quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

'Pragmático' será a palavra de 2015

"Do Benfica 'pragmático' é Maxi Pereira o coração, a cabeça e as pernas. Ao que se soma a anca do Lima, o peito do Jonas e as mãos do Júlio César, imbatível para a Liga há 539 minutos.

ARRANCOU Janeiro com a vitória em Penafiel. Foi tal e qual como o treinador do Benfica tinha previsto. O cabo dos trabalhos para superar o honrado adversário que ocupa na tabela da Liga um dos lugares com direito à despromoção. Terminado o jogo com um resultado bem melhor do que a exibição, o treinador do Benfica acentuou que só um Benfica «pragmático» poderia ter levado de vencida o obstáculo acabadinho de contornar.
'Pragmático', pode-se já adiantar, vai ser a palavra do ano de 2015. Pode-se não gostar, é verdade, mas sempre dá menos mau aspecto ao país do que 'corrupção', eleita pelos portugueses como a palavra do ano de 2014.
O próximo jogo do Benfica é já no sábado contra o Vitória de Guimarães no Estádio da Luz que não mudou de sítio mas que mudou de morada. Agora fica na Avenida Eusébio da Silva Ferreira.
Fez agora um ano que Eusébio mudou de morada. No entanto, nunca mudará de sítio. Nunca, jamais. 

HOUVE, já agora, coisinhas que deram gosto ver no jogo esmifrado que o Benfica cumpriu em Penafiel no último domingo.
Maxi Pereira com a braçadeira de capitão, na ausência de Luisão, foi uma delas. A estreia de Gonçalo Guedes foi outra ainda que simbólica, para já. Todo o desenho do lance do primeiro golo foi outra. E a imagem de Jardel preso nas redes do 25 de Abril de tão feliz por ter marcado um golo foi outra coisa que também deu gosto ver.
Voltemos a Maxi Pereira.
Fica-lhe bem o distintivo, muitíssimo bem. Fez, sem qualquer espécie de dúvida, por merecê-lo ao longo da meia-dúzia de anos que já leva na casa.
O uruguaio não é propriamente um solista da categoria dos 'virtuosos'. Mas não deixa de ser um empolgante futebolista e um profissional da mais alta craveira. Do ponto de vista dos legítimos interesses dos adversários do Benfica, Maxi Pereira deveria ser expulso em todos os jogos antes de se esgotar o primeiro quarto de hora no relógio do árbitro.
E é este, aliás, o maior elogio que lhe chega das cores rivais. Cá para mim é inveja.
90% de pura inveja e 10% de velada admiração pelo extraordinário contributo do uruguaio em prol do jogo colectivo do Benfica.
Nesta temporada, que pode ser a sua última na Luz, Maxi Pereira até está a exagerar quando se trata de pôr em prática a surpreendente versatilidade do seu reportório prático. O uruguaio parece querer especializar-se em assistências improváveis para golos exóticos, o que não é para todos.
Aconteceu no Porto com a assistência à mão para o golo de anca de Lima e aconteceu mais recentemente, em Penafiel, com a assistência ao pé para o golo de peito de Jonas.
A crítica, sempre muito exigente, insiste em não atribuir nota artística para estes momentos raros mas, até por uma questão de modéstia, faria bem em reconhecer ao nosso uruguaio a soberba intenção com que mete a bola na área adversária de modo que qualquer parte anatómica de um colega de equipa lhe serve de tabela para o golo.
É o bilhar de Maxi. Será bilhar artístico ou bilhar pragmático?
A verdade é que se todos os pragmáticos fossem como Maxi Pereira não haveria adepto do Benfica excessivamente preocupado com a escassez que representam os 6 pontos de avanço sobre o segundo classificado quase à entrada para a segunda volta do campeonato.
Neste Benfica de 2014/2015, que se tem vindo a despejar dos talentos puros que marcaram a lindíssima temporada de 2013/2014, Maxi Pereira reúne todas as qualidades para ser o exemplo a seguir pelo grosso da equipa que pretende revalidar o título nacional num cenário de contracção do investimento.
Do Benfica 'pragmático' é Maxi Pereira o coração, a cabeça e as pernas. Ao que se soma a anca do Lima, o peito do Jonas e as mãos do Júlio César, imbatível para a Liga há 539 minutos, o que também ajuda a explicar a razão pela qual o Benfica é hoje o líder isolado da prova para desgosto imenso dos seus rivais.

A contar para a II Liga, o Benfica B foi a Alcochete vencer o Sporting B por 1-0. Como é da tradição foi um Cardoso o autor do golo da vitória benfiquista sobre o eterno rival. Cardoso, desta vez Fábio Cardoso não perdoou.

