terça-feira, 30 de junho de 2015

Não se pode confiar no coração

"É antigo o fascínio dos adversários do Benfica pelos treinadores que passaram pela Luz. Fernando Riera foi um deles. Feliz no Belenenses, foi por duas vezes técnico dos 'encarnados' com sucesso. O sucesso que não teve depois nas Antas e em Alvalade.

Não há quem o negue: Fernando Riera era um «gentleman». Homem educadíssimo e de fino trato.
Fernando Riera Bauzá: nascido em Santiago do Chile no dia 27 de Junho de 1920. Estaria agora à beira de cumprir 95 anos. A morte levou-o pelo caminho em Setembro de 2010.
Filho de espanhóis, de Maiorca, avançado nos seus tempos de jogador, no Unión Española e no Universidad Católica, tornou-se no primeiro chileno a assinar por uma equipa europeia, o grande Stade de Reims dos anos 50, onde actuou duas épocas antes de se transferir para o FC Rouen. Jogava na esquerda, mas não era canhoto. Como Chalana, por exemplo.
«Usava o 11  nas costas», contou numa entrevista, «mas fui sempre dentro. Alguns supunham-se esquerdino, mas o meu movimento preferido era puxar a bola para dentro e rematar com o pé direito. Fiz muitos golos assim!».

Fernando Riera jogou pelo Chile no Campeonato do Mundo de 1950, no Brasil, mas seria o Mundial de 1962 a marcá-lo para a vida. Aí já era treinador. E dos bons!
Ao pôr um ponto final na carreira de jogador, em 1954, no FC Rouen, dedicou-se à tarefa de treinar os Juniores do clube francês. Por pouco tempo. Portugal e Lisboa chamaram-no. Torna as rédeas do Belenenses e distingue-se. Perde o campeonato para o Benfica a três minutos do fim da última jornada, no célebre empate com o Sporting (2-2) dos golos de Martins. É com ele que os 'azuis' do Restelo disputam a Taça Latina, no Parque dos Príncipes, frente ao Real Madrid, AC Mlan e Stade de Reims - o campeão Benfica abdicara de participar, atraído por uma extraordinária digressão ao Brasil.

Regressa a casa, a Santiago do Chile, para se tornar «o homem que revolucionou o futebol chileno». Como seleccionador levou o Chile ao terceiro lugar do Campeonato do Mundo de 1962 graças a um Futebol vistoso e ofensivo, baseado numa defesa de quatro em linha e com dois avançados fixos. O Benfica estava atento...
Substituindo Guttmann / substituído por Guttmann
Cabia-lhe agora o árduo compromisso de substituir Béla Guttmann. Tarefa impossível!
O Benfica domina o campeonato nacional a seu bel-prazer e continua enorme na Europa. Mas Riera fica marcado por duas derrotas fundamentais.
A primeira no Estádio da Luz, frente ao Santos, para a Taça Intercontinental, quando resolve deixar Pelé à solta sem marcação específica. Espalhou-se a lenda de que Fernando Riera considerava um crime lesa-Futebol marcar Pelé. Já no Chile, o seu estilo «limpo», de jogo sem faltas, se tornara inacreditável para um público habituado à raça sul-americana.
Depois, apesar de amplamente favorito, o Benfica perde a final da Taça dos Campeões Europeus contra o AC Milan, em Wembley. Golpe duro. Duríssimo! Por pouco, por muito pouco, não é tri-campeão da Europa.
Nesse tempo, a Taça dos Campeões era um ponto de ordem para os dirigentes do Benfica. Fernando Riera está condenado à saída. Vai para o Universidad Católica e, em seguida para o Nacional de Montevidéu.
Em 1966 está de regresso ao Benfica e de novo para substituir Béla Guttmann. A história pode repetir-se, mas a nossa vida não.
Volta a ganhar o campeonato mas, na época seguinte, vê-se sujeito a um processo disciplinar e no despedimento. Declara publicamente que há pagamentos de prémios em atraso no Benfica. A Direcção do Clube, presidida por Adolfo Vieira de Brito não lhe perdoa. Solidários, Eusébio, Torres, Simões, Cavém, Costa Pereira e mais alguns jogadores vão despedir-se dele ao aeroporto.
Não esquecem a sua personalidade gentil e afável.
Em 1972, vindo do Boca Juniors, aterra no Porto.
Não é de hoje essa atracção irresistível dos adversários do Benfica pelos treinadores 'encarnados'. Mas falamos de homens e não de mágicos ou de seres divinos.
O afastamento do Barcelona na 1.ª eliminatória da Taça UEFA (3-1 e 1-0) foi o ponto brilhante da época portista. E único. Eliminado pelo Sp. Farense da Taça de Portugal e pelo Dínamo de Dresden da prova europeia, o FC Porto não vai além do quarto lugar no campeonato, atrás de Benfica, Belenenses e Vitória de Setúbal.
Riera sai. Entre Béla Guttmann para o seu lugar.
Irónico destino! Não fará melhor. Novamente um quarto lugar na época seguinte.
Depois de ter sido feliz no Belenenses e no Benfica, o cavalheiro Riera volta a Lisboa em 1974, ano da Revolução. O Sporting acabara de se sagrar campeão nacional com Mário Lino e substituira-o por Di Stéfano que não chegou a começar o campeonato. Osvaldo Silva orienta a equipa até à 13.ª jornada e Riera entra mesmo a tempo de se sentar no banco no Estádio da Luz. Empata 1-1 (golos de Móia e Yazalde) e volta a empatar em Alvalade, na segunda volta, pelo mesmo resultado (golos de Fraguito e Diamantino). De pouco serve. O Benfica é campeão, com cinco pontos de avanço sobre o FC Porto e seis sobre o Sporting. Nem a Taça de Portugal se salva (0-1 na meia-final frente ao Boavista).
Fernando Riera não voltará a Portugal nem à Europa. A sua carreira continuará no Monterrey, no Palestino, no Universidad do Chile.
Fica a imagem de um senhor tranquilo, incapaz de um gesto pouco digno.
O coração traiu-o em Anunciación, não longe do local onde nasceu.
Não se pode confiar no coração."

