"Ambiciono que no final do jogo desta noite, no fim do grande clássico, seja o basco Julen Lopetegui a perder, mais uma vez, a cabeça.
1. O Estádio do Dragão recebe, ao final da tarde deste domingo, mais um Futebol Clube do Porto-Benfica. Estádio cheio, repleto de amantes do futebol. Tal como ontem, na mesma cidade do Porto, e no seu lindo Parque da Cidade milhares escutaram, com a emoção habitual, Tony Carreira. Já vibrei, assumo-o, em alguns espectáculos deste extraordinário homem da música portuguesa. Que juntam muitas e muitos. Mas também já vibrei algumas vezes, e ao vivo, nas Antas. Seja no velho Estádio seja neste novo Estádio baptizado como o do Dragão. Já fui provocado e já fui ignorado. Senti, no terreno, a força da rivalidade e, poucas vezes, pressenti a tentação do fanatismo. No meio desta semana, por razões profissionais, desloquei-me ao Porto. E como em outras ocasiões, encontrei benfiquistas ambiciosos e portistas convictos. Estacionei bem perto do Estádio e um dos taxistas que me conduziu - com competência e sem esquecer a sua fidelidade azul ao clube do seu coração - não deixou de me perguntar, com todo o respeito, se regressava hoje a uma cidade que sente, como Lisboa, uma interessante e atractiva corrente humana de turistas de todo o Mundo e, em particular, da Europa. E no final de uma reunião não deixei de sorrir quando um dos intervenientes, no meio de um sorriso bem maroto, me comunicava que ia na sexta feira para as vindimas - e como são bonitas as vindimas no Douro, e também, no Dão! - mas não deixava de regressar ao Porto para ver o «seu Porto vindimar o meu Benfica»! Respondi apenas que ficasse «bem até às sete horas de domingo»! Acredito que aquela euforia, que se pressente no ar resulta da recordação de uma frase de Sofocleto nos seus Silogismos: «Às vezes é preciso embriagar-se para não perder a cabeça.» Pela minha parte, ambiciono que, no final do jogo, seja o basco Julen Lopetegui a perder, uma vez mais, a cabeça. Mesmo olhando para sua cada vez maior armada espanhola. Mas isso significaria que o Benfica ganhava pontos outra vez no bonito e arejado Estádio do Dragão. É o meu desejo. Bem profundo. E um sinal da legítima ambição de Rui Vitória.
2. Mas este clássico é, este ano, um clássico mais global. Nas duas balizas estão dois monstros: Júlio César e Iker Casillas. Numa das alas vão reencontrar-se dois amigos que serão, durante os noventa minutos, adversários que se vão respeitar: Maxi Pereira e Gaitán. Durante o jogo pode acontecer que um dos três mexicanos do Porto - Herrera, Corona e Layún - revejam, no relvado, o seu compatriota e colega de selecção Raúl Jiménez. Maicon reencontrará os seus compatriotas brasileiros Luisão, Jardel, Jonas ou, até, Talisca. E teremos, no Dragão, com muita probabilidade, jovens portugueses - o que importa saudar - como Rúben Neves e Danilo Pereira de um lado e Nélson Semedo ou Gonçalo Guedes do outro. Sem esquecer André André e Eliseu. E a globalização atinge o continente africano com Brahimi e Aboubakar e alguns países do oriente próximo da Europa, como a Grécia ou a Sérvia: com Samaris e Mitroglou, porventura, a quererem saber, no final do encontro, os resultados das eleições legislativas antecipadas no seu país; e Fejsa preocupado, com toda a razão, com a crise dos refugiados que atinge, em cheio, a sua terra natal. Este clássico é mesmo global. Os intérpretes principais chamam a atenção de milhões de adeptos do futebol em diferentes continentes e, em pelo menos, dezasseis países. É que Benfica e Futebol Clube do Porto juntam, nos seus plantéis, jogadores oriundos de três continentes. Nestes instantes em que alguns querem restabelecer as fronteiras o jogo de hoje será, mesmo, um clássico... sem fronteiras.
3. Arrancou, em Inglaterra, o Mundial de râguebi. Com as novas tecnologias a serem utilizadas em caso de séria dúvida. É o nono Mundial. Já foram vendidos mais de 2,3 milhões de bilhetes. E no Mundial de 2007 a assistência global atingiu os 4,2 mil milhões. Mundial, o único Mundial, em que Portugal marcou presença. Importa recordar que os Mundiais de râguebi arrancaram, apenas, em 1987 com dezasseis selecções. A partir da quarta edição, no País de Gales, o número aumentou para vinte. Mas foi o Mundial de 1995 que globalizou a modalidade. O Mundial da África do Sul. O Mundial em que, graças à sagacidade de Nelson Mandela, o râguebi uniu a África do Sul. E atingiu o coração dos negros marcados pelo apartheid! O dia da final foi, como escreveu John Carlin e vimos no cinema, um dia em que houve, ao mesmo tempo, perdão, libertação e celebração. Senti-o quando visitei, há alguns anos, a ilha de Robben e a minúscula cela em que Mandela esteve preso durante dezoito anos! Percebi bem que o desporto pode ser um momento de encontro.
4. Não sei, no momento em que escrevo, se já está resolvida a situação entre Carrillo e o Sporting. O que sei é que esta situação me fez recordar, com muita saudade, um Amigo - e também ex-aluno - que partiu demasiado cedo: o Albino Mendes Baptista. Um dia, comunicou-me, com aquela simplicidade que o caracterizava, que ia publicar um artigo acerca do dever de ocupação efectiva e da sua relação com o trabalhador desportivo. Recordo que lhe disse para olhar para a douta opinião do Professor Monteiro Fernandes. E não esqueço de me ter dito - e depois escrito - que, para ele, «a ocupação efetiva não significa qualquer direito a ser titular». O meu colega José Luís Seixas elaborou, em 2004, um interessante trabalho acerca deste tema que vale a pena ler. Sabendo nós, a partir de Edmund Burke, que «não há conhecimento que não tenha valor»!"
Fernando Seara, in A Bola