PELOS muitos e importantíssimos títulos que ganharam ao longo da carreira, há grandes treinadores que atingiram merecidamente o cume dos cumes sentando-se hoje nos bancos dos mais ricos e poderosos emblemas europeus.
José Mourinho e Carlo Ancelotti, são dois deles.
No Chelsea e no Real Madrid, gerindo colectivos de estrelas a preços exorbitantes para a nossa muito particular modéstia, ninguém exige a Mourinho e a Ancelotti que sejam 'pragmáticos' a não ser no momento decisivo de ir às compras.
- Quero o Bale, quero o Kroos e quero o James Rodriguez! – disse o Ancelotti e logo viu satisfeitos os seus desejos.
- Toma lá, desembrulha-os! – respondeu-lhe o presidente Florentino com um grande sorriso.
- E agora quero o Marco Reus! – diz agora o Ancelotti e verá provavelmente atendida mais esta prece até ao final deste mês de Janeiro.
Em Londres passa-se quase a mesma coisa.
- Quero o Matic, quero o Diego Costa e quero imediatamente o Courtois e o Drogba de volta e depois ainda vou querer o Talisca! – diz o Mourinho sabendo que vai ter sorte com a disponibilidade de Abrahmovic para alinhar nestes pragmatismos de eleição.
Felizmente o futebol não é uma ciência certa.
É o que me ocorre vendo os açambarcadores Real Madrid e o Chelsea, que chegaram a ter uma obscenidade de pontos de vantagem nas respectivas Ligas, a desbaratar paulatinamente os seus avanços, não tendo perdido jogadores importantes, não perdendo rotinas nem sistemas de jogo mas perdendo pontos aqui e ali…
E para reforçar o Chelsea, a sentir-se apertado pela concorrência, José Mourinho pede agora um cúmulo de pragmatismo no valor de 250 milhões de euros:
- Quero o Messi a ver se ganhamos o campeonato!
E quem sabe se não o vai ter?
Perante esta realidade do futebol mundial do topo do mundo, mais insólita e digna de elogio me parece esta persistência do depauperado Benfica em comandar com alguma (não muita) folga a Liga portuguesa graças a uma equipazinha permanentemente em obras e semanalmente desacreditada por analistas de todos os quadrantes.
Curiosa teimosia. Veremos, lá mais para diante, como isto tudo vai terminar.

O que já terminou foi a alegada crise de Alvalade. Terminou com a vitória do Sporting é a conclusão oficial que nem se discute em prol do sossego e do respeito devido a casa alheia.
O importante é que não se perdeu nada de significativo nessa turbulência. A única coisa que se terá perdido foi aquela declaração do presidente do clube dois dias depois do Natal elogiando José Eduardo e Eduardo Barroso pelo «elo de ligação» estabelecido depois da primeira e infundada vaga do ataque ao treinador. 
Acabou por ser a notícia mais efémera de sempre. Tal como veio, foi-se como se não tivesse existido. Era sobre a patente precariedade do dito «elo de ligação» que o José Eduardo deveria ter reflectido antes de se abalançar de peito feito à segunda vaga."

Leonor Pinhão, in A Bola

Estatuária estatutária (II)

"Cristiano Ronaldo tem qualidades pouco frequentes, se comparadas com a idiossincrasia do português-padrão: trabalhador incansável, perfeccionista até ao limite, exemplarmente determinado, saudavelmente ambicioso, profissional de mão-cheia. Além disso, não esquece nem secundariza as suas humildes origens, a sua família e a sua terra. Na globalização sem limites em que hoje se vive, Ronaldo tem no fascínio e desafio da sua profissão o que outros eleitos como Pelé, Eusébio, Di Stéfano e mesmo, mais recentemente, Maradona ou Cruyff nunca tiveram com a mesma magnitude: fama e iconografia planetárias, apreço universal, dinheiro a jorro, mercado publicitário à discrição. Mas, dia a história, há sempre o risco, com o decurso do tempo, de dissolvência de algumas destas expressões de sucesso quando lhe está associada uma overdose de presentismo e de vedetismo.
Alguns leitores estarão agora a perguntar por que razão, e neste contexto, teve Eusébio (em vida) uma estátua. Direi, apenas, que há, pelo menos, duas grandes diferenças: uma estátua erigida já o jogador do Benfica não estava no activo; uma estátua não publica, mas na propriedade e junto no estádio do clube que sempre teve no seu coração.
Apetece-me, neste contexto, alargar, metaforicamente, o que, sabiamente, Michelangelo disse há cinco séculos: «Como faço uma escultura? Simplesmente retiro do bloco de mármore tudo que não é necessário?. Em conclusão, Ronaldo já tinha estatuto mesmo que sem estátua que responsabiliza mais o estatuto. E que, no futuro, esta união estatuária-estatutária se fortaleça na raiz da exemplaridade."

Bagão Félix, in A Bola

Estatuária estatutária (I)

"Cristiano Ronaldo tem, ainda antes de completar 30 anos de idade, uma imponente estátua de bronze no Funchal, sua cidade natal. Muito se tem escrito sobre o tamanho, o material, o financiamento, a maior ou menos parecença com o homenageado. Em particular, por cá e sobremaneira nalguns media estrangeiros, disserta-se sobre derivados falicamente muito generosos que, no contexto da hoje impositiva globalização pansexual, muito irá contribuir para o falatório, o anedotário e a profusão de selfies certificadoras da protuberância a três dimensões.
Lembro-me de um frase de Carlos Drumond Andrade que li algures: «A estátua não faz reviver o grande homem, porém serve de ponto de referência para transeuntes». Neste caso, porém, Cristiano Ronaldo está bem vivo e activo. Já quanto à referência aos transeuntes está garantido o sucesso.
Mas não é tanto desses aspectos que agora escrevo. Refiro-me, antes, à oportunidade desta estátua no tempo. Claro que o nosso grande jogador - que orgulha Portugal - merece todos os encómios e galardões. Tem (e terá, por certo, ainda mais) troféus, bolas e botas de ouro, ordens honoríficas, acervos museológicos, esculturas de cera, biografias e muito mais. Mas, na minha opinião talvez a enorme estátua venha antes do tempo certo. A norma (que embora o sendo, também é passível de excepções) na estatuária e na toponímia é que a eternização de um vulto a celebrar se faz após a sua morte. E mesmo em vida, haverá melhores momentos para exaltar uma notável carreira que ainda está bem longe (esperamos) do fim. Por exemplo, depois de terminada a sua carreira de futebolista."

Bagão Félix, in A Bola