segunda-feira, 10 de março de 2014

Rebotalho a Oeste de Pecos

"1. Há quatro anos um grupo de selvagens - uma horda pouco ordeira portanto - invadiu o túnel de acesso às cabinas do Estádio da Luz e resolveu pontapear tudo o que esteve ao seu alcance pouco se importando se eram placares de plásticos ou crânios humanos. Como de costume, a justiça do futebol, formada pelo rebotalho dos tribunais, tratou de branquear a bestialidade dos brutos. Os tribunais civis, que fornecem ao futebol as raspas judiciais que atentam contra a nossa paciência e boa vontade, vieram tarde e a más horas condenar os protagonistas da estolidez. Entretanto pudemos ouvir e ler coisas tão cavalares como os coices distribuídos a torto e a direito nessa noite de cabeças perdidas.

2. Houve quem defendesse a chavasquice com unhas e dentes e erros de ortografia. Faz parte. A horda traz consigo a matilha que ladra à ordem do Madaleno. Nem um único desses opinadores que emporcalham a língua portuguesa e o nosso bom senso foi capaz de condenar os actos boçais. pelo contrário: transformaram as vítimas das patadas em conspiradores contra a liberdade regional que se pretende acima da lei e dos costumes.

3. Outros continuarão a negar os factos até ao fim da Humanidade à qual logicamente não pertencem. Querem ser bestas do Apocalipse mas não passam de meros pilha-galinhas que vivem à sombra dessa lei que não existe a Oeste de Pecos."

Afonso de Melo, in O Benfica

A agradável visita do Comércio e Indústria

"O Campeonato de Portugal foi a primeira prova verdadeiramente nacional do futebol português. O Benfica conquistou-a por três vezes, apesar de haver quem nem contabilize no palmarés. Adversários foram vários e curiosos.

ORA muito bem, quem faz o favor de me ir lendo por estas páginas, semana após semana, vai dando conta que mais do que a prosa em si o que me preocupa é trazer até ao estimadíssimo leitor acontecimentos, pormenores ou personagens ligados de uma forma ou de outra à história do Benfica. Assim sendo, desta vez vou falar do Comércio e Industria. Originalmente União do Comércio e Indústria, mais tarde União de Futebol Comércio e Indústria, fundado no dia 24 de Junho de 1917 (sem invenções, como uns e outros!) pelos empregados da indústria conserveira de Setúbal, e respectiva actividade comercial, como está bem de ver.
Se há nome que liga umbilicalmente o Benfica ao Comércio e Indústria, esse é o de Jaime Graça, natural de Setúbal, falecido faz agora no dia 28 de Fevereiro dois anos, médio de ataque de águia ao peito entre 1966 e 1975 e com sete títulos de campeão no bornal. Quando houver a oportunidade, falaremos dele aqui com mais pormenor. Sim, porque em 1978, depois de ter pendurado as chuteiras como jogador do seu Vitória de Setúbal, conseguiu conduzir como treinador o Comércio e Indústria ao título de campeão da Associação de Futebol de Setúbal, algo que foi para proeza de truz para o simpático clube nascido nesses tempos alegres em que ainda havia comércio e ainda havia indústria. «Ai que saudades, ai, ai», diria o bom Carlos Pinhão.

Campeonato de Portugal
HOUVE um dia que o Comércio e Indústria se cruzou oficialmente com o Sport Lisboa e Benfica. Ou melhor, houve dois. Jogava-se o Campeonato de Portugal de 1932/1933. Foi a primeira competição verdadeiramente nacional organizada entre nós, inicialmente apenas destinada aos campeões regionais de Lisboa, Porto, Algarve e Funchal (os únicos que se disputavam em 1921).
O Campeonato de Portugal tinha pouco de campeonato. Era disputado em sistema de eliminatórias, ou em sistema de taça, pelo que não é de estranhar que, a partir de 1938/1939 tenha adoptado precisamente essa designação: Taça de Portugal.
Com o decorrer dos anos, o número de participantes foi crescendo. Na época de 1927/1928 já tínhamos 1.ª eliminatória, oitavos-de-final, quartos-de-final, meias-finais e final. Sempre jogados a uma só mão.
Até 1926/1927, a participação estava resumida aos campeões de seis distritos: Lisboa, Porto, Algarve, Coimbra, Braga e Funchal. Na época seguinte, são 28 os clubes inscritos, 12 dos quais apurados num torneio de qualificação realizado entre os meses de Outubro e Fevereiro. Entre Março e Junho, a fase final englobava estas 12 qualificados e as 16 equipas presentes nos oitavos-de-final da época anterior, sendo que o representante da Madeira, devido às dificuldades de deslocação, só entrava na liça a partir dos quartos-de-final.
A partir de 1928/1929, só a primeira eliminatória era disputada a uma só mão. Todas as outras a duas mãos. A partir de 1934/1935, reduziu-se o número de participantes a 16, com todas as eliminatórias a serem disputadas a duas mãos.
As explicações estão dadas. Mas ainda há quem ignore a prova. E nem a acrescente ao palmarés do Benfica que a conquistou por três vezes: 1929/39, 1930/31 e 1934/35.
Vamos então, depois deste relambório que tem a sua importância, até ao dia 14 de Maio de 1933. Depois de ter eliminado o Marinhense por 6-0 na primeira eliminatória, o Benfica recebe o Comércio e Indústria no Campo das Amoreiras. Vitória curta mas suficiente: 2-0. Golos de João Oliveira e Vítor Silva, ambos no último quarto-de-hora, o que revela a resistência oferecida pela rapaziada de Setúbal.
No dia 21 de Maio, no Campo da Bela Vista, jogou-se a 2.ª mão: vitória exactamente idêntica à anterior - 2-0, com os dois golos a serem apontados por Vítor Silva. E assim sendo, o velhinho Comércio e Indústria saiu do Campeonato de Portugal de cara lavada. Já o Benfica, enfim... Nos quartos-de-final vai ao Porto ser goleado por 8-0 pelo FC Porto. A vitória no jogo de resposta seria insuficiente: 4-2.
Malhas que o futebol tece..."

Afonso de Melo, in O Benfica