terça-feira, 19 de julho de 2016

A soberba vitória do «Cavalo Negro»

"A entrada de Éder foi algo de criativo e audaz. Portugal tornou-se, finalmente, campeão da Europa. Sem o brilho cativante de outras selecções das quinas mas com perfeita consciência dos seus defeitos e das suas virtudes.

PARIS - Um céu escuro caiu sobre a cidade como se os portugueses tivessem levado consigo a alegria. Talvez chova mais daqui a pouco enquanto fazemos as malas para o regresso, mais de um mês depois de termos chegado à França de todas as esperanças.
Poucos acreditavam no sonho de Fernando Santos. Sobretudo de início, com as exibições tristonhas e mazombas de uma selecção que não foi além de três empates nos três jogos da fase de grupos, apurada por essa regra dos «melhores terceiros» que pela primeira vez viu luz num Campeonato da Europa. Convenhamos: também não havia muitas razões para crenças desembestadas. Era um Portugal de serviços mínimos, como depois também o foi sendo na fase não do mata-mata mas do empata-mata. Quanto ao seleccionador, manteve-se teimoso na sua filosofia - por ele empatava todos os jogos desde que os «pemalties» resolvessem o campeonato a seu favor.
Não foi preciso tanto.
No inicio desta Volta-a-França-sem-bicicletas, que começou em Marselha no dia 10 de Junho, falámos do «Cavalo Negro» que era a Selecção Nacional. O nome foi-lhe posto pelos jornalistas ingleses há precisamente vinte anos, quando uma jovem equipa portuguesa, com figuras como Figo, Rui Costa, Paulo Sousa, João Pinto ou Fernando Couto, surgiu em Inglaterra para disputar a segunda fase final de Europeus da história do futebol lusitano.
Cavalo Negro; aquele que corre por fora e, no final, por um pescoço, bate os favoritos.
Portugal foi o «Cavalo Negro». Favoritíssima na final, a vaidosa França, cujos arautos anunciavam amanhãs que cantam, tendo como certa a conquista da Taça Henri Delaunay, no seu próprio Estádio de França, contra o «Petit Portugal», teve de dobrar a cerviz perante a coragem, a firmeza e a dignidade de um conjunto que, ainda por cima, se viu privado do seu capitão quase mal o jogo começara. Um assassínio a sangue-frio perpetrado por Payet, apesar de todo o branqueamento que lhe foi feitos nos dias que se seguiram.

Lutar contra o Destino
Órfão da sua figura número um, a selecção portuguesa redobrou a coragem e a vontade de lutar contra o Destino que lhe mandava perder todos os jogos decisivos contra a França. Vingança? Também se pode chamar-lhe assim. E um saldar de contas que trazia consigo três meias-finais perdidas em grandes competições.
Euro-84, Euro-2000 e Mundial-2006.
Esta vitória no próprio terreno do seu principal verdugo valeu pelas derrotas todas. Porque foi profundamente doloroso para os gauleses que ainda devem estar para saber como é que o céu lhes caiu em cima da cabeça, logo a eles que se julgam irredutíveis.
Aceite-se: houve momentos de descrédito. A qualidade do futebol da Selecção Nacional não justificava nem esperanças nem ambições. E reconheça-se: Fernando Santos manteve-se firme à sua ideologia - não é fácil vencer Portugal! Não foi. Tanto não foi que ninguém o venceu. Atirem-se agora para trás das costas as dúvidas e as incongruências. A construção e reconstrução de uma equipa titular que pareceu sempre um «work in progress», tantas as alterações, tantas as mudanças, de jogo para jogo, de posição para posição.
A verdade é que Portugal foi uma selecção de coragem e de alma. Impôs-se perante os seus obstáculos e levou a melhor sobre as suas deficiências. Conseguir entender que virtudes e defeitos tinha foi um acto de inteligência. Tirar proveito de umas e esconder as outras foi arte.
«Nem todos os que regressam a casa são vencedores, mas não há vencedor que não regresse a casa», escreveu uma vez Bertolt Brecht. Os vencedores regressaram a casa para festejar o seu triunfo. Cada um deles teve o seu lugar na importância inequívoca do momento especial que faz alegre o pais triste.
Depois de todas as palavras, de todas as frases, de todos os parágrafos, que ninguém diga que a vitória lusitana não foi justa. Pode não ter sido aquele brilho cintilante de outras equipas com os mesmos cinco escudos azuis ao peito da camisola, mas foi uma equipa invencível. Sobretudo na forma como sempre se dispôs a derrotar o Destino e a fazer com que a sorte escolhesse bater-se a leu lado, ao lado dos corajosos e audazes.
Nada de mais audaz do que entrada de Éder na final em Saint-Denis. Nada de mais criativo, de mais definitivo.
A Torre Eiffel manteve-se às escuras ao longo da madrugada de domingo. Faltou luz na Cidade-luz.
Um cometa vermelho e verde surgiu e rasgou o céu. Como um presságio. Ou como um mensagem de boa nova."

