sexta-feira, 20 de junho de 2014

O ano dos Manuéis

"Ao contrário do que alguns bempensantes escrevinham ou gaguejam, penso que o treinador de futebol do Benfica, Jorge Jesus, se expressa muito bem em português corrente e até usa expressões que enriquecem a linguagem ultrapassando o sentido literal das palavras. Ora isto é altamente incomodativo para a opinião publicada - a pequena parte da opinião pública que tem lugar cativo, muitas vezes à custa de fretes e recados, na comunicação de massas. Incomoda porque sendo Jorge Jesus treinador do Benfica, inatacável do ponto de vista dos conhecimentos sobre futebol, teóricos e práticos, vantajoso seria que fosse um grunho que embatucasse perante um microfone. Mas como não é, vá de explorar lapsos de linguagem, porque no plano das ideias e das técnicas do seu ofício o homem é inatacável.
É um pouco como as velhas anedotas sobre Samora Machel, quase todas elas adaptadas de velhas bacoradas do almirante cabeça-de-abóbora por ressabiados da descolonização. Outra questão é que Jorge Jesus é um homem do povo, um português tão simples como vivaço, que tem lapsos de linguagem como toda a gente comum, e os plumitivos da opinião publicada são todos uns doutores, em particular os doutores da treta.
De entre muitas felizes expressões utilizadas que Jorge Jesus, algumas são figuras de linguagem de grande alcance e de notável poder de síntese. É o caso da resposta de Jesus quando lhe perguntaram o que ia fazer, quando acabara de perder Matic, «Joga o Manuel», respondeu.
Pois bem. Eu sei que os jornais estão a exagerar quanto às perdas do Benfica no plantel para a época que vem. Mas também sei que se as perdas forem no limite do razoável, o treinador do Benfica saberá encontrar soluções. «Joga o Manuel». E está tudo dito."

João Paulo Guerra, in O Benfica

Tacho e lixo

"Salvador - Quatro canais de televisão transmitem todos os jogos em simultâneo para o Brasil. A «Globo» e a «Bandeirantes» (a «Bande»), talvez levem vantagem sobre a «ESPN» e a «Sportv». Comentários a cargo de jornalistas de renome, de jogadores de categoria, antigos internacionais. Outro mundo! Um mundo de qualidade.
Nem sempre concordo com Jorge Jesus - até discordo dele muitas vezes, o que é saudável. Quando teve a «temeridade» de dizer alto e bom som que havia demasiada gente fora do futebol a comentar futebol, aplaudi. Médicos, advogados, pedreiros, pseudo-escritores: vale tudo em Portugal.
Preocupados, aflitos na defesa dos seus tachos bem remunerados, as madalenas estrebucharam. Reclamam que o futebol é do povo e toda a gente tem o direito de opinar sobre futebol. De acordo. Também me arrogo o direito de comentar transplantes renais, taxas de juros e árvores-de-cames. Mas no café, com uma cervejinha, entre amigos. Se me oferecessem uns milhares largos de euros por mês para falar e escrever sobre supracitadas matérias estaria a ser desonesto. Porque não seu; porque não entendo; porque não estudei nem me dediquei às suas causas e efeitos. A desonestidade intelectual alheia não pode ser preocupação minha. Mas era evitável remexerem no lixo que os soterra. Recebem as ricas maquias e continuem a vomitar alarvidades sobre o jogo mais bonito do mundo. Cada um é livre de ler, ou não, tal lixo. Agora, por favor: poupem-nos à choraminguice bacoca e mazomba tão própria de gente sem espinha."

Afonso de Melo, in O Benfica

De oitocentos a oito

"Um penálti forçado a abrir o marcador; uma expulsão tão imprudente quanto exagerada; duas substituições por lesão; um golo nos descontos à saída para o intervalo; uma falta clara por sancionar, dentro da área adversária; uma falha clamorosa do guarda-redes a fechar as contas. Tudo isto aconteceu à nossa Selecção, na sua estreia no Mundial. Tudo isto aconteceu diante de uma das mais fortes candidatas ao título, que naturalmente soube aproveitar as circunstâncias para construir um resultado robusto. A agravar, também o desfecho do outro jogo do grupo pareceu encomendado pelo diabo, com um golo contra-corrente, já perto do fim, a desfazer o que seria um simpático empate entre Gana e EUA, logo a favor da equipa que defronta a Mannschaft na última jornada – com esta já previsivelmente qualificada. Pior era impossível. Como sempre acontece nestas ocasiões, as facas rapidamente saíram das bainhas, e o clima de histeria colectiva em torno de Ronaldo e seus pajens depressa se transformou numa caça às bruxas tão ao gosto de alguns comentadores do espaço mediático luso.
Nem oitocentos, nem oito. É importante dizer que a equipa nacional não é candidata a nada que não seja ultrapassar a fase de grupos. E é também importante lembrar que esse objectivo está ainda sobre a mesa. Na verdade, Portugal dispõe de um super-jogador, mas em redor dele gira uma equipa mediana, porventura a mais fraca das últimas duas décadas. E nem adianta questionar as opções técnicas, pois as eventuais alternativas também não escapam à mediocridade. Perder com a Alemanha é um resultado natural – embora os números tenham sido particularmente estrepitosos. Ganhar aos EUA e ao Gana é uma possibilidade, à qual a “Equipa das Quinas” terá de se agarrar com unhas e dentes.
Se algo correr mal, o mundo não acaba. O futebol tem a virtude de permitir sempre redenção, como pudemos vivenciar no nosso clube de 2013 a 2014. Talvez por isso se diga que está para além da vida e da morte. E é seguramente por isso que tanto nos apaixona."

Luís Fialho, in O Benfica