"O problema de BdC é ver aproximar-se o quadro eleitoral sem conquista desportiva relevante para apresentar ao fim de quatro anos de mandato.
O 'jogo falado' não é um factor de perturbação do jogo jogado. Pelo contrário, contribui para a valorização do espectáculo, através da análise, do comentário e do debate. Foi assim no passado, é assim no presente e será assim no futuro. As dúvidas que se têm levantado dirigem-se mais ao estilo do discurso e à linguagem utilizada, talvez resultado de inovadoras e agressivas estratégias de comunicação, admite-se que eficazes e com objectivos precisos, embora difíceis de avaliar para o cidadão comum. Além de, nesta conflitualidade clubista, pairar o perigo do mau recurso às redes sociais, transformando-as em vazadouro de insultos, ódios e invejas, uma prática condenável, mas respaldada no anonimato e em páginas ditas oficiais que ora deixam de o ser, ora aparecem, ora desaparecem.
O problema não reside, pois, no futebol, mas sim nas pessoas e nas atitudes que elas tomam, devendo acentuar-se que nenhuma mal virá ao mundo se não for ultrapassada a fronteira da razoabilidade e, sobretudo, de respeito pelo próximo como se impõe em sociedade civilizada.
Acredito ter sido em obediência a este princípio basilar que Luís Filipe Vieira não só apelou ao silêncio como pediu aos benfiquistas para falarem dos problemas do seu clube e se absterem de referâncias a outros emblemas, no caso particular o Sporting. Disse mais: «Servimos e vivemos o Benfica e não vivemos os outros. Respeitamos os outros, mas vivemos o nosso Benfica».
Em qualquer país do mundo moderno esta posição do presidente benfiquista, além de oportuna e até pedagógica, teria sido aplaudida, com o desejo de captar seguidores em outros clubes. No entanto, para mal dos nossos pecados, a reacção foi precisamente a oposta da que seria expectável, entre gente de bem: não a que grita, mas a que, embora com a liberdade de discordar, patrocina o consenso.
Em concreto, o presidente leonino não só não bateu palmas, nem tinha de bater, obviamente, como se aproveitou do apelo do homólogo benfiquista para emitir uma resposta que em nada ajuda ao desanuviamento do ambiente de tensão que se pretende eliminar. «Quando se tem uma liderança séria, se é respeitado e se trabalha com uma equipa leal e coesa não é preciso fazer apelos», disse.
Adivinhando-se que a situação não vai dar sinais de melhoria, por uma questão de personalidade do próprio líder leonino e, principalmente, por ver aproximar-se o quadro eleitoral sem nenhuma conquista desportiva relevante para apresentar ao fim de quatro anos de mandato, o mais prudente seria fazer o que pode Vieira: cada um trata de si, sem ligar ao que se passa em casa do vizinho. A sugestão é sensata e poderia funcionar como ponto de partida para um novo ciclo, de coabitação pacífica, mas o problema não se resolve quando as pessoas rejeitam o diálogo e preferem a confrontação permanente, a propósito de tudo e de nada. Aliás, ajudando as memórias mais débeis, deve recordar-se que o primeiro alvo do líder leonino foi o FC Porto e o seu presidente, ao qual chegou a referir-se de uma forma, julgo, por todos considerada reprovável. Insistiu e, não obtendo resposta, virou as baterias para o outro lado da Segunda Circular, pela razão simples de se localizar lá o elo mais forte e não a norte, como imaginou de início.
Para não subsistirem dúvidas, convém esclarecer que uma coisa é a história e a grandeza da instituição Sporting, outra, incomparavelmente diferente, a política seguida pelo seu líder, o qual terá feito promessas demasiadas sem possibilidade de as cumprir. Por outra lado, os adeptos dos grandes clubes, e não só, já aprenderem que a seguir a um colapso desportivo se inventam, geralmente, manobras de diversão para se desviar a atenção dos adeptos daquilo que não interessa a quem manda; ou será que ainda haverá alguém sem se dar conta que esta poeirada surgiu na sequência do inesperado empate em Guimarães, da forma como ocorreu, e da alteração que provocou na tabela, com o pujante Sporting, como tem sido rotulado, igual em pontos ao problemático FC Porto, a recuperar a sua identidade, e três abaixo do Benfica, que lidera, apesar da grave crise de leões que o tem prejudicado?
Mesmo sem Jonas, sem Jiménez, sem Mitrolgou e sem Rafa, que chegaram a estar incapacitados em simultâneo, desde o começo da temporada, mesmo em condições tão adversas, a verdade é que Rui Vitória não vacilou e Nuno Espírito Santo, cercado por críticas ao seu trabalho, regularmentarmente, está em segundo.
É aqui, e só aqui, que se localiza a dor de cabeça do líder leonino. Dor que não consegue controlar e para a qual só existe um remédio: ser o melhor no campo em vez de querer sê-lo fora dele. Para ser o melhor em campo se calhar tem de incomodar menos o treinador, porque considerar-se o culpado pelo resultado em Guimarães em nome de uma grande liderança pessoal, enfim, dá para sorrir... A não ser que, sendo um presidente de banco se dê o caso de não resistir à tentação de emitir palpites... Atrevimento que, garantidamente, Jorge Jesus não permitiria."
Fernando Guerra, in A Bola