segunda-feira, 13 de março de 2017

A arte de enaltecer o mau

"Não posso falar por todos nem de todos. Não conheço todos nem tenho a capacidade de conseguir saber sempre o que se passa. Nem o pretendo, já agora. Mas fruto da felicidade e possibilidade de trabalhar em vários locais do nosso país, e com estudantes, professores, empresários, treinadores, atletas, dirigentes, etc., aquilo que pretendo trazer para esta crónica julgo ter uma grande probabilidade de ser um espelho do que é a regra e não a excepção, também no desporto e no futebol: vivemos numa sociedade que se foca constante e maioritariamente no que corre mal. Já nem é no menos bom. É mesmo no que corre mal.
António Guterres dizia que em Portugal existiam dois grandes hábitos que em nada contribuíam para o bem dos portugueses: inveja e mediocridade. O invejar os outros que tinham mais e nivelar a nossa exigência do normal pela mediocridade. Dia após dia, semana após semana, convivemos com a inveja natural e com a felicidade pelo erro dos outros. Já nem falo em ficar mais feliz com a derrota do rival do que com a nossa derrota. Falo no hábito de focar apenas os que fazem mal e no que acontece de menos positivo.
Uma equipa que vence 6-1, vinda de uma derrota de 0-4, com um estádio a abarrotar com mais de 80 mil pessoas. Erros de arbitragem no meio de tudo o que se passou. O que conta apenas são os erros ou possíveis erros. Um treinador que dá treino e se foca apenas a dar feedback aos atletas que erram (e até acredito que não seja por mal). Um líder no desporto que procura tudo o que acontece de mal para poder ter justificações para as suas acções. Um procurar constante do que está mal, não para se melhorar – antes fosse -, mas apenas para manter o hábito do criticar por criticar sem sequer ter o cuidado de apresentar soluções.
Isto mina a evolução da sociedade. O desporto está no seio da sociedade e tem um papel fantástico nos bons hábitos que se podem adquirir e transmitir para outras áreas sociais. Mas aos poucos, os pais, atletas, treinadores, dirigentes, começam também eles a ser consequência deste mau hábito que tanto se planta por Portugal.
Atletas que adquirem o hábito de apenas reparar num erro que um árbitro fez e desprezar tudo o que ele acertou. Um treinador que apenas se preocupa em listar tudo o que o seu atleta faz de mal. O adepto sem cultura desportiva mas que tem espaço nas rádios, televisões, jornais, internet. O dirigente que se aproveita ou fomenta ainda mais esta cultura para que a sua incompetência e ignorância seja imiscuída no meio disto tudo.
Isto não prejudica apenas quem pratica estes hábitos. Prejudica também quem quer ter uma atitude diferente. Porque para lá das dificuldades naturais de uma sociedade que muitas vezes ainda anda à procura de satisfazer as necessidades básicas e essenciais de um qualquer país, ainda tem estas muitas pessoas que se apresentam como obstáculos.
Por fim, este pequeno hábito deveria ser alterado principalmente em dois campos: o da educação e o do desporto. E hoje, sem qualquer dúvida, o desporto é uma das melhores plataformas para passar hábitos às crianças, jovens e adultos. Desprezar esta hipótese é estar a estragar o desporto e a sociedade de hoje e de amanhã."

