terça-feira, 2 de agosto de 2016

Um homem e o seu Destino

"Artur Manuel Soares Correia, o «Ruço», morreu. A infame senhora da morte rondara-lhe a casa muitas vezes, mas ele tinha uma vontade maior que o fazia viver, impondo-se a todos os sofrimentos.

Morreu o «Ruço». A maldita e enexorável gadanha da morte abateu-se finalmente sobre o homem ao qual a vida virou as costas, mas que continuou sempre a desafiá-la apesar das amarguras.
Por causa de Artur Correia, Artur Manuel Soares Correia, por extenso, nascido em Lisboa em 1950, poderia obriga-nos a regressar dezenas de vezes no tempo ao longo desta crónica triste. A 1971, por exemplo, dia 12 de Setembro, sua estreia pela equipa principal do Benfica. E que estreia! Vitória nas Antas por 3-1. Ou a 28 de Maio de 1972, quando assinou, frente ao Farense, o seu primeiro golo com a camisola encarnada. Ou a 30 de Maio de 1977, data do seu último jogo pelo Benfica.
Artur teve na sua vida tantos episódios, que seria impossível desfiá-los no espaço acanhado desta página.
Sabem todos da sua querela com o Benfica, do desencontro de verbas que levou à ruptura das negociações para a renovação do contrato e da sua decisão em atravessar a Segunda Circular e assinar pelo Sporting.
Curiosamente, os adeptos poupara-no ao anátema de traidor. E ele confessava com a mágoa no coração: «Quando chega ao intervalo vou a correr tentar saber o resultado do Benfica».

Um raio caiu do céu
Em 23 de Setembro de 1980, foi como se um raio caísse do céu. Uma trombose pôs fim à carreira daquele que corria pelo lado direito do campo com os cabelos louros revolteando atrás. Porque o seu futebol era feito de revoltas e de contras. Era contra o marasmo e contra a submissão. Jogava nos limites dos limites dos limites.Só a morte poderia parar Artur, e ela foi chegando, devagarinho, desde esse infame dia de Setembro, tornando-o cada vez mais frágil como se quisesse contrariar aquela sua natural e espontânea energia.
Nove anos antes tinha sido atacado por uma pleurisia. Cobarde, a grande senhora da gadanha matava-o aos poucos.
Ainda teve, no momento da fantástica meia-final da Taça dos Campeões frente ao Ajax (0-1, 0-0), um elogio único. O húngaro  Stefan Kovács, pai do futebol total holandês, depois seguido por Rinus Michels, não teve dúvidas em considerá-lo como «o melhor lateral direito da Europa».
Não sei se o «Ruço» terá valorizado muito tal opinião. Ele queria era uma bola e correr atrás dela como um menino de caracóis dourados.
Há um ano, o Destino voltou a matá-lo; viu ser-lhe amputada a perna esquerda em consequência de problemas circulatórios.
Continuou a seguir o Benfica como se a perna continuasse lá, no sítio onde sempre esteve. Havia nele a suprema força da vontade.
Contra essa força, só a morte por inteiro. E ela veio, irresistível, num dia fervente de Julho. Sem piedade nem perdão.
O «Ruço» morreu.
Corre atrás de uma bola, de cabelos louros ao vento, pela planície da eterna saudade."

Afonso de Melo, in O Benfica

Edite Cruz, atleta-padrão de 1955

"No festival da Solidariedade Benfiquista, o momento alto foi a entrega de troféus aos atletas que 'mais de distinguiram na defesa da camisola do Benfica'.

