terça-feira, 26 de julho de 2016

Luís Filipe Vieira: o melhor reforço

"O presidente do Benfica cativou a minha admiração, por se poder acreditar nele, uma raridade nos dias de hoje, no desporto como na política.

A confirmação da candidatura de Luís Filipe Vieira às eleições do Benfica, em Outubro próximo, deve ter sido a melhor notícia que associados e adeptos receberam nesta fase de preparação para nova temporada desportiva. Atrevo-me a dizer que mais importante do que a contratação do reforço A ou B para atacar o tetra, foi a certeza de que o actual presidente não vai desistir da concretização do fabuloso projecto por ele iniciado, na companhia de Manuel Vilarinho, como teve cuidado de recordar na declaração feita na última sexta-feira, e ainda não concluído. Se é que, em empreendimento de tamanha envergadura e complexidade, definido o ponto de partida, em 2003, alguém será capaz de estabelecer a linha de chegada, o termo de uma coisa cuja grandiosidade o tempo não consegue medir.

É assim num clube com a dimensão e a ambição do Benfica: nada acaba, tudo evolui, e Filipe Vieira transporta essa invulgar capacidade de querer renovar, todos os dias. Sem outro alcance que não o do engrandecimento da instituição a que preside e consequente fortalecimento do espírito solidário entre os ramos da imensa nação encarnada. A qual, dada a inflamada natureza crítica que a caracteriza e a torna diferente das outras, não pode ser obediência cega ou de resignação. Por ser questionadora, impertinente, intolerante até, sem jamais perder a noção da universalidade do emblema, nem temer as consequências dos conflitos que provoca ou das decisões que assume. Há suficientes exemplos no passado que o testemunham.
Vieira sabe, por isso, que vai continuar obrigado a dar muito de si para corresponder às enormes expectativas que nele estão depositadas. Acredito que se resolveu avançar para outro mandato é porque se sente com disponibilidade física e psicológica para seguir em frente e ampliar a obra que em uma dúzia de anos tirou o Benfica do charco do descrédito e da humilhação.

Por entre avanços e recuos, travando batalhas que muito boa gente não acreditava que pudesse vencer, é irrecusável que, mais pela acção, pela perseverança, pela discrição e pela coragem e menos pela promessa fácil e pela fama dos holofotes, recolocou o clube no lugar devido, não só pelo magnífico complexo desportivo que ali está, na Segunda Circular, para ser visitado e apreciado, que nasceu em substituição do outro igualmente gigantesco, quando Fernando Martins ordenou  fecho do terceiro anel, mas também por recuperado o respeito que a história do emblema da águia reclamava. Além de, paralelamente, ter valorizado sempre o espírito de família que deve existir entre a massa adepta, proclamando que cada passo que se dá ou cada conquista que se festeja só é possível com a participação de todos, como deixou vincado na sua declaração: «Hoje como ontem sinto que posso fazer muito por esta família, a família benfiquistas. Atletas, dirigentes e técnicos, sócios e adeptos aqui as vitórias são celebradas por todos».
A segunda ideia basilar incide sobre as opções que cada qual toma para construir o seu caminho. Nesse sentido, mantendo-se se fiel à coerência que tem sido uma das suas principais bandeiras, foi cristalino noutra parte mensagem de recandidatura. «O Benfica mudou muito, mas uma coisa não mudou e são os meus princípios e valores», acentuou, garantindo que não abdicará de lutar por uma fronteira de diferença, porque, como já lhe ouvi, uma coisa é uma pessoa não se deixar enganar, outra é fazer de conta a alinhar na promoção um futebol sem verdade,

A minha admiração por Luís Filipe Vieira não é de hoje, como quem faz o favor de me ler já deve ter percebido. Falo com ele duas ou três vezes por ano, em encontros institucionais com conversas de circunstância, sem espaço para segredos,nem segredinhos... O presidente do Benfica cativou a minha admiração pela qualidade do trabalho, pelo sentido de futuro, por se preocupar com os problemas dos outros, por utilizar um discurso que é poderoso pela simplicidade. Enfim, por se poder acreditar nele, uma raridade nos dias de hoje, no desporto como na política."

Fernando Guerra, in A Bola

Vídeo-árbitro - Gestão de expectativas

"O universo do futebol espera que o vídeo-árbitro possa resolver todos os erros de arbitragem, mas a realidade será outra.

