sábado, 19 de julho de 2014

Manipulação

"Acredito que alguns benfiquistas andem com certo medo e pudor de olhar para as capas dos jornais. A proliferação de parangonas desfavoráveis ao Benfica, sem fontes ou com fontes inquinadas, segue a par da mais despudorada propaganda e da mais subserviente louvaminha a favor de outros emblemas. Não tem nada que saber: nesta fase do campeonato, os Vermelhos são dados como fora da corrida enquanto verdes e azuis-e-brancos envergam as faixas de campeões da treta, prefabricados sem entrar em campo. O que vale ao Benfica é que os directores de jornais ainda não decidem títulos.
Perguntarão os leitores: mas não há regras? Claro que há. Mas a existência formal de regras não significa nada sem o sentido da honra e o dever da ética. E na triste face em que o nosso País vive, a mais elementar das regras é a sobrevivência, para o que haverá que agradar ao patrão, obedecer ao capataz.
A crer na generalidade das parangonas, o Benfica já teria vendido a pataco todo o plantel, a equipa B, os juniores, começando já a despachar os sub-14. Claro que, em sentido contrário, outros emblemas já teriam recebido paletes de enormes reforços, contentores de grandes descobertas, caravanas de sorridentes promessas. Para esta época, ao pseudo jornalismo e ao alegado scouting só lhes falta vender o jardim-escola da Luz e entregar as faixas na pré-temporada aos campeões da propaganda. O Benfiquista comum, como qualquer ser humano, está sujeito à manipulação e à desinformação, quase sem uma contra-partida para tanto lixo tóxico. Nesse contexto, bem-haja ao Eduardo Salvio, o jogador profissional atento às interrogações e angústias dos adeptos. «As expectativas para esta época são boas», teve Salvio o cuidado de transmitir e foi o único a fazê-lo."

João Paulo Guerra, in O Benfica

Medo

"A infância é o país da inocência mas também dos medos. Aqueles medos com os quais somos obrigados a viver. Tentei desde cedo erradicar o medo da minha vida. Ou melhor, o medo existe mas há algo que nos leva para além dele porque é assim que se mede a existência dos homens.
Alexandre O'Neill falou do medo assim:
«O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos
Sim
a ratos».
O jornalismo em Portugal tornou-se há muito o País do medo. Por um lado, há um medo que eu compreendo. «O medo do desemprego é uma forma de fascismo».
Por isso, uns acomodam-se, calam-se, obedecem. Outros simplesmente não questionam. E muitos alheiam-se.
É a vida-vidinha.
Depois há o medo que não entendo. Directores de jornais e de televisões, chefes, editores, colunistas pagos a peso de ouro. A esses, o desemprego não atinge. Fica bem longe das suas portas e, no entanto, também viram a cara para o lado, também ignoram, repetem discursos redondos versando as mesmas não-opiniões, encolhem-se perante poderes fátuos e até grotescos.
É assim na política, na economia, no futebol.
Era aqui que eu queria chegar. Conheço Paulo Bento há muitos anos. Antes de uma final da Taça que disputou pelo Estrela Amadora; no início da sua vida no Benfica numa digressão ao Brasil. Muitos anos.
Tem as suas culpas neste Mundial mazombo da Selecção Nacional? Há-de ter.
No tempo em que trabalhei na Federação Portuguesa de Futebol, o presidente aparecia nos momentos necessários, havia um vice-presidente e um director-desportivo. Agora, olho  o que vejo: um presidente a tempo inteiro com a equipa, três vices-presidentes em seu redor, um director-desportivo e mais e mais.
Continuo à espera que se questione a pirâmide a partir do topo, em vez de prodigalizarem sentenças bacocas sobre como uma selecção deve ir a sufrágio a cada Campeonato do Mundo.
Fale-se. Opine-se. Pergunte-se. Mas que se saiba porque uma estrutura tão cheia de dirigentes não soube, afinal, prever, controlar, dominar os acontecimentos e assumir as suas responsabilidades.
Para já, tudo me faz recordar o poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade:
«Que século, meu Deus!, exclamaram os ratos. E começaram a roer o edifício»."

