terça-feira, 11 de outubro de 2016

Grande líder ou talvez não

"O problema de BdC é ver aproximar-se o quadro eleitoral sem conquista desportiva relevante para apresentar ao fim de quatro anos de mandato.

O 'jogo falado' não é um factor de perturbação do jogo jogado. Pelo contrário, contribui para a valorização do espectáculo, através da análise, do comentário e do debate. Foi assim no passado, é assim no presente e será assim no futuro. As dúvidas que se têm levantado dirigem-se mais ao estilo do discurso e à linguagem utilizada, talvez resultado de inovadoras e agressivas estratégias de comunicação, admite-se que eficazes e com objectivos precisos, embora difíceis de avaliar para o cidadão comum. Além de, nesta conflitualidade clubista, pairar o perigo do mau recurso às redes sociais, transformando-as em vazadouro de insultos, ódios e invejas, uma prática condenável, mas respaldada no anonimato e em páginas ditas oficiais que ora deixam de o ser, ora aparecem, ora desaparecem.
O problema não reside, pois, no futebol, mas sim nas pessoas e nas atitudes que elas tomam, devendo acentuar-se que nenhuma mal virá ao mundo se não for ultrapassada a fronteira da razoabilidade e, sobretudo, de respeito pelo próximo como se impõe em sociedade civilizada.
Acredito ter sido em obediência a este princípio basilar que Luís Filipe Vieira não só apelou ao silêncio como pediu aos benfiquistas para falarem dos problemas do seu clube e se absterem de referâncias a outros emblemas, no caso particular o Sporting. Disse mais: «Servimos e vivemos o Benfica e não vivemos os outros. Respeitamos os outros, mas vivemos o nosso Benfica».
Em qualquer país do mundo moderno esta posição do presidente benfiquista, além de oportuna e até pedagógica, teria sido aplaudida, com o desejo de captar seguidores em outros clubes. No entanto, para mal dos nossos pecados, a reacção foi precisamente a oposta da que seria expectável, entre gente de bem: não a que grita, mas a que, embora com a liberdade de discordar, patrocina o consenso.

Em concreto, o presidente leonino não só não bateu palmas, nem tinha de bater, obviamente, como se aproveitou do apelo do homólogo benfiquista para emitir uma resposta que em nada ajuda ao desanuviamento do ambiente de tensão que se pretende eliminar. «Quando se tem uma liderança séria, se é respeitado e se trabalha com uma equipa leal e coesa não é preciso fazer apelos», disse.
Adivinhando-se que a situação não vai dar sinais de melhoria, por uma questão de personalidade do próprio líder leonino e, principalmente, por ver aproximar-se o quadro eleitoral sem nenhuma conquista desportiva relevante para apresentar ao fim de quatro anos de mandato, o mais prudente seria fazer o que pode Vieira: cada um trata de si, sem ligar ao que se passa em casa do vizinho. A sugestão é sensata e poderia funcionar como ponto de partida para um novo ciclo, de coabitação pacífica, mas o problema não se resolve quando as pessoas rejeitam o diálogo e preferem a confrontação permanente, a propósito de tudo e de nada. Aliás, ajudando as memórias mais débeis, deve recordar-se que o primeiro alvo do líder leonino foi o FC Porto e o seu presidente, ao qual chegou a referir-se de uma forma, julgo, por todos considerada reprovável. Insistiu e, não obtendo resposta, virou as baterias para o outro lado da Segunda Circular, pela razão simples de se localizar lá o elo mais forte e não a norte, como imaginou de início.

Para não subsistirem dúvidas, convém esclarecer que uma coisa é a história e a grandeza da instituição Sporting, outra, incomparavelmente diferente, a política seguida pelo seu líder, o qual terá feito promessas demasiadas sem possibilidade de as cumprir. Por outra lado, os adeptos dos grandes clubes, e não só, já aprenderem que a seguir a um colapso desportivo se inventam, geralmente, manobras de diversão para se desviar a atenção dos adeptos daquilo que não interessa a quem manda; ou será que ainda haverá alguém sem se dar conta que esta poeirada surgiu na sequência do inesperado empate em Guimarães, da forma como ocorreu, e da alteração que provocou na tabela, com o pujante Sporting, como tem sido rotulado, igual em pontos ao problemático FC Porto, a recuperar a sua identidade, e três abaixo do Benfica, que lidera, apesar da grave crise de leões que o tem prejudicado?