O fora de jogo - a Lei 11

"O prometido é devido.
Mergulhamos hoje numa das mais complexas regras das Leis de Jogo. Não porque seja de leitura complicada, mas apenas porque é importante no decurso dos jogos e até na definição de resultados.
O problema é que a letra daquilo que enuncia dá, nalguns casos, lugar a várias leituras.
Vamos a isso?
Lei 11 - Fora De Jogo
A mera posição de fora de jogo não é, só por si, uma infracção. Fácil, esta.
Quando é que um jogador está fora de jogo?
Quando qualquer parte da sua cabeça, corpo ou pés estiver no meio campo adversário (e isso exclui estar sobre a linha de meio campo) e mais perto da linha de baliza adversária do que a bola e o penúltimo adversário (penúltimo porque, regra geral, o último é o GR).
Isso pressupõe que a avaliação dessa posição (feita, em campo, pelo árbitro assistente), seja feita no momento do passe/toque do seu colega.
As mãos/braços de todos os jogadores não são considerados.
Quando é que um jogador não está fora de jogo?
Quando estiver em linha com o penúltimo adversário ou em linha com os dois últimos (por exemplo, com o último defesa e com o GR).
Neste momento, já percebemos quando está e quando não está fora de jogo.
Agora vamos dar um passo adiante e procurar perceber quando é e quando não é punido.
Preparados?
Um jogador que esteja em posição de fora de jogo no momento do passe/toque do seu colega só deve ser penalizado se tomar parte activa no jogo.
Isso acontece em duas situações:
A) Quando interfere com o jogo (esta é a mais fácil de todas e raramente dá azo a discussões: é quando joga ou toca na bola);
B) Quando interfere com o adversário (esta, sim, é complexa: aqui o jogador em posição irregular não toca nem joga a bola, mas é punido se tentar afectar o defensor).
Então, vamos por partes.
Quando é que um avançado, que não jogue/toque na bola e que esteja em posição de fora de jogo, é punido por influenciar a acção dos defesas?
Quando:
O impedir de jogar/poder jogar a bola, obstruindo claramente a sua linha de visão (por ex: estar mesmo à frente da linha de visão do GR);
Disputar a bola com ele (por ex: está fora de jogo e sem tocar na bola, disputa-a directamente com um defesa);
Tentar claramente jogar a bola que se encontra junto a si, tenho essa acção impacto nos defensores (por exemplo: tenta jogar a bola e não a toca mas nesse momento, afecta, interfere, atrasa ou inibe a acção de algum defesa);
Tomar uma acção óbvia que tenha impacto claro na capacidade dele jogar a bola (por exemplo: estando fora de jogo, grita ou distrai um defensor, perturbando-o ao ponto de afectar a forma como ele jogaria a bola).
Ou...
Ganhar vantagem dessa posição, jogando a bola ou interferindo com o adversário, quando a bola tenha ressaltado ou desviado no poste, na barra ou no próprio adversário (por exemplo: no momento de um remate à baliza feito pelo seu colega, estava fora de jogo e depois vai aproveitar a bola que veio da barra ou do poste em sua direcção);
Tenha sido deliberadamente defendida pelo adversário (por exemplo: estando "plantado" em posição de fora de jogo, receba a bola vinda de uma defesa do GR adversário).
Mais.
Se um jogador receber a bola deliberadamente de um adversário, não é punido por fora de jogo (esta é clara: quando a bola vem de um atraso ostensivo de um defesa, segue jogo).
Agora vamos às excepções ao fora de jogo: quando é que está e nunca é punido?
Quando receber a bola directamente de um pontapé de baliza, de canto ou de um lançamento lateral. 
Infracções / sanções
A) Quando um jogador punido por fora de jogo, o árbitro concede à equipa adversária um pontapé livre indirecto no local onde ele cometeu a infracção (onde tomou parte activa). Isso significa que pode até já ser no seu próprio meio-campo
B) Se um defensor sair do terreno de jogo sem autorização, é como se estivesse sobre a linha de baliza (ou lateral) pela qual saiu, isso para efeitos de fora de jogo e até à primeira interrupção (ou até ao momento em que a equipa defensora jogue a bola na direcção do meio campo e a bola esteja fora da área). Se ele abandonou o terreno deliberadamente (para colocar o adversário em fora de jogo), deve ser advertido na interrupção seguinte.
C) O jogador atacante pode sair do terreno para não estar envolvido no jogo activo (para não ser punido por fora de jogo). Caso ele regresse pela linha de baliza antes da interrupção seguinte ou a equipa defensora tiver jogado a bola na direcção do meio campi (e a bola estiver fora da área), considera-se - para efeitos de fora de jogo - que ele continua a estar posicionado sobre a linha de baliza.
Ou seja, como quis participar de uma jogada que tinha antes procurado evitar, é como se estivesse na linha de baliza adversária e, em princípio, será punido por fora de jogo ao tomar parte activa na jogada.
Claro que se ele abandonou o terreno deliberadamente, regressou sem autorização, não for punido por fora de jogo e tire ou tente tirar vantagem dessa acção, é advertido (seria malandrice a mais).
Por fim, caso um jogador esteja imóvel, dentro da baliza do adversário (por exemplo, colado às redes lá no fundo), o golo da sua equipa será válido (a menos que ele interfira na acção dos defensores ou cometa nenhuma falta punida na Lei 12).
Eu avisei.
A interpretação da Lei 11 pode ser bem complexa. Lembrem-se, por exemplo, dos lances que já aconteceram esta época, no nosso campeonato profissional.
Conhecer a letra da lei é uma coisa, mas perceber o seu espírito e aplicá-la na prática pode ser algo bem diferente, sobretudo quando a punição ou não depende, tantas vezes, de conceitos tão dúbios como "interferir, influenciar ou ter impacto".
Não se esqueçam: os árbitros não fazem as leis. Apenas estão obrigados a cumpri-la.
Para a semana, regressamos com a mais extensa e, porventura, mais importante de todas. Até lá..."