Afonso de Melo, in O Benfica

Brasil 2014, notas finais

"Uma esplendorosa fase de grupos prometia mais, ainda assim, assistimos a um excelente Mundial. Tivemos muitos e bons golos, grandes defesas, quebra de recordes, incerteza, emoção, e um campeão justo. Messi não conseguiu ser Maradona, e, mesmo conquistando o prémio para o melhor jogador do torneio, esteve longe do brilhantismo evidenciado noutras alturas ao serviço do seu clube. Faltou esse toque de Midas para que a Argentina dos 'nossos' Enzo Pérez e Garay se sagrasse campeã. Fazendo jus à velha máxima do futebol, no fim ganharem os alemães. E ganharam bem. Entre todas as selecções, a 'Mannschaft' foi a mais compacta, a mais empolgante, a mais refinada, e, sobretudo, a mais eficaz.
Juntamente com a detentora do título Espanha (precocemente afastada), o Brasil de Scolari foi quem mais desiludiu. Realizou um campeonato regular até às meias-finais, mas aí claudicou por completo, entrando para a história pela porta errada. É fácil criticar o antigo seleccionador nacional, e, por cá, muitos têm aproveitado a ocasião para ajustar velhas contas. Talvez seja justo lembrar neste momento que, com ele ao leme, a nossa selecção conseguiu os melhores resultados de sempre, e que, antes ainda, o mesmo técnico havia já sido campeão do mundo pelo seu país. Também me recordo de, com ele, Portugal vencer a Rússia pelos mesmos 7-1 que agora lhe acertaram em cheio. Não gosto de injustiças, nem de gente com memória curta, e ainda menos de lavagens de roupa suja - nas quais a comunicação social portuguesa é fértil.
Por falar em Portugal, talvez seja altura (agora sim) de avaliar a prestação do conjunto de Paulo Bento, os 0-4 diante de campeã Alemanha parecem-nos hoje francamente mais aceitáveis. E o empate com os Estados Unidos terá sido, também, face a tudo o que se viu, um resultado normal. Podemos pois classificar a participação portuguesa dentro de parâmetros que ficam longe de corresponder à imagem negra que os media - sempre ávidos de sangue - procuraram passar ao longo destas semanas."

Luís Fialho, in O Benfica

Diz-se por aí... (política de avestruz)

"Diz-se por aí que este Mundial não provocou grandes tumultos no mercado de transferências este ano. A agitação nos mercados nacionais começou muito antes deste Mundial, agora acompanhado de um novo factor perturbante: a maquilhagem contabilística. Jogadores são adquiridos ao preço da chuva, mas com cláusulas de rescisão de vários milhões de euros. Clubes com passivos extraordinários continuam com aquisições de luxo e iniciativas mediáticas que, existisse um tribunal de contas para o Futebol, nunca veriam a luz do dia. Não podemos esquecer que reestruturações financeiras, fundos que dividem o valor dos jogadores em 25%, 30% ou 50%, empréstimos extraordinários, nada disto diminui verdadeiramente os passivos fora de controle ou o valor da divida financeira. Continua a política de gastar mais do que se tem e de contratar mesmo quando todos os indicadores aconselham prudência. Uma vez mais opta-se pela política de avestruz, de ignorar os dados. A factura, quando vier, a alguém será entregue.
O mercado do Futebol em Portugal e em muitos países europeus está dominado por estratégias de maquilhagem e irresponsabilidade impressionante. Clubes com passivos monumentais como o Sporting, anunciam contratações com valores de milhares de Euros mas apõem-lhes cláusulas de rescisão de 60 milhões. É o espectáculo a alimentar-se de si próprio. Não estivéssemos a falar de uma gigantesca estrutura económica e de um dos mais importantes e dinâmicas sectores económicas e de consumo, teria até uma certa graça ver os protagonistas genialmente inventivos que povoam o futebol português. Mas, tal como aconteceu recentemente nas contas da República, também nas contas do Futebol a factura há-de vir, seca e impiedosa a exigir o pagamento da conta. E é nesse dia que os vários clubes inventivos da nossa praça vão lamentar não ter tido um presidente como Luís Filipe Vieira."

