terça-feira, 1 de abril de 2014

As chicuelinas do Gato Negro

"Em 1942 nasceu Eusébio. E Ricardo Chibanga, o Eusébio dos toureiros, primeiro matador africano português. E Pedro Benje, o toureiro das balizas. Também ele impecavelmente escuro!

ÀS vezes a gente esquece-se de que ele foi do Benfica. Falo do Benje. Esta semana vou falar do Benje. O Benje marcou a ferro quente a memória dos rapazes das minha idade que entretanto deixaram de ser rapazes e caminham para avós. O Benje era negro e não havia em Portugal o hábito de ter negros à baliza. Além disso era elástico, felino, com um estilo inconfundível. Um gato. Um gato negro.
Pedro Benje Neto - nascido em Luanda no dia 21 de Agosto de 1942. Da idade de Eusébio. Jogou com Eusébio no Benfica - apenas uma época, a de 1964-65. O treinador era Elek Schwartz.
Quem também nasceu em 1942, no dia 8 de Novembro, foi Ricardo Chibanga.
Vocês lembram-se de Ricardo Chibanga? Eu lembro-me! E como me lembro! Um dia vi-o cansar um touro de 450 quilos à força de chicuelinas e depois colocar um joelho no chão e fazer-lhe uma festa no focinho. Era assim Ricardo Chibanga, o primeiro toureiro negro português. Português de Moçambique, está bem de ver. Como Eusébio.
É curioso como as coisas se cruzam e as pessoas se misturam.
Chibanga era o Eusébio das arenas. Benje era o Eusébio das balizas.
Impecavelmente negros!

Fazendo festas no focinho da bola
BENJE só jogou dois jogos oficiais pelo Benfica: ou melhor, nem isso. Defrontou o Seixal na 25.ª jornada do campeonato dessa época acima registada, no Estádio da Luz, e acabou por sofrer três golos. Nada de especial - o Benfica foi campeão com 6 pontos de avanço e venceu o Seixal pela barbaridade de 11-3! E nem foram precisos Coluna e Eusébio, José Augusto, Torres e Simões. Ficaram todos de fora para que gente como Guerreiro, Domingos Fernandes, Neto, Arcanjo ou Serafim também pudessem ser campeões.
E Benje, claro!
Depois, na última jornada, Benje defrontou o Vitória de Guimarães, no velho Estádio Municipal de Guimarães, mas só pela metade. Isto é, saiu ao intervalo para entrar Melo. Mais um campeão para essa época de 1964-65.
Uma época na qual o Benfica ganhou quase tudo: Campeonato, Taça de Portugal, perdendo a final da Taça dos Campeões para o Inter, em S. Siro.
Elek Schwartz foi dispensado: viva-se um tempo em que não ganhar a Taça dos Campeões marcava o destino dos treinadores. Ah! Que tempo esse!
O Benfica tinha quatro guarda-redes: Costa Pereira, Nascimento, Melo e Benje. Todos foram mais utilizados (Nascimento e Melo na Taça de Portugal) do que Benje. Por isso, Benje seguiu a sua vida e foi a partir daí que o pudemos ver fazer chicuelinas à bola afagando-lhe o focinho redondo.
Foi para o Varzim, onde esteve cinco épocas com uma de intervalo para jogar na Sanjoanense. Dava nas vistas. Lá está! Era o estilo! Uma elegância negra no voo; um ar distinto de cavalheiro dos trópicos. Sempre correcto, sempre profundamente educado.
Esteve no Farense mais cinco épocas. De 1971-72 a 1977-78. O cromo do Benje era disputado pela meninada do meu tempo. Um cromo ímpar. Não havia outro guarda-redes negro. Tal como não havia outro Chibanga.
Passou pelo Leixões, Estrela de Portalegre e Portimonense. No Benfica só os anos de júnior e a tal cinzenta época de sénior. Cinzenta, mas cinzenta dourada: ganhou o único título de campeão da sua carreira.
 Dois jogos; três golos sofridos. E uma presença que nós nunca iremos esquecer.
Toureiro da bola: e ela mansa, repousando nas suas mãos."

Afonso de Melo, in O Benfica