quinta-feira, 30 de abril de 2015

O abraço de Quaresma a Jesus (ou como em Portugal as homenagens são sempre contra alguém)

"O treinador do Porto foi empurrado para o túnel por gente tranquila do staff portista, gente que devia estar com uma vontade danada de lhe chamar Lopotegui ou Lotopegui ou pior ainda.

«Que coisa é um nome?»
William Shakespeare, 'Romeu e Julieta', Acto II, Cena 2

DIZ a sabedoria popular que as homenagens em Portugal são sempre contra alguém.
E são. Como ainda se viu no domingo passado.
Ou como explicar a correria de Ricardo Quaresma para os braços de Jorge Jesus depois de tudo o que se passou?
O jogo chegara ao fim com um resultado não pior do que apenas pouco satisfatório para as contas do Porto. Nada está ganho, nada está perdido.
Mas chegou o jogo ao fim com o treinador do Porto, don Julen Lopetegui Argote, de seu nome completo, observado de cabeça perdida à entrada do túnel, todo ele a crescer em bravatas para o treinador do Benfica.
Mas que ego tem o basco! Não troca o reino por um cavalo, como Ricardo III, mas já que o hipotecou quer, efusivamente, o seu nome bem pronunciado para a posteridade: Rulén Ló Pê Teggy, é assim, aprendam.
Revendo as imagens fica-se com a ideia de que Jorge Jesus demorou a entender o sentido das palavras de don Julen. Tudo se inicia em ambiente de aparente bom-tom, até de elogiável cordialidade entre rivais.
Puro engano de Jorge Jesus. E é só quando o treinador do Porto se repuxa todo num frenesim até lhe encostar a franja, que é a sua imagem de marca, que o treinador do Benfica dá conta da má disposição do colega.
Ficaram, naturalmente, as actuações dos dois protagonistas à mercê do crivo da crítica profissional e dos desmandos da opinião pública com larga vantagem para Jorge Jesus por não ter sido o causador do incidente, por não se ter encolhido e também por não se ter esticado mas, muito principalmente, por não se ter deixado arrastar no engodo de prosseguir com a conversa pelo túnel dentro.
Don Julen bem tentou.
Já internado no túnel, o basco ainda se virou mais umas quantas vezes para o treinador do Benfica a citá-lo de longe para a discussão onomástica a coberto da escuridão. Mas não teve sorte.
Imperou o bom senso e o treinador do Porto foi sendo empurrado para o urgente recato por gente tranquila do staff portista, gente que, cá para mim, devia estar com uma vontade danada de lhe chamar, no mínimo dos mínimos, Lopotegui ou Lotopegui ou pior ainda.
Foi feio? Foi.
Bonito, bonito mesmo, foi o que se passou no relvado assim que Jorge Sousa apitou para o fim. Os jogadores das duas equipas cumprimentando-se como que a provar que o futebol pode ser um lugar cortês. Os dois guarda-redes abraçando-se e trocando de camisolas como que a vincar que o futebol pode ser um lugar bem frequentado.
E, finalmente, Ricardo Quaresma que depois de abraçar Júlio César se dirigiu a Jorge Jesus com quem trocou beijos e, se calhar, até uma confidência:
- Não faça caso, mister, aquilo é só fumaça, eu também lhe chamo Tototegui e ainda aqui estou para as curvas…
Quaresma começou o jogo sentado no banco de suplentes. Entrou em campo só a meio da segunda parte. Deveria ter entrado de início? Nunca se saberá. Mas que saiu de campo em grande estilo, lá isso saiu.