André Ventura, in O Benfica

Benfica para além do óbvio

"Na contabilidade desta pré-época contabilizámos quantos futebolistas da equipa principal ficam e quantos saem. Especulámos sobre o assunto e alternámos entre o apocalipse e a descontração. Tendemos a esquecer que acabámos de fazer uma época de excelência e o que passou parece ter deixado de entrar na contabilidade.
No entanto, nesta contabilidade do que foi a época desportiva do Benfica importa ir um pouco além do óbvio. Importa perceber que há Benfica para além do excelente ‘triplete’ do futebol e que o nosso emblema triunfa num conjunto de actividades que têm tanto de eclético como de estruturantes em termos de formação e garantia de alicerces para o futuro.
Há poucos dias tivemos dois atletas medalhados nos Europeus de Canoagem. A medalha de ouro de João Ribeiro e o bronze de Teresa Portela terão obrigatoriamente de ser motivo de orgulho e realce. Terão obrigatoriamente de entrar no ‘deve e haver’ do sentir benfiquista.
No atletismo, a hegemonia de conseguirmos excelentes resultados (títulos!) na formação (juvenis, juniores e sub-23) deve significar mais do que uma nota de rodapé nas conversas entre benfiquistas. Diga-se que, na formação, o nosso Benfica obteve 28 títulos: 12 no atletismo; 5 no Hóquei em Patins; 4 no Futsal; 3 no Basquetebol; 3 no Voleibol; 1 no Andebol.
Cada um destes títulos tem o nosso nome, o nosso símbolo, o esforço de muitos atletas, treinadores e dirigentes. Cada um destes títulos é sinal de esperança num futuro eclético de um Benfica que, sendo na essência futebol, é muito mais do que apenas futebol. Cada um destes títulos deve, obrigatoriamente, entrar na contabilidade de uma época brilhante e que mais brilho tem se soubermos ver o Benfica para além do óbvio."

Pedro F. Ferreira, in O Benfica

Perguntas que não consigo responder

"Há vai ser um dia difícil para mim. Vou cortar o cabelo ao sr. António, e na cadeira do distinto barbeiro e ilustre benfiquista vou tentar responder a perguntas sobre as quais não faço a mais pálida ideia. Como muitos adeptos, o António imagina que qualquer dirigente do Benfica sabe quem entra, quem sai, porque entra ou porque sai. Vou tentar partir para o contra ataque mal chegue à barbearia/cabeleireiro:
- Que raio de adepto é o António que deixa vender os jogadores todos!!!
Mesmo antes da primeira resposta atiro logo a segunda a matar:

- Depois venham dizer mal do Jorge Jesus. Que pode fazer ele sem jogadores!!!
Enquanto tiro o casaco e me sento na cadeira para o corte disparo a terceira:

- O melhor era levar três do Estoril logo para ver se mudamos isto!!!
Depois tudo vai mudar, tenho que perceber que o António tem a tesoura e a navalha na mão, convém não abusar da sorte. Pensei e já tenho uma resposta que me parece válida para 90% das perguntas do António.
- Que quer amigo, é preciso pagar as contas, senão o clube acaba. Quer que isso aconteça?
Mesmo antes de Jorge Jesus entrar em campo com o seu primeiro onze de difícil solução, já eu tenho que estar preparado para responder a perguntas sobre as quais não imagino as respostas nem por aproximação.
Se mesmo assim a fúria do adepto estiver exaltada vou tentar apaziguar com um lacónico.
- Vai ver que os outros rivais também vão ter que vender muita coisa.
Mas o desporto tem estas coisas, o clube que ganhou tudo, e teve uma das mais espantosas épocas, é neste defeso uma amontoado de interrogações. Resta aos adeptos a alegria que logo à noite a bola já rola, e as nossas camisolas são fantásticas. Agora tem Jorge Jesus a palavra e isso é um activo importante para quem, como eu, acredita muito no seu valor."

Sílvio Cervan, in A Bola