Afonso de Melo, in O Benfica

Roland, o fotógrafo que virou conferencista

"Em Agosto de 1977, o Benfica participava na 6.ª edição do Torneio Ciudad de Sevilla. Mas nem tudo correu como esperado.

'Logo pela manhã' no dia 22 e ainda antes de a equipa partir para Sevilha, os enviados especiais Roland Oliveira e Luís Fernandes (do jornal O Benfica), Carlos Jorge de Oliveira (do jornal Mundo Desportivo) e o sócio José Andrade seguiram de carro. A viagem foi 'agradável', feita em velocidade moderada e em ameno convívio', sendo o Benfica tema central de conversa. Chegaram às 17 horas locais e, depois de receber as credenciais, rumaram para o hotel onde ficaria alojada a comitiva benfiquista.
Às 21 horas estava marcada a conferência da imprensa. À hora agendada, as comitivas do Vasas de Budapeste, do Bétis de Sevilha e do Sevilha FC já se encontravam no local. Mas onde estava a equipa do Benfica? A fim de solucionar essa falta, o organizador da prova, Fernando Turqual, pediu a Roland Olivieira que ocupasse o lugar de representante do Benfica, para responder às questões que fossem colocadas.
Nesta situação, o fotógrafo não soube como recusar o convite e explicou que a equipa ter-se-ia possivelmente atrasado devido ao treino matinal. De seguida, os jornalistas perguntaram qual seria a formação do Benfica para o primeiro jogo, ao que Roland respondeu: 'O Benfica tem neste momento uma equipa muito jovem, que está a lançar-se de novo na alta-roda europeia e que tem um magnífico treinador o inglês Mortimore. No que diz respeito a adiantar uma possível formação do Benfica para o próximo jogo, pois o não posso fazer porque não sou o treinador do Benfica. Deverá ser Mortimore a indicar-vos quais os atletas que irão disputar a primeira partida'.
A equipa chegou ao hotel perto das 23 horas e, devido à viagem longa, já se encontravam recolhidos nos seus quartos quando a conferência de imprensa terminou. A participação do Benfica neste torneio não foi fulgurante, mas ficou para a história a simplicidade de Roland, sempre disposto a acompanhar e a apoiar o clube do seu coração.
Poderá conhecer o trabalho de Roland Oliveira na exposição com o seu nome, até 15 de Outubro na Rua do Jardim do Regedor, em Lisboa."

Débora Cardoso, in O Benfica

A subjectividade na arbitragem

"1. um axioma da autoria de Sócrates, filósofo grego da Grécia antiga, que por mais milénios que passem e a ciência progrida, nunca deixará de ser imperiosamente actual: «Quanto mais sei, mais sei que nada sei». Vem isto a propósito da intempestiva entrada de Payet sobre Cristiano Ronaldo no jogo da final do Euro. É natural que, depois de ter visto a falta em slow motion, tenha formado o meu juízo, muito diferente aliás daquele expendido aqui n'A Bola pelo especialista e ex-árbitro internacional Duarte Gomes, que absolveu Clattenburg. Esta divergência levou-me a procurar sufrágio em jornais desportivos de Itália, Espanha e França e em todos encontrei conforto para a minha tese. A panóplia de pareceres é vasta e a conclusão unívoca: a falta foi feia e merecedora de cartão amarelo. Uns falam em «pancada voluntária», outros em «entrada dura, intimidatória e maldosa, cujo impacto levou o joelho da perna de apoio a ceder», outros finalmente em «desprezo pela tutela física do jogador que, nestes casos, tem de ser prioritária».

