"O 'King' às vezes afinava quando o queriam comparar com Pelé: 'Pelé da Europa? Porque não é ele o Eusébio da América so Sul?' Mas, em 1958, o Braisl foi campeão do mundo na Suécia, e havia uma equipa chamada 'Os Brasileiros' na Mafalala.
Pelé fez há bem pouco tempo 76 anos. Há 59 anos foi campeão do mundo pela primeira vez. Extraordinário, não é?
Lá, na Mafalala, Lourenço Marques, Moçambique, em 1958, D. Elisa Anissabani gritava por Eusébio, mas Eusébio não vinha. Ficara de ir buscar o jantar da família, agora maior: D. Elisa Anissabani tivera até mais duas, e já somava seis rapazes. No regresso, faltava um. Faltava um no campo da bola de terra vermelha, estavam dez para onze, Eusébio era preciso. Esqueceu o jantar, esqueceu a família. O chamado da bola era mais forte do que a voz da mãe. E, ainda por cima, a Mafalala ganhara um clube de futebol: Futebol Clube Os Brasileiros.
Futebol Clube Os Brasileiros: nome de pompa e circunstância.
Em 1958, na Suécia, operou-se o milagre: o Brasil deixava de ser apenas a selecção que melhor futebol jogava e passava a ser, de facto, a melhor de todas, títulos incluídos. Nelson Rodrigues chamou-lhe 'O Triunfo do Homem'.
No dia 29 de Junho de 1958, o Brasil venceu a Suécia, no Estádio Raasunda, por 5-2. Pela primeira vez uma selecção vencia um Campeonato do Mundo num continente que não o seu; pela primeira vez uma selecção vencia uma final de um Campeonato do Mundo de goleada. Pelé, tinha somente dezassete anos. 'Pelé é um menor total, irremediável', gritava Nelson Rodrigues nas páginas da Manchete Esportiva. «Não pode nem assistir a um filme da Brigitte Bardot. Ao receber o ordenado, o bicho, é o pai que tem de representá-lo. Pois bem: - Pelé assombrou o mundo! Não se limitou a fazer os gols. Tratava de enfeitá-los, de lustrá-los. (...) Ninguém é melhor do que ele. Tivesse jogado contra a Inglaterra e creiam: - havia de driblar até a rainha Vitória.»
Com Pelé havia também Garrincha, o Anjo das Pernas Tortas de Vinicius de Moraes. E havia Didi, da 'folha seca', e Zagalo, e Vavá, e Nílton Santos, e Bellini, e Djalma Santos, e Zito, e Gilmar. Ainda e sempre Nelson Rodrigues: «Cada golo de Vavá era um hino nacional. Na defesa, Bellini chutava até a bola. E quando, no segundo tempo, Garrincha resolver caprichar no baile, foi um carnaval sublime. A coisa virou show de Gande Otelo. E tem razão um amigo que, ouvindo o rádio, ao meu lado, sopra-me: 'Isso que o Garrincha está fazendo é pior que xingar a mãe!' (...) Como apalpar o impalpável? Como marcar o imarcável? Na sua indignação impotente, o adversário olhava Garrincha, olhava as pernas tortas de Garrincha, e concluía: 'Isso não existe!?'»
'Não faz mal dizer...'
Eusébio era apenas um pouco mais novo do que Pelé.
Afirmava Eusébio: 'Não se falava noutra coisa. Brasil, campeão do mundo, o futebol fantástico, os dribles, os golos. Além disso, tinham sido equipas brasileiras e deixar mais cartel em Lourenço Marques, nas poucas vezes em que éramos visitados por clubes estrangeiros. Por isso baptizámos o nosso clube de FC Os Brasileiros. E cada um de nós tinha o seu nome de guerra correspondendo aos grandes craques. Um era o Didi, outro o Garrincha, outro o Zagalo, e por aí fora. E eu? Tenho de contar tudo, não é? Então não faz mal dizer que eu era o Pelé...'
Eusébio, Pelé; Pelé, Eusébio: os dois nomes parecem ligados por um hífen. Às vezes, Eusébio levava a mal a comparação, irritava-se, desabafava: 'Chamaram-me o Pelé da Europa? Porquê? Porque não chamam ao Pelé o Eusébio da América do Sul?' Mas uma saudável amizade os uniu desde que se encontraram pela primeira vez, em Paris, no Parque dos Príncipes, num extraordinário Benfica - Santos que marcou a estreia internacional do menino de Mafalala.
Falavam a mesma língua Português? Não. A língua universal do futebol dos grandes nomes. Uma língua quase só deles. Dos que ficam para lá da lenda."
Afonso de Melo, in O Benfica