FALANDO de golos. No último domingo, 2206 dias depois da última vez que ficou em branco no Estádio da Luz, o Benfica voltou a ficar em branco num jogo disputado em casa.
Falando de contas. Os adeptos não se mostraram muito desagradados porque o resultado com que o jogo terminou – 0-0 – permitiu ao Benfica manter sobre o Porto o avanço de 3 pontos que terá agora de defender nas quatro jornadas que faltam até ao fim do campeonato.
Falando do futuro. Três pontos a mais. Não é uma vantagem sobrenatural. É, muito simplesmente, um avanço vulgar, corriqueiro, uma vantagem concreta mas que não consente desleixos. E bem sabe o Benfica como, por negligência ou por delírios de optimismo, se podem perder títulos que estiveram à mão de semear.
Falando do Gil Vicente. É o próximo adversário. Ocupa os últimos lugares da tabela e luta afincadamente para não descer de divisão. No sábado, o Benfica só somará 3 pontos se for a Barcelos predisposto a lutar afincadamente para ser campeão.
Falando do nome do treinador adversário. José Mota. Não haverá enganos. José Albano Ferreira Mota. Ninguém lhe vai trocar o nome. Trata-se de um treinador português, bem conhecido, com uma honrada folha de serviço. Fez-se a si próprio sem benesses nem padrinhos.
Todos a Barcelos. Carrega, Benfica.

COM o clássico do último domingo terminou o mini-campeonato entre os três grandes que, obviamente, nada decide mas que sempre alimenta a retórica de que o país se alimenta nestes fervores.
Abundaram os empates. Mas o melhor dos três grandes nos jogos entre eles disputados foi o Benfica porque ganhou um jogo ao Porto e empatou os demais. O Porto ganhou um jogo ao Sporting, perdeu um jogo com o Benfica e empatou os restantes. Quanto ao Sporting, somou duas derrotas e dois empates.
Lá mais para o fim de Maio, e se o Benfica cometer a difícil proeza de revalidar o título, talvez os estudiosos da matéria apontem para os dois golos de Lima no Dragão como os momentos fulcrais da Liga de 2014/2015.
Permitam-me discordar. Os dois golos de Lima têm grande importância. Mas, aconteça o que acontecer nas quatro jornadas que faltam disputar, o momento mágico que permitiu ao Benfica perseguir o sonho da revalidação do título terá sido aquele do golo de Jardel ao cair do pano em Alvalade.
Jardel Nivaldo Vieira, o nosso inconfundível Jardel, um portento de oportunidade.

UM jogo sem golos não é obrigatoriamente um mau jogo de futebol. O Benfica-Porto não teve golos mas foi, em termos atléticos, o melhor jogo do campeonato em curso.
Pela intensidade posta em campo, pela altíssima rotação com que foi disputado do princípio ao fim, pela entrega de todos, pelo fair-play e também pela excelente arbitragem, o Benfica-Porto de domingo mais pareceu um jogo estrangeiro do que um jogo da nossa Liga que é bastante pindérica de tal monta são as diferenças entre os dois emblemas que disputam o título e as demais 16 equipas.
Poderão contrapor os benfiquistas dizendo que bom jogo do Benfica foi o dos 6-0 ao Estoril. Mas como se não houve Estoril? Poderão também ripostar os portistas clamando que bom jogo do Porto foi o dos 3-0 ao Sporting. Mas como se não houve Sporting?
No domingo, houve Benfica e houve Porto. Anularam-se, é certo, porque são equipas do mesmo campeonato. Não houve golos, é verdade. Mas o combate foi formidável.
Em função das circunstâncias da classificação e do resultado do jogo da primeira volta entre ambos, este Benfica-Porto teve muito mais características de uma eliminatória a duas mãos de uma prova internacional, de uma Liga Europa (também não chegou aos calcanhares de uma Liga dos Campeões…) do que de um jogo do nosso campeonato de trazer por casa.
E é caso para dizer que o Benfica, jogando manco do lado direito na ausência de Eduardo António Salvio, defendeu muitíssimo melhor (e a coxear) a sua posição de privilégio e o seu bom resultado no Dragão do que o Porto fez, objectivamente, para o reverter em seu favor na Luz.