2. O prazo para a apresentação de candidaturas à presidência da UEFA (gerida interinamente pelo grego Theodoridis) está prestes a encerrar e para já existem apenas dois candidatos: o holandês Van Praag, 68 anos, e o desconhecido e temido esloveno Ceferin, 48, que nas sondagens está muito à frente. O espanhol Angel Villar, eterno membro do comité de executivo e tutor da arbitragem, também seria hipótese se o holandês se afastasse da corrida. No meio do caos provocado pela ausência simultânea de Platini e Infantino, agora na FIFA, há dois problemas sérios a resolver: a mudança estrutural da Champions League a partir de 2018, reclamada pelos tubarões europeus; e a abolição do fair-play financeiro reivindicada pelos investidors estrangeiros, que não aceitam o espartilho desse e de outros vínculos à UEFA."

Manuel Martins de Sá, in A Bola

PS: Duarte Gomes voltou hoje à carga com uma 'extraordinária' crónica, onde defende que os erros não-deliberados dos árbitros, não colocam em causa a verdade desportiva!!! Pois são equivalentes, aos golos falhados ou às substituições mal feitas!!!!!
Esta gente não se enxerga mesmo...!!!
Os árbitros há muito, querem transmitir a ideia, que são agentes desportivos, iguais aos jogadores e aos treinadores, e portanto também podem errar...
O que eles se esquecem é que quando o Futebol nasceu, existia jogadores e treinadores, e só muito mais tarde é que inventaram a 'figura' do árbitro!!!! A função do árbitro é cumprir as Leis do jogo, e ser neutro no resultado, se os erros são deliberados ou não, isso é irrelevante para a discussão da verdade desportiva.

O malandro é Ronaldo

"Collina protege o estatuto do árbitro inglês Mark Clattenburg, salvaguardando a imagem de Payet e... agradou à Federação francesa.

Não sei se por influência de figura com o necessário relevo na UEFA ou se por livre iniciativa, em qualquer dos casos, porém, um mês depois do facto consumado, o senhor Pierluigi Collina, chefe da arbitragem europeia, veio a público emitir opinião sobre o lance que envolveu o francês Dimitri Payet e o português na final do Euro-2016 e que, antes do décimo minuto, arrumou o nosso capitão.
Entende Collina, apoiado na sua sólida experiência, que, na verdade, existiu uma situação de joelho contra joelho, em consequência de entrada faltosa de Payet, mas sem querer magoar Ronaldo, como afirmou em entrevista ao jornal italiano Gazzeta dello Sport. Prova de que ao resolver referir-se ao assunto já fora de horas constitui sinal inequívoco de que o mesmo não ficou devidamente esclarecido.
A única certeza é a de Ronaldo ter sido excluído do jogo em que ele mais desejaria participar devido a intervenção rude de um opositor, o qual nem sequer admoestado foi, embora neste pormenor, como mandam as regras da diplomacia, Collina tenha driblado a questão e suscitado dúvidas sobre a pertinência de eventual cartão amarelo. Tratou-se de um episódio infeliz, assim o classificou. Não precisava, no entanto, de engendrar observação tão vazia. No essencial, apenas confirmou o que viram os muitos milhões de espectadores que seguiram o jogo pela televisão em todo o mundo.
Não havendo a intenção de colocar o rótulo de indesejável ao futebolista francês tudo isto parece folclore de verão, para entreter. O problema central é outro e desse Collina passou ao lado: tem a ver com a estratégia adoptada pelo seleccionador gaulês, ou o caminho mais seguro para atingir o objectivo pretendido.
Será um caso absolutamente normal em futebol, mas em nada alivia a estranheza pela coincidência de tudo ter ocorrido no dealbar do encontro, ainda na fase de estudo, de aquecimento de motores. O actor principal foi Payet, como poderia ter sido outro qualquer, derivado da lesão no joelho esquerdo de Ronaldo ter sido, seguramente, tema abordado nas conversas preparatórias que Deschamps e colaboradores tiveram com os seus jogadores. De certeza que não houve instruções no sentido de acontecer o que aconteceu, mas acredito que foi aflorada e promovida a sugestão de uma primeira/segunda entrada para lhe provocar dor e inibir o seu rendimento, já o escrevi, e sublinho.
Creio, por isso, que, levado pela mesma suspeita, Collina protegeu o estatuto do árbitro inglês Mark Clattenburg, salvaguardou a imagem de Payet e... agradou à Federação francesa. A saúde da sua carreira de dirigente na UEFA recomenda ser simpático com o lado mais forte. É tudo boa gente, mas quem se tramou foi Cristano Ronaldo, o único malandro...

