sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Visita indesejada

"Diz a tradição das superstições que, quando se recebe em casa uma visita indesejada, o remédio para espantar é colocar uma vassoura, com o cabo para baixo, atrás de uma porta. Não há estudos científicos que o comprovem, mas parece que, em poucos momentos, a visita acabará por se ir embora, sem que cause dano ou transtorno aos anfitriões. Há quem recorra a este método para despachar a todo o gás aquela vizinha que fala pelos cotovelos, o familiar afastado que sempre aparece para pedir dinheiro ou aqueles 'amigos' de longa data que só fazem visitas à hora da refeição e sem avisar.
Parece-me que este domingo ali por volta das seis da tarde, atrás de uma das portas do Estádio da Luz, vai ter de estar uma vassoura de cabo para baixo. E olhem que eu até nem sou supersticioso, mas mais vale não arriscar. Afinal, estamos a falar de visitantes indesejados que já queimaram uma parte da bancada do nosso estádio, que passam a vida a falar mal da nossa família e que vivem obcecados com aquilo que temos e com o que somos. São os mesmos que se assumem como 'diferentes', mas passam mais tempo a ver o tamanho da nossa relva do que a preocuparem-se em cuidar da sua. São aqueles que inventam conquistas para não parecerem mais pequenos. E que gostam de vir remexer no nosso lixo sempre que temos o caixote cheio.
Tal como a vizinha que fala pelos cotovelos, há que saber despachá-los. Com a vassoura atrás da porta para que seja rápido, com mestria nas acções para conseguir resultados, sem dar hipótese de resposta para que sintam a sua importância.
E depois disso, sim, continuar o nosso caminho e convidar para jantar quem souber usar talheres e não comer de boca aberta."

Ricardo Santos, in O Benfica

Haja vergonha

"Houvera necessidade de explicar o motivo de um país campeão da Europa, com o melhor jogador do mundo, e alguns dos melhores treinadores da actualidade, ter uma liga tão fraca e pouco apelativa, e o último Marítimo-Benfica seria um óptimo exemplo.
Embora com um historial respeitável, esta equipa madeirense mostrou não ter lugar naquilo que seria um campeonato conforme as exigências acima mencionadas. Na primeira parte praticou wrestling. Na segunda, teatro. Futebol? Nada. Sobrou uma chico-espertice saloia, também ela tão tipicamente lusitana - a fazer lembrar um certo Benfica-V.Guimarães da temporada passada, que tanta celeuma levantou na altura. Enquanto adepto, senti-me gozado.
A arbitragem foi um desastre, contribuindo para a encenação grotesca a que assistimos. Durante a maior parte do tempo, aos da casa valia tudo menos tirar olhos. Na ponta final, quando o Benfica precisava de cada segundo para tentar o golo, e com um critério diametralmente oposto, o juiz interrompia o jogo por coisa nenhuma, cortando-lhe o ritmo, e alimentando toda a espécie de simulações. Os seis minutos de desconto foram risíveis, dado o que se passara até então. Não queria chamar-lhe habilidade, mas...
Não é possível pretender um campeonato competitivo e compactuar com este tipo de treinadores, jogadores e árbitros, que não têm nível para o futebol de topo. Os primeiros, pela atitude tacanha de quem promove o anti-jogo como lema (e não falo de sistemas tácticos defensivos, esses absolutamente legítimos). Os últimos, pela incompetência (vamos dizer assim) na gestão do espectáculo.
Pobre desporto."

Luís Fialho, in O Benfica

Os números nunca mentem

"Terminou a fase de grupos das competições europeias de futebol e o balanço português deve considerar-se agridoce.
Por um lado, duas equipas lusitanas acederam aos oitavos de final da Champions, o que coloca a Liga portuguesa muito bem situada, a par de Itália e França, com um representante menos que Inglaterra e Alemanha e com menos dois que a Espanha. Ou seja, só a Liga portuguesa acompanha as Big Five do futebol europeu.
Identificado este lado solar das provas da UEFA na óptica nacional, há que não esconder o lado lunar, frio, escuro e pejado de perigos. Que começa logo pelo facto de não haver portugueses na Liga Europa, um mar onde é normalmente mais acessível pescar pontos que sustentem o ranking da UEFA, onde a posição lusitana é periclitante. Depois, olhando para os números e sem que seja preciso torturá-los, verifica-se que em 72 pontos possíveis na fase de grupos, as equipas nacionais não somaram mais do que 28, o que dá uma percentagem medíocre de 38,8%.
Dito tudo isto, não será possível olhar para o futuro sem a preocupação de quem sabe que a actual situação (esta época está à beira de ser ultrapassado pela Rússia) nos coloca na antecâmara de perder um dos representantes directos na Champions. O quadro emergente remete-nos para uma vaga certa na Liga milionária (campeão) e outra (vice-campeão) na terceira pré. Até hoje, com três crónicos candidatos ao título, havia espaço na Europa rica para todos. O futuro virá mostrar um cenário em que a competição interna será ainda mais feroz."