Na noite de 22 de Novembro de 1955 decorreu, no Pavilhão dos Desportos, o primeiro 'Festival da Solidariedade Benfiquista', com o intuito de promover o convívio entre os 'atletas de todas as modalidades praticadas sob a mesma bandeira' e de obter verbas tanto para o Fundo de Reserva Anual da Solidariedade Benfiquista como para as obras do novo parque de jogos do Clube.
Do programa constaram jogos de andebol, futebol de salão e basquetebol, todos disputados por atletas de outras modalidades, e uma demonstração de ginástica 'adequada à preparação das equipas de futebol, dirigida por Otto Glória'. 'A sala do Parque Eduardo VII se emoldurou de uma multidão vibrante de entusiasmo', que observou curiosa 'a faculdade de adaptação que os diversos atletas' demonstram a 'praticar modalidades diferentes das que lhes são habituais'. O jogo mais pitoresco terá sido um dos de andebol, 'disputado entre duas equipas de «peso»: os lutadores e os homens do râguebi!'. De todas as prestações, destaque para Costa Pereira, que, no jogo de basquetebol disputado entre os atletas de futebol e os do andebol, se revelou 'um magnífico jogador da modalidade da «bola ao cesto»'.
Contudo, o momento alto da noite foi a entrega de troféus aos atletas que, durante 1955, 'mais de distinguiram na defesa da camisola do Benfica' em cada uma das modalidades. Edite Cruz, na fotografia, segura o seu troféu de 'atleta-padrão' da patinagem, um dos 29 entregues nessa noite. Para além dos atletas, o presidente do Clube, Joaquim Ferreira Bogalho, recebeu das mãos de Otto Glória o troféu para 'o melhor atleta do Benfica'.
Fundada em 1954, a Solidariedade Benfiquista - Grupo Cultural, Recreativo e de Assistência dos Jogadores do Futebol do Sport Lisboa e Benfica surgiu de uma ideia dos residentes do Lar do Jogador e contou o apoio de Otto Glória, que ocupou o lugar de presidente da assembleia geral e escreveu os estatutos. Sob direcção dos futebolistas Artur, Naldo, Gonzaga, Monteiro e Calado, tinha como fim 'o congraçamente, o desenvolvimento social e cultural e o amparo moral e material dos jogadores, treinadores, massagistas e demais elementos que exerçam actividades na Secção de Futebol do S.L. Benfica'.
Pode ver esta e outras fotografias na exposição Roland Oliveira, até 15 de Outubro na Rua Jardim do Regedor, em Lisboa."

Mafalda Esturrenho, in O Benfica

Um Benfica ainda com vários 'ses'

"Rui Vitória engendra outra arrumação libertando-se da 'herança' de Jesus e arriscando nova identidade, ou sujeita-se a enfrentar mau tempo na sua navegação.

Ao fim de seis jogos de preparação, com a Supertaça Cândido de Oliveira a uma semana de distância e o início do Campeonato a duas, como vai Rui Vitória sistematizar, depressa, o meio-campo dos encarnados? A pergunta é pertinente e foi colocada pelo jornalista Rogério Azevedo, enviado-especial de A BOLA a Lyon.
Escreveu ele que o meio-campo não desenvolve, só complica, que a defesa não soluciona os problemas que os médios criam e que os avançados estão muito longe dos índices de eficácia alcançados na última época. Não é preciso ser catedrático em futebol para verificar que poucas semelhantes se observam com o Benfica campeão. Dá a ideia de se estar a começar de novo, como se um mês de férias tivesse o efeito de uma esponja que tudo apagou quanto de bom se conseguiu antes. Parece que só resistiram as más recordações, de aí a oportunidade nas observações feitas, que sugerem reflexão profunda e medidas rápidas, antes que se faça tarde. É preciso acelerar o processo metamórfico das experimentações em soluções. Colocar certezas onde ainda há vários ses.
Existe justificada expectativa em redor da figura de Rui Vitória, sobretudo da franja mais céptica da família benfiquista, a qual precisa de se convencer que os bons ventos que orientaram o treinador na sua transição de Guimarães para a Luz ajudaram, sim, mas o que verdadeiramente foi importante na conquista do título 35 deveu-se à sua competência e saber e ao notável rendimento extraído de um plantel, com limitações, que potenciou através de um espírito de grupo à prova de bala...
Este será o ano da confirmação, embora se lhe coloquem novos e difíceis problemas, a dois níveis: por um lado, executar as mudanças que se impõem em termos de rejuvenescimento do plantel; por outro, manter a sua plenitude competitiva uma equipa ambiciosa e ganhadora, dentro e fora do país. Ou seja, para o adepto-comum, sempre muito exigente, o mínimo será apontar àr conquista do tetra e na Liga dos Campeões, como na temporada transacta, chegar aos quartos-de-final.