Afonso de Melo, in O Benfica

O Santo António, o São João e o São Pedro em Benfica

"Há pouco tempo inaugurada, a nova sede do Benfica foi também palco de animadas festas dos Santos Populares.

Estávamos em Junho de 1917, mês dos Santos Populares e, apesar das dificuldades provocadas pela I Guerra Mundial, organizavam-se um pouco por toda a Lisboa várias festas e arraiais. Em Benfica não foi excepção. Uma comissão de Sócios do Benfica decidiu organizar um programa de festas dos Santos Populares que incluía várias iniciativas desportivas e recreativas. Iniciou-se, desta forma, um período de grande animação que levou muitas pessoas aos terrenos da nova sede na Avenida Gomes Pereira,, inaugurada há poucos meses, que oferecia excelentes condições para um mês em grande festa.
Houve animação em todos os fins de semanas de Junho e foram muitas as pessoas que se deslocaram nestes dias para passar uma belas horas de agradáveis divertimentos. Foi no recinto de patinagem, à época o maior do País, que decorreram os tradicionais arraiais dos Santos Populares, sempre abrilhantados por uma banda de música. A ladear todo o rinque foram colocadas barracas de quermesse e venda, onde gentis senhoras e meninas vendiam rifas, manjericos, cravos, doces e os tradicionais amendoins e pevides.
Sendo um clube que já mostrava grande ecletismo, não poderiam faltar as iniciativas desportivas. Organizaram-se desafios de Futebol e de Hóquei em Patins, uma modalidade que estava a dar os seus primeiros passos, conquistando cada vez mais adeptos. Realizaram-se, também, sessões de patinagem e de tiro à bala e um torneio de ténis.
Na véspera de S. João organizou-se uma animado baile de gala no magnífico salão de festas, que se prolongou até manhã, tal foi o entusiasmo.
Coroadas de êxito e bastante elogiadas na imprensa da época, as festas encerraram no dia de S. Pedro no mesmo ambiente de entusiasmo que começaram, com um leilão de quermesse, um concerto musical e com a representação da comédia A Voz do Sangue pelo grupo dramático do Clube no salão-teatro.
Poderá conhecer um pouco mais sobre esta sede e outros espaços do Clube na área 17. Chão Sagrado do Museu Benfica - Cosme Damião."

Ana Filipa Simões, in O Benfica

A autonomia de Vitória

"Já ficou claro que esta época marcará uma ruptura face ao Benfica dos anos anteriores. Há um par de dimensões em que os sinais de mudança são, aliás, visíveis: na forma como treinador se vai integrar na organização e no aproveitamento da formação feita no Seixal. Mas se é preciso que alguma coisa mude para que se mantenha a dinâmica vencedora, é fundamental que se preserve parte importante do legado.
Desde logo manter uma ideia de jogo assertiva. Se olharmos retrospectivamente, a marca deixada por Jesus é a nota artística, mas a diferença mais duradoura é inequivocamente uma alteração na atitude com que o Glorioso passou a enfrentar os jogos. Com consequências: hoje, quem joga com o Benfica joga para não perder. Na Luz, mas, também nos jogos fora. Para que o Benfica continue a ser uma equipa temida, é preciso preservar uma ideia de jogo ofensiva.
Tão importante como ter um modelo coerente com a natureza ganhadora do Benfica, é Rui Vitória, à imagem do que aconteceu com Jesus, preservar uma autonomia total para impor o seu sistema. A questão não é de somenos. Depois de Jesus ter concentrado muito poder e de ter tido uma margem de manobra significativa para decidir (quase) tudo (o que teve, aliás, também custos - vide o não-aproveitamento do Bernardo), é tentador para o novo treinador procurar auscultar as várias sensibilidade da estrutura antes de decidir. Seria um erro tremendo. Se, por força das circunstâncias, as decisões de Rui Vitória passarem a ser uma espécie de federação de opiniões, o Benfica está condenado a falhar.
Quando se fala da necessidade de Rui Vitória ter as mesmas condições de Jesus, é bom que se tenha presente que não basta ter jogadores com igual qualidade. Tem também de lhe dar garantida a autonomia e a capacidade de decidir a seu bel-prazer de que Jesus gozou."