Mesmo sem Jonas, sem Jiménez, sem Mitrolgou e sem Rafa, que chegaram a estar incapacitados em simultâneo, desde o começo da temporada, mesmo em condições tão adversas, a verdade é que Rui Vitória não vacilou e Nuno Espírito Santo, cercado por críticas ao seu trabalho, regularmentarmente, está em segundo.
É aqui, e só aqui, que se localiza a dor de cabeça do líder leonino. Dor que não consegue controlar e para a qual só existe um remédio: ser o melhor no campo em vez de querer sê-lo fora dele. Para ser o melhor em campo se calhar tem de incomodar menos o treinador, porque considerar-se o culpado pelo resultado em Guimarães em nome de uma grande liderança pessoal, enfim, dá para sorrir... A não ser que, sendo um presidente de banco se dê o caso de não resistir à tentação de emitir palpites... Atrevimento que, garantidamente, Jorge Jesus não permitiria."

Fernando Guerra, in A Bola

Não insistam! O «Buda» não morre!

"Podem dizer que o Mário Wilson não voltará do mundo para onde partiu, mas a gente não acredita. À sua maneira foi eterno. Tranquilo, calmo, pacífico como um oceano.

Eu sei, eu sei. Dizem: morreu Mário Wilson. E a gente não acredita porque pensávamos que Mário Wilson era eterno, assim uma espécie de avô de nós todos, calmo, pacifico, tranquilo. O mundo a seus pés.
Chamaram-lhe, um doa, o Buda. Pela barriga, pela forma arrastada de falar, pela certeza de cada frase. Que frase» Mário Wilson falava sentenças, não frases. Era correcto e amigo, conselheiro e bondoso. Houve gente menor que lhe quis fazer guerras imundas e ele ficou lá no alto, sobre os insultos - uns vergonhosamente racistas, como os de José Maria Pedroto que fez sempre questão em ser seu inimigo, como se o «Velho Capitão» pudesse ter inimigos.
Um dia chegou ao Benfica, depois de ter sido treinador de uma equipa da Académica, formada por jogadores/estudantes, que tanto treinavam como andavam na incontornável farra coimbrã, e que mesmo assim foi segunda classificada do campeonato, e disse. «Aqui qualquer um se arrisca a ser campeão». Ele foi campeão. De Portugal uma só vez, maldita seja a ironia. Da vida, foi sempre campeão. Até na morte.
Todos terão uma palavra a dizer sobre Mário Wilson. Ele mexeu com toda a gente que vive do futebol e em redor do futebol nem que seja por uma frase, por um gesto, por algo que não sabemos ao certo explicar o que é mais fica cá dentro, bem no fundo, naquele lugar dos momentos eternos.
Falem de saudade, mas a saudade é pouco. O «Velho Capitão», com a sua alcunha que ressoa a livros de Robert Louis Stevenson, era único. Único na sua forma de estar, na sua forma de ser para quem o rodeava, pela forma de reagir às circunstâncias. O Benfica contou sempre com ele. Chamaram-lhe também o «Bombeiro». Estava pronto, disposto. A cada aflição de treinador que saía, Mário Wilson trazia a calma de uma serenidade intrínseca. Resolvia problemas, ouvia os outros, ia sendo ele mesmo na voragem dos dias que atropelam a simplicidade dos seres humanos.