Em relação à integração de gente nova com reconhecida qualidade,ansiosa pela titularidade, aguardo cheio de interesse como vão ser resolvidas três/quatro dúvidas, a saber:
Na baliza, Júlio César beneficia de um estatuto de excepção à escala planetária. Tal como Buffon, por exemplo, faz parte de uma elite de 'guarda-redes eternos', mas a agradável surpresa chamada Ederson obriga, necessariamente, a repensar o caso. Os dois têm imenso valor e reclamam o lugar, embora com catorze anos a separá-los nas idades. O que suscita outro lado interessante: são ambos fantásticos, mas o mais jovem tem mais futuro e mais mercado, por isso será mais valioso.
Na defesa, ao centro, Luisão, sim ou não? É o grande capitão, a extensão do treinador dentro do campo, mas a idade não perdoa. Para recuperar a posição alguém terá que ser sacrificado. Lindelof? Jardel? Lisandro vai continuar em lista de espera? Kalaica é para deixar cair? A única certeza é a de que à ausência de Luisão correspondeu a explosão de Lindelof, muito cobiçado na Europa, além do aparecimento de um bloco de solidez impressionante.
Nas laterais, o ambiente é pacífico à direita, apenas com a necessidade de optar entre Nélson Semedo e André Almeida, em resultado dos momentos de forma de cada qual e das estratégias a utilizar em função dos opositores, sendo preferível, no entanto, definir de princípio um titular e um suplente em vez de se enveredar por dois 'semi-titulares'.
No lado esquerdo, julgo que a situação se apresenta igualmente confortável com a assunção de Grimaldo, um jovem de 20 anos com escola, destreza, audácia e de leitura fácil. Os méritos de Eliseu ninguém lhos tira. Fez pela vida, como se diz, mas as coisas são como são. Na Selecção. Fernando Santos mudou o que tinha de ser mudado, promovendo Raphael Guerreiro a titular e reduzindo Eliseu à condição de suplente pouco utilizado. O que de alguma forma serve de respaldo a Vitória, se não quiser adiar mais o que também no Benfica tem de ser feito.
No meio-campo, é que a porca torce o rabo e só não o torceu na última época pela razão simples de ter brotado do Seixal um fenómeno que foi remédio que aliviou dores e a luz que ajudou a descobrir caminhos. Um fenómeno que fascinou o mundo do futebol...
Sem ele, das duas uma, ou Rui Vitória engendra outra arrumação, libertando-se da herança de Jesus e arriscando nova identidade com fotografia de corpo inteiro, ou, prolongando o modelo mal desenhado que só funcionou pela entrada em cena de um selvagem incontrolável e arrasador chamado Renato Sanches, sujeita-se a enfrentar mau tempo na sua navegação: pelo que se viu até anteontem, nem Cervi se assemelha a Di Maria, nem Celis faz de Ramires. Além de um Carrillo que só tem transportado sombras..."

Fernando Guerra, in A Bola

PS: O Benfica de sucesso, sempre jogou com um médio-defensivo e um médio de ligação, sempre... Muito antes do Judas ser treinador do Benfica, já o Benfica jogava assim. Não me recordo de um modelo de jogo, com dois médios de contenção no Benfica, que tivesse tido sucesso ao longo de uma época... num jogo ou outro talvez, agora numa época inteira, nunca.
Portanto, a herança que o Rui Vitória tem que 'respeitar', é a herança do Benfica, e só do Benfica!

Como planeado

"Sem viagens à volta do Mundo, sem incertezas nem lacunas gritantes no plantel, o planeamento da nova época do Benfica parece exemplar e, acima de tudo, contrasta com os anos anteriores. Para o adepto, até causa estranheza. Não estávamos habituados a uma pré-temporada assim. Acima de tudo, a estratégia seguida pelo Benfica é coerente e não parece alterar-se ao sabor do vento.
Mantém-se a opção de apostar em jovens talentos (independentemente da nacionalidade), em lugar de contratar jogadores consagrados, mais caros e com menor margem de progressão. Faz sentido: por um lado, estabiliza-se a ideia que o Benfica é um clube que faz crescer os jogadores e dá oportunidades para a sua afirmação; por outro, consolida-se um modelo de negócio que assegura a sustentabilidade financeira.
Não menos importante, estamos no início de Agosto e o plantel tem, pelo menos, duas soluções de qualidade para cada posição e oferece a Rui Vitória possibilidades de alguma versatilidade táctica, inexistente no passado. Mesmo que ocorram algumas saídas, o Benfica não precisará de ir a correr ao mercado. Mais importante, mantém-se a coluna dorsal, que joga pelo centro do terreno e compensa com experiência e inevitável imaturidade das jovens contratações.
Bem seu que o acaso desempenha um papel importante no futebol, mas, no fim, talento, organização e trabalho acabam por compensar: se tudo correr com planeado, o Benfica tem todas as condições para alcançar um inédito tetracampeonato."

E quando o árbitro erra?

"Tal como todos os outros agentes desportivos, os árbitros também são penalizados pelas falhas grosseiras que cometem nos jogos.