Se avançar, andamos para trás

"Golpe de teatro: o FC Porto - que há 10 dias, na AG da Liga, tinha sugerido a nomeação de árbitros, embora com algumas condições - mudou de ideias e propôs ontem o sorteio puro, no momento em que a discussão entrou na especialidade. O que mereceu a aprovação da maioria dos clubes não deixa de ser surpreendente. É mais ou menos consensual que a arbitragem nacional é francamente melhor hoje do que era há 15 anos. E o que poderá vir a acontecer, se esta proposta for ratificada na AG da FPF (que irá decorrer já em Julho), será o regresso ao sistema que existiu entre 1998 e 2003. Um sistema, já agora, que não existe em nenhuma grande campeonato europeu.
O próprio Sporting, que tinha começado por propor o sorteio condicionado, acabou por ser ultrapassado pelo FC Porto, que defendeu o sorteio, sim, mas em estado puro. De qualquer forma, e no essencial, há legitimidade para se falar numa aliança entre dragões e leões - porque a vontade de ambos, percebe-se agora, era provocar a mudança. E esse cenário é que passa a estar em cima da mesa. Se avançar, andamos para trás. O mais bizarro de tudo isto é que, com sorteio puro, até pode dar-se o caso, imagine-se, de voltarmos a ser Bruno Paixão apitar o FC Porto e Manuel Mota dirigir jogos do Sporting.
O seleccionador Rui Jorge e todos os jogadores da Selecção Nacional de sub-21 vivem hoje aquele que pode ser o primeiro dia do resto das suas vidas. Vencer um Europeu marca qualquer carreira e esta noite, na Rep. Checa, é isso que está em aberto: a possibilidade de um daqueles feitos que resistem ao passar dos anos, como sucedeu em 89 e 91, com a conquista dos Mundiais de Riade e Lisboa. Que Praga também faça parte, a partir de amanhã, da história do futebol português. Boa sorte!"

Contrastes

"1. Lá por ser o país onde no séc. XVIII teve início a criminalidade organizada - primeiro na Sicília (cosa nostra), depois na Campânia (camorra) e por fim na Calábria (ndrangheta) - que em seguida floresceu por todos os recantos do Mundo, isso não significa que a Itália seja mais criminosa do que muitos outros territórios do globo. Também a Inglaterra é a pátria do futebol e não é lá que a modalidade tem mais meritória expressão. Sirvo-me destes exemplos para concluir que, apesar dos escândalos que todas as semanas abalam enxovalham o 'calcio', não creio que as Séries A e B sejam mais corruptas do que muitas outras Ligas europeias. E já nem falo nas sul-americanas. O que acontece é que no bel paese todas as tramóias são passadas a pente fino e escarrapachadas a toda a hora na comunicação social que, até por conta própria, faz a sua investigação. A última no tempo diz mais uma vez respeito a resultados combinados e comprados (mas também há casos de salários em atraso) e incrimina quase toda a Série B (filão de Catânia) e parte da Liga Pro (filão de Messina), cujos epicentros, como se vê, estão e duas cidades sicilianas.

2. As inquirições (há escutas sobre tudo ou quase) só agora começaram, mas já há clubes despromovidos e dirigentes e jogadores suspensos e presos. Até o Carpi, recém-promovido à Série A, corre o risco de ir parar à Liga Pro (mesmo assim dois escalões acima do vizinho Parma, que perdeu o título desportivo e foi arremessado para os regionais). Entretanto, com a venda no todo ou em parte de vários clubes (Roma, Inter, Milan...), as coisas estão a dar sinais de mudança para melhor. Entre nós, vive-se na santa paz do Senhor e na mais completa e irresponsável indiferença, mesmo quando o presidente do Gil Vicente denuncia urbi et orbi que há duas equipas da I Liga com dívidas de milhões à Segurança Social. E, que se saiba, nem a Federação nem a Liga se dão sequer ao trabalho de esclarecer ou desmentir tão grave acusação. São coisas que lhes passam ao lado. O poleiro é para ser usufruído e não para dar chatices."

Manuel Martins de Sá, in A Bola