terminar esta primeira parte da lei 12.
Tempo ainda para especificar duas das infracções que já referimos, punidas com livre indirecto:
Jogar de maneira perigosa: implica proximidade e que, ao tentar jogar a bola, seja colocada em risco a integridade física do adversário. Exemplos: pé alto, pé em riste, pontapés de tesoura ou bicicleta (se forem perigosas).
Impedir a progressão de um adversário (sem contacto): colocar-se na sua trajectória para o obstruir, bloquear, abrandar a sua corrida ou obrigá-lo a desviar-se/mudar de direcção. Claro que um jogador tem direito à sua posição no terreno, mas quando ele se movimenta no caminho do adversário, deve ser punido.
Para a semana, regressaremos com a Parte II da Lei 12.
Falaremos de medidas disciplinares para algumas infracções, de lei da vantagem e de outras questões que impliquem advertências e expulsões.
O saber não ocupa espaço. Fiquem por aí."