Existe a ideia de que os árbitros nunca são punidos pelos erros que cometem, que, ao contrário de jogadores, técnicos e dirigentes (sujeitos a alçada disciplinar), não sofrem as consequências das suas más decisões. Isso só acontece porque, até hoje, nunca ninguém se lembrou de explicar claramente como funcionam as coisas nessa matéria.
A verdade é que, tal como todos os outros agentes desportivos, os árbitros também são penalizados pelas suas falhas grosseiras.
Por partes: em cada jogo, há um observador que os avalia. Como? Atribuindo uma nota (0 a 5), em função das suas prestações. Para a fundamentar, o avaliador pode recorrer a imagens televisivas. Sortudo. Os árbitros (ainda) não. Depois envia essa pontuação para o Conselho de Arbitragem, sendo que só mais tarde segue o relatório pormenorizado. Quando é cometido um erro considerado grave (por exemplo, um penalty por marcar ou uma expulsão mal feita), o árbitro é obviamente penalizado na sua nota.
Essa penalização tem duas consequências imediatas: o quase certo impedimento de arbitrar na semana ou semanas seguintes (aquilo a que a imprensa chama de «jarra») e a não retribuição financeira do prémio de jogo a que teria direito caso fosse nomeado.
Para um árbitro, não poder arbitrar devido a uma má prestação é tão mau como para um jogador não poder actuar por ter sido expulso na jornada anterior. Afecta a auto-estima e o brio. Não é pedagógico, é castrador. A consequência financeira, menos importante, é ainda assim assinalável, porque à excepção de uma minoria semi-profissional, os árbitros não têm salário fixo mensal. Ganham ao jogo. E disso depende quase em exclusivo a sua subsistência (e da sua família), visto que é cada vez mais incomportável compatibilizar outras funções com a exigência crescente da arbitragem.
Mas há mais.
A classificação final dos árbitros consiste, quase exclusivamente, na soma das notas obtidas nos jogos. Portanto, se um árbitro tiver uma época menos feliz, fica mal classificado. E se ficar mal classificado, pode ser despromovido e perder as insígnias FIFA, caso seja internacional. Ao contrário de um jogador ou treinador, que pode compensar um ano menos bom com outro brilhante, com os árbitros isso não acontece. No início de cada época, o fim da linha mora a dez meses de distância. Literalmente. E quando isso acontece para alguns, surge quase sempre o fim de uma carreira longe, a extinção do trabalho de uma vida e o fim de um salário expectável.
Sim. Os árbitros são punidos. Não sei se ao ponto de saciar a fome de revolta dos mais indefectíveis, mas são.
E também por isso são sempre os maiores interessados em acertar muito e errar pouco. Não pelos riscos que isso acarreta à sua própria carreira, mas por serem pessoas íntegras e com enorme sentido de missão."

Duarte Gomes, in A Bola

Tudo pronto para a grande corrida

"Aproximam-se os dias de competição a sério nas provas do futebol português. O cenário não é diferente do habitual. Benfica, Sporting e FC Porto estão,de novo, prontos para a grande corrida e cada um pensa ganhá-la.
É, no entanto, curioso como, apesar da aparente repetição se renovam as expectativas. Porque o Benfica quer provar que o ciclo de liderança do futebol português mudou, em definitivo, para a Luz. Lutará pelo treta, título que, curiosamente, nunca chegou a conquistar e, se isso acontecer, o Benfica não apenas terá razão em chamar a si a nova hegemonia do futebol nacional, como afastará, ao mesmo tempo, a concorrência de Sporting e FC Porto, causando estragos e deixando marcas difíceis de apagar.
Será, talvez, interessante assinalar que o Benfica acaba, assim, por ser o clube com menor pressão. Vencer o tetra é obviamente muito importante, mas o tricampeonato conquistado nos últimos três anos dá-lhe uma grande margem de manobra.
Já o mesmo não acontecerá com Sporting e FC Porto. Os leões conseguiram lutar pelo campeonato até à última jornada e esse facto manteve acesa a chama de entusiasmo leonina, mas tal como Jorge Jesus já afirmou, este ano, os adeptos só poderão ficar satisfeitos se o Sporting fizer melhor e fazer melhor é ser campeão nacional. A pressão será maior e será inversa ao factor surpresa.
Quanto ao FC Porto terá uma missão complexa. As apostas nos últimas anos não trouxeram bons resultados, apesar de um investimento pesado. Perdeu com muit, agora, vai ser preciso ganhar com pouco. Não é fácil."

Vítor Serpa, in A Bola

Benfiquismo (CLXXX)


Alberto Ló, o melhor jogador de Ténis-de-mesa da história do Benfica...