O futebol detém esta imprevisibilidade incomparável: num dia está-se lá em baixo, no outro quase se chega ao céu. Foi este o trajecto de Éderzito, o seu nome, na Selecção: de peça a encaixar mal no mosaico de convocados a autor do golo que deu a Portugal o título de campeão da Europa.
Santiago Segurola chamou-lhe o «herói imprevisto», eu considero que se tratou de um lance que não se adivinha, simplesmente sucede: decide títulos e arruína ou glorifica a carreira de um jogador - a luta com Koscielny, a destreza como se libertou dele e o remate de pé direito, ainda fora da área, ao jeito talvez de Berkamp, em que a bola de aparência lenta transportava magia e traição na sua trajectória.
10 de Julho será sempre dia feriado para Éder. Deu-lhe a notoriedade que ainda não conquistara, amplificou-lhe a carreira. Ele, com uma simplicidade genuína, que lhe vem da alma, contou aos portugueses a sua história de vida, feita de sofrimento, dor, esperança e sucesso.
Aquele golo vai mudar, naturalmente, o seu percurso futebolístico. Vem nos livros, mas no resto, quanto ao que ficou para trás, jamais me apercebi de tratamento menos sério que de alguma maneira dê justificação ao despropositado desabafo de um director federativo quando, depois de reacção negativa por parte do público no particular com a Bélgica, pediu mais respeito, como se o conflito entre o assobio e o aplauso fosse entrave que futebolista que se preze não seja capaz de ultrapassar.
Éder foi capaz, e no futuro, como no passado, só tem de aceitar a crítica como ela se apresenta, ora bonita, ora feia. Porque, sejamos claros, igual legitimidade deve ser atribuída tanto aos jornalistas que alvitraram a opção por André Silva, como ao seleccionador que decidiu só utilizar Éder em treze minutos antes do jogo do golo que o elevou a herói nacional. É o futebol, como deve ser visto, no seu melhor."

Fernando Guerra, in A Bola

Júbilo e comendas

"Concordo que os sucessos desportivas de relevância internacional devem ser reconhecidos pelo Poder. As condecorações têm tal propósito. Um dos primeiros desportistas portugueses a ser condecorado terá sido o meu tio Olivério Serpa, capitão da Selecção de hóquei que pela primeira vez venceu um Mundial e Europeu, em 1947,  repetindo nos dois anos seguintes, e que foi internacional também em hóquei em campo e remo. Ao deixar a prática recebeu o Grau de Cavaleiro de Ordem de Cristo. A criação da Medalha de Mérito Desportivo destinada a reconhecer superiores feitos desportivos, que até então não tinham condecorações específica, terá sido inspirada por meu pai, Sidónio, da mesma equipa e que venceu quatro Mundiais e Europeus, ao ser-lhe atribuída no momento em que deixou de jogar, em 1951, reconhecendo o seu contributo. Posteriormente criaram-se diferentes graus desta condecoração e ambos receberam, a título póstumo, tal como a restante equipa, um nível mais elevado por ocasião do cinquentenário do Mundial de 1947.
O senhor Presidente da República decidiu atribuir à Selecção de futebol a Comenda da Ordem de Mérito, por ter sido campeã europeia. Logo o atletismo, legitimamente, reclamou igual tratamento. Outros vieram e virão. As condecorações valem pela sua excepcionalidade que premeia feitos de superior relevância para o País. Por haver distintos graus de impacto e significado, parece lógico haver também diferentes níveis de simbólico reconhecimento por parte da Nação, representada no Governo e Presidência, Critérios reguladores de atribuição do Mérito Desportivo e das Ordens, associados aos seus propósitos, porventura escalonariam a premiação e evitariam eventual inflação redutora do simbolismo.
Como afirma o Senhor Presidente, devemos viver o júbilo do sucesso. Não se deve é decidir sob a emoção do júbilo ou do desgosto. Arriscamos o Panteão esgotado com campeões e as comendas à venda na Feira da Ladra. E os políticos não devem agir como adeptos, ou com demagogia."

Sidónio Serpa, in A Bola

Benfiquismo (CLXVI)

Já que estamos numa de apertos de mão... com os Spurs !!!