José Manuel Delgado, in A Bola

Adeus, desculpas

"Na verdade, a Jorge Jesus sobra-lhe apenas um objetivo no Sporting, e é dos obrigatórios: ser campeão esta época.

Era o único resultado proibido, porém o Sporting, na gelada Polónia, deslizou mesmo para o lado errado do resultado e capitulou perante um frágil Légia, apagando-se no circuito da UEFA. Se o desfecho com que os verdes e brancos regressaram de Varsóvia foi uma deceção que os reduz às competições internas e lhes deixa azia nos estômagos para uns bons meses, o que dizer do discurso do seu treinador? Incidindo no essencial, toca-se na coerência do que diz Jorge Jesus. Ou na falta dela. Duas semanas antes, saído de nova derrota pela margem mínima (e outra vez nos derradeiros instantes) no duelo de volta com o Real Madrid, o técnico despediu-se da Champions com uma piscadela aos adeptos em jeito de promessa e um aviso aos antagonistas. "Resta-nos o apuramento para a Liga Europa. Temos condições de fazer uma prova muito bonita, e isso é chegar longe", atirou então Jesus, "embalado" pela réplica dada ao campeão europeu. À quinta derrota, e queimadas as hipóteses de derivação para a segunda montra de motivação e valorização dos jogadores, a mensagem foi de um conformismo assustador, desde logo pela forma como anulou à estrutura leonina (e ao canal televisivo oficial...) o recurso à responsabilização da equipa de arbitragem pela perda de três pontos e pelo consequente capotamento. "Agora há outros objetivos importantes em Portugal para conquistar", disse. Na verdade, lembrando o pesado investimento na armação do plantel, há apenas um: ser campeão! A alternativa é uma montanha de sarilhos."

O Sporting vive uma crise de valores

"O afastamento das competições europeias provou que o Sporting vive hoje uma grande crise de valores: valores financeiros, antes de mais.
Mas não só.
Jorge Jesus disse no final do jogo, por exemplo, que o clube precisa de conquistar títulos em Portugal antes de partir para uma odisseia de afirmação internacional. 
Ora não podia estar mais em desacordo.
Na verdade até podia concordar com a afirmação do treinador, se ela viesse virada do avesso: o clube precisa de se afirmar internacionalmente para conquistar títulos em Portugal.
Afirmar-se na Europa significa apostar na divulgação do nome do clube. Gerar mais simpatia, conquistar novos mercados, internacionalizar a marca.
Mas significa mais do que isso: significa também que o Sporting consegue exibir os jogadores nas maiores montras do futebol europeu.
Em dimensões diferentes, naturalmente, Liga dos Campeões e Liga Europa não são iguais, mas quando a segunda chega aos jogos finais adquire um peso sério. Ter a equipa nos grandes jogos europeus valoriza os atletas, valoriza os clubes e valoriza a assinatura.
Conseguir uma afirmação europeia, portanto, significa no fundo somar dinheiro e acrescentar valor. Que é na verdade o primeiro passo para ser grande: tão grande como os maiores da Europa, no caso do Sporting.
Numa altura em que o fosso entre ricos e pobres é cada vez maior, torna-se precioso não descolar do pelotão da frente: torna-se precioso não descolar de Benfica e FC Porto.
Para isso é preciso dinheiro, e o dinheiro nestes novos tempos chega sobretudo de duas formas: prémios da UEFA e vendas de jogadores.
Ora tanto a primeira forma, como a segunda impõem uma afirmação internacional.
Basta olhar para o último ano.
A Seleção Nacional foi campeã europeia e adquiriu com isso um profundo capital de credibilidade. Curiosamente no onze titular havia quatro jogadores do Sporting, sendo que três deles construíam o coração da equipa: construíam o meio campo de Portugal.
Foi a partir daí que o mundo conseguiu olhar para Alvalade e ver mais do que o berço de jovens promessas. Conseguiu ver o repositório de craques de nível mundial.
Por isso os grandes clubes de Inglaterra e Itália gastaram fortunas para levar João Mário, claro, mas também Slimani, arrastado na corrente de confiança gerada em Alvalade.
A lista de grandes negócios feitos na sequência de boas campanhas europeias é extensa e podia seguir pelos rivais do Sporting. Mas não vale a pena ir por aí, tornava-se até cansativo. O essencial passa por sublinhar que os grandes portugueses precisam de dinheiro para construir grandes equipas e atingir os ambicionados títulos nacionais.
Caso contrário, é verdade, torna-se um caso levado ao extremo.
Ou seja, o Sporting até pode ser campeão esta época, investiu para isso, sem dúvida, mas dificilmente conseguirá mais do que fez em 2002: um título isolado e com uma enorme fatura, que o clube tem de pagar nos anos seguintes.
Para evitar que o caminho para o título nacional se torne um problema, é preciso começar por afirmar o clube internacionalmente, e na Europa em particular.
Por isso regressa-se ao início do texto, para dizer que o Sporting atravessa uma crise de valores. Valores financeiros, sim, mas também valores classificativos: as prioridades estão trocadas."