O órgão que analisa e aprova alterações às Leis do Jogo, o IFAB, deu luz verde à realização de testes (durante dois anos) para avaliar se o Vídeo-Árbitro deve ou não ser aplicado no futebol. O objectivo é claro: perceber se beneficia o jogo e o espectáculo, diminuindo erros grosseiros de arbitragem. Importa ainda perceber se o futebol português, um dos seis que testará este sistema, terá capacidade e vontade em investir nesta área, suportando os seus custos logísticos, financeiros e humanos.
Presume-se que sim, visto que se posicionaram, desde o início, como protagonistas activos na introdução deste projecto. E bem.
Mas a mensagem que hoje quero passar-vos refere-se a um assunto que considero crucial para o sucesso desta inovação: a gestão de expectativas.
O universo do futebol espera que o Vídeo-Árbitro possa resolver todos os erros de arbitragem, mas a realidade será outra.
A intervenção do VAR (Vídeo Assistant Referee) só acontecerá em situações de excepção. Este só poderá actuar a pedido do árbitro ou por sua recomendação a este, perante erros cruciais e evidentes. Erros que possam ter influência directa nas equipas e na partida em si. Referimo-nos a qualquer circunstâncias que envolva grandes penalidades, expulsões (apenas por vermelho directo), decisões sobre legalidade na obtenção de golos e erros na identidade de jogadores/equipa, para efeitos disciplinares.
Todos os outros incidentes, que sejam menos graves e que não tenham impacto directo na partida, não serão revistos pela imagem televisiva. Porquê?
Primeiro, porque podem resultar da interpretação dada a um lance, em função do posicionamento e da forma como o árbitro conduz o jogo. Depois, porque caso houvesse recurso à imagem em cada situação de eventuais falha (pontapés de canto, lançamentos laterais, pontapés livre, foras-de-jogo, amarelos ou pontapés de baliza, só para mencionar alguns), o jogo seria interrompido dezenas e dezenas de vezes para a respectiva vídeo-análise.
Isso tornaria o futebol num jogo constantemente interrompido, monótono e previsível. Despia-lhe a dinâmica, a sua verdadeira alma e essência. E seguramente nenhum clube, adepto ou apaixonado do desporto-rei deseja isso.
Vem aí uma nova forma de ver e viver o futebol. E vem aí porque o mundo inteiro assim o exige há anos. Vamos dar-lhe então tempo, espaço e oportunidade para que cresça de forma sustentada e eficaz.
Para bem do próprio jogo."

Duarte Gomes, in A Bola

Vida e morte do ruço Artur

"Morreu o Artur. Agora, ao seu nome próprio era sempre acrescentado o nome de família, Correia. No entanto, no tempo em que o Artur jogava e entusiasmava multidões de adeptos, para o diferenciar de outros jogadores com o mesmo nome chamavam-lhe o ruço. Era loiro, de olho azul, e, quando jovem, tinha uma força que nos fazia prever uma vida eterna. Afinal, tinha apenas 66 anos quando a morte, piedosa perante as cruéis circunstâncias da vida, chegou.
No frio desenrolar do seu currículo de futebolista, se falará de títulos e de clubes. Da Académica, onde cresceu e, depois, do Benfica e do Sporting. Porém, os números nada dirão sobre aquele que foi uma força da natureza do futebol português. Um defesa lateral de enorme raça, que vivia cada jogo de futebol com uma intensidade inesgotável. O seu auge, nos anos setenta, altura em que o futebol se submeteu aos desígnios da revolução, que, obviamente, o condicionou, foi por mim acompanhado de perto e pelos jornalistas da minha geração. Era o tempo em que os jogadores de futebol não estavam distantes dos jornalistas, o tempo em que nos conhecíamos, nos admirávamos e nos respeitávamos.
Que o Artur viveu a vida com o mesmo excesso de vibração e de intensidade que colocava num jogo de futebol, é verdade. Que o Artur foi muitas e muitas vezes avisado por amigos e simples conhecidos de que as consequências poderiam ser graves, sobretudo depois do último acidente vascular cerebral que sofrera e que tanto o limitou, também é verdade, mas como recriminar quem vive a vida conforme sempre a desenhou?
Que descanse em paz."

Vítor Serpa, in A Bola

Descontrolo

"1. O mercato costuma dar roda livre à fantasia e criatividade dos cronistas, mas este ano até eles têm sido ultrapassados pelos acontecimentos. Como o descontrolo é total, raros têm sido os tiros na mouche. Quem diria que o Manchester United poderia pagar 110 milhões (!) à Juventus pelo francês Paul Pogba, que na final do Euro pouco se viu em campo? Ou que o Barcelona de Luís Enrique iria resgatar por 35 milhões (mais possíveis 20) André Gomes ao Valência, que há dois anos pagou 15 por ele ao Benfica e que cresceu como jogador nos juniores do FC Porto, onde esteve três anos e donde foi enxotado por nada prometer? Este e outros casos mostram bem que ali só há olho para a remela. Outro negócio já fechado é a passagem de Higuain, dito El Pepita, do Nápoles à Juventus por 94 milhões. Os goleadores estão pelo preço de ouro e este, na ultradefendiva Série A, marcou 36 na época finda. Ainda assim, quem souber procurar ainda encontra pechinchas para as exigências da nossa Liga. Vejam-se os exemplos do leão Slimani e das águias Mitroglou e Jonas. Não é o caso do dragão que, após anos de ostentação e pujança, vive há três órfão de um ponta de lança, cuja falta até um cego vê. Não por masoquismo, mas sim por falta de dinheiro que desbaratou no tempo das vacas gordas. E, para a desgraça ser maior, viu o valor do plantel reduzido a pó. O recurso ao esforçado e voluntarioso camaronês Aboubakar não passa de uma solução anedótica.

