terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Eterno

"Num tempo em que cada vez mais precisamos de referências, de valores, de exemplos que nos inspirem a não desistir, a memória de Eusébio da Silva Ferreira, no dia em que se cumprem dois anos sobre o seu desaparecimento, é uma recordação obrigatória.
A lenda de Eusébio construiu-se em função do seu talento único, da sua determinação e do seu permanente inconformismo. Mas temos igualmente de recordar Eusébio pela sua humildade, pela sua simplicidade e pela sua capacidade de entrega.
Memórias de quem viveu a vida de forma intensa, de quem se dedicou a desafiar os limites, de quem conseguiu que Portugal fosse muito maior que as suas fronteiras.
No tempo de Eusébio, Portugal era o mundo inteiro nas suas chuteiras, nos seus golos, nas lágrimas que deixou em Inglaterra. Eusébio da Silva Ferreira foi muito mais do que um futebolista, deixou-nos uma marca que o tempo não vai conseguir apagar.
Eusébio era dos bons, dos puros, daqueles que ignoravam as provocações, por mais torpes que fossem. Sigamos o seu exemplo, ignoremos as provocações, porque só assim estaremos a honrar o seu legado.
Que o seu exemplo continue a inspirar os jovens portugueses. Que o seu inconformismo, a sua inquietação e a sua permanente vontade de superação nos façam esquecer o que é acessório, o que é ruído.
Dois anos de saudade e enorme gratidão."


Às voltas com a palavra «derby»

"Para citar Garcia Lorca, o grande poeta andaluz, os Benficas-Sporting têm duende. Têm enredo e paisagem como os romances. Têm vidas inteiras dentro deles. Vinganças, amores e ódios.

«Derby é derby», diz-se à boca cheia. A semana passada trouxe aqui à memória colectiva um dos «derbies» mais excitantes da chamada pré-história do futebol português. Às vezes temos de ir às raízes do passado para perceber a realidade do presente e para onde nos conduz o futuro.
Nisto de crónicas, como aquelas que aqui vos costumo deixar, não há que ter medo do tempo. Andemos pois em redor da palavra «derby», às voltas como o cão que persegue a própria cauda.
Por exemplo: Benfica-Sporting, para mim, é um romance.
O romance dos Benficas-Sportings.
Têm enredo e paisagem. Tem vidas inteiras dentro dele. Tem vinganças, amores e ódios. Tem sentimentos que ninguém consegue e explicar racionalmente porque é exactamente um «derby». Tem magia. «Tem duende», como dizia Garcia Lorca.
Frederico Garcia Lorca nasceu na Andaluzia, em Fuente Vaqueros. Um dia escreveu a «Teoria e Prática do Duende». Dizia: «Assim pois o duende é um poder e não um obrar, é um lutar e não um pensar. Eu ouvi um velho violinista dizer: 'o duende não está na garganta; o duende sobre por dentro a partir da planta dos pés'. Ou seja, não é uma questão de faculdade, mas de verdadeiro estilo vivo; ou seja, de sangue; ou seja, de velhíssima cultura, de criação em acto».
Formidável não é?
Pois os Benficas-Sporting estão cheios de duende.
E tem personagens: algumas enormes, elaboradas como se saíssem das páginas de Dostoiescki, outras apenas secundárias. E figurantes, também.
Quase tudo se foi passando em Lisboa. Muito pouco fora de Lisboa.
Mas também houve Benficas-Sportings longe de Lisboa. Mesmo muito longe de Lisboa: em Angola e Moçambique, nesse tempo pérolas de um Império que ia, uno e indivisível, do Minho a Timor. Em em Paris e nos Estados Unidos da América.
Os Benficas-Sporting também marcavam as paisagens.

Vamos lá finalmente ao «derby»
E agora vou falar da palavra derby.
Diz o «Oxford Advanced Learner's Dictionary»: «A sports competition between teams from the same area or town: a local derby between the two North London sides # a derby match».
Demasiado seco para palavra futebolistamente tão suculenta.
Nada, então, como viajar um pouco.
«Football And The English - A Social History of Association Football in England, 1863-1995», Dave Russel, Carnegie Publishing 1997.
«Soccer at War - 1939-45, The Complete Record of British Football and Footballers During the Second World War», Jack Rollin, Headline Book Publishing 2005.
«The F.A. Vup - The Complete Story», Guy Lloyd e Nick Holt, Aurum Press 2005.
«Famous Football Programmes», John Lister, Tempus Publihing 2003.
Em todos estes livros se encontram referências à palavra derby.
Derby: pronuncia-se dar-bi em inglês das ilhas. A origem do termo vem da cidade de Derby, terra do velho Derby County.
Há um bom número de teorias sobre a forma como se passou a aplicar ao futebol.
Uma das mais consistentes liga-o ao Royal Shrovetide Football, uma disputa anual entre os habitantes de Ashbourne, Derbyshire. Uma teoria paralela, admite a mesma génese mas aplicada ao Shrovetide de Derby. Ao que parece, este jogo era algo de selvagem e caótico, envolvia todos os naturais de Derby e resultava geralmente numa lista bastante razoável de mortos e feridos.
Como se jogava? Aí a coisa complica-se. Sabe-se que havia cerca de 1000 jogadores em campo e o campo era toda a cidade, com balizas a norte e a sul, em Nuns Mill e Gallows Balk. Balizas aqui tem um significado bastante lato, naturalmente.
Em 1829, um observador francês, francamente horrorizado com tal exibição de brutalidade colectiva, escreveu: «Se isto é o que os ingleses definem como um jogo, então não faço ideia do que seja para eles uma luta».
Outra teoria ainda defende que o termo advém das corridas de cavalos fundadas em 1870 pelo 12.º Earl de Derby e chamadas, precisamente, de The Derby.
Certo é que derby tem em si enraizada a força de uma rivalidade profunda, entre gente que é próxima e exige desforras e se recusa a esquecer as desfeitas.
Gente que se deixa levar pela raiva de um fel de irmãos.
Há muita história e muitas histórias em redor dos Benficas-Sporting.
Um jogo que ultrapassa a própria grandeza de um nome."