E agora, don Julen Lopetegui Argote?
Em Setúbal, joga o Helton da Silva Arruda ou joga o Fabiano Ribeiro de Freitas? O Helton deve estar muito mal visto pelos filósofos do trogloditismo porque foi abraçar o Júlio César no fim do jogo. Bem chamou a atenção para este pormenor Jaime Pacheco, em rescaldo televisivo, garantindo que estas gentilezas não têm cabimento no histórico da casa. E Pacheco sabe do que está a falar.
Jogue Helton ou jogue Fabiano, na verdade, tanto faz. São dois bons guarda-redes.
É pena é não haver um émulo do portero que foi don Julen Lopetegui entre os guarda-redes do Porto.
- Um Lopetegui para a baliza, já! Mas não, não há. Também era pedir muito."

Leonor Pinhão, in A Bola

Domingo à tarde

"O título desta crónica bem poderia sugerir um dos mais conhecidos romances de Fernando Namora ou do filme homónimo dos anos sessenta de António de Macedo. No entanto, é das tardes de domingo de futebol que escrevo.
No domingo à tarde, a Luz tem mais luz. No domingo à tarde, o vermelho é mais encarnado. No domingo à tarde, a águia não fica encadeada pelas luzes de não ser domingo à tarde. No domingo à tarde, o cheiro da relva é mais vegetal. No domingo à tarde, há lá mais famílias e gerações. No domingo à tarde, as papoilas são mais saltitantes. No domingo à tarde, os rostos são mais abertos. No domingo à tarde, o fim-de-semana ainda o é e tem hífens. No domingo à tarde, ainda não mergulhámos na antecâmara de segunda-feira. No domingo à tarde, não há a medida do cronómetro, ainda que no relvado e cronómetro conte. No domingo à tarde, há sol e há sombra lá em baixo para os artistas escolherem. No domingo à tarde, a chuva parece mais acolhedora e o vento mais harmonioso, ainda que iguais aos da noite. No domingo à tarde, o suor do esforço dos atletas pressente-se mais. No domingo à tarde, joga-se a bola como que fosse mais ao ar livre. No domingo à tarde, a 'chama imensa que nos conquista' é mais intensa. No domingo à tarde, o futebol é competição, mas também desporto. No domingo à tarde, vemos não apenas olhando e escutamos, não apenas ouvindo. No domingo à tarde, há ainda domingo depois. No domingo à tarde, o jantar é a horas.
Por isso tudo, gosto de ver o meu Benfica jogar na Luz no domingo à tarde. O futebol é mais conforme a sua natureza e o Benfica ainda acontece mais em mim."

Bagão Félix, in A Bola

O pragmatismo de Jorge Jesus

"A semana tem sido fértil em comentários desprimorosos sobre a exibição do Benfica no último jogo com o FC Porto. Dizem alguns comentadores e, inclusive, alguns benfiquistas que Jorge Jesus foi demasiado pragmático ao desvalorizar o espectáculo, procurando apenas olhar para o resultado conveniente.
Percebe-se o fundamento das críticas. O nome e a tradição histórica do Benfica deveria implicar responsabilidade, não apenas no domínio do resultado, mas da combinação ideal entre o resultado e a exibição.
A questão de fundo é que Jorge Jesus terá consideração incompatível essa relação e impossível essa combinação. Para o treinador do Benfica, havia apenas que escolher entre o resultado e a exibição. Decidiu-se pelo resultado. Sem hesitações, sem constrangimento e sem ambiguidades.
Curiosamente - ou talvez não - o mesmo têm dito e escrito alguns analistas ingleses sobre o Chelsea e José Mourinho. Dizem que o português só se interessa, mesmo, por ganhar mais um título em Inglaterra.
O problema é que esse só, não é tudo, mas quase tudo. O desporto de alta competição é, essencialmente, resultado e só depois exibição ou, como diria Jorge Jesus, nota artística.
Claro que há o exemplo do Barcelona ou do Bayern, onde, para felicidade dos seus adeptos, a qualidade das equipas admite o ideal: grandes resultados e grandes exibições.
Não é essa, como se deve reconhecer, a situação do Benfica que nem sequer terá a melhor equipa do futebol português e muito menos o melhor plantel. Daí a razão do pragmatismo de Jesus. Alguém o poderá levar a mal?"