Se a bola lá chegasse

"Pela valia do adversário, o jogo de Dortmund tornou mais evidente o óbice maior deste Benfica que vai discutir, no derradeiro terço da época, os títulos que sobram - campeonato e Taça de Portugal, enfim, nada mau... - depois de ter sido despedido da Taça CTT em Janeiro e da Liga dos Campeões na quarta-feira.
A questão é que, mesmo com Fejsa operacional, o que nem sempre é o caso, o Benfica tem um problema de monta no seu meio-campo, onde parece faltar sempre alguém. E, na realidade, falta. Alguém capaz de carregar a equipa. De esticar o jogo sem tibiezas. Foi esse o papel de Renato Sanches, um médio, na segunda metade da época de 2015/16 valendo ao Benfica uma recuperação que lhe garantiu a conquista do título interno e um percurso honroso na Europa. Era esse também o papel de Gonçalo Guedes, um avançado, na primeira metade de 1016/17 valendo ao Benfica uma liderança que, entretanto, se esboroou. Nem Sanches nem Guedes alguma vez foram goleadores natos mas eram rápidos, fortíssimos nas situações de um para um que desbloqueiam os emaranhados no miolo do jogo e projectam a equipa para a frente arrastando tudo e todos atrás de si. 
Aparentemente, no actual quadro de jogadores do Benfica, sendo um quadro riquíssimo, não existem jogadores com o reportório bravo de Sanches & Guedes. Sem maquinistas para o comboio, o Benfica perde-se agora nas dificuldades de estender a sua presença no campo. Pior do que isso, perde frequentemente a bola nos momentos de transição ofensiva e não se vê maneira de o jogo chegar em substância aos homens da frente, que até são muitos ao dispor. E bons.
Em Dortmund, o melhor que o Benfica conseguiu foi obrigar o árbitro a mostrar um cartão amarelo a Gonzalo Castro e um outro amarelo a Dembélé. Curiosamente, nenhuma destas sanções se ficou a dever a arrancadas letais dos seus dos seus alas ou a desequilíbrios fulminantes nascidos dos pés dos seus médios-ofensivos. Foi André Almeida quem provocou o amarelo a Castro e foi Eliseu quem provocou o cartão amarelo a Dembélé. E ainda foi o mesmo Eliseu quem provocou um segundo amarelo a Dembélé a que o árbitro amavelmente, se escusou. Almeida e Eliseu, imagine-se, dois jogadores a quem não se exige mais do que competência defensiva a fazer o trabalho do desequilíbrio que competia aos companheiros mais avançados.
Se a bola lá chegasse, evidentemente."