2. Como na política, onde florescem partidos anti-sistema, também no futebol se adivinha novos tempos, em que não serão os milhões a ditar leis. Olhem só: o Leicester foi campeão inglês, a Islândia afastou a Inglaterra do Europeu, o vilipendiado Lopetegui é o novo seleccionador de Espanha, o Lincoln de Gibraltar, que ninguém conhecia, venceu em casa o Celtic..."

Manuel Martins de Sá, in A Bola

Endireitas da mente

"Os endireitas foram recurso para pôr ossos e músculos no lugar. Os atletas de antigamente também os utilizavam para tratar as mazelas do desporto. Por vezes resultava. Aprendiam as habilidades observando os que antes deles se dedicavam ao ofício e experimentando a manipulação de esqueletos nos clientes. Mas também faziam muitas asneiras quando mexiam onde não deviam. Nenhum atleta de bom senso se deixa agora tratar por quem não tenha adequada preparação científica e técnica.
Recente artigo na prestigiada revista científica de psicologia, Fronteiers in Phychology, trata da relação entre depressão e desempenho desportivo, revelando que a primeira é inicialmente escondida pela prática desportiva, mas tende a reaparecer com gravidade. Sabe-se que esta combinação pode ser dramática, até fatal, como comprovam profundas depressões de atletas famosos, e algumas tentativas de suicídio que por vezes levaram à morte. Nem todos estes atletas evidenciam a crise profunda por que passavam. Os pedidos de ajuda para melhor a perfomance podiam, todavia, estar neste quadro. Só um profissional da saúde mental, psicológico ou psiquiatra, tem competências para entender a gravidade da situação e evitar o seu aproveitamento.
Há quem centre o trabalho psicológico dos atletas simplesmente na optimização da perfomance, baseada em técnicas que não consideram a globalização psicológica do caso. Não são profissionais com formação científica específica que, por isso, não detectam graves desadaptações psicológicas que podem estar na origem da quebra de desempenho. Tão-pouco têm consciência de que o que fazem pode desencadear, a prazo, problemas muito graves. A ignorância é muito atrevida!... As coisas às vezes resultam. Pelo menos no imediato, mas, como revela a investigação, as depressões podem regressar, ou surgir, mais tarde dramaticamente. Lamentavelmente, as gentes do desporto ainda não entenderam que os endireitas da mente podem quebrar a estrutura psicológica do atleta."

Sidónio Serpa, in A Bola

Jonas/Mitroglou: a bomba atómica

"Três pontas de lança como os do Benfica na I Liga equivalem a caçar ratos com uma bazuca

1 - O trio de pontas de lança topo de gama do Benfica já era inédito em Portugal. Caso se mantenha, como parece que acontecerá, passará de inédito a excêntrico. Ninguém defenderá que é normal, para um clube português, ter no banco um jogador pelo qual pagou 22 milhões de euros (Raúl Jiménez). Mas funciona na I Liga, tal como caçar ratos com uma bazuca funcionaria. A parceria Jonas/Mitroglou (as outras combinações possíveis do trio serão mais duvidosas) é uma bomba atómica à qual não foi dado o devido relevo no último campeonato. Como ontem se viu no jogo com o Wolfsburgo, aquele par de canhões está para o Benfica como o tridente (Messi, Suárez e Neymar) está para o Barcelona. O resto da equipa é apenas o acompanhamento.
2 - Presumir a inocência dos atletas russos que o controlo antidoping não apanhou é apenas respeitar o Estado de Direito. Luís Horta, antigo director da Autoridade Antidopagem portuguesa, defendia que o Comité Olímpico Internacional devia banir a Rússia por inteiro, porque seria a única forma de garantir "a integridade" dos Jogos Olímpicos do Brasil. Ao invés, o COI optou por entregar a decisão a cada modalidade. Estará nas mãos delas a possibilidade de lavrar sentenças sem provas, impedindo, ou não, os atletas russos não indiciados de participarem. Ao contrário do que diz Horta, a integridade dos Jogos também ficará afetada se uma só medalha for entregue porque um inocente não pôde competir. De resto, já não sobra integridade: a chuva de positivos (98) saída das reanálises de 2008 e 2012 desfez a ilusão. E estão dezenas de países envolvidos, para além da Rússia."