Vítor Serpa, in A Bola

Jogar para o Ó-Ó

" «Atacámos como tínhamos de atacar. Infelizmente não marcámos nas oportunidades que criámos, algumas muito claras».
Lopetegui, treinador do FC Porto, a seguir ao 0-0 na Luz

Marca-se um golo a cada quatro oportunidades no futebol. É uma conta subjectiva, porque não há objectividade na definição do que é uma oportunidade de golo ou um remate perigoso, mas parece-me ter correspondência na realidade do futebol português, até nas provas europeias, onde a qualidade dos jogadores poderia, admita-se, aumentar o aproveitamento de 25 por cento para uns 30 ou 35...
Seja como for, tenho esse número como bom. Diria que um jogo com sete ou oito oportunidades de golo para uma equipa a três ou quatro para a outra tem uma forte possibilidade de acabar 2-0 ou 2-1. Qualquer jogo em que ambas as equipas andem perto do golo menos que quatro vezes pode bem acabar 0-0 (ou no caso do Benfica-FC Porto de domingo, Ó-Ó).
Foi, claro, o que aconteceu na Luz. E não importa quem teve mais oportunidades (eu só via duas, curiosamente quase iguais, por Jackson e Fejsa). Ter duas ocasiões de golo contra uma é ter o dobro das oportunidades mas a probabilidade disso se traduzir no resultado é bem diferente de quando se tem oito contra quatro. A história não difere muito do Sporting-Benfica desta segunda volta da Liga - Marco Silva, como Lopetegui agora, achou erradamente que o Sporting fez muito mais que os encarnados. Por acaso o jogo acabou 1-1, mas com o que se jogou devia ter acabado 0-0 (Ó-Ó).
O Benfica pôde, pela vantagem acumulada, jogar para o 0-0 (Ó-Ó) perante os dois grandes rivais. Na Luz acertou em cheio. Em Alvalade falhou nos números mas foi exemplar no sono que provocou."

Hugo Vasconcelos, in A Bola

A importância de ter Jonas

"Demorou a chegar mas é hoje um dos reforços que ninguém questiona. Aliás, se era visto com desconfiança ao início, dado o estatuto pouco querido em Valência, os golos silenciaram rapidamente todas as dúvidas. Jonas tem sido um às de trunfo para Jesus, vital na corrida a um título cada vez mais próximo e senhor de um queda para o golo que nem o próprio esperava. É a todos os títulos brilhante o que o avançado do Benfica fez desde que chegou a Portugal. Não é qualquer um que luta com Jackson pela conquista da Bota de Ouro. O colombiano continua a ser o melhor e mais completo ponta-de-lança a jogar em Portugal, mas o brasileiro tem números impressionantes e tornou-se tão importante nas águias como Cha Cha Cha nos dragões. Poucos podem dizer o mesmo.
São devidos parabéns a Vieira e Jesus pela contratação de Jonas. Um por se ter batido pelo jogador até ao fim, o outro por ter dado a concordância ao negócio. São pormenores como este que fazem toda a diferença na corrida às conquistas. Sem os golos que chegaram de Espanha dificilmente o Benfica estaria onde está hoje. Derley tinha mostrado algumas qualidades no Marítimo mas parecia curto para brilhar na Luz, como se viu esta época. Recorrer aos serviços de Jonas minorou o erro.
Para tê-lo o Benfica tem de pagar um bom ordenado, pois o brasileiro estava em final de contrato. Uma solução interessante para os encarnados, caso queiram reduzir os investimentos no mercado. Salários altos são custos fixos, mas outra forma de chegar aos craques. Uma espécie de compra a prestações que pode ajudar muito a equipa no futuro.
Depois há o perfume do futebol de Jonas É um dos que vale a pena ir ver aos estádios. E também por isso o dinheiro é bem gasto."