Afonso de Melo, in O Benfica

Futuro risonho?

"Depois do clássico de Alvalade, o campeonato está relançado e é de novo uma corrida a três. Na Luz há, por isso, razões para optimismo.
No rescaldo do jogo de Guimarães, Rui Vitória afirmou, a este propósito, e após (mais) uma vitória sofrida, que lhe parecia que "o futuro ia ser risonho". Percebe-se os motivos: os rivais têm perdido pontos, vão perder mais e o BenfIca terá reforços importantes para a segunda metade do campeonato. E não falo da chegada ainda incerta de Cervi ou da promessa Grimaldo. Os regressos de Gaitán, Nélson Semedo, de Luisão e, espera-se, de Salvio, ajudarão a mudar o BenfIca. Quatro jogadores que podem trazer o suplemento de qualidade que tantas vezes tem faltado.
Com Gaitán, o Benfica tem ganhos de criatividade no jogo atacante; com Nélson Semedo recupera profundidade nos corredores (uma das principais lacunas desta época tem sido a forma como os laterais se encontram sistematicamente em posições muito recuadas); enquanto Luisão é uma voz de comando, que organiza a equipa. Claro está que Salvio em forma trará uma explosão no um para um que ajudaria ao regresso do carrossel atacante do passado.
Mas engana-se quem pensa que o problema do Benfica é, apenas, de diminuição de qualidade individual por força da onda de lesões ou de excesso de juventude. É certo que um ataque com Gaitán, Jonas e Salvio, apoiados por Renato Sanches, fará diferença. Não será, no entanto. suficiente. Um futuro verdadeiramente risonho depende da capacidade de, à qualidade individual, juntar-se uma dinâmica coletiva e um critério no jogo atacante que. até ver, têm estado ausentes."

Vitória pela calada

"A verdadeira dedicação clubista regada a brandy e premiada com prata, ametistas e topázios.

«Beba brandy Ramos Pinto e vote no seu clube preferido». Com este slogan Ramos Pinto & Cª, Lda lançou, em Novembro de 1956, o passatempo radiofónico 'Entra em Campo'.
Organizado em colaboração com a Produções Lança Moreira, o passatempo tinha o intuito de premiar o clube português mais votado pelos consumidores de brandy Ramos Pinto. Como prémio, a empresa vinícola instituiu uma taça monumental com o seu nome.
O período de votação foi longo, cerca de um ano. Durante esse tempo, os 'Secretaristas' - como era designada a comissão composta por 21 sócios, formada a 1 de Dezembro de 1956 - ficaram encarregues da recolha dos votos. 'Foi um nunca mais parar' para garantir a angariação do maior número de votações possíveis para o Benfica. 'Estabeleceram-se ligações com a Província, as Ilhas Adjacentes e o Ultramar Português' e mobilizaram-se adeptos e massa associativa. Mas, 'tudo era feito sem alardes, calmamente'. Passou um ano... aproximava-se o último dia para a entrega de votos, 31 de Dezembro de 1957. A expectativa aumentava... 'Na votação conhecida, o FC Porto ia à frente'.
No dia de encerramento das votações, cinco dos 'Secretaristas', 'calmamente, sabendo que a votação se encerrava às 16h, mas que o portão fechava às 15h30, apresentaram-se - justamente às 15h15 - na sede da fábrica Ramos Pinto'. Consigo, levavam a módica quantia de 217 mil votos. Os 'homens da Ramos Pinto ficaram atónitos!', 'boquiabertos (...) perante tão maciça votação'. Juntamente com os que foram sendo enviados ao longo do ano e os 27 mil remetidos no dia anterior por correio, perfaziam um total de 373 000, mais 57 330 que o FC Porto, até à véspera apontado como potencial vencedor. Os 'Secretaristas' garantiam, assim, para o Benfica, a conquista da Taça Ramos-Pinto, descrita com um 'verdadeiro monumento de prata e pedras preciosas, trabalhado pelo cinzel precioso dos artistas nortenhos'. Com um peso superior a 16 quilos e mais de 1,30 metros de altura, foi considerada e mais valioso troféu até então 'instituído em torneios de popularidade e votação' e pode ser vista, actualmente, no Museu Benfica - Cosme Damião, na área 26. Benfica Universal."

Mafalda Esturrenho, in O Benfica