Foi para cada um de nós cada um de si
Quando chegou a Lisboa vinha para o Sporting. Deram-lhe o lugar de Peyroteo, esse marcador faminto de golos que decidira afastar-se por falta de dinheiro, mas não era fácil tomar o lugar de uma lenda. Foi campeão, ponta-de-lança meio esquecido pelos anos que passaram entretanto, mas aquele não era, definitivamente, o seu lugar. Instalou-se em Coimbra. A Lusa Atenas era perfeita para o crescer das suas filosofias. Ganhou espaço, ganhou tempo, ganhou uma personalidade sem comparação. O «Velho Capitão» - foi assim que o conheceram. Entrava nos cafés, esses centros conimbricenses de teoria do jogo inventado pelos ingleses, e todos o respeitavam. Mário Wilson era Mário Wilson e ponto final.
A velhice trouxe-lhe uma aura que não é possível definir. Todos o víamos como um amigo, como um parente sábio, como alguém que, de uma forma ou de outra, fazia parte das nossas vidas. Dizem que ele morreu, neste dia 3 de Outubro de 2016, a poucos dias de cumprir 88 anos. Dizem, mas a gente não acredita. O «Buda» não morre! É inteiro na sua presença infinita. Tentaremos lembrá.lo e também não será possível. Cada um o lembrará à sua maneira. Por que ele foi para cada um de nós cada um de si."

Afonso de Melo, in O Benfica

Superstição com barbas

"A história dos pelos faciais que venceram o histórico rival e que se tornaram 'um óptimo talismã para os jogos decisivos'.

Foi ao balneário do Estádio da Luz que Roland Oliveira fotografou três jogadores do Sport Lisboa e Benfica no momento em que se barbeavam: Era domingo, dia 10 de Abril de 1960. O Benfica acabara de disputar a 24.ª jornada do Campeonato Nacional, frente ao Sporting. Cavém, Mário João e Neto foram os protagonistas e o momento, esse, não era o dum barbear qualquer.
Dias antes, intrigados pela 'barba (...) exageradamente crescida para um jogador da bola' que os três futebolistas apresentavam, os jornalistas questionaram: 'Doença de pele?', 'Não havia dinheiro para as lâminas'? Cavém explicou:
'É cá uma promessa. (,,,)
- E você Mário João?
- Desculpe mas não posso responder.
- Será uma questão de fé?
A sorrir retorquiu:
- Talvez...'.
Tudo começou em Viana do Castelo, após o jogo da 1.ª mão dos oitavos de final da Taça de Portugal, a 27 de Março. Foi aí que Cavém fez a barba pela última vez, dizendo que não voltaria 'a barbear-se antes de realizado o encontro com o Sporting'. Segundo explicou, 'tinha sonhado que se deixasse crescer a barba, ganhava o desafio. Os colegas imitaram-no, simplesmente'. Estava 'reunida a trindade benfiquista dos barbudos'!
Ontem, inicialmente, não gostou da ideia foi o treinador. Segundo Mário João, 'Béla Guttmann não gostava muito que os jogadores usassem barba. Mas quando lhe explicámos do que se tratava, aceitou. Era muito surpresticioso! A partir daí, passou a zelar por elas', E recorda ainda: 'A barba incomodava-me a dormir por isso, um dia, depois de um treino, decidi fazê-la. Béla Guttmann, ao ver-me de lâmina na mão, começou aos gritos e proibiu-me terminantemente'.
Eis que chegou o tão ansiado Benfica-Sporting. 'De automóveis, de autocarro, de eléctrico, de bicicleta, a pé...', quarenta mil pessoas rumaram ao Estádio da Luz para assistir ao dérbi. No final, a vitória foi 'encarnada' e 'abraçados (os três jogadores) exclamavam:
« -Já podemos fazer a barba!
- Deu sorte, viram?»'
A superstição de Cavém revelou-se auspiciosa e as suas barbas 'passaram a ser um óptimo talismã para os jogos decisivos'. De face barbada venceu o Barcelona e o Real Madrid e tornou-se bicampeão europeu.
Até 15 de Outubro, pode ver esta e outras fotografias na exposição Ronald Oliveira, na Rua do Jardim do Regedor, em Lisboa."

Mafalda Esturrenho, in O Benfica

Benfiquismo (CCXLVI)

Começa esta semana a caminhada para o Jamor...
Inauguração 1944